Resumo: Para Alexy, a definição de ponderação passa pela compreensão de que “quanto mais alto seja o grau de descumprimento ou prejuízo de um princípio, maior deverá ser a importância do cumprimento do outro”. Para o autor, a ponderação “não formula outra coisa senão o princípio da proporcionalidade em sentido estrito”. Suas proposições, que contemplam as conhecidas fórmulas de peso por ele desenvolvidas, vêm recebendo importantes críticas ao redor do mundo. As críticas procedem apenas em parte, sobretudo no ponto em que atacam o uso excessivo e desnecessário de fórmulas aritméticas. Não obstante, em relação à racionalidade, a ponderação parece apresentar-se tão racional quanto qualquer outro método argumentativo que trate de problemas complexos, não resolvidos pela tradicional subsunção. O que deve ser controlado é o mau uso, o recurso excessivo à ponderação (ou a um princípio supostamente ponderado a partir da teoria dos princípios) como “varinha mágica”, pretensamente apta a resolver pronta e adequadamente qualquer problema jurídico.
Palavras-chave: Ponderação. Proporcionalidade. Racionalidade.
Sumário: Introdução. 1. A ponderação em Robert Alexy. 2. Críticas à teoria defendida por Alexy. 2.1. A alegoria da “Katchanga”. 3. Considerações críticas sobre as críticas à ponderação. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Neste breve ensaio, inicia-se com breves considerações sobre a “lei da ponderação” desenvolvida na obra de Robert Alexy.
Em um segundo momento, relatam-se algumas das críticas (feitas por doutrinadores brasileiros e estrangeiros) que vêm sendo feitas às ideias por ele defendidas.
Por fim, tais críticas são retomadas e, à medida do possível, devidamente avaliadas.
1. A ponderação em Robert Alexy
Para Robert Alexy, os princípios[1], tomados como mandados de otimização, exigem uma realização mais completa possível em relação às possibilidades fáticas e jurídicas.
A referência às possibilidades fáticas, afirma, demanda o exame dos princípios da adequação e necessidade[2]. A referência às possibilidades jurídicas demanda a aplicação da “lei de ponderação” (que, segundo Alexy, estaria inserida em um princípio[3] mais abrangente, a proporcionalidade[4]), por ele sintetizada da seguinte forma: "Quanto mais alto seja o grau de descumprimento ou prejuízo de um princípio, maior deverá ser a importância do cumprimento do outro. A lei da ponderação não formula outra coisa senão o princípio da proporcionalidade em sentido estrito[5].”
De acordo com Alexy[6], a “lei da ponderação” pode ser dividida em três estágios:
“O primeiro estágio envolve o estabelecimento de um grau de não satisfação de, ou detrimento a, um primeiro princípio. Este é seguido por um segundo estágio no qual é estabelecido o princípio concorrente. Finalmente, no terceiro estágio, é estabelecido se a importância de satisfazer o último princípio justifica o detrimento a ou a não satisfação do anterior.”
Tais variáveis são analiticamente trabalhadas por Alexy em sua conhecida “fórmula de peso”.
2. Críticas à teoria defendida por Alexy
Em artigo desenvolvido recentemente, Alexy tratou de rebater, especialmente, duas críticas feitas à teoria por ele defendida pelo consagrado filósofo alemão Jürgen Habermas: a primeira, no sentido de que a ponderação não seria um procedimento racional; a segunda, que tratou como de índole conceitual, no sentido de que a ponderação seria capaz de produzir resultados, mas não seria capaz de justificá-los (ou de legitimá-los).[7]
Não é apenas na Alemanha, evidentemente, que as ideias de Alexy em relação à ponderação vêm recebendo duras críticas. Na Espanha, em artigo intitulado “De la imponderable ponderación y otras artes del Tribunal Constitucional”, Santiago Sánchez González[8] tratou do tema, afirmando:
“El juicio de ponderación –y las técnicas asimilables aquí estudiadas- han ampliado el ámbito de actuación del Tribunal Constitucional y le han permitido alterar la distribución de poderes prevista por el poder constituyente, invadiendo esferas atribuidas a otros órganos constitucionales y mutando la Constitución. Como consecuencia de ello, no podía ser de otra manera, se ha puesto en tela de juicio la legitimidad de su actuación”.
2.1. A alegoria da “katchanga”
Após gerar um frenesi no meio jurídico brasileiro – acadêmico, em um primeiro momento, com encampação jurisprudencial, posteriormente, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal –, a ponderação – importada como instrumento de solução de conflitos entre direitos fundamentais – vem recebendo, atualmente, inúmeras críticas por parte de renomados juristas.
No país, a alegoria denominada “katchanga” [9] bem sintetiza as críticas que vêm sendo feitas à teoria dos princípios (e, consequentemente, à ponderação).
Eis a fábula.
Em um cassino imaginário, um homem misterioso[10] ingressou no recinto, com os bolsos cheios de dinheiro, visivelmente disposto a apostar alto. Abordado, disse ao croupier, no entanto, que jogos tradicionais não lhe interessavam. Gostaria de jogar, apenas, a “katchanga”.
Desconfiado, mas, ao mesmo tempo, curioso, o funcionário do cassino resolveu arriscar-se, mesmo sem conhecer minimamente as regras do jogo. Após o início de cada rodada, tão logo encerrada a distribuição de cartas, o homem bradava: “katchanga!” [11]. Recolhia, prontamente, então, as fichas.
Após algumas rodadas, o croupier pensou ter entendido, finalmente, no que consistia o jogo e, consequentemente, como faria para vencê-lo. Quem dissesse “katchanga” primeiro, pensou, seria o vencedor. Assim, tão logo iniciada a nova rodada, adiantando-se ao visitante, gritou, com ar de vencedor, “katchanga!”, e passou a recolher as fichas. O homem, no entanto, prontamente interveio, mostrando suas cartas: “Espere um momento: tenho uma katchanga real na mão”. E levou as fichas.
3. Considerações críticas sobre as críticas à ponderação
A ponderação, embora as inúmeras tentativas de lhe conferir a maior objetivação possível – as fórmulas[12] de peso trazidas por Alexy bem representam esse esforço argumentativo –, não escapa, realmente, de um determinado grau de subjetivismo[13]. Bem ressalta Carlos Bernal Pulido que não se trata de “un procedimiento algorítmico que por si mismo garantice la obtención de una única respuesta correcta en todos los casos”. Prossegue o jurista colombiano:
“La ponderación se rige por ciertas reglas que admiten una aplicación racional, pero que de ninguna manera pueden reducir la infl uencia de la subjetividad del juez en la decisión y su fundamentación. La graduación de la afectación de los principios, la determinación de su peso abstracto y de la certeza de las premisas empíricas y la elección de la carga de la argumentación apropiada para el caso, conforman el campo en el que se mueve dicha subjetividad.”
É frequente, e, aqui, podemos ficar apenas com a experiência brasileira, o recurso excessivo, na justificativa de decisões, à teoria dos princípios e, consequentemente, à ponderação, como ressalta, em tom crítico, Daniel Sarmento[14]:
“(…) Muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser””.
Pode-se colher da jurisprudência exemplos de inúmeras situações em que o Poder Judiciário[15]. (e não apenas o brasileiro)[16] desconsiderou posições legítimas tomadas pelo legislador, ignorando, a pretexto de efetivar em maior medida um ou outro princípio, a premissa de que ponderar não é, e jamais poderia ser, uma atividade associada exclusivamente à função jurisdicional A respeito, refere Humberto Ávila:[17]
“(…) Como a Constituição de 1988 é composta basicamente de regras, e como ela própria atribui, em inúmeras situações, ao Poder Legislativo a competência para editar regras legais, sempre que esse poder exercer regularmente a sua liberdade de configuração e de fixação de premissas dentro dos parâmetros constitucionais, não poderá o aplicador simplesmente desconsiderar as soluções legislativas”.
Como exercício de prudência, deve o Poder Judiciário, como ressalta Luís Roberto Barroso[18],
“(…) acatar escolhas legítimas feitas pelo legislador, ser deferentes para com o exercício razoável de discricionariedade técnica pelo administrador, bem como disseminar uma cultura de respeito aos precedentes, o que contribui para a integridade, segurança jurídica, isonomia e eficiência do sistema”.
Em tais aspectos, no entanto, as críticas (aqui, procedentes, convém registrar) devem ser dirigidas ao mau uso da ferramenta, e não propriamente à ponderação. É evidente que não são todos os problemas jurídicos – longe disso, diga-se de passagem – que devem ser resolvidos ponderando. Acerca do tema –“¿cuándo hay que ponderar?” –, responde Manuel Atienza[19]:
“(…) hay que ponderar (mejor: el juez ha de ponderar; también el legislador pondera, pero este aspecto lo dejaremos aquí de lado) cuando, para resolver un caso, no puede partir directamente de una regla, de una pauta de comportamiento específica, que controla el caso y que (sin entrar en alguna precisión que aquí no es necesario hacer) permitiría un razonamiento de tipo clasificatorio o subsuntivo. Y la pregunta, entonces, es: ¿Cuándo ocurre esto? Pues bien, nos encontramos (el juez se encuentra) en esa situación cuando: 1) no hay una regla que regule el caso (existe una laguna normativa en el nivel de las reglas); 2) existe una regla pero, por alguna razón, la misma resulta inadecuada, esto es, hay lo que cabría llamar una laguna axiológica (en el nivel siempre de las reglas); 3) o bien, simplemente, es dudoso si existe o no una regla del sistema que regule aceptablemente el caso”.
De igual forma, embora o inegável grau de subjetivismo que a cerca (subjetivismo que, sem dúvida, seria identificado em qualquer proposta argumentativa que, de outra forma, também tratasse de questões jurídicas complexas), a ponderação jamais poderá servir como suporte para legitimar posições arbitrárias.
Em suas decisões, o aplicador do Direito não poderá, valendo-se de princípios como se suportes decisórios imediatos fossem (lembre-se de que se tratam de mandados de otimização), furtar-se de seu ônus de argumentar racionalmente.
É dizer, o encaixe de um ou outro princípio a determinada situação concreta, não pode servir como espaço para o exercício da “katchanga”. Revelam-se absolutamente carecedoras de racionalidade e, consequentemente, arbitrárias, decisões que, como se fundamentadas fossem, limitam-se a afirmar, por exemplo, que “com base no princípio dignidade da pessoa humana, defiro a liberdade provisória”; ou, ainda, “tendo em vista o princípio da legalidade, reputo que B não é devido”.
Seja como for, em um sistema de direitos fundamentais, sempre complexo (em maior ou menor medida), em que direitos são tomados como posições prima facie[20] e que, portanto, colidem a todo o momento, a ponderação[21] representa – salvo prova em contrário, a ser produzida por novas teorias argumentativas – um importante instrumento de equacionamento de tensões constitucionais.
Parece haver, bem assim, diversos antídotos aos venenos que a ponderação produz[22]. Tendo em vista que ponderar não significa, em qualquer hipótese, dispensa do dever de fundamentar, sempre será possível avaliar criticamente a racionalidade[23] dos argumentos expostos para justificar o resultado da ponderação.
Se há métodos mais objetivos ou racionais do que a ponderação (ou sopesamento, como também é chamada) e que, “ao mesmo tempo, sejam adequados para a interpretação e a aplicação dos direitos fundamentais em um Estado constitucional contemporâneo”, quem o defende terá de desincumbir do ônus de “demonstrar a viabilidade metodológica, teórica e institucional dessa suposição”[24].
Feitas tais considerações, encerra-se este breve ensaio, no clima da “katchanga”, com uma advertência também alegórica, mas que pretende sintetizar as posições aqui expostas: “o Ministério da Prudência” adverte: ponderar em excesso faz mal à saúde de um estado democrático de direito. Pondere com moderação!
Conclusão
Não se pretende, aqui, retomar todas as observações feitas ao longo do trabalho, mas, apenas, concluir que a ponderação, se não representa um instrumento argumentativo infalível, livre de críticas, pode, sim, ser considerada um método racional de solução de tensão entre princípios. .
De fato, a ponderação, embora não se resuma a fórmulas matemáticas, nem escape a apreciações subjetivistas, parece apresentar-se tão racional qualquer outro método argumentativo que trate de problemas complexos, não resolvidos pela tradicional subsunção. Deve-se controlar o mau uso, o recurso excessivo à ponderação (ou a um princípio supostamente ponderado a partir da teoria dos princípios) como “varinha mágica”, pretensamente apta a resolver pronta e adequadamente qualquer problema jurídico.
Informações Sobre o Autor
Fábio Soares Pereira