Resumo: Este artigo demonstra a importância dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania na efetiva aplicação da Política Nacional de Resolução de Conflitos, Através dos Métodos da Conciliação e Mediação, bem como, chama à atenção, para os pontos controvertidos levantados em relação ao procedimento adotado pelos Cejuscs, quais sejam: ausência de regras de competência territorial; não obrigatoriedade da participação de advogados nas sessões de conciliação/mediação e se o advogado pode exercer advocacia no juízo em que atua com conciliador e, mostra o ponto de vista de vários operadores de direito acerca de cada ponto.[1]
Palavras-chaves: Conciliação. Procedimento. Competência. Conciliador.
Abstract: This article issue the importance of Judicial Centers for Conflict Resolution and Citizenship in the efective application of National Conflict Resolution Politicy, through the Metthods of Conciliation and Mediation, and draws attention to the controversal points raised in relation to the procedure adopted by the CEJUSCs, which are: Absence of rules of territorial competence, absence of lawers in the conciliation/mediation sessions and the lawer car practice law in the court where he acts as conciliator and shows the point of view of several operators of the law on each point.
Keywords: Conciliation. Procedure. Competence. Conciliator.
Sumário: Introdução. 1. Competência Territorial. 2. Não obrigatoriedade de advogados nas sessões de conciliação e mediação. 3. Advogados podem exercer advocacia no mesmo juízo em que atuam como Conciliadores/mediadores?.Conclusão e Referências.
Introdução
É notório que o judiciário está sobrecarregado com muitos processos para serem julgados, principalmente no Judiciário do Estado de São Paulo, que possui o maior número de processos em andamento.
Para ter uma ideia do número de processos em andamento no Brasil, trouxe os dados estatísticos do CNJ:
“O Poder Judiciário brasileiro finalizou o ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação. Em média, a cada grupo de 100 mil habitantes, 12,907 mil ingressaram com uma ação judicial ao longo do ano de 2016. Ingressaram 29,4 milhões de processos, crescimento de 5,6% em relação a 2015. Foram baixados 29,4 milhões de processos, crescimento de 2,7% em relação a 2015”. [2]
Esse problema poderia ser resolvido com maior investimento em estrutura e pessoal, o que não é possível neste momento, em razão da “crise” em que nosso país está passando. Neste cenário, a Resolução 125/2010, instituiu a Política Pública de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse, através dos métodos da conciliação e mediação.
O Novo Código de Processo Civil incentivou essa ideia, conforme bem expresso no artigo 3º, paragrafo 3º do CPC:
“A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
Para por em prática essa nova Política Nacional, a Resolução 125/10 do CNJ, em seu artigo 8º, determinou que os Tribunais de Justiça criassem os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, que diz:
“Para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis e Fazendários, os Tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela sessões e audiências de conciliação e medição que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão”.
O Novo Código de Processo Civil reiterou essa orientação no artigo 165 do CPC: “Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”.
Os Centros Judiciários de Solução de Conflito e Cidadania são unidades dos Poder Judiciário, que tem a finalidade principal de trazer ao jurisdicionado uma justiça mais célere e eficaz e, consequentemente, contribuir para a diminuição dos processos em andamento no Judiciário.
Os Centros Judiciários de Solução de Conflito e Cidadania possuem três setores, Pré-Processual, Processual e Cidadania. Este artigo se dedica ao setor Pré-Processual, onde os pontos controvertidos são levantados.
O procedimento de funcionamento do setor pré-processual dos Cejuscs vêm delineados no artigo 11, do Provimento CSM nº 2.348/2016.[3]
Neste dispositivo legal, não foram determinadas regras de procedimentos, tais como, regras de competência territorial e material, limites do valor da causa e nem tão pouco se mencionou custas. Acredito que o objetivo de não se determinar regras é para atender o maior número de pessoas, principalmente no setor pré-processual, porque, resolvendo-se os problemas nesta fase, não haverá necessidade de ajuizar ação judicial, o que resultaria na diminuição do número de processos judiciais.
De acordo com o provimento supra citado, o procedimento do Cejusc é bem simples, funciona assim:
– Parte interessada comparece no Cejusc e solicita o agendamento de audiência de conciliação;
– Cejusc expedi termo de ajuizamento, agenda a audiência de conciliação e expedi carta convite para a parte contrária;
– Na audiência as partes são recebidas por um conciliador/mediador, que agirá como um facilitador para que as partes cheguem ao acordo;
– Havendo acordo, o juiz homologará por sentença, que servirá de título executivo;
– Não havendo acordo, o expediente será arquivado e as partes deverão ajuizar a ação competente para resolver o seu problema.
Em primeiro momento, verifica-se que o procedimento adotado nos Cejuscs vem se mostrando muito eficiente, o que se verifica pelos altos índices de acordos das sessões de conciliação realizadas.
Por exemplo, os dados estatísticos do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que no ano de 2016, considerando os dados das reclamações pré-processuais e processuais, na área da família foram realizadas 139.431 sessões, que chegaram a 98.450 acordos. Na área cível foram realizadas 488.032 sessões, que chegaram a 232.710 acordos, tendo um percentual de acordos 84% da área da família e 55% de acordos na área cível. [4]
Mas, será que os fins justificam os meios? Neste sentido, é que são levantados três pontos relevantes pelos operadores do direito sobre o procedimento dos Cejuscs:
– Primeiro: Ausência de regras de competência territorial;
– Segundo: Não obrigatoriedade de advogado participar nas sessões de conciliação e mediação realizadas nos Cejuscs;
– Terceiro: Advogados que exercem advocacia no mesmo juízo em que atuam como conciliadores/mediadores.
1. Competência Territorial
Como já mencionado, os Cejuscs não possuem regras de competência territorial, podem ser feitas reclamações sem observar o domicílio das partes, o local da obrigação, etc…, contrariando as regras do nosso ordenamento jurídico (artigos 42 e seguintes do CPC).
Assim, em tese, uma pessoa que reside em Cotia/SP, pode requer agendamento de audiência de conciliação no Cejusc de Itapevi/SP, que enviará carta convite para o reclamado, que reside em Rio de Janeiro/RJ, para resolver um problema de um imóvel que está localizado em Belo Horizonte/MG.
Mais preocupante ainda é o fato de que nos Cejuscs é possível que uma empresa de grande porte, sem ter qualquer custo, solicitar agendamento de sessão de conciliação, com o objetivo de fazer cobranças de seus clientes inadimplentes que residem em outras comarcas, os quais terão que arcar com os custos de transporte para comparecerem na sessão de conciliação, onerando a parte hipossuficiente da relação contratual, o que fere os princípios de proteção ao consumidor, delineados no Código de Defesa do Consumidor.
Demonstrando a importância do princípio da vulnerabilidade do consumidor, a Dra. Belinda Pereira da Cunha, em seu livro, Coleção Roteiros Jurídicos, Direito do Consumidor, afirma: “Ao consolidar-se como diploma constituído por normas principiológicas, a Lei n. 8.078/90 – o Código de Proteção e Defesa ao Consumidor – atendeu importante, senão das mais relevantes garantias constitucionais, ao reconhecer em seu art. 4º, I, a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.”[5]
De um lado é bom não ter regras restritivas, pois isso facilita o acesso dos jurisdicionados aos métodos de conciliação e mediação dos Cejuscs. Por outro, a ausência de regras é um retrocesso aos direitos já garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, se faz necessário estabelecer algumas regras mínimas de competência territorial nos Cejuscs.
Contudo, deve-se ter cautela ao se estabelecer regras aos Cejuscs, principalmente as regras de competência territorial, já que não há Cejuscs em todas as comarcas do Estado, então se houver regras de competência territorial semelhantes aos do Código de Processo Civil, algumas pessoas não poderão utilizar os serviços prestados pelos Cejuscs.
Para sanar esse problema, poderiam ser acrescentados alguns parágrafos ao artigo 11 do Provimento 2348/2016:
§ 1º – A pessoa interessada em resolver um problema por meio dos métodos de conciliação e mediação deverá comparecer no Cejusc da Comarca do seu domicílio;
§ 2º – Caso não tenha Cejusc na Comarca de seu domicílio, a pessoa interessada deverá comparecer no Cejusc da Comarca mais próxima do seu domicilio;
§ 3º – Se o problema a ser levado à conciliação tratar-se de relação de consumo, a sessão de conciliação ou de mediação deverá ser solicitada no endereço do consumidor.
2. Não obrigatoriedade de advogados nas sessões de conciliação e mediação
Alguns advogados não concordam com o procedimento adotado pelos Cejuscs, notadamente quanto à realização de audiências, sem a presença de advogados, o que para eles é uma afronta o artigo 133, da Constituição Federal, que informa que a presença do advogado é indispensável para à administração da Justiça.
Alegam ainda, que a parte está sendo prejudicada, porque não estando assessorada por um técnico e poderá perder alguns direitos que lhe cabem, portanto, imperioso que as partes estejam assistidas de advogado, o que vem determinado na Lei de Mediação nº 13.140/2015 em seu artigo 26:
“As partes deverão ser assistidas por advogados ou defensores públicos, ressalvadas as hipóteses previstas nas leis nºs 9.099, de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.”
Entendendo a importância da participação de advogados nas sessões de conciliação, a Dra. Valeira Ferioli Lagrasta, MM Juíza Coordenadora do Cejusc de Jundiá/SP, afirma em seu livro Guia Prático de Funcionamento do CEJUSC:
“…a participação dos advogados, acompanhando as partes, nos procedimentos afetos aos métodos consensuais de solução de conflitos, é necessária, pois é esta participação que confere segurança jurídica aos acordos eventualmente obtidos nesses procedimentos, uma vez que apenas eles podem aconselhar juridicamente as partes (conduta vedada ao terceiro facilitador, ainda que este tenha como profissão de origem a advocacia, de acordo com o Código de Ética, do Anexo III, da Resolução CNJ nº 125/2010) e indicar a utilização de termos necessários a fim de que o acordo se torne exequível, caso descumprido”.[6]
Em sentido contrário é o entendimento do Professor e Advogado, Dr. Claudio Aparecido Ribas da Silva, que em seu artigo, Mediação e Conciliação no Novo Código de Processo Civil: Uma nova estrutura processual para tais meios de solução dos conflitos, colacionado no livro Novo Código de Processo Civil: Principais Alterações do Sistema Processual Civil, afirmou:
"De se ponderar que em diversas situações de demandas judiciais a presença do advogado é dispensada e no procedimento de conciliação e mediação, especialmente na fase pré-processual a presença do advogado é irrelevante posto que é livre a manifestação de vontade de partes maiores e capazes em torno de direitos disponíveis que é a grande maioria dos conflitos que podem ser solucionados pela técnica da conciliação e da mediação".[7]
Importante salientar que este procedimento não é novo, pois a Lei nº 9.099/95 que regem o Juizado Especial autoriza à parte reclamar prestação judicial de menor complexidade sem assistência de advogado, quando a ação não ultrapassar o valor de 20 salários mínimos. Logo, pergunta-se, porque neste procedimento, os advogados não insurgiram contra os Juizados, que já funciona há mais de 20 anos?
Talvez a indignação dos advogados quanto a esta questão, seja em razão da diminuição substancial de nomeações do convênio Defensoria Pública/OAB, em comarcas que não possuem Defensoria Pública, pois as partes não estão mais procurando a OAB local para ajuizar ações, preferem ir aos Cejuscs, onde são atendidas de forma mais célere.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se posicionou em relação a este assunto. Em suma, diz que o acordo obtido em sessão de conciliação/mediação, sem a presença de advogado, não é invalida, conforme jurisprudência majoritária naquele Tribunal. [8]
No Estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça ainda não se posicionou, mas existe uma ação civil pública, que encontra-se aguardando julgamento do recurso da decisão que entendeu que a assistência e orientação aos hipossuficientes é integral em todos os graus, judicial e extrajudicial, e determinou que a Defensoria Pública nomeasse advogados para participarem das audiências de conciliação junto ao Cejusc. [9]
Essa questão poderia ser resolvida, caso fosse possível nomeações de advogados plantonistas para participarem das sessões de conciliação/mediação realizadas nos Cejuscs. Assim, todos ganhariam, as partes poderiam ser orientadas pelos advogados e estes, por sua vez, receberiam certidão de honorários pelo plantão realizado.
3. Advogados podem exercer advocacia no mesmo juízo em que atuam como Conciliadores/Mediadores?
Os requisitos para ser conciliador/mediador veem descritos no Provimento CSM nº 2.348/2016, no artigo 21 e no artigo 11 da Lei de mediação.[10]
Não se verifica proibição de advogado ser conciliador/mediador em ambos dispositivos legais, não importa a profissão do conciliador, basta que tenha o curso de capacitação e aperfeiçoamento de conciliador e curso superior a mais de dois anos, não importando qual curso, se direito, psicologia, sociologia, engenharia, etc…
Alguns operadores do direito não concordam que advogados sejam conciliadores no mesmo juízo em que exercem sua profissão de advogados, porque poderia ser um meio de captar clientela indevida, que é vedado pelo código de ética dos advogados.
O CPC menciona o impedimento em seu artigo 167, § 5º: “Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções”.
Como entender essa norma jurídica? O que o legislador quis dizer com o termo “juízo”? Para entender esta questão há que se fazer uso das técnicas de interpretação das normas jurídicas.
Para entender esse artigo podemos utilizar a técnica de interpretação do processo sistemático, que consiste em analisar outros dispositivos legais de todo o sistema jurídico, para aclarar o entendimento da norma que se tem dúvida, conforme explica o doutrinador Carlos Maximiliano em seu livro Hermeneutica e Aplicação do Direito:
"Consiste o processo sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repertório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto". [11]
Com base nesta lição podemos analisar a interpretação que é dada ao termo “juízo” inserido no artigo 516, II, do CPC. Este artigo informa que o cumprimento da sentença deverá ser efetuado no “juízo” que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição. Neste caso, não há dúvida quanto o sentido do termo “juízo”, pois o cumprimento da sentença é realizado na “Vara” que foi prolatada a sentença.
Logo, quando o Código de Processo Civil usou o termo “Juizo” no artigo 167, § 5º quis dizer “Vara”.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o Professor Claudio Aparecido Ribas da Silva, em seu artigo, Mediação e Conciliação no Novo Código de Processo Civil: uma nova estrutura processual para tais meios de solução dos conflitos, colacionado no livro Novo Código de Processo Civil – Principais Alterações do Sistema Processual Civil, disse:
"Controvertida a intenção do legislador, posto que o advogado não exerce funções em Juízos, mas milita ou advoga a favor de determinado cliente. A regra estabelece o termo "juízo", ou seja, nas comarcas com mais de uma vara cível ou mesmo criminal, o impedimento somente deverá abranger aquele Juízo em que existir processo sob o patrocínio do técnico com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil”[12].
Tratando desta questão o Enunciado nº 47 do Fórum Nacional de Mediação e Conciliação (Fonamec), entendeu que o impedimento do artigo 167, § 5º do CPS não se aplica aos conciliadores ou mediadores vinculados aos Cejuscs e apresentou a seguinte justificativa:
“A atividade jurisdicional stricto sensu volta-se à solução dos litígios dentro do processo, pela manifestação da vontade estatal, apreciando o mérito da ação. Os CEJUSCs são órgãos de natureza diversa, tendo por função precípua fomentar e homologar os acordos a que as partes chegaram, atividade puramente formal sem caráter de jurisdição stricto sensu. Nos termos do artigo 7º, inciso IV, da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, a atividade da conciliação e da mediação é concentrada nos CEJUSCs. Por isso, estando o conciliador ou o mediador subordinado ao Juiz Coordenador dos CEJUSCs, não há qualquer vinculação do conciliador ou mediador operante nos CEJUSCs ao juízo do processo, razão porque não se aplica aos advogados atuantes nas comarcas em que há CEJUSCS instalados o impedimento do artigo 167, § 5º, do Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015)”.
Este assunto polêmico ensejou consultas ao Tribunal de Ética da OAB/SP, que entendeu que se o advogado/conciliador realizar as sessões de conciliação no cejusc, em local diverso das Varas onde atua, não ocorrerá o impedimento.[13]
Trata-se de uma questão muito importante, já que a maioria dos conciliadores/mediadores são advogados e o trabalho que exercem como conciliadores é extremamente relevante, porque sem eles não há como fazer as sessões de conciliação e, sem as sessões conciliação não tem Cejuscs.
Esse problema poderia ser resolvido caso, os órgãos idealizadores da Política Pública de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse, através dos Métodos da Conciliação e Mediação, buscassem uma solução para providenciar a devida, essencial e merecida remuneração aos conciliadores/mediadores. Assim, aqueles que têm vocação para serem conciliadores, poderiam optar em ser apenas conciliador/mediador, não havendo a necessidade de exercer a profissão da advocacia.
Como bem mencionou a Conciliadora/Advogada Dra. Sheila Intaschi Ramalho, em seu livro em Mediação e Conciliação:
“O Estado como responsável regulador das relações humanas tem a obrigação-dever de instituir políticas públicas para resolução dos conflitos e mais que isso, promover condições para que os profissionais mediadores possam se capacitar e sejam remunerados pelos relevantes serviços prestados à população”.[14]
Conclusão
De todas as considerações realizadas neste artigo, pode-se concluir:
– Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania são unidades do Poder Judiciário que tem por finalidade principal trazer uma justiça mais célere aos jurisdicionados;
– O procedimento adotado pelos Cejuscs tem se mostrado eficiente pelos altos índices de acordos obtidos nas sessões de conciliação;
– Os pontos controvertidos levantados quanto ao procedimento adotado pelos Cejuscs, são relevantes e merecem atenção, já que não há consenso entre os operadores de direito. Como demonstrado neste artigo, há diversos entendimentos divergentes;
– Para alcançar o objetivo Política Pública de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse, através dos métodos da conciliação e mediação e promover uma jurisdição mais justa e célere, algumas mudanças precisam ser realizadas nos Cejuscs. Por exemplo, determinar algumas regras de competência, remunerar os conciliadores, nomeação de advogados plantonistas para participar das sessões de conciliação e mediação e investir mais em estrutura e pessoal.
O impedimento ético a respeito da atuação dos advogados como conciliadores e mediadores é tema de suma importância à Advocacia, justificando o conhecimento das consultas, até mesmo porque é de competência do Tribunal Deontológico, conforme dispõem o artigo 136, § 3º do Regimento Interno da OAB-SP, os artigos 49 e 50 do CED, os artigos 3 e 4 do Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina e Resoluções nº 1/92, 7/95 e 8/96 deste Sodalício, entre outros dispositivos, responder consultas, em tese, sobre matéria de deontologia profissional, orientando e aconselhando os advogados. O fato de existir Enunciado do FONAMEC, interpretando norma processual quanto a impedimento previsto no artigo 167 § 5º do CPC, não tem o condão de afastar a análise ética da atuação dos advogados perante aos CEJUSCS e nas diversas Varas Judiciais, como conciliadores e mediadores. Mesmo quando não institucionalizada ou tão divulgada, a conciliação sempre foi muito cara à advocacia, especialmente aos bons advogados que, sabedores das agruras de qualquer processo judicial, têm sempre em mente as sábias palavras de CALAMANDREI (Eles os Juízes Vistos por um Advogado, trad. Eduardo Brandão, São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 148), a saber: “O mais precioso trabalho do advogado civilista é o que ele realiza antes do processo, matando os litígios logo no início com sábios conselhos de negociação, e fazendo o possível para que eles não atinjam aquele paroxismo doentio que torna indispensável a recuperação na clínica judiciária. Vale para os advogados o mesmo que para os médicos; embora haja quem duvide que o trabalho deles seja de fato capaz de modificar o curso da doença já declarada, ninguém ousa negar a grande utilidade social da sua obra profilática. O advogado probo deve ser, mais que o clínico, o higienista da vida judiciária – e, precisamente por esse trabalho diário de desinfecção da litigiosidade, que não chega à publicidade dos tribunais, os juízes deverem considerar os advogados como seus mais fiéis colaboradores.” A jurisprudência do TED I vem se debruçando sobre a matéria e possui vários precedentes, tanto regulando a matéria como realçando a sua relevância. Existe a consciência que o Judiciário, sempre assoberbado, tem procurado vias alternativas na solução de conflitos, objetivando dar mais agilidade às demandas judiciais. No tocante às conciliações pré-processuais, não havendo ainda Juízo, o impedimento se restringirá à advocacia às partes atendidas em audiência de conciliação e mediação. Incide o impedimento de advogar perante o CEJUSC em que o advogado atuar como conciliador/mediador. Na conciliação/mediação pré-processual, porém, surge questão mais grave, que é a não obrigatoriedade das partes de comparecerem assistidas pelos seus advogados. Esta questão poderá, no entanto, ser examinada por outras instâncias da OAB à luz do art. 133 da Constituição Federal e do art. 26 da Lei nº 13.140/2015, de modo a se cogitar das eventuais providências que entenderem cabíveis. Sem embargo, deve o advogado conciliador pugnar para que as partes estejam sempre representadas por advogados, ainda que na assim chamada fase pré-processual, atuando, ademais, para que o setor de conciliação respectivo se organize de modo a separar, claramente, as funções do conciliador e dos demais servidores do Poder Judiciário, com espaço físico próprio que garanta imparcialidade e neutralidade. Nas conciliações e mediações (processuais) que são realizadas perante os próprios Juízos, como ocorre, ainda, perante determinadas Varas de Família, prevalecem não apenas os impedimentos legais (art. 6º da Lei nº 13.140/2015 e art. 167, § 5º, do novo Código de Processo Civil), mas também os impedimentos éticos, consagrados já pela jurisprudência deste Sodalício, de atuar ou envolver-se com as partes e questões conhecidas em decorrência de sua atuação no setor como, também, perante a Vara onde funcionou como conciliador. Quanto à conciliação/mediação (processual) feita perante os CEJUSCS, caso prevaleça o entendimento do Enunciado nº 47 do II FONAMEC e se, de fato, não houver vinculação do conciliador/mediador com determinado Juízo, sendo a conciliação/mediação realizada em local próprio, sem proximidade com os cartórios das varas, as razões do impedimento ético, que prestigiam a isenção e independência do advogado e busca coibir a indevida captação de clientela, deixam de existir, ao menos em princípio, ressalvando-se a competência das Turmas Disciplinares, para apurar eventuais infrações éticas dessa natureza. Prevalece, no entanto, o impedimento de advogar para as partes atendidas na conciliação/mediação e de exercer a advocacia perante o próprio CEJUSC no qual o advogado atuar como conciliador/mediador. Deve ainda o advogado pugnar para que as partes sempre estejam representadas por advogados e para que a organização dos CEJUSCS se dê mediante rodízio dentre os inscritos no respectivo quadro de conciliadores/mediadores e ofereça espaço próprio e distinto das salas dos magistrados e dos cartórios. Deve ainda pugnar pela dignidade e independência da advocacia. O mesmo se diz dos CEJUSCS de segundo grau de jurisdição, nos quais, pela sua própria organização, não há impedimento de advogar perante o Tribunal de Justiça de São Paulo. Em qualquer caso, o advogado que atuar como conciliador/mediador deve declinar claramente às partes sua profissão, os limites e impedimentos a que está sujeito e, ainda, que não exerce função decisória ou jurisdicional.
Proc. E-4.614/2016 – v.u., em 19/05/2016, do parecer e ementa elaborados em conjunto pelos Julgadores Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI e Dr. FABIO KALIL VILELA LEITE, tendo aderido ao voto vencedor o Relator Dr. ZANON DE PAULA BARROS – Rev. Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE – Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI.
Informações Sobre o Autor
Silvia Regina dos Santos
Bacharel em Direito, pela Faculdade Módulo de Caraguatatuba/SP e Pós graduanda em Direito Civil e Processo Civil da Faculdade Legale