Resumo: Trata-se de um trabalho acadêmico previsto como requisito parcial para a obtenção de título de especialista em Direito Constitucional. O tema abordado refere-se a previsão da Constituição Federal de 1988 que garante o acesso a educação como direito de todos. Sendo direito de todos, não deve excluir ninguém. No entanto, não é o que ocorre, afinal, os brasileiros privados de sua liberdade não possuem, na sua maioria, acesso a esse direito constitucionalmente previsto. Além dos aspectos legais inerentes a educação carcerária, o trabalho apresenta casos concretos de pessoas e entidades empenhadas em estender a educação para o maior número de detentos possível, inobstante dificuldades e resistências encontradas em diversos setores da sociedade.
Sumário: 1. Introdução. 2. Educação: direito de todos. 2.1. Educação para a população carcerária. 2.2. Educação Carcerária na prática. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. Introdução
Buscar soluções para problemas que afligem e prejudicam a sociedade é um dever de todos. As instituições de ensino não podem ficar de fora, pelo contrário, devem contribuir com projetos, pesquisas e estudos para solução de tais problemas com planejamento, criação e implementação de políticas educacionais inclusivas que estimulem o desenvolvimento humano digno e a participação de todos na vida em sociedade.
Hodiernamente, um dos problemas que preocupa e reflete de forma negativa na sociedade é a situação dos cerca de 600.000 (seiscentos mil) presos abarrotados nos presídios brasileiros, na sua imensa maioria, sem receber nenhum tipo de educação ou preparação para quando voltar a viver em sociedade, não causar mal a ninguém. Segundo Levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, com dados do INFOPEN (software do Ministério da Justiça que coleta dados do sistema penitenciário), 86% desses presos não concluíram a educação básica, 71% não chegaram sequer a concluir o ensino fundamental e 6,1% são totalmente analfabetos.
A Constituição brasileira de 1988 e a própria LDB preveem a educação básica obrigatória para todos os brasileiros, inclusive àqueles que não tiveram acesso a ela na idade certa. É lógico que a expressão “todos os brasileiros” deve incluir também todos os detentos do sistema prisional. No mesmo sentido, a Lei de Execução Penal (LEP), prevê que para cada 12 (doze) horas de frequência escolar a pena deve ser reduzida em 01 (um) dia.
O atendimento integral das previsões legais pode ser feito por meio de políticas educacionais inclusivas, de forma a garantir o acesso dos presos a educação. Isso fará com que a prisão deixe de ser apenas um castigo ou o pagamento do mal praticado e, torne-se um ambiente de educação e aprendizagem, no qual os presos podem ter oportunidade de crescimento intelectual, pessoal, profissional e social. Pode contribuir imensamente para a vida pós-cárcere, pois além de sair da prisão menos revoltados, terão condições de trabalhar, continuar estudando e reintegrar-se com a sociedade. Isso irá diminuir a probabilidade do egresso voltar a praticar qualquer tipo de crime ou contravenção penal, aumentando a segurança, o bem estar e a tranquilidade para toda a população.
2. Educação: direito de todos
Por tratar-se de um princípio básico de cidadania, indispensável para a participação nos espaços sociais e políticos, o direito a educação básica é considerado um direito humano universal. Existem diversos acordos e tratados internacionais assinados por inúmeros países que garantem tal direito para todos os seres humanos. Dentre eles podem ser citados o artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 1948, a Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, de 1960, o art. 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, o documento Jomitien assinado pelos países mais populosos, além do empenho da Unesco para que esse direito seja de fato concretizado em todos os países do mundo.
Entretanto, para que o direito a educação básica seja realmente efetivado e fortalecido, faz-se necessário, que além das previsões constantes nos documentos citados, também seja reconhecido e previsto nas legislações internas de cada país. No Brasil, esse direito encontra-se insculpido no artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil, conforme segue:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O acesso a Educação Básica é um direito de todos os brasileiros, inclusive aqueles que não tiveram acesso a ela quando tinham a idade certa, independentemente do motivo de não ter tido acesso.
2.1. Educação para a população carcerária
A educação também deve ser estendida aos presos recolhidos nas unidades prisionais do sistema penitenciário, pois não é pelo fato de estarem momentaneamente privados de sua liberdade que irão perder tal direito. Pelo contrário, deve ser disponibilizado abundantemente, de forma que todos tenham acesso e possam ter uma nova oportunidade de mudança de vida. O Estado deve utilizar-se de todos os recursos disponíveis para proporcionar educação para todos os detentos. Além de ser uma alternativa à ociosidade do cárcere, o estudo incentiva o pleno desenvolvimento do preso por meio do conhecimento, prepara para o exercício da cidadania e qualifica para o trabalho. Consequentemente facilita a ressocialização e diminui a probabilidade de reincidência, ou seja, aumenta a probabilidade de viver pacificamente com o restante da sociedade, sem ser um estorvo ou um incômodo, mas sim, um membro colaborador.
É bem verdade que disponibilizar educação para todos os detentos do sistema carcerário brasileiro é uma tarefa bastante árdua, contudo, imaginar as mudanças que isso pode gerar na sociedade futura, desafia e incentiva a buscar formas e alternativas para de fato concretizar essa política educacional. E nesse sentido, um empecilho que logo surge, é imaginar que o professor ficará em uma sala de aula rodeado de presos de todas as espécies, de todos os graus de periculosidade. No entanto, não precisa ser bem assim. A Lei de Execução Penal (LEP) prevê que todo o condenado, ao dar entrada no sistema penitenciário, deve fazer três avaliações: exame de personalidade, classificação inicial e exame criminológico. Trata-se do programa de individualização da pena, o qual, aliado ao comportamento do condenado, poderá contribuir para a divisão de turmas.
Os presos dos regimes aberto e semiaberto e outros considerados não perigosos e que podem sair do cárcere para estudar, poderão frequentar aula normal fora dos presídios, juntamente com os demais alunos nos estabelecimentos de ensino regular. Eventualmente, poderá ocorrer de algum desses presos ser acompanhado por agentes prisionais. Mas, uma alternativa interessante e eficiente para quando o preso/estudante precisar ser vigiado é a utilização de monitoramento eletrônico, o qual consiste no uso de um bracelete ou tornozeleira discretos, que permitem a vigilância do apenado à distância sem chamar atenção das outras pessoas, neste caso, os demais estudantes.
Para os demais presos, as aulas são ministradas em salas construídas no próprio presídio. Nesse caso, a sala de aula é um pouco diferente das convencionais, sendo dividida por uma grade que separa professor e alunos, de formo que não tenham contato físico entre si. Eventualmente, também pode ser utilizada alguma forma de educação à distância, por teleconferência ou algo do gênero.
A previsão de disponibilidade de estudo nos presídios não chega a ser uma novidade. Embora somente tenha surgido de forma expressa na Lei das Contravenções Penais no ano de 2011, já no ano de 2001, o Plano Nacional da Educação (PNE), previa a necessidade de implantar programas de educação de jovens e adultos em nível fundamental e médio, assim como de formação profissional, em todas as unidades prisionais e estabelecimentos de atendimento de adolescentes e jovens infratores. A súmula 341 do STJ, também já previa remição para os presos que frequentassem curso de ensino formal.
2.2. Educação Carcerária na prática
No Estado de Santa Catarina, no ano de 2012, numa parceria entre SED e SCJ, foi elaborado o Plano Estadual de Educação em Prisões (PEEP), visando estratégias, para oferecer educação em unidades prisionais do Estado e a construção de um Plano Político Pedagógico (PPP) nas unidades prisionais. Em São Miguel do Oeste, desde 2009, o CEJA (Centro de Educação de Jovens e adultos) vem trabalhando com presos da UPA (Unidade Prisional Avançada) que acolhe apenados de toda a microrregião extremo oeste do Estado. Atualmente, 13 (treze) dos 42 (quarenta e dois) detentos estão frequentando as aulas de 05 (cinco) matérias, que são ministradas no interior do estabelecimento penal, em uma sala de aula adaptada, que separa professor e alunos com uma grade, para garantir a segurança e integridade física dos educadores.
Segundo informações colhidas junto ao corpo docente e direção do CEJA, um dos problemas encontrados é a alta rotatividade de alunos. A maioria participa das aulas enquanto está recolhido na unidade prisional, mas depois que sai, embora incentivado, não continua os estudos. Esse fator faz com que poucos apenados concluam uma etapa como o ensino fundamental ou o ensino médio. Tanto é que mesmo sendo o sexto ano que o CEJA atua na educação carcerária local e de terem sido atendidos cerca de 60 (sessenta) presos, até o presente momento, apenas 01 (um) apenado concluiu o ensino fundamental.
3. Conclusão
A Educação carcerária é uma política educacional que encontra amplo amparo no regramento constitucional e demais normas jurídicas e educacionais vigentes, no sentido de realizar uma perfeita inclusão social, haja vista que talvez, o índice mais alto de exclusão educacional e social esteja localizado no sistema penitenciário nacional. A punição é necessária, não há dúvidas, no entanto, aproveitar o período ócio do cárcere para a regeneração do apenado, é com certeza muito importante. E isso, somente pode ser feito pela educação. Os presídios, conhecidos popularmente como “escolas do crime”, podem ser transformados em escolas de ensino, aprendizagem e profissionalização, onde o aluno/detento, além de aprender, recebe uma nova perspectiva de vida, com possibilidade de quando sair do cárcere ser capaz de prover o sustento próprio e de sua família e com isso, ter a chance de viver de forma digna, ordeira e de completa harmonia com a sociedade, diminuindo a probabilidade de voltar a delinquir. A preocupação não é unicamente com os presos, mas, sobretudo com a sociedade, afinal, quanto mais educados, civilizados e profissionalizados eles forem, menor a probabilidade de voltar a delinquir.
É necessário mudar a mentalidade das pessoas, pois a maioria deseja que os presos sofram o máximo possível, para pagar aquilo que fizeram de ruim, sem ter direito a nada. Deve-se ver a prisão como uma nova oportunidade para aprender a viver em sociedade, a não incomodar os outros, a garantir o sustento próprio e da família. O período de cárcere deve servir para fazer com que os detentos se preparem para quando sair poder viver de forma harmônica e pacífica com a comunidade em geral, poder ser membros colaborativos da comunidade e não delinquentes de quem esta precisa proteger-se e defender-se. Quanto mais educados e civilizados saírem do cárcere, menos mal vão causar às demais pessoas.
Informações Sobre o Autor
Ilionei Manfroi
Policial Militar Sargento PM Comandante da Polícia Militar de Descanso – SC. Graduação em Direito pela UNOESC – Universidade do Oeste de Santa Catarina Campus de São Miguel do Oeste e especialização em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes