Por Que Um Trabalhador Pode Ser Demitido Por Justa Causa Se o Vício no Álcool é Considerado Uma Doença?

Ana Paula Imhoff[1]

 

Resumo: Este artigo discute a antinomia aparente entre o tratamento dado ao alcoolismo no direito disciplinar do trabalho e na legislação previdenciária. O objetivo geral é fazer uma análise da possibilidade de o empregado sofrer demissão por justa causa no caso de embriaguez habitual no serviço, ou se ele fará jus ao benefício previdenciário de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Como metodologia, foi utilizada a pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico-bibliográfico, jurisprudencial, de artigos jurídicos e documentais. Dessa forma, a pesquisa iniciou-se através da antinomia jurídica, já que há um conflito aparente entre as normas. Em seguida, fez-se um estudo da possibilidade ou não da demissão por justa causa no caso de embriaguez habitual ou em serviço, com base no direito do trabalho. Finalmente, descreveram-se as hipóteses de cabimento da demissão por justa causa e do auxílio-doença e aposentadoria por invalidez para o direito previdenciário. Como resultado, descobriu-se que o alcoolismo é fator de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, embora algumas empresas tratem como justa causa o fato de o empregado ir trabalhar embriagado habitualmente.

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Palavras-chave: Antinomia Jurídica. Justa Causa. Embriaguez Habitual. Auxílio-doença. Aposentadoria por invalidez.

 

INTRODUÇÃO

O empregado alcoólatra sofre discriminação perante os colegas de trabalho e a sociedade, sendo tratado como um sujeito de má índole, com pouca capacidade de trabalhar devido ao uso abusivo de álcool no serviço. Além disso, é comum que a empresa demita por justa causa aquele trabalhador que vai habitualmente embriagado ao labor.

Para o caso de demissão por justa causa de um empregado, há decisões jurisprudenciais que interpretam que ele deve ser demitido devido ao hábito de estar constantemente bêbado. Com isso, ele não fará jus ao benefício de auxílio-doença, que é utilizado nos casos de incapacidade de retornar ao trabalho.

Se o trabalhador não tiver provas de que o mal que o acomete seja uma doença crônica, adquirida durante o tempo em que laborava, não terá direito à indenização e se sujeitará às condições previstas no contrato de trabalho. Isso refletirá negativamente em seu relacionamento com os colegas, uma vez que demonstrará sua inaptidão para desenvolver as atividades. Nesse caso, a doutrina e jurisprudência interpretam que ele deve ser demitido por justa causa.

Por outro lado, há decisões judiciais que interpretam que o trabalhador deve ser submetido a tratamento médico, por ser o alcoolismo considerado uma doença crônica cujos sintomas são transtornos mentais e comportamentais ocasionados pelo uso do álcool, nos termos da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – também conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID 10. Portanto, um trabalhador nesse estado não deve sofrer discriminação e sim contar com ajuda profissional.

Este artigo analisa a possibilidade de o empregado sofrer demissão por justa causa, no caso de embriaguez habitual em serviço, ou se ele fará jus ao benefício previdenciário de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Ele também propõe enxergar o alcoolismo enquanto problema: ele seria considerado questão de demissão por justa causa ou auxílio-doença? Como hipótese para tal questionamento, interpreta-se que, no direito previdenciário, o alcoolismo é fator de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, embora algumas empresas tratem-no como caso de justa causa.

A pesquisa, quanto à abordagem, é qualitativa. Segundo Mezzaroba e Monteiro (2009), o que se procura atingir é a identificação da natureza e do alcance do contexto investigado, utilizando-se, para isso, interpretações variáveis para o fenômeno jurídico em análise, que no caso é a demissão por justa causa para um empregado que é acometido por uma doença crônica: o alcoolismo. Para aprofundamento da pesquisa será utilizado o método dedutivo, cuja operacionalização dar-se-á por meio de procedimentos técnicos baseados em doutrina, legislação, artigos jurídicos e jurisprudência, relacionados, inicialmente, pelo conceito de antinomia jurídica aparente entre as normas da demissão por justa causa para o direito do trabalho e do auxílio-doença e aposentadoria por invalidez para o direito previdenciário no caso do alcoolismo, buscando soluções jurídicas para o problema em questão pelo empregador.

 

 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para o caso de demissão por justa causa de um empregado que trabalha habitualmente embriagado, há decisões jurisprudenciais que entendem que ele deve ser demitido pelo hábito dele ir ao trabalho bêbado. Com isso, ele não fará jus ao benefício de auxílio-doença e por não se enquadrar nos casos de incapacidade para retornar ao trabalho. Esse empregado, não tendo provas de que sua doença seja crônica, adquirida durante o tempo em que laborava, não terá direito às indenizações e se sujeitará às condições previstas no contrato de trabalho. Isso refletiu negativamente em sua vida, pois demonstrará estar inapto a desenvolver suas atividades na empresa, culminando na demissão por justa causa.  A doutrina e a jurisprudência entendem, então, que ele deve ser demitido por justa causa sem qualquer direito à indenização.

Por outro lado, há decisões jurisprudenciais que entendem que o trabalhador deve ser submetido à tratamento psiquiátrico, por se considerar o alcoolismo como uma doença crônica nos termos CID 10. Tal classificação enquadra o alcoolismo na categoria de transtornos mentais e comportamentais e quem sofre dessa doença não deve ser discriminado pelo empregador.

 

  •  Do conceito de antinomia jurídica

Bobbio (1997, p. 88-89) afirma que, se duas normas incompatíveis têm igual âmbito de validade, a antinomia pode-se chamar, segundo de

[…] total-total: em nenhum caso uma delas pode ser aplicada sem entrar em conflito com a outra. Exemplo: um caso é a oposição entre a proibição da greve e a sua permissão. No caso da sua validade ser em parte igual e em parte diferente, a antinomia subsiste somente para a parte comum, e pode chamar-se parcial-parcial: cada uma das normas tem um campo de aplicação no qual o conflito não existe. E se, duas normas incompatíveis, uma tem um âmbito de validade igual ao da outra, porém mais restrita, ou, em outras palavras, se é na íntegra, igual a uma parte da primeira com respeito à segunda, e somente parcial por parte da segunda, pode se chamar de total-parcial.  A primeira não pode ser em nenhum caso aplicada sem entrar em conflito com a segunda; essa tem uma esfera de aplicação em que não entra em conflito com a primeira.

Já, segundo Estigara, (2005, texto digital), as antinomias aparentes:

[…] pressupõem a existência de critérios que permitam sua solução. Constatada a existência de antinomias aparentes, cumpre ao operador jurídico conhecer os critérios que podem ser utilizados na solução do impasse ocasionado entre as normas aparentemente incompatíveis, eis que não demonstram verdadeiramente inconsistência do ordenamento jurídico.

Ainda sobre esse tema, Borges (2009, texto digital) afirma que há uma concepção moderna do direito segundo que defende que “dentro de um espaço territorial existe um único ordenamento jurídico, que se divide em função de regras e princípios coerentes e harmônicos”. A esse respeito, ainda podem ocorrer choques entre essas normas e esses choques são as antinomias. Além disso, interpreta-se, a partir da posição doutrinária de Varella (2012, texto digital), que o ordenamento jurídico discorda das normas incompatíveis e que há um conflito aparente entre elas.

 

  •  Métodos e critérios de solução

Bobbio (apud ESTIGARA, 2005, texto digital) ensina que um ordenamento é composto por mais de uma norma, sendo que o impasse relativo às antinomias jurídicas se localiza entre os quatro grandes problemas do ordenamento jurídico. O autor, em primeiro lugar, tratou de saber se essas normas constituem uma unidade e de que maneira são constituídas, sendo que o problema fundamental em discussão é o da hierarquia das normas. Já, em segundo lugar, procurou teorias a fim de verificar se o ordenamento jurídico constitui um sistema e verificar se são levadas em conta as antinomias jurídicas.

Essas antinomias podem ser divididas e resolvidas a partir de três critérios: o cronológico, o hierárquico e o de especialidade. O primeiro critério, “chamado também de lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori” (BOBBIO, 1997, p. 92, grifo do autor).

Delgado (2009, p. 184-185) define o critério hierárquico através do “princípio no direito do trabalho, da norma mais favorável, em que o operador deve optar pela regra mais benéfica ao obreiro em três situações ou dimensões distintas”. Tais situações compreendem o instante de elaboração da regra, o contexto de confronto entre regras concorrentes e a interpretação das regras jurídicas.

Para Bobbio (1997, p.95, grifo do autor), o terceiro critério – lex specialis – é aquele que estabelece que, quando há “duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali”. Ainda na mesma linha de pensamento, na concepção de Luhmann (1983, p. 60-61):

a idea (sic) de sistema inclui um mecanismo mediante o qual o equilíbrio deve ser mantido. Houve dúvidas sobre eles e se seriam reais, antes estar convicto de que no desequilíbrio adquirem a sua estabilidade. O modelo do desiquilíbrio possibilitou que se vislumbrasse uma teoria geral dos sistemas.

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Não se ignora, com isso, a teoria dos sistemas, que tem seu expoente máximo em Niklas Luhmann. Porém, o aprofundamento deste autor e dos debates que suscitou é próprio das ciências sociais e extrapola o âmbito do presente trabalho que consiste em debater a norma jurídica no caso de antinomias ou o seu conflito entre as normas.

Para o caso de demissão por justa causa de um empregado que trabalha habitualmente embriagado, há decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) que interpretam que o trabalhador deve ser demitido por ter esse hábito de ir ao trabalho bêbado, não fazendo jus aos benefícios do auxílio-doença convertido em aposentadoria por invalidez nem a outras verbas trabalhistas decorrentes do término contratual de trabalho: saldo de salário, aviso prévio indenizado, aviso prévio indenizado proporcional, férias vencidas e um terço de férias, férias proporcionais e um terço de férias proporcionais, 13º salário proporcional, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), multa de 40% sobre o saldo do FGTS e o seguro-desemprego (PRAXEDES, 2012).

Além disso, para o ilustre Tribunal Regional do Trabalho do RS, o empregado deve ser demitido por justa causa quando:

 

EMENTA: DISPENSA POR JUSTA CAUSA – MOTORISTA – EMBRIAGUEZ NO TRABALHO

O comparecimento do motorista ao trabalho em estado de embriaguez, configura falta grave e coloca em risco sua integridade física e dos passageiros, sendo suficiente para a ruptura motivada do contrato de trabalho nos termos do art. 482, alínea f, da CLT.

(Recurso Ordinário Nº 01302201209703000 0001302-41.2012.5.03.0097, Terceira Região, Tribunal Regional do Trabalho do RS, Relatora: Maria Cecília Alves Pinto. Julgado em 18/06/2014, publicado em 30/06/2014) (RIO GRANDE DO SUL, 2014, texto digital).

Nesse sentido, a decisão judicial é pacífica em declarar a conduta faltosa do empregado em ensejar a embriaguez habitual no serviço, sendo caracterizada a demissão por justa causa. Se o empregado não tiver provas de que seja uma doença crônica, adquirida durante o tempo em que laborava, não terá direito a esses benefícios e se sujeitará às condições previstas no contrato de trabalho e na CLT.

Essa situação terá reflexos morais negativos no ambiente de trabalho, denotando que o empregado está inapto a desenvolver as suas atividades na empresa, com a demissão. Por outro lado, há uma decisão do STJ que entende que o trabalhador deve ser submetido a tratamento psiquiátrico, por se considerar o alcoolismo uma doença crônica, nos termos do CID 10, e que ele não deve sofrer dispensa discriminatória pelo empregador (BERTOLDI, 2015, texto digital). Contudo, em outra interpretação, a decisão judicial é contrária:

 

EMENTA: […] CERCEAMENTO DE DEFESA – DIREITO DO SERVIDOR À LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE E, INCLUSIVE, À APOSENTADORIA POR INVALIDEZ – RECURSO PROVIDO.

[…] 3. A embriaguez habitual no serviço, ao contrário da embriaguez eventual, trata-se de patologia, associada a distúrbios psicológicos e mentais de que sofre o servidor. 4. O servidor acometido de dependência crônica de alcoolismo deve ser licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se for o caso, aposentado, por invalidez, mas, nunca, demitido, por ser titular de direito subjetivo à saúde e vítima do insucesso das políticas públicas sociais do Estado. 5. Recurso provido (STJ – RMS: 18017, Relator: Paulo Medina, Data de Julgamento: 09/02/2006), 6ª Turma, Data de Publicação: 02/05/2006) (SÃO PAULO, 2006, texto digital).

Neste julgado, o servidor foi licenciado, mesmo compulsoriamente, a tratamento de saúde e, se for o caso, será aposentado por invalidez devido ao alcoolismo.

Ainda segundo Bertoldi, há interpretações de que tal procedimento está inserido em lei como um dos motivos ensejadores à demissão motivada, conforme artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Por outro lado, existem decisões que entendem que o alcoolismo é doença e, por este motivo, não pode o empregado sofrer a punição máxima da demissão por justa causa (BERTOLDI, 2015, texto digital).

 

3 DA DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA E SEU CONCEITO PARA O DIREITO DO TRABALHO NO CASO DE EMBRIAGUEZ HABITUAL

Atualmente, discute-se muito a respeito de problemas com embriaguez em empresas. Em função disso, algumas delas, pretendendo proteger seus funcionários contra ocasionais acidentes, questionam a possibilidade de o exame de dosagem alcoólica ser realizado dentro do próprio ambiente de trabalho. De fato, não há na legislação vigente ordenamento específico a respeito da prática de uso de etilômetros dentro das empresas para atestar o nível de álcool presente em trabalhadores durante a jornada de serviço (SILVA, 2013).

Nascimento (2009, p. 1017) aponta que a justa causa depende de três condições: atualidade, gravidade e causalidade, sendo proibida dupla punição. Ainda sobre esse tema, o autor considera que a justa causa, quando invocada para demitir um empregado, “deve ser atual, praticada na mesma ocasião a que se segue a rescisão contratual, perdendo a eficácia uma falta pretérita, ocorrida muito tempo antes”. Além disso, para que se autorize a demissão do obreiro, ela deve ser grave, pois, tecnicamente, não se reconhece uma falta leve como justa causa.

Outros aspectos levantados por Nascimento (2009) sobre a justa causa são o fato de que o empregador não precisa sofrer prejuízos materiais para que ela se caracterize e também que o local da sua prática é o estabelecimento em que ocorre a prestação de serviços, porém não necessariamente, pois “pode configurar-se a falta mesmo fora do local de serviço, mesmo porque determinados empregados executam serviços externos, fora do estabelecimento” (NASCIMENTO, 2009, p. 1023).

O direito do trabalho conhece três sistemas fundamentais de justa causa: o genérico, o taxativo e o misto. Nascimento (2009) destaca o sistema genérico como sendo aquele em que uma lei autoriza o despedimento do empregado sem mencionar as causas, mas apenas apontando em tese e de modo amplo uma definição geral e abstrata. No sistema taxativo, a lei é que enumera os casos de justa causa.

Desse modo, somente a lei é fonte formal típica. Impossível será a estipulação de justa causa por meio de outras formas jurídicas. Argumenta-se que esse sistema dispensa maior proteção ao trabalhador, porque restringe as hipóteses faltosas e permite às partes e aos Tribunais do Trabalho um critério mais rigoroso e seguro de apreciação dos casos concretos (NASCIMENTO, 2009, p. 1024-1025).

Quanto ao sistema misto, ele é o resultado da combinação dos dois critérios anteriores. A lei, além de enumerar as hipóteses de justa causa, é genérica, permitindo que seja considerado como tal um fato, mesmo que não contido na descrição legal.

Nascimento (2009) enumera a figura de justa causa expressamente contida em nossa lei. No caso em questão, temos a embriaguez no serviço como uma justa causa. O autor também defende a tese de não haver nenhuma garantia ao trabalhador que foi demitido por justa causa, configurada a embriaguez no serviço, tipificada em lei.

Sobre isso, Praxedes (2012, texto digital) afirma que a justa causa do empregado tem implicações quanto aos direitos relacionados com a extinção do contrato. Despedido por justa causa, ele perde o direito à indenização, aviso prévio, 13º salário proporcional e férias proporcionais. Além disso, o empregado sofre outra sanção: não poderá movimentar os depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

Segundo Fernandes (2004, p. 23), no contrato de trabalho, a embriaguez habitual é uma falta grave e está prevista no artigo 482, alínea “f”, da CLT, que permite a rescisão do contrato de trabalho por justa causa. Ainda, o referido dispositivo legal enuncia que “constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: embriaguez habitual ou em serviço” (FERNANDES, 2004, p. 23).

A datar do momento em que o trabalhador concorda com a realização do exame com o etilômetros no ambiente de trabalho, ele não poderá argumentar qualquer violação à sua garantia individual ou mesmo reivindicar danos morais por algum prejuízo à sua integridade ou invasão de privacidade. Todavia, é de extrema importância ressaltar que o empregado não é obrigado a realizar o teste, em razão de que a obrigatoriedade seria uma invasão à sua esfera íntima. Contudo, se existirem indícios de que se encontra embriagado, devem ser adotadas outras medidas cabíveis como, por exemplo, “proceder ao registro de todos os atos exercidos inclusive com prova testemunhal com intenção de comprovar o real estado do empregado notificando-o do ato praticado” (SILVA, 2013, texto digital). A respeito disso, a ementa do acórdão se reveste na justa causa do empregado embriagado em serviço, eis que:

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ NO SERVIÇO.

A embriaguez em serviço se reveste de gravidade suficiente para ensejar a despedida por justa causa, nos termos do artigo 482, alínea “f”, da CLT, não havendo falar em rigidez excessiva do empregador, mormente tratando-se de empregado motorista flagrado em teste de etilômetro.

 

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(Apelação Cível Nº 00006714420135040741, Oitava Câmara Cível, Tribunal Regional do Trabalho do RS, Relator: Francisco Rossal de Araújo. Julgado em 12/06/2014, publicado em 13/06/2014). (RIO GRANDE DO SUL, 2014, texto digital).

 

No trecho da ementa percebe-se que o empregado foi demitido por justa causa no caso de embriaguez no serviço, flagrante no artigo 482, alínea “f” da CLT, tendo em vista a prova robusta do teste de etilômetro. Martins (2008, p. 6) acrescenta que o “empregado embriagado não produz o necessário, podendo causar prejuízos aos bens da empresa, acidentes do trabalho, tornando-se indisciplinado e violento”.

Devido à bebida, é provável que esse trabalhador tenha reduzido sua capacidade física e mental dentro de pouco tempo. O autor ainda pressupõe que o empregado pode perder o controle das suas capacidades físicas e, por isso, não executar normalmente o trabalho. Delgado (2009, p. 1089-1101) também vê na justa causa “um motivo relevante, previsto legalmente, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do sujeito comitente da infração – no caso, o empregado. Trata-se, pois, da conduta tipificada em lei que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do empregador”. Na ementa do acórdão, o empregado mostrou ter uma conduta faltosa no trabalho e com isso, ensejou sua dispensa por justa causa.

 

EMENTA: JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO COMO DOENÇA. DESÍDIA. ÔNUS DA PROVA.

É certo que a tendência jurídica moderna considera o alcoolismo como doença, que deve ensejar o correspondente tratamento medicinal, mas, ‘no caso de embriaguez em serviço, ela afeta diretamente o contrato de trabalho, sem dúvida’, tal como defende Maurício Godinho Delgado. O art. 482, f, da CLT diz que constitui justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador a embriaguez habitual. Assim, para que a embriaguez constitua justa causa para a rescisão contratual, basta que esta ocorra no ambiente de trabalho, nos termos do dispositivo consolidado. Por outra face, há nos autos evidência de que o Reclamante se mostrou, também, desidioso no exercício de sua função de vigilante, consoante a prova oral. Tratando-se da máxima penalidade que o empregador pode aplicar ao empregado (CLT, art. 482), a justa causa para o despedimento requer prova robusta e convincente, cujo ônus é, inteiramente, do empregador, que, no caso, se desincumbiu a contento.

 

(Recurso Ordinário N º 00852200800710002, Terceira Turma, Tribunal Regional do Trabalho de Brasília/DF, Relator: Desembargador Braz Henriques de Oliveira, Julgado em 19/11/2008, publicado em 29/01/2009) (BRASÍLIA, 2008, texto digital).

 

No trecho acima, o reclamante mostrou-se desidioso no exercício de sua função e embriagado no ambiente de trabalho, acarretando na sua dispensa por justa causa. Para Nascimento (2009, p. 1016), a justa causa é o ato de omitir “um dos sujeitos da relação de emprego, ou ambos, contrário aos deveres normais impostos pelas regras de conduta que disciplinam as suas obrigações”. De acordo com o mesmo autor, a rescisão do contrato de trabalho pode ser determinada por um motivo provocado pela outra parte, revestido de certas características que impedem o prosseguimento da relação de emprego. Torna-se, em consequência, impossível ou muito difícil a continuidade do vínculo contratual, diante das circunstâncias que envolvem essa situação. Se esse motivo é provocado pelo empregado, ao empregador é dado despedi-lo por justa causa (NASCIMENTO, 2009, p. 1016).

Ainda na lógica do mesmo autor, ele diverge dos demais por definir a justa causa como sendo um dos motivos ensejadores da rescisão do contrato de trabalho entre o empregado e empregador, no caso, sendo o alcoolismo o motivo que provocou a demissão. Também o Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão interpreta a mesma situação da seguinte forma:

 

EMENTA: JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ HABITUAL OU EM SERVIÇO. ÔNUS DA PROVA – ALCOOLISMO.

É do empregador o ônus de provar a justa causa do trabalhador, devendo fazê-lo de forma robusta e cabal, por se tratar da penalidade mais gravosa na seara trabalhista, afora o fato de que a continuidade da relação de emprego é um princípio que beneficia os trabalhadores. Desvencilhando-se desse encargo, mediante provas orais e da própria confissão do recorrente, há que prevalecer a justa causa do empregado, que, durante a jornada de trabalho, ingere voluntariamente bebida alcoólica, provocando acidente automobilístico e graves transtornos às atividades regulares da empresa. Não se desconhece o atual entendimento acerca do alcoolismo e de seus reflexos para o DIREITO do trabalho, pois, encarado como uma doença, tal como reconhecido pela OMS, a justa causa em questão sói por ocasionar afastamento do trabalhador para tratamento de saúde, com gozo do auxílio-doença e a posterior estabilidade provisória no serviço. Entretanto, cabe ao autor alegar e comprovar ser portador dessa enfermidade. Recurso conhecido e não-provido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, oriundos da 4ª Vara do Trabalho de São Luís, em que é recorrente ISAIAS ARAGÃO DA COSTA e recorridos CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT S.A. e COMPANHIA VALE DO RIO DOCE – CVRD, acordam os Desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos deste voto.

 

(Recurso Ordinário Nº 00365200700416007, Décima Sexta Vara do Trabalho, Tribunal Regional do Trabalho do MA, Relator: José Evandro de Souza, Julgado em 02/09/2008, publicado em 07/10/2008) (MARANHÃO, 2008, texto digital).

 

No trecho da ementa, a interpretação é a de que a embriaguez em serviço é motivo para a caracterização da demissão por justa causa. Para alguns doutrinadores, existem ainda outras espécies de dispensa para o empregado.

Segundo Martins (2008), nos diversos julgados pátrios, a embriaguez é considerada uma doença crônica e, por isso, o obreiro não deve ser despedido por justa causa e nem cessado seu contrato de trabalho. Ele deve, antes, ser encaminhado para tratamento médico, junto à previdência social. O ilustre Tribunal Regional do Trabalho de SP interpreta, conforme ementa abaixo, que não há indícios de que o autor sofria dessa doença crônica, o alcoolismo, por ele ter confessado em seu depoimento que não estava embriagado no serviço:

 

EMENTA: JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO. ALCOOLISMO.

Analisando as provas colhidas nos autos, o Juízo a quo julgou o feito procedente, com base na jurisprudência dominante que preceitua ser o alcoolismo uma doença, conforme reconhecido pela Organização Mundial de Saúde. Assim, sendo uma doença não justificaria a demissão do Autor, mas sim seu encaminhamento ao órgão previdenciário. A impossibilidade de demissão por justa causa do empregado alcoólatra tem eco na jurisprudência do C. TST. Todavia, a separação entre embriaguez e alcoolismo não pode ser banalizada. O alcoólatra é um doente, dependente do álcool e muitas vezes tem sérias dificuldades para controlar seu vício. Por isso se recomenda seu encaminhamento ao órgão previdenciário. Todavia, em nenhum momento o Autor afirma padecer desta doença. Nem em sua inicial nem na Réplica há essa afirmação. Pelo contrário, o Autor nega que tenha se embriagado, o que é reiterado em contrarrazões, e foi refutado pela prova oral colhida. Não há evidências nos autos que o Autor sofra da doença do alcoolismo, razão pela qual não se pode invalidar a justa causa cabalmente demonstrada nos autos. O artigo 482, f, não foi revogado. A Jurisprudência apenas indica hipótese excepcional na qual ele não deve ser aplicado. Vale dizer: Ainda que não haja assinatura do Autor nas advertências ou que seus controles de frequência indiquem que ele trabalhou até o final do expediente mesmo nos dias em que foi punido, a prova oral colhida é convincente no sentido de que o Autor esteve embriagado em serviço em mais de uma oportunidade. Deste modo, acolhe-se o apelo da Reclamada para reformar a sentença de mérito, homologando a justa causa aplicada ao empregado

(Recurso Ordinário Nº 00012528120135020008, Décima Quarta Turma, Tribunal Regional do Trabalho de SP, Relator: Francisco Ferreira Jorge Neto, Julgado em 24/07/2014, publicado em 01/08/2014) (SÃO PAULO, 2014, texto digital).

 

Requisitos legais para o caso de embriaguez habitual ou em serviço

A embriaguez é o estado do indivíduo embriagado: “indica bebedeira, ebriedade. Embriagar é o ato de causar ou produzir embriaguez. É o ato de ingerir bebidas alcoólicas, de embebedar-se” (MARTINS, 2008, p. 4).

Martins ainda menciona que o álcool é uma substancia psicoativa, que age sobre o sistema nervoso central da pessoa e pode interferir no funcionamento do cérebro, implicando em consequências sobre a memória, concentração, equilíbrio, entre outras. O ébrio tem uma diminuição da sua capacidade de trabalho e está frequentemente cansado, por isso, não tem as mesmas condições físicas normais de outros trabalhadores que não ficam embriagados (MARTINS, 2008).

O autor ainda explica que estar alcoolizado em serviço caracteriza-se como uma única e desnecessária falta cometida pelo empregado, que pode ser ocasional e revelada durante o trabalho e por isso ele não irá precisar ser advertido ou suspenso. Mas, se ele embriagar-se todos os dias fora do serviço, estará cometendo uma infração grave. Além disso, a embriaguez pode ser considerada como espécie de mau procedimento, pois uma pessoa normal não se apresenta embriagada. Também não deixa de ser uma incontinência de conduta em um sentido genérico e, quando existe com frequência, poderá ser crônica, o que significa que o ébrio é uma pessoa doente, que necessita beber (MARTINS, 2008).

De acordo com a intenção do empregado, a embriaguez poderá ser dividida em involuntária, fortuita ou acidental e em voluntária ou preordenada. A involuntária seria quando o empregado não tinha a intenção de se embriagar e aconteceu por erro, ignorância, acidente ou coação. Já a voluntária ou preordenada é aquela em que o empregado ingeriu a bebida consciente, com a intenção de ficar bêbado. Outros tipos de embriaguez são a ocasional, quando o empregado raramente bebe; a habitual, quando este permanece embriagado ou ainda a crônica, no caso de que se apresente constantemente ébrio (GIGLIO, 2000).

Quanto à embriaguez crônica, o autor afirma que é a forma patológica do vício: “ébrio contumaz é aquele que ingere novas doses de entorpecentes […]; é o doente que sofre de delirium tremens se lhe falta o tóxico” (GIGLIO, 2000, p. 156, grifo do autor). Ele destaca também os graus de embriaguez, que constituem aquelas mesmas fases, consideradas do ponto de vista estático.

 

  •  Despedida discriminatória para o caso de embriaguez habitual

Como já mencionado, o alcoolismo é uma doença, uma vez que está catalogado como tal no CID-10, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A despedida operada sob esse argumento constitui-se em ato discriminatório (FERNANDES, 2004, p. 30). Além disso, a Constituição Federal em vigor tem como fundamentos que envolvem a discriminação para o caso de demissão por justa causa do doente alcóolatra os seguintes:

‘a dignidade da pessoa humana’ e ‘os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa’ (art. 1º, incisos II e IV), além do que constitui objetivo fundamental ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (art. 3°, inciso IV), sendo que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’, sendo punida ‘qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’ (art. 5º caput e inciso XLI) (FERNANDES, 2004, p. 30).

A OMS e a Organização Internacional do Trabalho traçaram um plano, estabelecendo através da lei n° 8080/90, em seu artigo 3° que a saúde do trabalhador é um fator que determina e condiciona o trabalho e a renda. Essa lei também ressalta que os níveis de saúde da coletividade brasileira dizem respeito a todos os esforços e ações coletivas para manter as condições do bem-estar social, organizacional e econômico do país.

Há outras razões mais flagrantes para a inserção dessa justa causa: “a embriaguez degrada o caráter e abala a confiança do empregador em seu subordinado. O ébrio habitual oferece um risco em potencial para a empresa”, aponta Giglio apud Pereira (2013, texto digital).

Giglio é contrário ao fato de que a embriaguez em serviço seja tratada como uma doença, pois para ele isso se torna um malefício à disciplina e à boa conduta do empregado perante a empresa e aos colegas.

 

 DO CONCEITO DE AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PARA O DIREITO PREVIDENCIÁRIO

O auxílio-doença é um benefício concedido a todo trabalhador que venha a sofrer algum prejuízo na sua capacidade laborativa e que merece ser amparado pelo INSS, nos primeiros 15 (quinze) dias ou, no caso da aposentadoria por invalidez, se for comprovada por perícia médica a sua incapacidade para o labor. Conforme Villota (2014, texto digital), têm direito ao benefício todos os segurados da Previdência Social (obrigatórios e facultativos) e também aqueles que, malgrado tenham deixado de contribuir, ainda conservam essa condição (período de graça).

Para Nagy (2013, texto digital), o benefício é securitário e acionado em casos em que o beneficiário fica incapacitado para exercício de suas atividades laborais por mais de quinze dias consecutivos. Também Castro (2014, p. 766), aponta que o auxílio-doença é um benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente, ou por prescrição médica (por exemplo, no caso de embriaguez) por mais de 15 dias consecutivos. Na ementa da decisão que se apresenta a seguir foi comprovada a incapacidade do servidor público:

 

EMENTA: MILITAR DE CARREIRA. LICENCIAMENTO. SITUAÇÃO DE INCAPACIDADE (ALCOOLISMO). DANO IRREPARÁVEL.

Presentes os requisitos legais, pois comprova o autor estar sem condições de ter o tratamento médico-psiquiátrico para a doença que o aflige (alcoolismo), além de presente o fumus boni juris, por não lhe ter sido propiciado o devido processo legal antes do licenciamento, já que militar de carreira com ingresso por concurso público.

 

(Agravo de Instrumento Nº 200804000124198, Quarta Turma, Tribunal Regional Federal do RS, Relator: Edgard Antônio Lippmann Júnior. Julgado em 16/07/2008, publicado em 04/08/2008) (RIO GRANDE DO SUL, 2008, texto digital).

 

No trecho da ementa, o servidor público foi licenciado e incapacitado para o trabalho por estar acometido de uma doença crônica, sendo ela, no caso, o alcoolismo. Para Chamon (2005), a incapacidade do trabalhador pode ser genérica ou específica: enquanto a primeira afasta o trabalhador de qualquer atividade laborativa, a segunda o afasta apenas da função que normalmente exercia. Nesse sentido, ele ainda afirma que “a doutrina majoritária prefere utilizar o termo incapacidade substancial, ao invés de total, evitando a interpretação restritiva, que levaria a tornar praticamente impossível a concessão do benefício” (CHAMON, 2005, p. 115).

 

  • Requisitos legais para a sua concessão no caso de alcoolismo

Na interpretação doutrinária de Rocha e Baltazar Junior (2014, p. 274), “o ser humano é frágil, e o funcionamento do seu organismo, complexo, podendo ser afetado por uma diversidade quase infinita de causas”. Neste sentido, Rocha aponta para o deferimento do benefício, além da manutenção da qualidade de segurado no momento da eclosão do risco social, mediante os seguintes pressupostos: “a) Qualidade de segurado, b) Carência de 12 contribuições mensais, c) Incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias” (ROCHA; BALTAZAR JUNIOR, 2014, p. 220).

Em suma, o autor salienta que, para adquirir o benefício de auxílio-doença, no caso do alcoolismo, é necessário que o segurado preencha todos os requisitos acima expostos. A aposentadoria por invalidez se distingue do auxílio-doença por ser concebida para proteger o trabalhador da incapacidade para o trabalho, em razão do risco social apresentado e quando o quadro da doença ou lesão é irreversível. É considerada uma perda definitiva da atividade laboral (ROCHA; BALTAZAR JUNIOR, 2014). No trecho abaixo é possível perceber a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez:

 

EMENTA: […] AUXÍLIO-DOENÇA. RESTABELECIMENTO E CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇAS: MOLÉSTIAS PSIQUIÁTRICAS CRÔNICAS E COM SEQUELAS DEFINITIVAS (TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR ASSOCIADO A ALCOOLISMO)

 

[…]1. Para a concessão do benefício de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, devem estar caracterizadas a qualidade de segurado, a carência (quando for o caso) e a incapacidade para o trabalho (arts. 42 e 59 da Lei nº 8.213/91). 2. A verificação do direito à aposentadoria por invalidez exige, mais do que a análise da prova técnica, o exame das condições pessoais do segurado (idade, escolaridade, histórico profissional) e da probabilidade de reabilitação para o exercício de nova profissão que lhe assegure o sustento. Hipótese em que a perícia médica judicial demonstrou a existência de incapacidade laboral desde antes da data do requerimento administrativo, sendo que esta nunca foi superada e evoluiu negativamente até o estágio atual de incapacidade total e permanente, justificando-se a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez. 3. O benefício por incapacidade somente pode ser cessado, quando for verificado o retorno da capacidade do segurado para o exercício de suas atividades habituais, através de perícia médica. No caso em tela, as condições pessoais da parte autora demonstram a incapacidade de retornar às atividades laborais, a partir de laudos e documentos que comprovam tal situação. 4. Efeitos financeiros pretéritos, desde a data do requerimento administrativo indevidamente indeferido de auxílio-doença, afastando-se a prescrição qüinqüenal diante do quadro de alienação mental da segurada. 5. Presentes a verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável, é de ser mantida a antecipação da tutela deferida na sentença.

 

(Reexame Necessário Cível Nº 50410620620124047100, Quinta Turma, Tribunal Regional Federal do RS, Relatora: Maria Isabel Pezzi Klein. Julgado em 29/10/2013, publicado em 04/11/2013) (RIO GRANDE DO SUL, 2013, texto digital.)

 

A decisão judicial demonstrou que o segurado preenche os requisitos para a concessão do auxílio-doença convertido em aposentadoria por invalidez, no caso do alcoolismo. A esse respeito, Castro (2014, p. 768) afirma que “a concessão do auxílio-doença está sujeita à comprovação da incapacidade laborativa em exame realizado pela perícia médica da Previdência Social […]”.

Segundo ele, “não será devido auxílio-doença a segurado que se filiar ao RGPS já portador da doença como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento-situação que costuma gerar demandas judiciais[…] (alcoolismo) […] (CASTRO, 2014, p. 768-769). Percebe-se que o autor ressalta a tese de que, para adquirir o benefício, é necessário o segurado passar por uma perícia médica, efetuada pelo INSS, para comprovar que é portador da doença.

 

  • O alcoolismo como doença: classificação conforme a OMS

Segundo o médico Drauzio Varella (2011), o alcoolismo é uma enfermidade crônica que exibe aspectos comportamentais e socioeconômicos, caracterizada pelo consumo exagerado de substâncias alcoólicas. Esta doença faz com que o usuário se torne progressivamente condescendente à intoxicação produzida pela droga e propenso a cultivar sinais e sintomas de abstinência quando ela é removida. O alcoolismo é considerado a maior doença social dos últimos tempos, pois vem causando danos irreparáveis à sociedade, com nocivos e visíveis reflexos em todos os setores da vida do doente, inclusive no ambiente de trabalho.

Pantaleão (2013, texto digital) salienta que a empresa deve incluir o empregado “no programa de recuperação de dependentes alcoólicos […] ou, afastá-lo e encaminhá-lo para o INSS com a oportunidade de se reabilitar antes de retornar ao trabalho”. A interpretação nos tribunais, em qualquer das situações de dependências químicas no ambiente de trabalho, é de que “cabe ao empregador esgotar os recursos disponíveis para promover e preservar a saúde do trabalhador, dando oportunidade de se reabilitar antes de retornar ao trabalho” (PANTALEÃO, 2013, texto digital). Na interpretação do ilustre Tribunal Regional do Trabalho do RJ temos que:

 

EMENTA: […] ALCOOLISMO CRÔNICO

 

[…]- A Organização Mundial de Saúde equipara o alcoolismo crônico à alienação mental, sendo aquele, por conseguinte, causa de incapacidade definitiva a justificar a reforma de militar, nos termos dos arts. 108, V e 109 do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80); II – Inexigível a existência de relação de causa e efeito entre a enfermidade em comento e a prestação do serviço militar; III – Sendo o Autor acometido de alcoolismo crônico e necessitando, conforme os laudos periciais, da assistência permanente em nível ambulatorial e inclusive, eventualmente, de internação hospitalar, faz jus ao adicional de invalidez, previsto no art. 69 da Lei 8.237/91; IV – Hipótese em que o Autor era cabo militar, pelo que deve ser reformado com proventos de Terceiro-Sargento (Art. 110, § 1º e § 2º, c, da Lei nº 6.880/80); V – Recurso provido.

 

(Apelação Cível Nº 199902010500914, Quarta Turma, Tribunal Regional Federal do RJ, Relator: Desembargador Federal Valmir Peçanha. Julgado em 19/02/2002, publicado em 29/05/2002) (RIO DE JANEIRO, 2002, texto digital).

 

Nesta decisão judicial, vê-se a equiparação do alcoolismo a uma doença crônica, segundo a OMS, justificando a incapacidade do servidor militar para o trabalho. Para Bertoldi (2015, texto digital), o alcoolismo, sem sombra de dúvidas, constitui sério e angustiante problema social cuja solução independe de medidas simples, como a despedida do empregado. Almeida (2014, texto digital) também enfatiza que “o alcoolismo foi incorporado pela OMS à Classificação Internacional das Doenças (CID 10), como transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool, reconhecendo-a como patologia que deve afastar a incidência da justa causa”. O mesmo autor diz, ainda, que

se observa no quadro atual que alcoolismo crônico está incluso, de acordo com o anexo II, CID 10, Grupo V, item VII, doença F10.2, do Decreto 3.048/99, combinado com o art. 20 da Lei n.º 8.213/91, como doença do trabalho denominada de ‘transtorno mental e comportamental devido ao uso do álcool’, isto é, o alcoolismo crônico, desde que decorrentes ou relacionados ao trabalho. […] Assim, resta insuficiente tal concessão. Reconhecendo o alcoolismo como doença, caberá ao órgão previdenciário a concessão do auxílio […] (ALMEIDA, 2014, texto digital).

Além disso, o mesmo teórico argumenta que é preciso alterar a lei do plano de benefício social, chamado de auxílio-doença, no artigo 18 da Previdência Social, de modo que o doente alcoólatra tenha direito a receber a concessão da garantia ao emprego até o término do seu recebimento. Além disso, ele só receberá o benefício se comprovar que possui a doença crônica e se estiver se tratando com médico psiquiatra em internação hospitalar, por vontade própria.

Caso o paciente não queira tratar o vício do álcool, a previdência não o considera como um doente e ele não recebe o benefício previdenciário. Nesse sentido, só se pagará o auxílio-doença quando ele se internar espontaneamente, seja por doença ou vício (ALMEIDA, 2014). Em vista do exposto, considera-se o alcoolismo como doença e, por isso, entende-se que o empregado deve ser tratado e não dispensado.

Também é importante ressaltar que o dependente químico é um indivíduo que desenvolve um comportamento incontrolável e, por isso, não há uma fórmula para se saber quem vai desenvolver a doença (FERNANDES, 2004). Em suma, a maioria das pessoas desconhece que o álcool também é considerado uma droga, porque ele provoca mudanças no comportamento físico e mental, além de desenvolver a dependência química.

Foi elaborado um projeto de lei do Senado Federal, n. 48, de 2010, que tem por objetivo alterar a CLT, disciplinar a demissão por justa causa e dar garantia provisória ao alcoólatra.  Nesse sentido, com a sua aprovação, a CLT sofreria mudanças: seria excluída de seu texto legal uma das hipóteses de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, no caso de embriaguez habitual. No entanto, passaria a dispor que tal legislação seria aplicada somente quando o paciente deixasse de se submeter ao tratamento.

Atualmente, ela se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados. Esse projeto tem o propósito de alterar a lei de Previdência Social (Lei n.8.213/1991), com o intuito de garantir a manutenção do contrato de trabalho do doente alcoólatra, se diagnosticado com tal enfermidade.

 

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O alcoolismo é visto como uma doença crônica, com aspectos comportamentais e socioeconômicos, caracterizada pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas, em que o dependente se torna cada vez mais tolerante à droga e desenvolve sinais e sintomas de abstinência quando a mesma é retirada. Ele é catalogado pela Organização Mundial da Saúde, nos termos da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (também conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID 10), na categoria de transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool.

Em vista disso, a demissão por justa causa, no caso do empregado que sofre desse mal, constitui-se em ato discriminatório, sendo que existem decisões judiciais interpretando que esse indivíduo deve ser submetido a tratamento médico. A Constituição Federal, em seu artigo 1º, incisos II e IV, prevê os direitos à vida, à dignidade humana e ao trabalho, fundamentos esses que levam à presunção de que qualquer dispensa de trabalhador pelo motivo de ser alcóolatra é discriminatória. Quanto a isso, cabe ao empregado reclamar seus direitos se sofrer qualquer dispensa ou discriminação promovida pelo empregador, sendo este punido pela prática discriminatória ocorrida.

 

WHY COULD A WORKER BE FIRED FOR JUST CAUSE IF THE ALCOHOLISM IS CONSIDERED A DISEASE?

Abstract: This work focuses on the apparent contradiction between the treatment of alcoholism in the disciplinary labor law and social security law. The overall objective is to analyze the possibility of the employee suffer dismissal for cause, in the case of habitual drunkenness in the service, or if he will be entitled to social security benefits for sickness and disability retirement. It is a qualitative research, carried out through deductive method and bibliographic technical procedure, judicial, legal and documentary items. Thus, the search begins through the legal contradiction, since there is an apparent conflict between the rules. Then, it is a study of whether or not the dismissal for cause in the event of intoxication during service, to labor law. Finally, we describe the assumptions of the appropriateness of dismissal for cause and the sickness and disability retirement, to social security law. In this sense, it is concluded that alcoholism is sickness factor and disability retirement, although some companies treat it as just cause if the employee going to work drunk regularly.

Keywords: Legal Antinomy. Just cause. Habitual Drunkenness. Sickness. Disability Retirement.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Taquari – Univates e pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade Estácio.

Endereço postal: Avenida Senador Alberto Pasqualini, 814, apto 201, bairro Americano, 95900-562, Lajeado/RS, [email protected]

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