Por uma avalição biopsicossocial do segurado na análise para concessão de benefícios previdenciários

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Resumo: O presente trabalho tem por objetivo expor um outro olhar sobre a perícia realizada pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), o qual muitas vezes se nega a deferir benefícios previdenciários como auxílio doença e aposentadoria por invalidez, unicamente por não dar um enfoque multifocal sobre os indivíduos que à pericia são submetidos. No esteio de uma problematização construída no intuito de esclarecer temas contemporâneos como a invalidez social, doenças psicossomáticas, estresse entre outros, uma solução apontada seria a perícia holística, ou biopsicossocial, que levaria em consideração quando da análise, também fatores subjetivos, inerentes a cada indivíduo, garantindo a perícia exaustiva e eficaz, e ao mesmo tempo, respeitando os princípios constitucionais da isonomia, eficiência, e sobretudo, da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Direito previdenciário, perícia, perícia holística, dignidade da pessoa humana.

Abstract: The purpose of this study is to present a survey of the expertise carried out by the National Institute of Social Security (INSS), which often refuses to grant social security benefits, such as sickness and disability benefits, for failing to provide a multifocal the individuals that to the expertise are submitted. In the mainstay of a problematization built in order to clarify contemporary issues such as social disability, psychosomatic diseases, stress among others, a solution pointed out would be the holistic, or biopsychosocial, expertise that would take into account when analyzing also subjective factors, inherent to each individual, guaranteeing exhaustive and effective expertise, while respecting the constitutional principles of isonomy, efficiency, and, above all, the dignity of the human person.

Keywords: Social security law, expertise, holistic expertise, dignity of the human person.

Sumário: Introdução. 1. Perícia Médica. 2. Perícia Biopsicossocial. 3. Da incapacidade social. 4. A questão da análise holística destinada aos portadores do vírus HIV e a isonomia constitucional. Conclusão.

Introdução

O natural fenômeno de mutação social, impulsionado pelas transformações sociais, políticas e econômicas, promove significativas mudanças na sociedade. Tal fenômeno gera reflexos em todas as áreas, desde a biologia até o direito, não sendo exceção nas questões previdenciárias. A partir de uma abordagem multifocal do indivíduo, se passa a enxergar diferentes pontos de vista, que as vezes se mostram além do alcance das normas vigentes, como ocorre na questão da perícia médica e a análise de concessão de benefícios previdenciários. O presente trabalho tem por objetivo promover uma análise sobre a ampliação da perícia realizada pelo INSS, para além do âmbito médico, passando pela análise social, econômica, psicológica, enfim, individualizada do segurado, de maneira a promover a máxima observância dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia de benefícios e serviços.

São abordadas questões de cunho contemporâneo, as quais, todavia, tem se mostrado cada vez mais presentes na vida dos indivíduos, como as chamadas enfermidades psicossomáticas, síndromes do pânico e de burnout, depressão, entre outras. Situações essas que muitas vezes impossibilitam o trabalho e até mesmo a convivência da pessoa afetada para com o núcleo social em que se encontra inserida. No entanto, na contramão de tais situações, muitas vezes o que se observa por parte do Instituto Nacional do Seguro Social, são unicamente perícias médicas, que em muitos casos não conseguem identificar tais situações, o que resulta no indeferimento dos benefícios previdenciários, culminando com o retorno do segurado ao trabalho sem as devidas condições de assim o fazer, expediente que termina por culminar na queda de rendimento, demissão ou agravamento da situação outrora estabelecida.

Para o enfrentamento de tais situações, se faz necessária, uma avaliação ampla, denominada biopsicossocial, a qual possibilita uma observância múltipla sobre o segurado em todos os seus aspectos, levando em conta as particularidades de cada indivíduo.

1. Perícia médica

Inicialmente, a título de definição latu sensu, perícia é “todo e qualquer ato propedêutico ou exame realizado por médico, com a finalidade de contribuir com as autoridades administrativas, policiais ou judiciárias na formação de juízos a que estão obrigados” (NAKANO, 2007, p. 32). Trata-se pois, de ato privativo do médico no sentido de contribuir com as autoridades administrativas, policiais ou judiciárias, auxiliando nas conclusões e na formação de juízos pertinentes aos casos por elas analisados. Tal definição consta do renomado livro “Perícia Médica”, elaborado pelo Conselho Federal de Medicina, o qual, indubitavelmente traz grandes contribuições sobre o agir do profissional médico quando ­­­­­da avaliação a qual submete seus pacientes.

Some-se ainda o disposto na Lei Federal 10.876/04, o qual atribui como competência dos peritos médicos da Previdência Social[1]:     

 "I – emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários;

II – inspeção de ambientes de trabalho para fins previdenciários;

III – caracterização de invalidez para benefícios previdenciários e assistenciais;

IV – execução das demais atividades definidas em regulamento; e

V – supervisão da perícia médica de que trata o § 5º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, na forma estabelecida pelo Ministério da Previdência Social.

Tais axiomas, no entanto, deixam por muitas vezes de dispensar aos casos analisados, a perspectiva holística, que abrange o caráter biopsicossocial do expediente pericial, ampliando assim o alcance e consequentemente a efetividade da perícia realizada, bem como seus reflexos na concessão de benefícios previdenciários.

2. Perícia Biopsicossocial

A ideia de ampliação do enfoque sobre a perícia realizada no segurado, remete à Classificação Internacional de Funcionalidades (CIF), a qual traz importantes apontamentos sobre as distinções entre doença e incapacidade, de modo que ao se analisar tal perspectiva, nota-se principalmente o caráter exclusivo de cada indivíduo, no sentido de que uma determinada doença pode gerar incapacidade em uma pessoa e a mesma doença não ter esse efeito sobre outra, ao ponto que não somente as condições físicas, mas também psíquicas e sociais nas quais estão inseridos os indivíduos tem relação direta com as doenças por eles enfrentadas. Partindo de tal premissa, surge uma preocupação maior em aferir o real efeito das doenças sobre os indivíduos, de modo que a aplicação exclusiva da perícia médica não seria muitas vezes suficiente para alcançar o melhor resultado.

Nesse sentido, surge a ideia de perícia holística, ou biopsicossocial, que traria para junto do profissional médico, as figuras do psicólogo e do assistente social, profissionais estes que estão diretamente ligados ao processo de avaliação do indivíduo, no que tange à área psicológica e social, buscando desse modo, atingir os fins propostos pela CIF.

3. Da incapacidade social

Na atual conjuntura socioeconômica, que se encontra em crise, nota-se que é cada vez maior e mais acirrada a luta do trabalhador para conquistar seu espaço no mercado, tal busca se sobrepõe às esferas sociais e atinge desde o médico até o trabalhador rural. Esse cenário se mostra favorável ao surgimento de moléstias até então pouco conhecidas do grande público, mas que apresentam resultados terríveis, tais como a depressão, transtornos de personalidade, síndrome do pânico, Burnout, estresse, entre outros (GOUVEIA, 2017).

À luz da Legislação Federal, especificamente a Lei 8.213/91 e o Decreto 3.048/99, são abordadas duas situações que visam proteger o segurado frente às situações de incapacidade, a saber, o auxílio doença e a aposentadoria por invalidez. A primeira, norteada pelo artigos 59 a 64 da Lei 8.213/91 e 71 a 80 e 337, do Decreto 3.048/99, garante ao segurado a prestação de auxílio decorrente de doença do trabalho, doença profissional ou acidente de trabalho. Uma vez recuperado, o trabalhador retorna ao seu posto de trabalho, gozando, no caso de auxílio decorrente de acidente de trabalho, da estabilidade pelo período de 12 meses, garantida pelo artigo 118 do mesmo diploma. Não havendo a plena recuperação para o exercício da função outrora exercida, o segurado é encaminhado para a reabilitação, que nas palavras de Kertzman é “serviço que visa proporcionar aos beneficiários, incapacitados parcial ou totalmente para o trabalho, em caráter obrigatório, independentemente de carência, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios indicados para o reingresso no mercado de trabalho e no contexto em que vivem”. (2013, p. 477).

Destaque-se ainda sobre a reabilitação, o disposto no artigo 17, § 1º do Decreto 3.298/99, que dispõe:

“Art. 17.  É beneficiária do processo de reabilitação a pessoa que apresenta deficiência, qualquer que seja sua natureza, agente causal ou grau de severidade

§ 1o  Considera-se reabilitação o processo de duração limitada e com objetivo definido, destinado a permitir que a pessoa com deficiência alcance o nível físico, mental ou social funcional ótimo, proporcionando-lhe os meios de modificar sua própria vida, podendo compreender medidas visando a compensar a perda de uma função ou uma limitação funcional e facilitar ajustes ou reajustes sociais[2]”.(grifo nosso).

Por outro lado, se for considerado que o segurado se encontra insuscetível de recuperação, estando total e permanentemente incapaz para o trabalho, a ele será devida a aposentadoria por invalidez, disposta nos artigos 42 a 47 da Lei 8.213/91 e nos artigos 43 a 50, do Decreto 3.048/99.

A concessão de tais benesses requer a sujeição obrigatória do segurado à Perícia médica realizada pelo médico perito do INSS, o qual tende a proceder a avaliação e anamnese segundo procedimentos predefinidos. No caso das situações atinentes à incapacidade social aqui mencionadas, o que se tem percebido, todavia, é o indeferimento por parte do Instituto Nacional do Seguro Social no tocante à concessão de tais benefícios, tendo em vista que na maioria das vezes a perícia realizada unicamente pelo viés médico não detecta a incapacidade latente, resultando no retorno do segurado ao posto de trabalho outrora ocupado, mas, estando ainda fragilizado emocionalmente, estressado e imediatamente submetido às pressões exercidas por seu ambiente ocupacional, acaba por não conseguir apresentar os resultados por ele esperados, o que resulta muitas vezes na demissão ou na incapacidade de realizar o trabalho hodierno.

Outros fatores, tais como a baixa escolaridade, a idade avançada para trabalho, deformações, ou doenças consideradas estigmatizantes tendem a favorecer o isolamento dos indivíduos pelos núcleos sociais nos quais estão inseridos, fato que reduz e limita extremamente as condições não somente de desenvolvimento de qualquer atividade profissional, mas também de convívio em sociedade, e que demonstra a importância de uma abordagem holística sobre cada caso, individualmente (NEMEZIO e GOUVEIA, 2017).

4. A questão da análise holística destinada aos portadores do vírus hiv e a isonomia constitucional

A fim de que seja melhor explanado o conceito de estigma social e seus desdobramentos perante o meio no qual estão inseridos os indivíduos, destaca-se a questão da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), que foi considerada doença estigmatizante, tanto pela Lei 12.984/2014, bem como a Súmula 78 da Turma Nacional de Uniformização, que dispõe:

“Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença”.

Salienta-se pois, a importância dos dispositivos supramencionados, tendo em vista o alcance e a segurança que visam proporcionar quando da análise da real condição em que se encontra o indivíduo.

Todavia, tal expediente não se deve ater tão somente à questão do HIV, ou de outras moléstias estigmatizantes, mas sim instituir-se como corolário de toda análise realizada, tanto no âmbito administrativo quanto judicial.

Para tanto destaque-se o Princípio da Isonomia trazido pela Constituição Federal, em seu artigo 194,II, o qual determina que deve haver uniformidade e equivalência tanto dos benefícios quanto dos serviços prestados às populações urbanas e rurais, de modo que a análise holística não deve se ater a um caso específico, mas sim universalizada, no intuito de se chegar à melhor conclusão possível a respeito da real condição do segurado que a ela for submetido. De igual modo estaria sendo cumprido o disposto no artigo 37 do mesmo Diploma, no que se refere ao Princípio da eficiência, tendo em vista que a múltipla avaliação do segurado resultaria numa perícia exauriente e, consequentemente mais eficaz.

Conclusão

O escopo do presente trabalho foi a análise da necessidade de uma abordagem biopsicossocial no que se refere aos procedimentos realizados pelo INSS para a concessão de auxílio doença e aposentadoria por invalidez, no sentido de se estender o alcance da perícia para além do viés médico, mas também psicológico e social, observadas as particularidades de cada caso. Tal medida visa o enfrentamento de fenômenos contemporâneos tais como a incapacidade social que muita vezes não é detectada através da abordagem tradicional e consequentemente resulta na determinação de retorno do indivíduo às suas atividades, todavia, permanece como óbice constante na vida cotidiana do segurado, impedindo o exercício regular do trabalho e não raras vezes o convívio em sociedade, afetando diretamente suas condições de vida e de dignidade.

Passos importantes já foram dados nesse sentido, como se destaca a Súmula 78 da Turma Nacional de Uniformização sobre a questão de uma ampla análise feita no tocante à concessão de benefícios previdenciários aos portadores de HIV. Tal medida, conforme determinação constitucional principiológica, sob a perspectiva da isonomia de benefícios e serviços, deve ser estendida a todas as situações que se fizerem necessárias e não somente aos portadores de HIV, ou de doenças estigmatizantes. 

No entanto, como se verificou através de revisão bibliográfica, é ainda incipiente a questão da perícia biopsicossocial, carecendo assim de análise mais detalhada por ser tema de grande relevância. Espera-se com o presente trabalho, contribuir para a ampliação da discussão sobre o tema, para além da esfera teórica e acadêmica, mas que alcance seu real fim, que se resume unicamente na observância aos princípios constitucionais da eficiência, da isonomia e, mormente, da dignidade da pessoa humana.­­­

 

Referências
BRASIL. Lei nº 10.876, de 2 de junho de 2004.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. [et. al…] Comentários à Constituição do Brasil – São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – Disponível em: http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_%202004.pdf
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário – 10.ed – Bahia: JusPodivm, 2013.
NAKANO, Simoni M. Stefani. Perícia médica / coordenação Salomão Rodrigues Filho [et al.]. – Brasília: Conselho Federal de Medicina: Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás, 2012.
NEMEZIO, Raquel Rodrigues; GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Perícia holística na concessão de benefício por incapacidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX, n. 164, set 2017. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19468&revista_caderno=20>. Acesso em nov 2017.
 
Notas
[1] BRASIL. Lei nº 10.876, de 2 de junho de 2004.

[2] BRASIL, Decreto nº. 3.298 de 20 de dezembro de 1999.


Informações Sobre o Autor

André Lopes de Faria

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá UEM. Pós graduando em Direito da Seguridade Social pela Universidade Cândido Mendes