A medida cautelar vem, de forma provisória, amparar direito ameaçado que, se não resguardado com urgência, pode se perder em decorrência de acometimento de dano grave de difícil reparação.
Com base em requisitos consubstanciados no fumus boni juris e periculum in mora, o Judiciário tem decidido acautelar os direitos numa tentativa de evitar iminentes danos que venham a lesar o requerente ou mesmo a Administração Pública. Aliás, o entendimento não só abarca as demandas de competência judiciária como também tem se estendido à aplicação das medidas cautelares pelos Tribunais de Contas.
Em 2003, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Mandado de Segurança nº 24.510, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, extinguiu a controvérsia ao defender a possibilidade da expedição de medidas cautelares pelos Tribunais de Contas:
“PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IMPUGNAÇÃO. COMPETÊNCIA DO TCU. CAUTELARES. CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE INSTRUÇÃO. 1- Omissis. 2- Inexistência de direito líquido e certo. O Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar (artigos 4º e 113, § 1º e 2º da Lei nº 8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões). 3- Omissis. 4- Omissis. Denegada a ordem.”
De acordo com o entendimento ventilado pela Ministra Ellen Gracie, a produção de medidas cautelares é inerente ao exercício das atribuições imputadas aos Tribunais de Contas pela CF/1988, sendo-lhe um instrumento válido, e muitas vezes até mesmo indispensável, para obviar a frustração de sua atuação.
Na ocasião do voto do julgado em cotejo, o Ministro Cezar Peluso salientou que “é melhor prevenir do que remediar” e o Ministro Celso de Mello teceu os seguintes comentários que antecederam sua posição:
“É que esse procedimento mostra-se consentâneo com a própria natureza da tutela cautelar, cujo deferimento, pelo Tribunal de Contas, sem a audiência da parte contrária, muitas vezes se justifica em situação de urgência ou de possível frustração da deliberação final dessa mesma Corte de Contas, com risco de grave comprometimento para o interesse público (…). Essa visão do tema tem o beneplácito de autorizado magistério doutrinário, que, embora exposto a propósito do processo judicial, traduz lição que se mostra inteiramente aplicável aos procedimentos administrativos, notadamente àqueles instaurados perante o Tribunal de Contas, considerando-se, para esse efeito, os princípios e diretrizes que regem a teoria geral do processo (…). Daí a possibilidade, ainda que excepcional, de concessão, sem audiência da parte contrária, de medidas cautelares, por deliberação do Tribunal de Contas, sempre que necessárias à neutralização imediata de situações de lesividade, atual ou iminente, ao interesse público (…). A sumariedade do conhecimento inicial nessas medidas não se confunde, porém, com puro arbítrio do julgador.”
Em suma, a Corte Suprema do Judiciário entendeu que, se os Tribunais de Contas estão incumbidos de zelar pela fiscalização e interesse público, podem sim prevenir danos futuros. Pela primeira vez, foi dado ao TCU a garantia do direito de adotar medida cautelar para preservar resultado final de seu julgamento. Assim, a interpretação do artigo 71 da CF/1988 foi ampliada pelos ministros.
Em 2009, o então Ministro Presidente Gilmar Mendes, apoiado no entendimento esposado pelo STF, proferiu decisão na Suspensão de Segurança nº 3.789/MA que tratava de proposta pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão contra deliberação do Tribunal de Justiça daquele Estado que tornara sem efeito medida cautelar proferida pela Corte de Contas:
“1. Omissis. 2. (…) O TCE pretende lhe seja reconhecida competência constitucional, para, diante de fundado receio de lesão à ordem jurídica, expedir medidas cautelares, tendentes a prevenir gravames ao erário e a garantir a efetividade de suas decisões (…). São conclusões que de todo convém à espécie, pois, no caso, sob pretexto de que a ‘Corte de Contas Estadual não detém função jurisdicional típica’ (fls. 23), o que é truísmo, o ato ora impugnado, cassando-lhe a eficácia da ordem de suspensão dos decretos e dos respectivos convênios, a princípio tidos por danosos ao tesouro estadual, aniquilou na prática, à primeira vista, a competência fiscalizatória que a Constituição Federal outorgou àquele órgão e que, como é óbvio, só pode exercida, se lhe sejam assegurados os meios que a garantam e tornem efetiva. 3. Do exposto, defiro o pedido de suspensão de segurança, para suspender os efeitos da decisão liminar proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 10363/2009, inclusive no que respeita à proibição da Corte de Contas Estadual determinar suspensão de atos análogos.”
De acordo com os julgados mencionados, deve ser distinta, por conseguinte, uma leitura sistemática e teleológica da norma constitucional, em ordem a cumprir a relevante função constitucional imputada às Cortes de Contas, garantindo a força de suas deliberações e, consequentemente, a efetiva defesa do patrimônio público.
Informações Sobre o Autor
Tatiana de Oliveira Takeda
Advogada, assessora do Tribunal de Contas do Estado de Goiás – TCE, professora do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento