Resumo: Objetiva-se, com esse trabalho, analisar, de forma crítica, o nosso modelo político atual e sugerir, de forma superficial, a adoção de novos mecanismos de direito e de política que devem ser inseridos no nosso ordenamento sócio-jurídico afim de aprimorá-lo em sua representatividade popular e moralidade a luz da Constituição Federal.[1]
Sumário: Introdução. 1. O que se entende por reforma política. 1.1. Escorço histórico. 1.2. Conceito de Reforma Política. 2. Considerações doutrinárias – limites constitucionais para a modificação do sistema de representação popular. 2.1. A reforma política por meio dos mecanismos jurídicos infralegais e suas limitações constitucionais. 2.2. A reforma política por meio dos mecanismos legais e suas limitações constitucionais; 2.2.1. Das limitações constitucionais quanto à forma. 2.2.2. Das limitações constitucionais quanto ao mérito. 2.2.2.1. Da compatibilização aos Preceitos e Ditames Constitucionais vigentes (Limitação Constitucional de Mérito). 2.2.2.2. Das cláusulas pétreas (Limitações constitucionais de mérito). 2.2.2.3. Análise jurídica factual – Inconstitucionalidade da Pretensa Reforma Política – Lei Ordinária – “Cláusula de Barreira”. 2.3. Da limitação constitucional para reforma política adstrita ao âmbito dos partidos políticos. 3. Da liberdade legislativa para a escolha do sistema de representação popular. 3.1. Da reforma legislativa para a implementação do sistema de representação popular distrital. 3.2. Da reforma legislativa para a implementação do financiamento público de campanha eleitoral. 3.3. Da reforma legislativa para a implementação da “lista fechada”. 4. Modelo de Reforma Política Legeferenda. 4.1. Problemas apresentados no sistema vigente. 4.2. Histórico do voto distrital no Brasil. 4.3. Voto distrital. 4.3.1. Voto distrital misto – modelo alemão. 4.3.1.1. Pontos positivos do modelo distrital misto. 4.3.1.2. Criticas ao modelo distrital misto. 4.3.1.3. Obstáculos a positivação do voto distrital misto. 4.4. Financiamento público de campanhas. 4.5. Lista fechada. 4.5.1. Aspectos positivos do modelo do voto em lista fechada. 4.5.2. Aspectos negativos do modelo do voto em lista fechada. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A democracia brasileira passou por um período nebuloso, sendo reconquistada recentemente após duas décadas de regime de exceção. Ao todo, foram vinte e um anos de Regime Militar, tendo como frutos inúmeros confrontos entre forças políticas e sociais. Ao lado dessa juventude do sistema democrático brasileiro caminha a necessidade de uma série de reformas para o aprimoramento do regime constitucional e fortalecimento das instituições republicanas. Uma das principais é a Reforma Política, considerada como “mãe de todas as reformas”. Sua não implementação tem comprometido a aprovação de outras relevantes reformas de cunho estrutural, tais como Tributária, Previdenciária e Fiscal, o que estagna a tão almejada consolidação e evolução do país. O prejuízo gerado por essa letargia ocorre de forma indireta, uma vez que para a aprovação das demais reformas dependem essencialmente do clima político, da necessidade de obtenção de maioria nas casas representativas do Congresso Nacional e menor volatilidade dos posicionamentos por parte dos partidos políticos para aprovação e celeridade dos projetos que são de interesse nacional.
A reforma política, nos moldes deste estudo, é um mecanismo que possibilitará maior participação popular dentro do ordenamento e aprimoramento das instituições republicanas, tanto na esfera administrativa, jurisdicional, como também na legislativa.
Este estudo não tem a pretensão de apontar um novo sistema político tido como ideal, ou inovador em sua concepção, mas sim, tão somente, delinear aperfeiçoamentos que seriam condizentes com a ordem constitucional hoje vigente, qualificando o sistema político e melhorando os instrumentos de participação, promovendo desta forma maior equilíbrio no sistema.
Será adotado como cerne deste estudo aquilo que tange ao exercício da função legislativa, propondo mudanças pontuais no sistema atual, as quais se acredita ser as mais adequadas para atual conjuntura sócio-política, objetivando conciliar representatividade e governabilidade, erradicando o personalismo e oportunismo, imprimindo destarte eficácia para o sistema político e contribuir para o aperfeiçoamento deste debate no Brasil.
Neste diapasão serão analisados os institutos jurídicos do voto distrital misto, lista fechada e financiamento público de campanha, os quais são elencados nesta pesquisa como principais sugestões para o aprimoramento estrutural do sistema vigente.
1. O QUE SE ENTENDE POR REFORMA POLÍTICA?
1.1. Escorço histórico
A Reforma Política é um tema que sempre esteve na agenda do Congresso Nacional, desde a redemocratização em 1946, destacando–se a cassação do Partido Comunista, o recadastramento dos eleitores, a introdução da cédula única e a representação proporcional com lista aberta.
No Regime Militar, que ocorreu entre os anos de (1964-1985), foram modificadas drasticamente a regras políticas, de forma a produzir maiorias ao Governo no Congresso, entre elas eleições indiretas para presidente e governadores via Código Eleitoral, voto vinculado, “senadores biônicos”, cassação de mandatos políticos, fidelidade partidária, proibição de coligações e a fracassada tentativa de implantar o voto “misto” distrital proporcional .[2]
Com o sucesso do movimento das “Diretas Já” estabeleceu-se uma nova fase de redemocratização a partir de 1985 com a volta do poder civil, com a aprovação de uma nova Constituição Federal em 1988 e com a realização das eleições diretas para Presidente da Republica em 1989. Outras modificações foram introduzidas nas normas políticas nesta nova fase, entre elas destacam-se: a abertura para novos partidos políticos, o retorno dos partidos comunistas, os novos recadastramentos de eleitores, a redução facultativa da idade eleitoral de 18 para 16 anos, o critério da maioria absoluta e a reeleição para cargos executivos, as cotas para as candidatas nas eleições proporcionais e os votos brancos contados como inválidos.
A última reforma política no Brasil ocorreu em 1995, quando foi reeditada a nova lei do partido. Sucessivamente veio à lei geral das eleições em 1997, a lei contra a compra de votos em 1999, foram proibidas a distribuição de brindes, a realização de showmícios e, paralelamente, a Justiça Eleitoral introduziu as urnas eletrônicas e a fidelidade partidária.
No último movimento do Congresso Nacional entraram em pauta aspectos que visam regulamentar e ampliar a situação de idéias na sociedade por intermédio, sobretudo da Internet; buscou-se também o estímulo da participação feminina, melhor regulação das ações que combatem crimes eleitorais, objetivos que foram atingidos por este último texto.
Cabe destacar que em mais de seis décadas de discussões sobre a reforma política, os pontos que são considerados mais relevantes nesta obra, e que surtiriam grande impacto no Congresso Nacional e nas relações de poder, apesar de debatidos na Assembléia Nacional Constituinte, nunca entraram na pauta da Câmara dos Deputados. São eles: sistema de eleição proporcional, com ênfase no voto distrital misto e financiamento público de campanha.[3]
1.2 Conceito de Reforma Política
Para Paulo Bonavides:
“Consiste a reforma num conjunto de providências de alcance social e político e econômico, mediante as quais, dentro duma “moldura de fundamentos inalteráveis”, se faz à redistribuição das parcelas de participação das distintas classes sociais. Com a reforma, se se corrigem distorções do sistema e de regime, atende-se ao bem comum, propicia-se a paz social, distribui-se mais justiça entre classes ressentidas e carentes”[4].
Vânia Siciliano Aieta considera por sua vez:
“Reformar significa possibilitar as condições para que uma transição possa ocorrer. Em uma Reforma Política, deve-se buscar a ampliação da democracia representativa para que as legítimas demandas da sociedade possam se sedimentar. A reforma se faz necessária quando as estruturas já estão superadas ou não conseguem se concatenar com as novas exigências da realidade política”[5].
A reforma política é um mecanismo que possibilita a participação popular dentro do nosso ordenamento, tanto na esfera administrativa, jurisdicional, como também na legislativa. Conforme exposto na introdução deste estudo será adotado como cerne desta monografia aquilo que tange o exercício da função legislativa, que no entendimento de Montesquieu, tem como objeto a elaboração de leis para sempre ou para determinada época, bem como se aperfeiçoam ou ab-rogam as que já se acham feitas.
Para tanto, compartilha-se aqui com a reflexão do deputado federal Flavio Dino, relator da Reforma Política na Câmera Federal. Segundo ele, a reforma política é um processo e não um momento, não sendo possível de uma vez só redesenhar toda as instituições democráticas, em um único esforço, pois desta forma, assemelhar-se-ia a uma propositura totalitária, ditatorial.
Mister se faz que as alterações sejam somadas de forma progressiva, e destarte caminhar à direção de qualificar a vida política num esforço de democratizá-la, aumentar a participação popular, melhorar o padrão de probidade e alcançar a moralidade da política. Estas devem ser as metas objetivadas em um esforço contínuo.
2. CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS LIMITES CONSTITUCIONAIS PARA A MODIFICAÇÃO DO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO POPULAR;
A reforma política pode se efetivar por diversas fontes e diversos meios. Pode ser feita de forma infralegal, legal – na modalidade ordinária ou por Lei Complementar – e, por fim, mediante de Emendas Constitucionais.
Independentemente do meio pelo qual ela possa ser apresentada, certamente haverá balizamentos de cunho constitucional que devem pautá-la. É o que se analisará a seguir, considerando cada uma das suas modalidades de apresentação e efetivação.
2.1 – A Reforma Política por meio dos mecanismos jurídicos infralegais e suas limitações constitucionais:
Uma reforma política, na modalidade infralegal, pode se dar através da edição de resoluções emanadas do Poder Judiciário, em especial a Justiça Eleitoral, a quem compete editar resoluções cujo propósito deveria ser o de regulamentar a lei a ponto de deixá-la plenamente aplicável e eficaz para pleito que se aproxima.
Apesar do caráter do Poder Regulamentador não ser o de inovar, pode-se constatar, na prática, ao longo dos últimos pleitos eleitorais, que tal premissa não procede, na medida em que o Poder Judiciário vêm, através da edição de resoluções, inovando e conseqüentemente legislando regras políticas-eleitorais. Promove-se assim a evolução do sistema normativo para acompanhar as mudanças sociais e os anseios do eleitorado.
Assim ocorreu com a norma resolutiva que impôs a verticalização das coligações[6]. Trata-se de prática jurídica tecnicamente condenável, uma vez que se resguarda dos basilares princípios jurídicos que regem o Estado Democrático de Direito. Essa norma, a Resolução nº 20.993, do TSE, que impôs a verticalização das coligações, é inconstitucional e ilegal porquanto viola os Arts. 2º, II, 5º, 16 e 17, I, da Constituição Federal, e afronta o Art. 6º, da Lei nº 9.504/97.
A norma que verticalizou as coligações viola os princípios da legalidade e da separação de Poderes (II, 5º e 2ºCF). O TSE não pode legislar sobre matéria eleitoral, porque a competência legislativa é privativa do Poder Legislativo, cabendo-lhe, como já dito, apenas regulamentar as eleições.
Pode se verificar, pela análise do caso concreto supra apresentado, severos limites de ordem Constitucionais que balizam, ou deveriam balizar, eventual reforma política em sede de normas infralegais.
Outro exemplo recente de reforma da legislação política por meio de instrumentos jurídicos infralegais foi a resolução do TSE que impôs a fidelidade partidária[7]. Esta foi uma inovação que a sociedade almejava e a ordem política requeria. A crítica jurídica, independente da qualidade de mérito, condenou a forma pela qual tal reforma se operou por iniciativa do Poder Judiciário. Tal reforma se operou por instrumento resolutivo que não se resguarda da legitimidade e da representatividade que advêm do Congresso Nacional, que tem como competência ordinária legislar.
Da mesma forma que ocorreu com a resolução que impôs a verticalização das coligações, a norma infralegal estabeleceu a fidelidade partidária, através do Poder Judiciário, que deveria dar sustentação à ordem legal brasileira, desprezou os princípios fundamentais da ordem jurídica, justamente aqueles que deveriam solidificar o Estado Democrático de Direito.
O jurista Adriano Soares da Costa[8] publicou artigo no qual critica, de forma contundente, essa atual prática ilegal e inconstitucional do Poder Judiciário, a qual ele próprio batiza de “hipertrofia do Poder Judiciário”, dizendo: “A Justiça Eleitoral, o TSE à frente, muitas vezes tem ingressado em análises de temas políticos que não lhe são afetos, como a questão da fidelidade partidária. Em seu ativismo – e aí, com o auxílio da inércia do Congresso Nacional e com as provocações despudoradas de partidos políticos, que não sabem resolver as pendências políticas na arena própria -, o TSE passou a disciplinar por meio de resolução matéria de processo civil eleitoral, criando inclusive o rito pelo qual os mandatos poderiam ser cassados. Não apenas, porém. Recentemente, o presidente Carlos Ayres Britto manifestou-se criticamente sobre o mérito da reforma eleitoral tramitando no Congresso, não sem antes afirmar que não via ali nenhum artigo inconstitucional. Ora, se o juízo que lhe cabia institucionalmente era justamente o de jaez jurídico, por que ingressar em opiniões políticas que não são afetas à função da Justiça Eleitoral? Justamente em razão da sua hipertrofia, desenvolvida ao longo do período democrático, que precisa urgentemente ser revista, conforme tenho aqui constantemente me manifestado”.
Outros recentes exemplos de reforma política foram levados a efeito através de iniciativa exclusiva do Poder Judiciário, mediante a edição de resoluções. O objetivo desta obra e, em especial neste capítulo, não é o de citar e pormenorizar todas as reformas políticas que se originaram daquele Poder, e sim estudar sua origem e forma, observando-se sempre que, independentemente do mérito, estas devem respeitar a ordem constitucional e os institutos do Direito então vigentes.
Tais alterações e inovações normativas estavam guarnecidas pelo Ordenamento Constitucional?
É legítimo ao Poder Judiciário promover a edição de resoluções a fim de normatizar as regras políticas eleitorais. Contudo, compete-se agora estudar e apreciar quais seriam, de forma precisa, os limites constitucionais que devem ser observados e obedecidos quando da edição de resoluções por parte do Poder Judiciário.
Segue o disposto no Art. 121 parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988: “São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição… ( )”
A edição de uma Resolução é uma decisão. O termo “decisão” não se refere exclusivamente ao mérito de determinado litígio, em sede de contencioso, trata-se de termo de grande amplitude, que atinge a toda conclusão normativa ou processual que advenha do respectivo Tribunal.
Encontra-se, desta forma, o primeiro grande limite constitucional para o caso de reforma política oriunda do Poder Judiciário, qual seja, respeitar os próprios princípios, intrínsecos, extrínsecos, e normas constitucionalmente postas.
Sendo desrespeitada essa limitação do Poder Reformador, através do Judiciário, qual seria o remédio a ser receitado? Art. 102 da Constituição Federal – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição.
Também há de se considerar que nenhuma resolução, a pretexto de regulamentar norma legal, pode criar direitos, obrigações, e mitigar ou extrapolar os direitos e obrigações legalmente estabelecidos. Compete-lhe especificar o meio e a forma pela qual aquele direito será exercido, ou aquela obrigação cumprida.
Sinteticamente, encontra-se a prática de edição de resoluções as seguintes limitações quanto a sua possibilidade de servir de instrumento de reforma política: (1) Plena Compatibilização quantos aos preceitos e ditames Constitucionais; (2) Plena harmonização e identificação quanto às disposições legais; (3) Impossibilidade jurídica de inovar em obrigações e deveres; (4) Ater-se a seu caráter estritamente regulamentador, dando aplicabilidade e eficácia à norma legislativa já inserida no ordenamento jurídico brasileiro.
2.2 – A Reforma Política por meio dos mecanismos legais e suas limitações constitucionais:
A reforma política, por meio dos mecanismos legais, pode se dar através de Lei Complementar ou por Lei Ordinária, dependendo da matéria a ser reformada. Primeiramente serão analisadas as limitações constitucionais que alcançam a forma de apresentação de eventual projeto de reforma para, depois, serem apreciados os seus aspectos de mérito, tanto os atinentes à Lei Complementar quanto os inerentes à Lei Ordinária.
2.2.1 – Das limitações consitucionais quanto à forma:
As matérias cuja Constituição Federal estabelece que são de caráter de Lei Complementar não podem, sob pena de Vicio de Forma, serem aprovadas por outro procedimento legislativo.
Em matéria de Legislação Política e Eleitoral, verifica-se a disposição do Art. 14, parágrafo nono, da Constituição Federal:
“C.F. Art 14 – Parágrafo nono: Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”
Encontra-se, na disposição Constitucional supra citada, mais um dos limites Constitucionais impostos ao Poder Reformulador Legal. Pode-se extrair, da redação constitucional, que as matérias de inelegibilidade (1), os prazos de cessação (2), e a proteção das eleições contra influências ilegítimas, escusas e danosas do Poder Econômico (3), bem como o abuso de função, cargo ou emprego na administração pública direta ou indireta (4), devem, invariavelmente, ser estabelecidos mediante a edição de Lei Complementar.
Somam-se assim quatro matérias de ordem política que são reservadas à Lei Complementar. Não se pode, então, pretender lançá-las, como objeto, por outro meio legislativo ou normativo, sob pena de inconstitucionalidade.
O processo de aprovação de projeto de Lei Complementar é muito mais complexo do que seria a aprovação de projeto de Lei Ordinária, em virtude de imposição Constitucional a ser estabelecida pela essência da própria matéria legislativa.
Para a aprovação de Lei Complementar é necessária a aprovação de maioria absoluta[9], ou seja, cinqüenta por cento mais um dos votos do total de membros de cada uma das Casas Legislativas, conforme estabelece o Art. 69 da CF. A Lei Ordinária, por sua vez, necessita de aprovação de maioria simples, cinqüenta por cento mais um do total de presentes, desde que respeitado o quórum mínimo para a abertura da sessão.
Conclui-se que há limitação constitucional para a promoção da reforma política por via LEGAL. Tal limitação não é de mérito e sim de forma. Todavia, não deixa de ser uma forma de limitação na medida em que se aprovadas mediante projeto de Lei Ordinária, tais reformas estariam fadadas a serem contestadas e vencidas, por meio de ADIN, e conseqüentemente excluídas do ordenamento jurídico pátrio, em razão de vício de forma, não obstante uma eventual perfeição de mérito.
Neste diapasão haveria limitação constitucional quanto à forma para o caso de reformulação do Código Eleitoral. É patente a necessidade de atualização do código eleitoral hoje vigente.
O Código Eleitoral hoje vigente foi promulgado em 1965. Há muito se encontra superado em suas mais basilares disposições. Trata-se de legislação arcaica que não guarda a menor identificação com as necessidades normativas de um processo político eleitoral moderno, tampouco retrata qualquer anseio latente na sociedade, ou melhor, no eleitorado.
A reforma do Código Eleitoral também deve se dar, exclusivamente, por meio da aprovação de nova Lei Complementar[10]. Se assim não for, mais uma vez seria constatada inconstitucionalidade, de vício de forma, imposto por Limitações Constitucionais hoje vigentes.
Além das limitações que a Constituição Federal impõe quanto à forma, para se promover reformas eleitorais, também há aquelas que versam sobre o conteúdo de eventual reforma. O que será estudado no subtópico seguinte.
2.2.2 – Das limitações constitucionais quanto ao mérito:
É necessário introduzir esse tópico abordando, conceituando e diferenciando o “Poder Constituinte Originário” do “Poder Constituinte Reformador”. Embora haja conflitos doutrinários quanto à terminologia adotada[11], neste estudo não se discutirá a precisão terminológica. Discutir-se-á o alcance e conteúdo destes institutos jurídicos.
Poder Constituinte Originário é aquele de que de nada depende, aquele de que a nada se subordina, aquele de que a nada se vincula ou guarda identidade ou consonância, a não ser aos próprios princípios humanistas e morais intrínsecos a todos os seres humanos de bem e suas respectivas sociedades. É o nascimento de uma nova ordem Constitucional, instaurada pelo Poder Constituinte, representado por eleitos diretamente pelo povo, especialmente para este fim. Trata-se do estabelecimento da “norma mãe” a qual todas as outras normas estarão vinculadas e necessariamente compatibilizadas.
O Poder Constituinte Derivado, por sua vez, é aquele que se deriva do Poder Constituinte Originário especialmente para o fim de ajustar ou emendar dispositivos constitucionais que se apresentarem impróprios, dada as circunstâncias e a conveniência da ordem constitucional a ser compatibilizada com a ordem social, desde que, respeitados os limites do Poder de Reforma abaixo apresentados.
2.2.2.1 – Da compatibilização aos Preceitos e Ditames Constitucionais vigentes (Limitação Constitucional de Mérito):
Segundo vaticina o Mestre José Afonso da Silva, em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo, a doutrina jurídica costuma distribuir as limitações do poder de reforma em três grupos: “as temporais, as circunstancias e as materiais (explicitas e implícitas)”.
Ainda segundo o professor José Afonso da Silva, as limitações temporais não são comumente encontráveis na história constitucional brasileira. Na verdade, tal limitação é a imposição, pela própria disposição constitucional, de que eventuais emendas só poderão se dar em processo revisional, especialmente estabelecido para este fim.
A limitação circunstancial, por sua vez, é aquela disposta no parágrafo primeiro[12] do Art. 60 da CF, que dispõe que a constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sitio.
Quanto às limitações de ordem material, há as explícitas e as implícitas. As explícitas são aquelas arroladas no parágrafo primeiro do Art. 60 da CF, abaixo especificadas. As implícitas são, segundo preleciona o Mestre Nelson de Souza Sampaio[13]:
“As concernentes ao titular do poder constituinte, pois uma reforma constitucional não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador”;
“As referentes ao titular do poder reformador, pois seria despautério que o legislador originário estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário”;
“As relativas ao processo da própria emenda, distinguindo quanto à natureza da reforma, para admiti-la quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, não a aceitando quando vise a atenuá-la”;
Nenhuma norma nova pode contrariar a Constituição Federal. Nem a própria edição de emenda Constitucional pode se contrapor a princípios, explícitos e implícitos, diretrizes e ditames da Constituição Federal.
As normas já vigentes, quando do estabelecimento de uma nova ordem constitucional – promulgação – poderão ser recepcionadas por esta, parcial ou totalmente, de acordo com seus respectivos graus de consonância e compatibilidade.
Encontra-se aqui mais uma limitação de ordem Constitucional para a promoção da reforma política. Tal reforma não poderá se contrapor, não só aos ditames constitucionais como também aos princípios e valores, explícitos e implícitos, defendidos pela Constituição.
Assim, eventual emenda constitucional que vise apresentar uma reforma política deverá se coadunar aos postulados Constitucionais e suas normas.
2.2.2.2 – Das cláusulas Pétreas (Limitações Constitucionais de mérito):
Uma eventual reforma política, promovida por meio do Poder Constituinte Derivado, deverá respeitar as cláusulas pétreas, implícitas e explicitas consoante dispõe o art. 60 da própria CF.
“C.F. – Art. 60 – parágrafo quarto: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.”
Quanto ao mérito, percebe-se claramente algumas importantes e significativas limitações Constitucionais para a promoção de uma reforma política, seja ela qual for.
Uma eventual reforma política deverá, obrigatoriamente, respeitar as cláusulas pétreas supra estabelecidas, justamente por serem pétreas[14].
Interessante notar que, talvez, a única reforma normativa que pudesse eventualmente alcançar, se permitido fosse, todos os itens do parágrafo único do Art. 60 da CF, seria a Reforma Política.
Quanto ao inciso I do parágrafo único do Art. 60 da Constituição, verifica-se que tal pretensa reforma política poderia restringir o número de Estados Federativos, porém não aboli-los. Neste sentido, tal reforma não poderia restringir poderes inerentes ao Estado Federado, seja na sua gestão administrativa e autonomia.
Nesta linha de raciocínio, fica claro que, independentemente do conteúdo de uma eventual reforma política, sempre haverá os institutos jurídicos que formam o alicerce da democracia, quais sejam, o voto direto, secreto, universal e periódico, como também a separação dos poderes, que permite a pluralidade de idéias e correntes na ocupação dos poderes, além de garantir, em tese, a sua mútua fiscalização.
2.2.2.3 – Análise jurídica factual – Inconstitucionalidade da Pretensa Reforma Política – Lei Ordinária – “Cláusula de Barreira”:
Factualmente, verifica-se o exemplo da “Cláusula de Barreira[15]”, introduzida por lei Ordinária, Lei 9096/95. A aplicabilidade estava prevista, na própria Lei, para surtir efeitos no prazo de dez anos. Dispunha a referida norma que o Partido Político que não obtivesse determinado número de votos válidos em todo território nacional, devidamente dividido por, no mínimo, nove estados federados, estaria fadado a deixar de existir.
Todavia, o STF, guardião da Constituição Federal, decidiu, em sede de julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que tal imposição legal era inconstitucional.
Em suma, decidiu o STF que tal disposição normativa contrariava o enunciado do Artigo 17º[16] da Constituição Federal, que prevê o pluripartidarismo.
O então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio de Mello classificou a regra de “esdrúxula, extravagante e incongruente”. “É injusto porque coloca na vala comum partidos como o PPS, o PC do B, o PV e PSOL, que não podem ser tidos como partidos de aluguel”, disse ele. Ainda segundo o próprio Ministro Presidente e relator da Adin, a cláusula de barreira provocaria o “massacre das minorias, o que não é bom em termos democráticos”.
As qualificações judiciais atribuídas à Cláusula de Barreira demonstram o espírito inconstitucional da pretensa reforma. O ministro Carlos Ayres Brito disse que a regra deveria se chamar “cláusula de caveira” porque levaria à morte os pequenos partidos. A ministra Carmem Lúcia argumentou que a “minoria de hoje tem que ter espaço para ser maioria amanhã” e que a cláusula de barreira não permitiria o crescimento dos pequenos partidos. E o ministro Ricardo Lewandowski disse que a cláusula “fere de morte o pluralismo político”.
A cláusula de barreira, embora tenha superado todos os trâmites do processo legislativo e tenha sido regularmente promulgada e inserida no nosso ordenamento legal, foi expurgada deste mesmo ordenamento, mediante instrumento Judicial (Ação Direta de Inconstitucionalidade) por contrapor-se à ordem Constitucional vigente.
Nos bastidores do parlamento ainda especula-se em ressuscitar a cláusula de barreira, fazendo-a retornar ao ordenamento legal, não como Lei Ordinária, e sim como emenda constitucional que remendaria o Artigo 17 da Constituição Federal. Segundo esse seleto grupo de parlamentares que defendem o retorno da cláusula de barreira, fazê-la retornar mediante emenda constitucional seria um eventual antídoto à uma pretensa disposição do TSE em repeli-la, novamente, do sistema.
Independente da forma, o que nos importará para a análise de mérito constitucional, é o conteúdo, que nunca poderá se contrapor aos princípios e valores, intrínsecos e extrínsecos da atual Carta Magna.
Se o pluripartidarismo no Brasil é tido como condição de democratização, representatividade, amplitude e acesso das minorias, por disposição da própria Constituição, da própria Corte Suprema, como poderia aniquilar tal princípio garantidor da Democracia sem afrontar os valores inseridos nas cláusulas pétreas?
2.3 – Da limitação constitucional para Reforma Política adestrita ao âmbito dos partidos politicos:
Dispõe o parágrafo primeiro do Art. 17 da C.F.:
“É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.
Há de se depreender, da disposição normativa supra disposta, uma outra limitação constitucional a uma eventual proposta de reforma política.
A autonomia dos Partidos Políticos para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais é uma significativa limitação imposta a uma eventual proposta de reforma eleitoral.
Tal eventual reforma não poderá ser tão ampla a ponto de estabelecer critérios de funcionamento, organização, e escolha dos Partidos para dar-lhes mais transparência e até, por que não dizer, democratização interna como bem defendido na brilhante tese de Luis Virgilio Afonso da Silva[17].
Destarte na atual Constituição podemos identificar com claridade essa limitação quanto a uma eventual reforma política que implique em dispor normas basilares de funcionamento, organização, transparência e democratização dos partidos. Tal limitação poderia ser suprimida ou flexibilizada mediante proposta de emenda constitucional. Porém, essa limitação ainda existe e gera efeitos, que na maioria das vezes, são danosos e contraditórios aos princípios norteadores do regime democrático de direito.
3. DA LIBERDADE LEGISLATIVA PARA A ESCOLHA DO SISTEMA DE REPRESENTACAO POPULAR:
Conforme se verifica pelo tópico antecedente, tecnicamente, só há liberdade legislativa plena, para a escolha de um novo modelo de sistema de representação popular, mediante a convocação de uma assembléia constituinte originária, com a promulgação de nova ordem Constitucional – Poder Constituinte Originário.
Há vastas possibilidades de implementação de consubstanciosas reformas e aperfeiçoamentos legislativos, que se coadune ao atual ordenamento Constitucional, mesmo que emendado.
O objetivo neste capítulo é retratar quais são as formas jurídico-normativas de se implementar tais alterações sistêmicas e não de apreciar, a fundo, os conceitos e os aspectos positivos e negativos dos institutos jurídicos do “voto distrital”, do “financiamento público de campanha” e da “lista fechada”
3.1 – Da Reforma Legislativa para a implementação do sistema de representação popular distrital:
Pela ótica jurídica, para a inserção e implementação do voto distrital no sistema político vigente, deveria ser alterada, primeiramente, a Constituição Federal e, de forma correlata, aprovar projeto de Lei Complementar.
Para dar maior legitimidade e segurança jurídica à implementação do voto distrital, este deveria ser preliminarmente estabelecido mediante a edição de reforma constitucional que emendaria o artigo 45 da carta magna.
Segue sugestão para redação de emenda Constitucional:
“Sugestão de Emenda Constitucional – Artigo 45 – A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.
Parágrafo primeiro – O número total de Deputados, bem como a representação de circunscrições por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por Lei Complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior as eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha..”
Conforme depreende da atual redação do Artigo 45 da Constituição Federal, compete à Lei Complementar estabelecer e precisar o modo pelo qual a representatividade popular se dará em caráter parlamentar.
Isto posto, e a luz deste trabalho, competiria à Lei Complementar estabelecer os diâmetros circunscricionais e territoriais de cada distrito, e a forma pela qual a proporcionalidade de votações seria considerada para se estabelecer a representatividade de determinado partido/distrito.
Introduzir o “voto distrital” no ordenamento jurídico não é um trabalho fácil. As alterações legais sugeridas careceriam de estudos matemáticos que demonstrassem um mínimo de lógica e justiça representativa aos distritos consoante sua densidade demográfica.
Da mesma forma, antes de estabelecer a matemática da representatividade distrital, seria necessário estabelecer e delimitar-se os próprios distritos.
Neste singelo trabalho, não há pretensão de avançar aos aspectos matemáticos de representatividade e tampouco propor, de forma específica, a repartição do território brasileiro em distritos político-eleitorais. Tampouco pretende-se apresentar mecanismos precisos do regular funcionamento e operacionalização da implementação da representatividade popular distrital. Esta obra, em especial este capítulo, limita-se a estudar e propor a possibilidade jurídico-normativa de implementá-la, à luz do nosso ordenamento Constitucional.
Em síntese, então, poderia-se dizer que para a introdução do sistema de representação popular distrital no ordenamento político-eleitoral, seria necessário emendar a Constituição Federal, em especial seu parágrafo único do Art. 45, como diretriz basilar, e especificar sua metodologia, seu funcionamento e sua aplicabilidade através de Lei Complementar.
3.2 – Da Reforma Legislativa para a implementação do financiamento público de campanha eleitoral:
Para a implementação do financiamento público e exclusivo de campanha eleitoral é necessário percorrer caminho jurídico não menos difícil do que aquele sugerido para a implementação da representatividade popular distrital.
Para o financiamento público de campanha eleitoral, também seria necessário redigir e aprovar emenda constitucional. Neste diapasão, uma emenda constitucional pura e simples, que traria à toga da Constituição Federal a previsão de exclusividade de financiamento público de campanha eleitoral, não bastaria.
Seria necessário também a especificação da forma e da metodologia pelo qual o financiamento público se daria. Tais especificações deveriam ser estabelecidas mediante a edição de projeto de Lei Complementar, que daria, por sua vez, maior segurança jurídica ao complexo normativo do sistema político-eleitoral brasileiro.
Sugere-se a seguinte redação de emenda Constitucional a fim de se estabelecer, preliminarmente, o financiamento público e exclusivo de campanha eleitoral.
“Sugestão de Emenda Constitucional – Artigo 17 – É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: (…)
Inciso II: “Proibição de recebimento de recursos, financeiros ou não, de qualquer meio ou forma, ou para qualquer fim, inclusive campanha eleitoral, que não sejam os provenientes do Poder Público consoante estabelecido em Lei Complementar”.
Assim, competiria à Lei Complementar pormenorizar e especificar o quanto de recursos públicos seriam empregados em cada uma das campanhas e a forma pela qual tais recursos seriam repartidos.
Há de se reconhecer que não seria um trabalho fácil, suscitaria um amplo debate nacional. Por tal razão, abdica-se neste estudo de sugerir uma forma concreta de repartição dos recursos públicos, restando apenas o dever de apontar a viabilidade e a forma jurídica-normativa de efetuar tal empreitada reformuladora.
3.3 – Da Reforma Legislativa para a implementação da “lista fechada”:
Dispõe o Artigo segundo do Código Eleitoral Brasileiro:
“Art. 2o do Código Eleitoral – “Todo poder emana do povo e será exercido em seu nome, por mandatários escolhidos, direta e secretamente, dentre candidatos indicados por partidos políticos nacionais, ressalvada a eleição indireta nos casos previstos na Constituição e leis específicas.
Art. 108. Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.”
Conforme já apreciado nesta obra, e de acordo com o projeto de lei recentemente debatido e tramitado no Congresso Nacional, pretendia-se propor o sistema de votação em lista fechada através da aprovação de Lei Ordinária.
Não obstante, seja a Lei Ordinária a forma menos árdua e mais célere de se proceder eventual reforma ou mini reforma política, não seria esta a mais adequada e, tecnicamente, a mais correta do ponto de vista jurídico normativo.
Produzir-se-ia, certamente, uma aberração jurídica na medida em que teríamos uma Lei Ordinária, recente, dispondo de forma contraditória ao que estabelece uma Lei Complementar ainda em vigor (Código Eleitoral[18]/[19]).
Cabe ressaltar que neste trabalho não se debaterá o conflito de normas e suas eventuais hierarquias, e sim, possibilitar que a reforma política seja levada à efeito de forma juridicamente precisa. Para tanto, seria necessária a elaboração e a promulgação de Lei Complementar que remodelasse o Código Eleitoral.
No que tange ao voto em lista fechada, a conclusão é que deve-se alterar o Código Eleitoral hoje vigente.
A codificação eleitoral atual prevê, de forma inequívoca, a votação nominal, mesmo nos casos de eleições proporcionais.
O voto em lista fechada, para as eleições proporcionais, acabaria com a possibilidade de votação nominal para as eleições parlamentares.
Ao contrário da forma de implementação das outras propostas de reforma política apresentadas neste trabalho, para o caso especifico da “votação em lista fechada”, não há necessidade de emendar-se a Constituição Federal. Basta, para tanto, a promulgação de Lei Complementar, o que suscitaria, a oportunidade de se reformular e modernizar todo o Código Eleitoral Brasileiro, providência esta que, alias, urge.
Para por fim a este capítulo, sugere-se que as três propostas de alteração do sistema político-eleitoral brasileiro sejam compiladas e, conseqüentemente, levadas a efeito, na sua forma infraconstitucional, através da elaboração de novo Código Eleitoral (Lei Complementar). Não obstante, a necessidade de que, para as outras duas propostas supra apresentadas, também seja necessário sua inserção, jurídico-sistêmica, através de promulgação de Emendas Constitucionais.
4. Modelo de Reforma Política “Legeferenda”
Neste capítulo pretende-se propor e avaliar propostas de Reforma Política que se considera essencial para o Sistema Político Brasileiro, assim como os prováveis impactos que esta poderá gerar no ordenamento vigente.
Um dos itens a serem analisados, em uma conjuntura de reforma das instituições políticas, é a possível alteração de parte do atual Sistema Eleitoral no Brasil.
Estudiosos de política são unânimes ao enxergar, no atual quadro partidário marcado pela proliferação de legendas sem nenhum conteúdo e na ausência de uma legislação eleitoral duradoura, um risco à estabilização da democracia brasileira.
A idéia seminal parte da necessidade de incrementar o regime democrático brasileiro, com vistas à torná-lo mais eficiente. Para isso, será imprescindível que a democracia não seja observada apenas como um valor ou ideal. Carece ser compreendida a partir do sentido de sua funcionalidade no seio de um sistema jurídico-político marcadamente voltado para o atendimento das demandas materiais dos sujeitos integrantes da comunidade social.
A idéia de democracia, portanto, é aqui concebida a partir da conjunção de elementos políticos-institucionais, destinados a favorecer os reclamos comunitários, sem os quais falece o sentido mais elementar de regime democrático. Assim, a participação na vida política e a liberdade de manifestação, associação e expressão, por exemplo, são componentes intangíveis dos direitos políticos essenciais.
Existe a necessidade de se promover uma ampla Reforma Política, capaz de fortalecer as instituições democráticas e reforçar a importância do exercício da cidadania e a legitimidade dos mandatos conquistados pelo voto.
Assim, a criação do voto distrital, a instituição da lista fechada, e do financiamento público de campanha, são importantes passos no sentido do aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.
Como contraponto ao modelo vigente ou como uma espécie de antagonista ao sistema em vigor, serão analisados adiante alguns aspectos teóricos concernentes às possíveis mudanças no Sistema Eleitoral.
4.1. Problemas apresentados no Sistema Vigente:
a) Incentivo à disputa intrapartidária, dificultando, sobremaneira, a coesão interna no partido e individualização da campanha;
b) Condução dos partidos a procurarem candidatos entre personalidades e entre representantes de categorias e grupos sociais, que acabam se tornando independentes dos próprios partidos, ou seja, conduzindo a personalização do voto;
c) Devido ao número excessivo de candidatos, faltam condições ao eleitor de conhecer todos que postulam o cargo, compará-los e realizar uma boa escolha;
d) Como os partidos são muito heterogêneos, o voto dado a um candidato de preferência do eleitor acaba ajudando a eleger outro de perfil político oposto, com quem o eleitor não tem qualquer identidade;
e) Não há uma ligação entre o eleitor e o seu represente, no sentido de uma cobrança de desempenho e soluções. Os candidatos são eleitos sem grandes compromissos com os eleitores e com os problemas de cada região, uma vez que, podem se eleger com votos de qualquer parte do Estado.
4.2 Histórico do Voto Distrital no Brasil
O Brasil já adotou o sistema de voto distrital duas vezes, durante o Império e a República Velha. No fim do Regime Militar inaugurado em 1964, uma emenda constitucional ressuscitou a idéia, estabelecendo o voto distrital misto para as eleições legislativas, mas foi revogada antes que o sistema pudesse ser testado na prática.A experiência do Brasil com o sistema não permite comparações com as regras atuais, porque ele só foi usado em épocas em que as eleições não observavam os mesmos padrões de lisura. Em 1855, a legislação dividia as antigas províncias do Império em círculos eleitorais. Eram diferentes do que seriam hoje os distritos, porque na época cada círculo só podia eleger um candidato. A partir de 1860, os círculos passaram a eleger três representantes.
Em 1904, na República Velha, a Lei Rosa e Silva adotou novas regras. Num tempo em que a fraude era rotina, e as eleições eram decididas antes da votação, cada distrito podia apresentar cinco candidatos e três podiam se eleger. Cada eleitor podia votar três vezes e a lei permitia que os três votos fossem para o mesmo candidato. Esse sistema vigorou até a Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha e mudou as regras de novo.Em 1932, o primeiro Código Eleitoral brasileiro estabeleceu o voto proporcional. Cinqüenta anos depois, uma comissão do Ministério da Justiça conseguiu aprovar a Emenda Constitucional 22, estabelecendo o voto distrital misto. Mas a emenda foi revogada em 1985, sem ser aplicada.
4.3 Voto Distrital
Basicamente, o modelo do voto distrital pretende reunir os elementos típicos do sistema eleitoral majoritário, sediado na definição clara dos vencedores do processo eleitoral e na prevalência dessa maioria vencedora, com o sistema proporcional, cuja premissa mais relevante consiste na possibilidade de espelhar a representatividade de todas, ou ao menos de grande parte, das correntes partidárias que disputam na arena eleitoral.
Cabe a ressalva de que no Brasil ocorre a divisão territorial para eleição dos representantes do parlamento, sucedendo esta nas circunscrições estaduais. Logo os distritos são delimitados pela demarcação geográfica dos estados. Devido ao fato de se considerar um distrito, pequeno território, tende-se a não encarar o modelo atual, sob a ótica eleitoral vigente como modelo distrital.
A legislação tem conduzido, não obstante os últimos esforços quanto à fidelidade partidária, ao enfraquecimento dos partidos políticos e ao reforço da atuação. Isso pode ser verificado a partir do sistema eleitoral proporcional com listas abertas.
Pelas regras atuais, o voto é proporcional. Um deputado pode se eleger com votos de qualquer lugar do seu Estado. O que determina quantas cadeiras cada partido terá é a soma da votação de legenda e da votação nominal dos candidatos do partido. Os mais votados ocupam as vagas.
O ponto de partida de um possível modelo de voto distrital misto está ancorado na idéia segundo a qual é necessário manter os procedimentos eleitorais que viabilizem a expressão da diversidade social e sua representação política nos canais institucionais, em busca do consenso.Entretanto, de modo paralelo, esse sistema também pretende o estreitamento do vínculo entre o eleitor e o parlamentar que o representa, a partir da nítida identificação da base eleitoral de parte significativa dos parlamentares.Também importa reconhecer que em um modelo de voto distrital, mesmo em um sistema misto, há nítida tendência de formação de maiorias mais sólidas, conformadas pela junção de interesses de um número reduzido de partidos políticos, ou seja, os vencedores do processo eleitoral.
Para tratar de forma mais abrangente a questão do voto distrital misto, existem determinadas questões que merecem a devida reflexão, que serão tratadas nos itens subseqüentes, dentre as quais, a instituição da lista fechada e do financiamento público de campanha.
A adoção do voto distrital misto é considerada a propulsora da Reforma Política, pois sua implantação produziria reflexos em várias outras medidas da reforma.
4.3.1 Voto Distrital Misto – Modelo Alemão
O modelo que inspira nossa proposta é conhecido como “modelo alemão”. Adotado no período pós-guerra na Alemanha, foi criado para contemplar interesses conflitantes no período de redemocratização,com grande viés pragmático, tem sido fonte de inspiração de inúmeras reformas eleitorais.
Para Antonio Octávio Cintra :
“A idéia básica é a de abandonar, na eleição de parlamentares, a obediência estrita seja ao principio majoritário, seja ao proporcional. Uma parcela dos representantes vem de um estrato majoritário, com pelo menos cinqüenta por cento da representação, completado por um estrato proporcional, igual ou menor que aquele. Em geral, a função deste segundo estrato é compensatória, ou seja, destina-se a impedir que o sistema fique muito desproporcional”[20].
Entre os grandes defensores deste modelo se destacou o mestre André Franco Montoro. Em seu histórico discurso proferido na Câmara dos Deputados, em 12 de fevereiro de 1998, coaduna-se com a propositura de seu projeto, a qual, diferentemente do modelo germânico, calcular-se-á, coeficiente eleitoral por estado e não nacionalmente.
No sistema distrital, cada estado é dividido em um número de distritos equivalente ao de cadeiras no Legislativo. Os partidos apresentam seus candidatos e ganha o mais votado em cada distrito.
A condição básica para dividir o mapa é que cada área tenha um número equivalente de eleitores. Os distritos podem abranger vários municípios pequenos ou grandes municípios podem ser divididos em vários distritos.
No modelo misto, os estados são divididos num número de distritos equivalente à metade do número de vagas no Legislativo. Através do critério da proporcionalidade, quociente partidário, chega-se o número de cadeiras conquistadas pelo partido.
Metade dos deputados é eleita pelos distritos, candidaturas pessoais, ainda que sustentadas pelos partidos, e a outra metade por listas de candidatos feitas pelos partidos, completando desta forma, a quota proporcional de cadeiras, no Brasil chamamos de voto de legenda, os que se destinam a esta lista.
Assumirão preferencialmente as vagas, os eleitos pelo voto distrital, ocupando a vaga independente do quociente eleitoral do partido a que pertence, tanto na esfera estadual quanto nacional.
O eleitor, nesse sistema, tem direito a dois votos desvinculados, sendo o primeiro no representante distrital e o segundo na legenda partidária a qual tenha maior identidade, ou seja, na lista fechada. Tendo em vista o fortalecimento partidário, servirá para efeito de cálculo de coeficiente, o voto depositado na legenda.
Os nomes e a ordem de preferência na relação são definidos nas convenções de cada partido. Quanto mais votos de legenda um partido tiver, mais vagas poderá preencher, com os candidatos eleitos pela lista.
Tendo em vista o critério da representação, tal modelo consegue mesclar a exigência da proporcionalidade, atingindo de forma satisfatória, no parlamento federal, a aplicação do princípio majoritário.
Um interessante aspecto é levantado por Luís Virgílio Afonso da Silva, em seu livro Sistemas Eleitorais. Considera o autor que um sistema não pode ser considerado misto, havendo apenas sistemas proporcionais e sistemas majoritários, uma vez que os sistemas eleitorais podem atender apenas e exclusivamente a um desses dois princípios de representação. Segundo ele, o sistema alemão, então, apesar de reunir aspectos técnicos majoritários e proporcionais, satisfaz o princípio proporcional, pois seus resultados são extremamente proporcionais. Isso significa que tal sistema, apesar de sua usual denominação, é um sistema proporcional e não misto. Assim, para que seja adotado o sistema alemão, não se faria necessária a mudança do texto constitucional, bastando as modificações na legislação ordinária pertinente.
4.3.1.1 Pontos Positivos do modelo distrital misto
a) Para os cientistas políticos, o voto distrital aumentaria o poder de fiscalização dos eleitores sobre os representantes, pois se acredita que as regras atuais facilitam a atuação de políticos que conseguem se eleger em outro local, mesmo que não tenham tido um bom desempenho parlamentar;
b) Grande incentivo ao fortalecimento do partido, uma vez que o eleitor terá direito a dois votos desvinculados: o primeiro ao candidato distrital e o segundo na legenda partidária, sendo este último voto, computado para efeito de cálculo de coeficiente partidário;
c) O estímulo a conquistas de maioria, nas casas legislativas, em um sistema presidencialista como o atual, poderá exigir menor esforço de engenharia política no Congresso Nacional, em vista do ordenamento dos debates mais candentes e da formatação da agenda política;
d) Redução significativa da influência do poder econômico na eleição;
e) Assegura a representação das minorias, mantendo a representação proporcional, ao passo que aproxima o eleitor de seu representante distrital.
4.3.1.2 Críticas ao modelo distrital misto
Um dos grandes críticos ao sistema distrital misto é o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. Em seus estudos, ele defende que a simples adoção do sistema alemão não resolverá as críticas apontadas ao sistema proporcional. Neste diapasão argumenta no artigo “Cartilha Antioligarquia”, que é falsa a afirmativa que a maioria das democracias estáveis contemporâneas utilizam-se do sistema distrital misto e cita exemplos de países que adotam o sistema proporcional: Áustria , Suécia, Portugal, Dinamarca, Islândia, Irlanda, Suíça, Finlândia, Itália, Israel, Bélgica, Espanha. Contradiz também a tendência moderna, em substituir o modelo distrital pelo proporcional. Pontua que o sistema deixa as minorias órfãs, discriminando os representados e finaliza o raciocínio pressupondo que quanto mais parcial for o legislador, maior serão suas chances de fidelizar o voto, e como conseqüência se reeleger, uma vez que este legislará para seus eleitores.
Outra crítica ao sistema é feita por Leôncio Martins em seu artigo “As ilusões do voto distrital misto”. No seu entendimento este modelo não eliminaria os defeitos do sistema partidário e eleitoral vigente. Ele questiona a viabilidade de aproximar os eleitores em estados com grandes dimensões, e também a inviabilidade de equacionar a compatibilidade entre a composição, em cada estado, dos representantes eleitos por distritos para a Câmara Federal e Assembléia Legislativa. Conclui que a adoção do sistema distrital misto não aumentará nem a representatividade, nem a eficiência do sistema político brasileiro. Isto posto, defende a manutenção do sistema vigente de representação proporcional, corrigindo suas distorções.
4.3.1.3 Obstáculos à positivação do Voto Distrital Misto
A mudança substancial do modo de escolha eleitoral pode enfrentar considerável oposição, pois os responsáveis pela sua implantação, os atuais detentores de mandatos, foram eleitos por meio das fórmulas eleitorais vigentes. Conseqüentemente, é duvidoso o interesse em alterá-las. Como a competência de elaborar esta reforma é dos parlamentares, é lícito deduzir que não promovam mudanças que porventura prejudiquem a situação eleitoral deles próprios.
Consubstancialmente, algumas relevantes questões podem ser levantadas acerca desse modelo: Como dividir os distritos e quais seriam seus limites? Como será feito o distritamento para eleição de vereadores, deputados estaduais e federais? Trará a esperada representatividade?
Um grande obstáculo a ser transposto é que, diferentemente do sistema alemão, que possui mecanismo de ajuste quando partido logra mais cadeiras que o quociente eleitoral determina, é que seria necessária de uma reforma constitucional, pois implicaria aumentar o numero de parlamentares após as eleições, para balizar a distribuição de cadeiras, de acordo com o resultado destas, o que fere nossa Carta Magna no seu artigo 45, parágrafo primeiro, que estabelece o número mínimo de oito e máximo de setenta Deputados para a Câmara dos Deputados.
4.4 Financiamento Público de Campanhas
O financiamento público de campanhas é um dos pontos mais relevantes da Reforma Política, considerado por muitos como uma medida eficaz para combater as interferências externas criadas pelo financiamento particular, moralizando o processo eleitoral, uma vez que o dinheiro anônimo compromete a independência dos mandatos.
Quem financia a atividade eleitoral passa a dominar a decisão política a ser tomada no partido, criando linhas de interferência e grupos econômicos que vão atuar diretamente sobre o partido.Essas linhas de interferência, criadas a partir da necessidade de obter recursos financeiros, acabam por desvirtuar a atividade partidária, conduzindo a uma deterioração da democracia. Os recursos oriundos da iniciativa privada, claramente financiam campanhas, objetivando a defesa de interesses privados em detrimento ao interesse público.
Para os defensores do financiamento público, a única maneira de eliminar esta interdependência entre partidos e grupos de pressão é através deste instituto. Para eles, o financiamento público, além de desvincular os grupos de pressão, garante uma competição equilibrada, de forma isonômica.
Destaca o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Veloso, em defesa do financiamento publico de campanha:
“Não haverá democracia nem República sem a igualdade. Esta é inerente à democracia e a República. De modo que é por isso mesmo que a Constituição várias vezes proclama o princípio da igualdade. Penso que o poder econômico, justamente realizando o desequilíbrio entre os candidatos, torna irreal o principio isonômico, assim tornando ilegítima a disputa eleitoral[21]”.
A crítica ao financiamento público consiste na despesa excessiva aos cofres públicos, decorrente do seu funcionamento. Todavia, esclarecem os estudiosos deste sistema, que é mais vantajoso para o Estado despender o dinheiro com o financiamento público das campanhas, do que aquele que depois faz o caminho de volta para ressarcir os financiadores particulares de campanhas eleitorais.No sistema germânico cada partido recebe uma quantia anual para o seu financiamento e também das campanhas políticas, sendo que após a aplicação destes recursos, devem prestar contas para o Estado. Para tanto, o partido é considerado como um ente paraestatal, pertencente à Administração Indireta. No Brasil por sua vez, os partidos são personalidades jurídicas, na forma da lei civil, de caráter de direito público, consoante estabelece o parágrafo segundo, artigo 17 da Constituição Federal.
Numa democracia manda o povo, a maioria popular; numa república, o elemento fundamental não é este, é o interesse público, é estarem os governantes voltados para a res publica, para o interesse público. É por isso que muitas vezes há uma república que não é democrática. Entretanto, não haverá nem democracia, nem república, sem igualdade. Esta é inerente à democracia e à República. De modo que é por isso mesmo que a Constituição várias vezes proclama o princípio da igualdade.
Desta maneira, o abuso do poder econômico, afeta a soberania popular, na medida em que interfere na vontade do eleitor, deformando as eleições, gera desequilíbrio entre as candidaturas, maculando o princípio da isonomia, tornando assim ilegítima a pugna eleitoral.
O nosso entendimento coaduna com a proposta de lei do financiamento público apresentada pela Comissão do Senado, onde é instituído o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais, proíbe que partidos e candidatos utilizem recursos de pessoas físicas, jurídicas privadas e também recursos próprios. Pelo projeto, as dotações terão como base o valor de R$ 7,00 em relação a cada um dos eleitores alistados na Justiça Eleitoral até o dia 31 de dezembro do ano anterior às eleições.O dinheiro deverá ser distribuído aos diretórios nacionais dos partidos, observando-se o seguinte critério: 1% em parcelas iguais para todos os partidos políticos existentes e 99% para os partidos com representação na Câmara dos Deputados, proporcionalmente ao número de integrantes das bancadas.O financiamento de partidos e eleições é um assunto espinhoso em praticamente todas as democracias modernas. Não há modelos prontos, mas existem tanto experiências bem-sucedidas como fracassos que devem ser levados em conta pelo legislador nacional.
Jânio de Freitas nesse mesmo sentido salienta:
“O financiamento oficial das campanhas eleitorais, posto pela oposição como exigência para aderir a tal reforma e, pelos governistas, como grande concessão aos oposicionistas, não vale nada como uma coisa nem outra. O financiamento só terá efeito moralizador se acompanhado de um sistema rigoroso de fiscalização e um sistema enérgico de punições, para os quais também se valham de dinheiro privado. Estes sistemas não entram em cogitação[22]”.
Uma questão importante a ser avaliada no financiamento público de campanha, está diretamente relacionada à não aprovação das contas de campanha por parte da Justiça Eleitoral.
Sendo público o recurso, a ser empreendido em prol da campanha, da chapa apresentada por qualquer dos partidos, qual seria a sanção, caso este mesmo partido não tenha suas prestações de contas aprovadas? E se esse mesmo lograr êxito na respectiva campanha, conquistando severas cadeiras? E se não conquistar nenhuma cadeira, tendo, todavia, empregado recursos públicos para realização de uma campanha eleitoral mal sucedida e cuja prestação fora desaprovada?
Essas questões têm que ser debatidas e enfrentadas pela legislação regulamentadora, evitando desta forma o desvirtuamento da finalidade para qual o recurso público lhe seja destinado.
4.5 Lista Fechada
O voto em lista fechada para cargo legislativo é o modelo mais adotado no mundo, ponto fundamental para aperfeiçoamento do Sistema Eleitoral brasileiro. Apenas Brasil e Finlândia usam a lista aberta, em que o eleitor vota no candidato que faz parte de uma relação divulgada pelo partido ou coligação. Chama-se aberta porque é como se o eleitor tivesse uma lista à sua frente e pinçasse um nome lá de dentro na hora de votar.
Scott Mainwarning se posiciona como grande crítico do sistema proporcional de listas abertas:
“Este sistema tem várias características singulares, que dão aos políticos uma autonomia ímpar em relação aos seus partidos. Entre elas, o sistema de representação proporcional que usa uma lista aberta e o mecanismo de candidaturas natas. Neste sentido, reforçam campanhas individuais nos partidos e contribuem para solapar os esforços de construção de partidos mais efetivos” [23].
O atual Sistema Eleitoral, porém, já permite o voto proporcional de lista fechada quando o eleitor escolhe apenas o partido, através do voto de legenda, ao contrário de selecionar o candidato. Então, pode-se concluir que ao votar na sigla, os eleitores são de certa forma, praticantes da lista fechada.
Na lista fechada, o partido ou a coligação realiza convenção e elabora uma relação de seus candidatos em ordem de preferência. Se o partido/coligação obtiver voto suficiente para eleger um deputado ou vereador, este será o primeiro da lista. Se conseguir votos para eleger dois, os dois primeiros da relação serão eleitos. E assim por diante.
Pretende-se que com a adoção da lista fechada, reduza-se o número de votos num candidato famoso, engraçado, folclórico ou até mesmo o voto de protesto, quando um candidato obtém votação expressiva, como forma de repúdio a representação política. Exemplo disso é a significativa votação do Rinoceronte Cacareco que obteve quase cem mil votos na eleição de 1959, transformando-se ícone na luta contra a corrupção e insatisfação dos munícipes, ou recentemente a expressiva votação obtida para Câmara Federal, pelos finados deputados Clodovil Hernandes do PTC e Enéas Carneiro do PRONA.
No plano ideal deve o partido/coligação escolher seus melhores quadros. Nesta linha de raciocínio, deveriam os escolhidos ser membros mais dedicados à causa partidária, mais expressivos dentro da agremiação e, portanto, mais capacitados a exercerem mandato popular.
Segundo a justificativa do Projeto de Lei nº 2679/2003, do deputado federal Alexandre Cardoso, o voto em candidato, ao invés do voto no partido, tem sido diagnosticado, de longa data, inclusive por eminentes líderes políticos, como nocivo à disciplina e coesão partidárias.
Na medida em que boa parcela de nossa representação política enfrenta o desafio eleitoral através de esforços e estratégias individuais, inclusive no financiamento de campanhas, certamente seu comportamento com relação ao partido não terá as mesmas características que teria, caso o partido fosse relevante para a escolha dos eleitores.
Trata-se de uma opção política, no sentido de reforçar as agremiações partidárias, dentro da visão de que, em sociedades de massa, com gigantescos eleitorados, a democracia representativa só funciona bem quando há partidos, isto é, organizações intermediárias capazes de recrutar líderes e militantes, fazer campanhas em torno de plataformas, atuar disciplinadamente no Legislativo e, conquistando o governo, levar adiante as políticas pelas quais propugnaram.
O funcionamento da democracia requer interlocutores confiáveis e permanentes. Os partidos são tão relevantes na moldura política de um país, quanto à existência de um marco regulatório e jurídico estável é para a sua economia e sociedade.
Por fim, com a introdução do voto em lista partidária pré-ordenada, não se pode cogitar ofensa ao princípio do voto direto, cláusula pétrea da Constituição. Voto direto significa que o voto leva à apuração do resultado da eleição sem decisão intermediária. Fica excluída, por exemplo, a eleição por meio de delegados, num colégio eleitoral. O eleitor escolhe diretamente o partido, o que significa escolher um grupo de candidatos organizados em lista, e quando eleitos na ordem em que nela se apresentam, desempenharão sua função no parlamento.
A nossa legislação tem conduzido, não obstante os últimos esforços quanto à fidelidade partidária, ao enfraquecimento dos partidos políticos e ao reforço da atuação individual. Isso pode ser verificado a partir do sistema proporcional com listas abertas.
Para que o modelo da lista fechada obtenha sucesso é necessário que sejam definidos mecanismos democráticos como a necessidade de votação da lista de pré-candidatos na convenção partidária, evitando que a convenção sejam mera autenticadora das decisões das cúpulas partidárias.
Nesse sentido, preleciona o mestre Fabio Konder Comparato que “não há outra solução plausível para evitar esse fato que não à previsão da necessidade de que a lista de candidatos seja votada e aprovada em convenção partidária, sendo definida a posição de cada um, na lista, pela sua votação pessoal”[24].
Com obviedade, mister se faz que essas convenções sejam efetivamente democráticas.
4.5.1 Aspectos positivos do modelo do voto em lista fechada
a) Contribui para o fortalecimento dos partidos, reforça a vida partidária, tornam os partidos principais agentes da representação e atores políticos, minimizando a força dos representantes individuais, levando as decisões quanto à composição das listas, a cargo das convenções partidárias, que definirá as candidaturas e a ordem de preferência destas dentro da chapa. Miguel Reale considerou anteriormente ao código eleitoral de 1965: “É elogiável esse novo avanço no sentido de fortalecimento partidário, e, como veremos, talvez se encontre nessa linha de direção uma das perspectivas do futuro”[25].
b) Acaba com a competição intrapartidária, ou seja, disputa de candidatos da mesma legenda perante o eleitorado, fortalecendo por conseqüência, o vínculo entre companheiros de partido. Conforme disposto na CF Art. 14 parágrafo 3º,V e CE Art. 87, reconhece a importância dos partidos para a representação política.
c) Segundo Luis Virgilio Afonso da Silva, a lista fechada diminui personalismo nas eleições, uma vez que não dependerá o candidato, apenas de sua votação para ser eleito, estimula a coesão partidária, uma vez que todos os votos devem ser buscados em conjunto e serão sempre direcionados ao partido e por todos aproveitados.[26] Induz no longo prazo conteúdo ideológico-programático no voto ao invés do pessoal.
d) Diminuição da influência do poder econômico e custos de uma campanha, não havendo votação nominal, o material utilizado seria o mesmo para todo o partido e como no modelo vigente ocorre uma disputa intrapartidária, nada do que é gasto por um candidato pode ser aproveitado por outro, sendo esta individualização dos votos um dos motivos ao alto custo das campanhas.
Enfraquece o corporativismo das bancadas, fortalecendo assim o instituto da fidelidade partidária, disposto nos artigos 24 e 26 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos :
“Art.24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e as diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto”.
“Art.26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito”.
4.5.2 Aspectos negativos do modelo do voto em lista fechada
A grande crítica a este modelo está na possibilidade de domínio da seleção de candidatos, por parte da direção partidária, legitimando a oligarquia dos partidos, que caminha em sentido diametralmente oposto ao espírito deste instituto. Mônica Herman sustenta em seus estudos:
“A indagação pertinente à identificação do grau de liberdade assegurado ao eleitor no que tange à seleção dos governantes,quando da apresentação dos candidatos por intermédio de listas, já que, sob o domínio do partido, como já registrado, o lançamento de candidaturas independentes, ainda que não vedado, afigura-se quase proibitivo”[27].
O Professor Wanderley Guilherme dos Santos se posiciona extremamente contrário a lista fechada: “ O voto em lista fechada encarcera o eleitor, o qual , hoje , pode votar na lista partidária, a legenda do partido, ou em candidatos individuais. A proposta impede o eleitor de escolher o seu representante, incumbindo a usurpadores a tarefa de decidir a quem seu voto irá eleger. Dizem que isto elevará o padrão moral da democracia brasileira.”[28]
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
No decorrer do presente estudo, várias foram às conclusões, as quais cita-se abaixo:
1. A reforma política é um processo histórico e não um momento, não sendo possível de uma vez só redesenhar toda as instituições democráticas, em um único esforço, é fruto de pacto entre várias correntes e vários parlamentares, objetivando construir maioria política, mister se faz que haja conjuntura sócia-política apropriada para seu êxito.
2. As reformas estruturais dependem excessivamente da figura central, que é o Presidente da República, devido ao “hiperpresidencialismo”. Os lideres partidários, apesar de terem condições de negociar as reformas, não as conseguem consolidar sem apoio do Executivo.
3. “Nenhum sistema eleitoral é perfeito. De cada sistema eleitoral se pedem efeitos diversos, não raro conflitantes, muito difícil de obter, de modo satisfatório, numa solução equilibrada, que concilie e seja aceita pelos vários grupos políticos que disputam poder político na sociedade[29]”.
4. Os pontos mais relevantes nesta obra, e que surtiriam grande impacto no Congresso Nacional e nas relações de poder, apesar de debatidos na Assembléia Nacional Constituinte, nunca entraram na pauta da Câmara dos Deputados: sistema de eleição proporcional, com ênfase no voto distrital misto e financiamento público de campanha.
5. A Reforma Política deve ir muito além dos pontos basilares expostos neste estudo.
6. As metas objetivadas em um esforço contínuo são: qualificar a vida política no sentido de democratizá-la, aumentar a participação popular, melhorar o padrão de probidade, alcançar a moralidade política.
7. O sistema de representação popular distrital-misto e o financiamento público de campanha devem ser instituídos mediante Emenda Constitucional aliada a Lei Complementar. A lista fechada por sua vez deve ser inserida, mediante a reforma do Código Eleitoral.
8. Para dar aplicabilidade aos referidos institutos seria necessário a elaboração de Lei Complementar que viesse a regulamentá-los, oportunidade em que também poder-se-ia implementar o instituto da Lista Fechada bem como, atualizar e reestruturar o Código Eleitoral.
9. O financiamento público exclusivo objetiva proporcionar maior autonomia, maior independência aos governos, aos órgãos políticos e aos órgãos econômicos em relação ao poder econômico. O modelo atual faz com que poucos doadores doem muito dinheiro, isso gera uma difícil relação entre o poder político e o poder econômico.
10. Necessidade de ampliar o debate com a sociedade, para mostrar que longe de desperdício de dinheiro público, o financiamento público de campanha representa economia, melhora o padrão da política, o padrão de probidade e, por conseguinte, gera eficiência administrativa.
11. Lista fechada fortalece o partido, reduz importância do dinheiro nas campanhas e possibilita atrair melhores candidatos, pois o partido que não tiver uma lista respeitável perderá votos.
12. O voto distrital é um sistema simples, que aproxima o eleitor do representante político, incentiva a participação e fiscalização por parte da sociedade civil, permite diminuição do custo das campanhas além de possibilitar ao eleitor trabalhar contra uma candidatura proporcional.
13. O modelo vigente está exaurido, é ultrapassado, gerador de problemas, de processos na Justiça, gerador de escândalo político, que além de tudo não gera vínculo entre eleitores e candidatos.
14. Há uma superposição de competências entre o Senado e a Câmara que deve ser revisto em algum momento. Reduzir a complexidade existente nas funções e competências praticamente idênticas entre as duas casas legislativas.
15. O modelo vigente conduz a um multipartidarismo fragmentado, tendo como conseqüência a fragilidade da vida partidária, e entraves a governabilidade.
16. Mister se faz que haja uma visão multidisciplinar do tema estudado, uma vez que envolve aspectos jurídicos e políticos.
17. O sistema político deve se adaptar aos anseios da opinião pública, tendo como reflexo novos padrões de moralidade política.
18 Fundamental se faz o ajuste da representação dos Estados na Câmara Federal, uma vez que esta não corresponde de forma isonômica à população. No Estado de São Paulo, para eleger um deputado, necessita-se de mais de trezentos mil votos enquanto existem estados no Norte em que esse número cai a menos de onze mil. Quebra-se, portanto, o princípio basilar da democracia representativa, “one man, one vote”. Um cidadão, um voto.
19. Os presidentes, via de regra, saem das regiões Sul e Sudeste, salvo raras exceções, devido à densidade demográfica. Todavia, para implementar reformas o chefe do Poder Executivo interage com o Congresso Nacional, cuja predominância é do Norte e do Nordeste.
20. Principais problemas gerados pelo nosso sistema: (a) enfraquecimento dos partidos políticos, (b) personalização das campanhas, (c) disputa interna entre integrantes do mesmo partido no período eleitoral, (d) alta influência do poder econômico no resultado do pleito, (e) desproporção regional na representação na Câmara Federal.
21. As soluções propostas nesse estudo foram: (a) voto distrital misto; (b) financiamento público e exclusivo de campanha; (c) adoção de lista fechada, com ordem de candidatos definida por votação em convenção partidária.
Informações Sobre o Autor
Jorge Águedo de Jesua Peres de Oliveira Filho
Mestrando em Filosofia do Direito (PUC -SP) , bacharel em Direito (PUC- SP) , Administrador de Empresas (FAAP)