Precarização das relações de trabalho: efeitos da globalização e (re)interpretação dos princípios trabalhistas

Resumo: Através de uma análise teórico-descritiva, com pesquisa doutrinária nacional e do direito comparado, pretende-se através deste artigo discutir a influência que a economia globalizada causa sobre o Direito do Trabalho e como esta mudança sensível no sistema econômico provocou uma mudança estrutural no sistema laboral, sendo necessária, deste modo, uma (re)interpretação dos seus princípios de modo que acompanhe as mudanças culturais e não fique obsoleto perante as necessidades sociais. Realiza-se uma análise da globalização e os efeitos que ela provoca em toda a sociedade – incluindo-se nela o Direito do Trabalho – através da mudança de valores e do ideário social. Mostra-se, destarte, a atual necessidade de compatibilização da flexibilização das normas trabalhistas com os direitos laborais consolidados, para que seja mantida a integridade econômica dos países e das empresas e ao mesmo tempo o respeitada a pessoa do trabalhador. Para tal são lembradas práticas político-econômicas realizadas por outros países, são fornecidas ideias e proposta uma nova forma de organização de entidades internacionais e das normas trabalhistas de modo que sejam atenuados os aspectos maléficos do inexorável processo de globalização e beneficiados tanto as empresas quanto seus trabalhadores.[1]


Palavras-chave: 1. Princípios; 2. Flexissegurança; 3. Jus cogens; 4. Globalização


Sumário: Introdução. 1. Influências da globalização. 2. Efeitos no Direito do trabalho. 3. Unificação principiológica. 4. Soluções. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO


Pretende-se através deste artigo discutir a influência que a economia globalizada causa sobre o Direito do Trabalho e como esta mudança sensível no sistema econômico provocou uma mudança estrutural no sistema laboral, sendo necessária, deste modo, uma (re)interpretação dos seus princípios de modo que acompanhe as mudanças culturais e não fique obsoleto perante as necessidades sociais.


Mostra-se a necessidade e os meios de compatibilização da flexibilização das normas trabalhistas com os direitos laborais consolidados de maneira a manter a integridade econômica dos países e das empresas e ao mesmo tempo o respeitada a pessoa do trabalhador.


1. Influências da globalização


Tendo em vista a atual chamada “crise do direito do trabalho”, cabe discutir sobre quais os efeitos e conseqüências causados pelo processo econômico de globalização nas relações de emprego e como neutralizar seus aspectos negativos, utilizando como base de pensamento os conceitos de “princípio” e “cultura”.


Em primeiro momento, cabe lembrar que a globalização é um processo inexorável, decorrente da inserção da tecnologia nas áreas da informática e das comunicações, tornando volátil o mercado e altamente competitivo, de modo que as relações de emprego passaram por profundas modificações, acarretando, por conseguinte, uma evidente flexibilização das relações de emprego e, muitas vezes, até em desregulamentação como querido pelos neoliberais.


Neste contexto de flexibilização, intrinsecamente, há a contraposição entre a manutenção da estrutura empresarial e o respeito à dignidade da pessoa humana do trabalhador, sendo necessário para discutir tal questão uma (re)leitura  progressista dos princípios laborais visando o atual contexto cultural.


Utilizando o conceito de “culturalismo” do jus-filósofo e Mestre Miguel Reale, observa-se que, tendo em vista as mudanças valorativas, para que seja mantida a segurança nas relações interpessoais, junto, deve mudar o Direito: “Sendo expressão ou objetivação do sentir, do pensar e do querer do homem, a cultura não pode deixar de refletir, em toda a sua plenitude, a conjunção essencial entre o ser e o valor do que caracteriza o homem como tal: se o homem é e deve ser, a cultura só pode ser enquanto substancia e representa o processo de autoconsciência e de perfectibilidade de seu agente instaurador.” (REALE, 2005, p. 91)


2. Efeitos no Direito do trabalho


Neste sentido, cabe lembrar que a citada mudança do Direito se deu de maneira sensitiva, uma vez que a globalização causou uma mudança estrutural na economia, surgindo, por conseguinte, a necessidade de se mudar, também, a interpretação dos princípios que fundamentam os ordenamentos, uma vez que:“Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”. (BANDEIRA DE MELLO, 2011, p.54).


Destarte, deve-se inovar na interpretação dos princípios laborativos, uma vez que aquela visão antiga, fundamentada nas questões culturais de outros tempos, se encontra defasada. Nas relações de mercado e de trabalho atuais, por razão da globalização, como já afirmado, há forte necessidade de adaptação das empresas a um mercado altamente competitivo, de maneira que se necessita explorar ao máximo a força de trabalho dos empregados e, portanto, a flexibilizar as legislações trabalhistas.


Neste momento surge uma forte contraposição entre os direitos conquistados pelos trabalhadores e a necessidade de manutenção do funcionamento das empresas, de modo que uma alta flexibilização não é bem vinda, como muito menos o é, o fim das empresas, o que geraria desemprego.


Na solução deste conflito muito bem atuaram países como França e Dinamarca que, pela (re)leitura de seus princípios laborais, conseguiram pela chamada “flexsegurança” compatibilizar a economia de mercado e o bem estar social, explica-se: para garantir competitividade às empresas, flexibilizam suas legislações e fornecem farta capacitação profissional à sua população economicamente ativa, ao passo que, em contrapartida, fornecem, aos moldes do Welfare State, grande amparo social. Esta parece ser a decisão mais acertada.  


“A flexissegurança ou flexsécurité ou flexsecurity é uma combinação de flexibilidade com a segurança, segundo Pinho Pedreira. A nosso ver, a flexissegurança, na verdade, repousa sobre uma relação triangular: mercado flexível pela desregulamentação (sic) das regras trabalhistas; sistemas de indenização generosos proporcionados por um Estado Social; política estatal de “ativação” do mercado de trabalho, isto é, o Estado oferece cursos de qualificação e métodos de motivação à procura de novo emprego”. (CASSAR, 2011, p.33) – em desregulamentação leia-se flexibilização.


3. Unificação principiológica


Por outro lado, visando um estudo completo da situação, cabe lembrar que, com a globalização, os poderes políticos e jurídicos dos Estados se encolheram diante o poder econômico das multinacionais. Deste modo, como compatibilizar as legislações e princípios locais com a transcedentalidade que a globalização provoca nas relações econômicas e laborais?


Mais uma vez, pela (re)leitura dos princípios trabalhistas, deve ser buscada uma unificação principiológica, fazendo com que as já altas diferenças sociais internas não sejam ainda mais intensificadas com as diferenças entre os países. Deve-se primar por uma interpretação sistemática de âmbito global, de maneira que haja unificação das legislações, nos moldes do que já ocorre na União Européia e, ao mesmo tempo, respeitando-se as características locais específicas (lembrando o “culturalismo” de Reale).


O que preocupa neste caso, por exemplo, é a realização de práticas como o dumping social, em que já há padrões de vida deveras diferenciados e ainda mais reforçados pela globalização, existindo dois mundos distintos e antagônicos: o daqueles países e membros sociais incluídos na economia de mercado global e o daqueles que são instrumentos para inclusão dos primeiros. Há tanto uma distinção extraterritorial entre países, quanto intraterritorial entre os membros da população, como pode ser observado em países como a China e os denominados “Tigres Asiáticos” onde há restrição da liberdade da população e super exploração de seu poder de trabalho, realizando um verdadeiro ataque aos direitos trabalhistas dos cidadãos, visando-se competitividade, desenvolvimento econômico e enriquecimento de pequenas parcelas específicas da sociedade.


O resultado de toda esta prática, destarte, é que, ainda que algumas nações adotem legislações que respeitem os direitos laborais, havendo outras que não adotem regimes de trabalho verdadeiramente humanos, esta omissão – como a própria OIT afirma – constitui um enorme obstáculo aos esforços daquelas. Há, assim, conseqüentemente, um grande desequilíbrio na balança das forças comerciais, criando a opção-necessidade de os países mais progressistas, procurando manter sua competitividade, de não realizarem ou realizarem de maneira muito lenta as pretendidas melhorias nas condições de trabalhos.


4. Soluções


Na prática, em suma, o que se pretende seja realizado para solução desta questão é a delegação de maiores poderes a organismos internacionais (como por exemplo, a OIT) de modo que eles possuam competência e legitimidade para impor diretrizes gerais e abstratas aos Estados, e estes, através de uma interpretação sistemática, adaptá-las às suas realidades, a maneira do que preceitua o ius cogens.


“Na Convenção de Viena o jus cogens é tido por sinônimo de “norma(s) imperativa(s) de direito internacional geral” e essas normas são por sua vez definidas como aquelas “aceita(s) e reconhecida(s) pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma(s) da(s) qual(is) nenhuma derrogação é permitida e que só pode(m) ser modificada(s) por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza” (art. 53).” (SALEM HIKMAT NASSER, 2005, p.161)


A globalização não é um evento necessariamente ruim para a sociedade, se ocorrer uma cooperação internacional no sentido de humanizá-la, compatibilizando as práticas econômicas com as necessidades em matéria de justiça social, todos saem ganhando. Algumas ações relativas ao fornecimento de diretrizes já foram realizadas, como a proposta da OIT a OMC de introduzir cláusulas sociais nos contratos comerciais ou até a criação de uma Declaração sobre os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores, idealizada por Rafael Caldeira. Todavia tais projetos não obtiveram sucesso, uma vez que, como demonstrado, havendo tão só uma não aderência ou oposição ao sistema pretendido, constitui-se um enorme obstáculo para sua efetividade, como também a questão de a OIT ou outros organismos não possuírem poder de impor suas diretrizes.


Conclusão


Conclui-se, portanto, que para a concretização das idéias acima relacionadas, faz-se necessário que haja uma compatibilização das valorações que os Estados realizam sobre determinados fatos (à luz da Teoria Tridimensional do Direito) para que sejam criados parecidos comandos normativos e haja uma integração, de fato, em âmbito mundial. O mecanismo para tal seria, como já afirmado, a legitimação de organismos internacionais a impor diretrizes aos países que encontram sobre seu amparo, de modo a haver a tão querida e benéfica unificação principiológica na criação e interpretação das normas laborativas, tudo isto, ressalta-se, através do instituto do jus cogens.  Este é o maior desafio da atualidade no âmbito social e do Direito do Trabalho.


 


Referências

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho, 5 ed. Niterói: Impetus, 2011.

NASSER, SALEM HIKMAT. Jus Cogens ainda desconhecido in Revista Direito GV 2,v1– n2, 2005.

REALE, Miguel. Paradigmas da Cultura Contemporânea, 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

PALESTRA: Contribuições para um direito do trabalho mais eficaz – Coordenação Nelson Mannrich.


Nota:

[1] Trabalho orientado pelo Prof. Lafayette Pozzoli – Professor de Filosofia do Direito na PUC-SP

Informações Sobre o Autor

Wallace Antonio Dias Silva

Acadêmico de Direito na PUC-SP


Equipe Âmbito Jurídico

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