Prerrogativas mínimas para uma polícia judiciária idealizada com a máxima efetividade nos estados

Resumo: A Polícia Civil é estigmatizada como Polícia Judiciária sem qualquer prestígio perante a sociedade civil e conta ainda com o descaso dos sucessivos governantes perante os quais está subordinada, nada obstante, nunca houve foco na discussão da origem dos problemas que pudesse alavancar esta força e o orgulho policial. O presente ensaio pretende aproximar a sociedade dos problemas enfrentados e potencializar a importância do resgate do orgulho policial, pois, que, definitivamente, nunca haverá segurança pública sem o comprometimento da única força que sabe investigar e conhece a realidade das ruas.  Foi usada a metodologia de leitura de artigos e da legislação pátria conforme referência bibliográfica, bem como visitas em delegacias de polícia especializadas, seja nos municípios de Goiânia, GO e Manaus, AM.


Palavras-chave: Segurança, Investigação, Polícia, Prerrogativas


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Sumário: 1. Introdução. 2. Polícia judiciária forte nos estados. 3. A essência do cargo de delegado de polícia. 4. Leis distorcidas como objeto de barganha. 5.  Aplaudir o policial versus reclamar com o poder competente. 6. Relaxamento de prisão pelo delegado. 7. Assédio moral no ambiente de trabalho policial. 8. Abomino “carteirada”, imprescindível é o uso de prerrogativas. 9. Considerações finais. 10. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO


Desde épocas pretéritas a ciência jurídica é pautada para amparar as novas relações e negociações conquistadas em decorrência da evolução da sociedade. Indubitável que, hodiernamente, o bem estar social coletivo representa uma importância imprescindível à humanidade, principalmente quanto às relações sociais do mundo moderno cujas desigualdades são crescentes. Não há que se falar em qualidade de vida com o aperfeiçoamento das tecnologias, sem que o cidadão de bem tenha meios de usufruir com segurança e tranquilidade tantas possibilidades.


Destarte, não pela tradição, mas sim pela necessidade, deve a Polícia Civil albergar a sociedade que clama por segurança pública. Este clamor surge tão forte no seio das famílias, que, apesar de muito criticada, a Polícia Judiciária é o único organismo que atende a sociedade 24 horas do dia sem qualquer restrição, pois que investiga com efetividade independente da repercussão social ou mídia e conhece as ruas como nenhum outro aparato público ou privado que se disponha a investigar e reprimir.


À margem de algumas críticas e ceticismos já se desponta uma novel tendência de se especializar na prevenção e repressão dos crimes praticados, muito embora pequeno o investimento nos profissionais de polícia judiciária. Ou seja, policiais civis dos estados focam no aumento de delegacias especializadas para uma investigação sólida e consistente que chegue ao criminoso e seus comparsas.


Não há que se falar em perseguição física ou abordagens pessoais, polícia especializada deve focar em reprimir crimes mediante investigação virtual cuja praticidade é maior, já que o criminoso habitual sempre deixa rastros. Rastrear com o mínimo esforço tem sido a incansável busca de uma polícia inteligente. Isto posto, não há que se temer a relação entre polícia e a sociedade de bem e sim adotar meios que subsidiem a transação mais segura, isto posto, aquela que subsidie as autoridades policiais competentes para apurarem com legalidade e respeito aos direitos e garantias constitucionais.


2. POLÍCIA JUDICIÁRIA FORTE NOS ESTADOS


É sabido e consabido que a Polícia Civil já foi reconhecida por promover a integração entre os órgãos de segurança e por ser a porta aberta mais ativa entre o cidadão e o Estado. A autoridade policial é solidária e mantém as portas abertas para ouvir os clamores dos usuários do serviço público, diferente de muitas autoridades que integram o sistema, que só recebem pessoas mediante agendamento e após meses de angustia. Entretanto, neste mesmo sistema, há uma inversão de valores, pois os policiais são mal remunerados e insistentemente jogados contra a sociedade pela imprensa. Não há reconhecimento, independência, é triste a realidade que desmotiva os servidores do novo sistema de segurança pública dos últimos tempos. Hoje, em sua maioria, não há servidores “calça curta”, já que as autoridades policiais, os delegados de polícia, são concursados e cada vez mais preparados para o exercício da função pública. 


O sentimento de descrença desmotiva o atendimento com excelência e em momentos de fúria chego a pensar em como seria se encaminhássemos todas as denúncias de crimes para o Fórum em vez das delegacias de polícia. O desabafo acontece porque a situação e infraestrutura de trabalho são cada vez piores, tornando a situação insustentável se somada à reprovação pública que é massa de manobra do sistema.


De fato, somos pressionados pela população para amenizar os índices de violência, já que notável que a cidade registra uma média de ocorrências de crimes contra o patrimônio por mês cada vez mais alarmante. Por outro lado, prudente lembrar por todos que a maioria dos presos em flagrante ou em investigação volta às ruas em poucas semanas, o que estimula essa reincidência.


Lamentável, mas a legislação permite que presos provisórios (sem condenação) respondam a inquéritos ou a processos fora das grades. Inúmeras são as decisões que desconsideram que uma investigação muitas vezes é conduzida por anos e por tantos   policiais civis.


Em virtude da legislação vigente, existe uma tendência enorme de se liberar criminosos habituais sem qualquer condenação e isso acontece em todo o país. Aos que liberam e aqueles que criam as leis, parece que está tudo bem, pois quem responde pela criminalidade é sempre a polícia e quem sofre com esta situação são os menos favorecidos.


Brilhantes personalidades são aquelas que em seus gabinetes quase nunca atendem a população, andam com segurança em seus carros blindados, mas sempre amparados e, novamente, blindados pela imprensa. Vaidade lamentável. Enfim, são os Delegados de Polícia, aqueles que ouvem os clamores sociais e sofrem com a realidade. São os únicos que estão na linha de frente, mas longe de esmorecer, ainda acreditam em dias melhores e confiam que a população há de reconhecer quem são os verdadeiros vilões e heróis responsáveis por esta realidade.


3. A ESSÊNCIA DO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA


O Delegado de Polícia tem papel que merece destaque dentro da estrutura do Estado Democrático de Direito e por vezes, seus próprios pares, não dão o devido valor a sua profissão. O cargo foi citado no texto constitucional “a Polícia Civil deve ser dirigida por delegados de polícia de carreira” e na legislação processual penal “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais”. A notoriedade do cargo também é explicada pelas próprias palavras do Ministro Carlos Ayres Britto: “sempre que a Constituição nomina certos cargos, ela o faz com o evidente propósito de prestigiá-los, sobretudo quando organiza tais cargos em carreiras. É o caso dos Delegados de Polícia, dos Defensores Públicos, dos Procurados de Estado, sem falar em Juízes e Membros do Ministério Público”. (ADI 2587, 2004, p. 101)


É notório que a carreira do Delegado de Polícia na condição de única autoridade policial, possui uma natureza diferenciada. Principalmente, por ser, dentre as carreiras jurídicas, a que mais se têm “baixas” no exercício da função ou em relação a ela. Logo, são diversos os riscos inerentes ao ofício que são abraçados por esses servidores, desde iminente risco de vida ao lidar com as mazelas da sociedade, perseguições políticas (como visto no caso do Delegado Protógenes), e até mesmo a falta de condições de exercício isento de seu ofício pela falta de garantias que a magistratura e o Ministério Público dispõem (remoções compulsórias).


Não obstante, como carreira chave do Estado, esta profissão é aquela que está mais suscetível ao rompimento da linha tênue entre legalidade e ilegalidade, entre o lícito e ilícito, isto porque no calor dos acontecimentos, decisões tem que ser tomadas justamente pela autoridade policial (como entrada e resgate de reféns que pode originariamente repercutir em algum revés ou em decidir sobre a lavratura ou não de um flagrante) em prol do melhor cumprimento de sua função. Notório o dever de realizar suas funções com o máximo de isenção possível, livre de quaisquer pressões externas, com alto grau de independência que reflete na certeza que seus atos são discricionários, conforme oportunidade e conveniência do Estado, sempre no limite da legalidade.


O “denuncismo” genérico é uma realidade em relação a uma classe que atua justamente com a liberdade das pessoas e seu patrimônio, que desmantela quadrilhas que subtraem milhões seja do erário público ou de empresas privadas gerando um sentimento de revanchismo em relação ao indiciado. Nada obstante, raríssimos os casos em que uma corregedoria pune pessoa de má-fé por denunciação caluniosa ou tráfico de influência. Assim, diante da realidade a que esta função se submete, o risco criado por uns é completamente suportado por estes policiais civis, daí a necessidade de independência, ausência de paixão política e dignidade salarial que ofereçam garantias no exercício da profissão.


Neste diapasão, o Delegado de Polícia, na qualidade de servidor público estadual aprovado em concurso público sem qualquer indicação política, merece o devido respeito da sociedade pois que, reitero, não trata-se de cargo político cujos mandatos passam a cada quatro anos. Esta referência deve-se ao fato de que, pessoalmente, abomino pedidos políticos que configuram crime de advocacia administrativa, prevaricação ou tráfico de influência e considero insulto e desprestígio à minha profissão pessoas que, antes de se identificarem pessoalmente, já se apresentam como parentes de autoridades ou amigos de pessoas públicas que nem autorizaram o uso dos seus nomes em vão na delegacia. Ao que parece, muitas pessoas de má-fé não entendem que o serviço público e seus servidores têm nova cara no século XXI, nada obstante, pretendo marcar minha gestão em qualquer delegacia como servidor público que atende com excelência, qualidade e sem distinção todo e qualquer usuário do serviço público.


Portanto, inúmeros são os estados que já se pronunciaram a favor das polícias estaduais, reconhecendo a importância de prestigiar esta carreira como atividade jurídica em suas Constituições Estaduais. Outro mecanismo foi a aposentadoria compulsória dos antigos e famosos “delegados de calça curta”, termo pejorativo atribuído àqueles receberam o cargo por indicação política ou leis estaduais que os promoveram a tal cargo. Com a devida vênia, não há que se cogitar autoridade policial que não tenha sido aprovada em concurso de provas e títulos em pleno século XXI, mas, pasmem, são numerosas as aberrações em todo o país até os dias atuais, de onde advém tamanha corrupção e investigações sem qualquer técnica.


Como se não bastasse, surgem vários órgãos que pretendem frear a investigação policial, mas sábia as lições de Paulo Rangel em seu magistério sobre Controle Externo do Ministério Público: “não passa o Ministério Público a ser um órgão correcional da polícia, mas sim um órgão fiscalizador das atividades de polícia, seja ela judiciária ou preventiva.” (RANGEL, 2009, p.94). Vergonhosa esta situação. Pior é o Judiciário que opta por investigar os próprios pares, como se isso fosse realmente possível. São categóricos em afirmar que não há qualquer corporativismo. Esta discussão caberia em um livro, por isso não pretendo adentrar.


Parece-nos que o responsável pela primeira fase da persecução criminal, ou seja, o Delegado de Polícia, é o mais desprestigiado do Sistema de Segurança Pública e não há qualquer razoabilidade em se estabelecer diferenciação salarial entre estes e outros atores do sistema, entretanto, resta a devoção daqueles que acreditam nas pessoas e dias melhores e que labutam por vocação em prol das pessoas de bem da sociedade. Sábias são as palavras de Guimarães Rosa quando diz: “porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas e olhos bem abertos.”


4. LEIS DISTORCIDAS COMO OBJETO DE BARGANHA


Finalmente, após muita discussão, a importância incontestável de uma lei se amolda aos contextos sociais mais sérios e seu uso deverá ser mais honesto e verdadeiro. Já era hora de surgir uma lei com a magnitude da Maria da Penha. Ocorre que, tendo como pano de fundo agressões contra a mulher, de fato, nem todos os processos ajuizados competem às varas criadas especificamente para atender as demandas desta lei.


Um caso ímpar aconteceu no 1º Juizado de Violência Contra a Mulher de Brasília em que a juíza Maria Isabel da Silva se declarou incompetente para conduzir o processo de uma jovem que registrou ocorrência contra o ex-namorado e a competência foi declinada para um dos Juizados Especiais Criminais de Brasília.


Ocorre que a vítima afirmou no inquérito policial que foi ameaçada com injúrias pelo ex-namorado, fruto de relacionamento de apenas três meses. E, de acordo com a juíza, é preciso ter em mente os fins buscados pela Lei 11.340/2006, ao atender o compromisso firmado na CF/88 de que: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.


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A relação decorrente de simples namoro de três meses não está abrangida no que a Lei define sobre violência doméstica contra a mulher. “A mulher, para ser amparada por esta Lei, que visa coibir a violência doméstica, há de se apresentar numa situação de hipossuficiência, a reclamar a intervenção mais severa dos institutos repressores. Sob o enfoque da Lei, a vítima é aquela que se apresenta ante seu algoz, na relação íntima de afeto, fragilizada, subordinada, em situação de dependência, seja qual for a modalidade: moral, afetiva ou financeira.”.


Entendo que cada caso deve ser analisado um a um. Existem namoros, mesmo revestidos da informalidade das uniões atuais, que se configuram em verdadeiras uniões estáveis, nas quais os parceiros, apesar de não casados oficialmente, partilham o mesmo teto e o mesmo pão. Em outros, a figura do “ficar”, muito comum entre os solteiros, é marcada pela total falta de compromisso, apesar de haver larga margem de liberdade e intimidade entre os pares. Para estes últimos, a Lei Maria da Penha não é recomendada.


Tal entendimento reforça os preceitos constitucionais que orientam pela igualdade entre homens e mulheres. Isto é, há que se enxergar a Maria da Penha como uma lei com finalidade assistencial e protetiva. Ela não descreve, por exemplo, a figura típica e a sua respectiva pena para as hipóteses de violência contra a mulher. É bastante prudente a decisão da Juíza Maria Isabel da Silva, do 1º Juizado de Violência Contra a Mulher de Brasília, pois veio limitar o âmbito de abrangência da Lei. É oportuno e vem a calhar o entendimento de que a mulher, vítima de violência, que advém de relacionamento transitório, não pode ser acobertada pela Lei Maria da Penha, pois os seus rigores são incompatíveis ao caso concreto. Tardou, mas, enfim, moralizamos a lei e sua melhor intenção.


Resta evidente que a intenção da lei é valiosíssima, nada obstante, não pode ser usada de forma distorcida por mulheres em evidente atitude de má-fé. Há casos em que a solução é simples e tudo se resolveria com Juiz de Vara de Família, seja com o divórcio, partilha de bens ou guarda judicial dos filhos do casal, mas reforço que tais pleitos não se discutem em delegacia nem são resolvidos por esta lei. Cabe ainda enfatizar que não há mais o crime de adultério e, por isso, a lei não é “carta na manga” para mulheres resolverem a situação de um casamento ou união estável falida, como pressão contra o marido para obriga-lo a manter uma relação conjugal inviável.


Infelizmente, observa-se que a mulher pleiteia medidas protetivas na delegacia mas negligentemente continua com seu esposo, insistindo em uma relação inviável e perigosa. E, na primeira oportunidade em que o marido chega em casa embriagado ou informa que mantém relação extraconjugal, esta mulher quer usar a medida protetiva contra o marido perante a autoridade policial, exigindo sua prisão. Outra situação corriqueira é a mulher que incita o esposo a agredí-la pois prefere vê-lo encarcerado do que com outra mulher em relação extra-conjugal. São crimes praticados por esposas em evidente distorção da lei. Cabe aqui a punição desta mulher que desvirtua completamente a intenção da lei, pois ela sim age como infratora, motivo pelo qual as autoridades devem sempre estar atentas para ao caso concreto.


Existe a tese de que o marido agressor, uma vez encaminhado à delegacia, torna a relação inviável daí em diante, por isso, caso a mulher opte por este caminho, o correto seria que uma vez lavrado o flagrante contra o agressor, esta mulher merece sim as medidas protetivas e o imediato encaminhamento à defensoria pública para que haja a petição de divórcio ou dissolução de união estável definitiva. É prudente que a autoridade policial oriente esta mulher no sentido de que a condução à delegacia é ponto final na relação, nada obstante, em mais de 95% dos casos, a mulher tem a inocente ilusão de que o marido após  condução  à delegacia e penitenciária retornaria melhor após a “lição”. Entendam que não há qualquer “lição moral” após encarceramento, nem é esta a intenção de qualquer lei, pois que, na realidade, quem foi marido torna-se um infrator perante a justiça daí em diante.


Simples e objetiva a conclusão de que a Lei Maria da Penha é para casos extremos em que as mulheres, após findar a relação, são agredidas e perseguidas por verdadeiros bandidos, admissível ainda para as mulheres agredidas em flagrante de lesão corporal e até tentativa de homicídio em relação de convívio em curso, isto posto, resta claro que “não é e jamais será” alternativa para reaver uma relação amorosa falida ou castigo para esposos adúlteros.


5. APLAUDIR O POLICIAL VERSUS RECLAMAR COM O PODER COMPETENTE


É uma praxe nas delegacias o bandido ser preso, interrogado, autuado em flagrante pela prática de um crime e depois de identificado, ser imediatamente ser posto em liberdade, o que deixa a vítima e familiares indignada. Insurgem vários comentários negativos e o flagrante desrespeito com os policiais civis que atendem a ocorrência, simplesmente porque as pessoas leigas desconhecem a lei e consideram um absurdo o criminoso ser liberado “sem pagar pelo crime” que cometera, já que na verdade “paga a fiança” e é solto.


Críticas inaceitáveis aos Delegados de Polícia me motivam a explicar de forma modesta as razões que obrigam a autoridade policial a conceder o instituto do arbitramento de fiança. Ser liberado logo após a prática de um crime é uma garantia prevista no ordenamento jurídico brasileiro que se denomina “liberdade provisória mediante arbitramento de fiança” pois, no processo penal, a liberdade é a regra e a prisão cautelar, como medida de exceção, só se aplica em casos muito especiais.


Vale ressaltar que quem aprova leis no país são deputados federais e senadores e apenas deles caberia mudança na legislação sobre o assunto, ou seja, do Poder Legislativo que representa o povo por meio do voto.


Mas, enfim, o que seria então a fiança prevista no artigo 5º, LXVI, da CF, que diz: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança”?


A fiança é o pagamento por fatura bancária com código de barras em instituição financeira ou em espécie, pelo autor do crime ou seu procurador, para que seja solto e possa responder ao processo em liberdade para preparar sua defesa até sentença judicial definitiva que condene ou inocente o acusado pelo crime. É que a Constituição Federal preconiza o estado de inocência em seu artigo 5º, LVII, até que o réu seja definitivamente condenado após todos os recursos.


À autoridade policial cabe analisar a situação processual do indiciado, a natureza do crime, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa, as circunstancias indicativas de sua periculosidade e a importância provável das custas do processo, para poder fixar o valor estabelecendo entre 1 e 100 salários mínimos ou aumentando 1000 vezes. Quanto à dispensabilidade da fiança, entendo não ser possível por parte do delegado, vez que o artigo 350 do CPP só autoriza ao juiz tal possibilidade.


De tal sorte, o artigo 322 do CPP, obriga a autoridade policial a conceder fiança nos crimes cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos e o delegado tem, na verdade, de maneira indisponível e indeclinável, o dever de garantir ao preso o direito à fiança, ou minimamente orienta-lo sobre seu direito, o qual, quando cabível, desautoriza o recolhimento do autuado à cela da delegacia após o seu devido pagamento. A possibilidade de responder civil e administrativamente por algum fato que venha a ocorrer com o preso, enquanto estiver encarcerado, faz a autoridade policial acelerar ainda mais a sua liberação da delegacia.


Neste diapasão, no exercício da atividade de Delegado de Polícia, na madrugada de plantão, por vezes explicamos o instituto da fiança, e inúmeras vezes relevo insinuações caluniosas e de flagrante desacato para atender com respeito e educação a população no calor da emoção e disso, não abro mão, grifo nosso. Entretanto, a vítima insiste em não compreender que somos meros cumpridores da legislação vigente e que esta foi aprovada pelos parlamentares federais eleitos pela própria população.


Reforço que o Delegado de Polícia, na qualidade de servidor público estadual, é aprovado em concurso público sem qualquer indicação política e por isso merece o devido respeito da sociedade. Pessoalmente, abomino pedidos políticos que configuram crime de advocacia administrativa, prevaricação ou tráfico de influência. Considero insulto e desprestígio à minha profissão pessoas que antes de se identificarem pessoalmente, já se apresentam como parentes de autoridades ou amigos de pessoas públicas que nem autorizaram o uso dos seus nomes em vão na delegacia. Ao que parece, muitas pessoas de má-fé não entendem que o serviço público e seus servidores têm nova cara no século XXI, nada obstante, pretendo marcar minha gestão em qualquer delegacia como servidor público que atende com excelência, qualidade e sem distinção qualquer usuário do serviço público.  


6. Relaxamento de prisão pelo Delegado


Vasta a discussão acerca do poder do Delegado de Polícia de relaxar a prisão quando constatada a ilegalidade da medida durante lavratura do flagrante. Um exemplo seria quando policiais militares ou rodoviários estaduais / federais conduzem suspeitos de práticas criminosas até a sede da unidade de polícia judiciária e, durante a lavratura do auto de prisão em flagrante, o delegado visualiza, diante das oitivas colhidas ou através de outras pesquisas tomadas, que não existem indícios razoáveis e suficientes de autoria, ou que o fato que inicialmente se projetou como verdadeiro já não mais possui adequação típica-legal, ou relevância penal.


A dúvida é se deve dar prosseguimento ao Auto de Prisão em Flagrante, e mesmo assim, despachar pelo encaminhamento do suspeito ao presídio local, comunicando a prisão ao juiz e, logo, “lavar as mãos”. Absurda ideia para o delegado zeloso que prefere atentar para as minúcias do caso, pois que, agindo como primeiro filtro de legalidade existente, deve despachar pelo relaxamento do auto de prisão em flagrante, colocando o suspeito em liberdade, após sua devida qualificação, baixando portaria de instauração de inquérito a fim de se garantir, em favor do investigado, o seu direito de presunção de inocência.


Sempre opto, na qualidade de Delegado de Polícia, em casos desta estirpe, por despachar nos autos do flagrante pelo seu relaxamento, declarando sua nulidade e consequente encaminhamento das ‘peças de informação’ constantes do inquérito instaurado ao judiciário, para que o membro do “parquet” opine sobre seu arquivamento, ou que requeira ao juízo o retorno do processado à autoridade policial para que essa efetue as “diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia”.


A jurisprudência dominante entende que os vícios do inquérito não atingem a eventual ação penal interposta, conforme se depreende: 


“INQUÉRITO POLICIAL. VÍCIOS. “Eventuais vícios concernentes ao inquérito policial não têm o condão de infirmar a validade jurídica do subsequente processo penal condenatório. As nulidades processuais concernem, tão somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória” (STF, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello. DJU, 04/10/1996, p. 37100)”.


Não é cabível ao Delegado tomar a iniciativa de efetuar o arquivamento dos autos do inquérito, por expressa vedação legal, cabendo apenas ao judiciário tal medida, após requerimento feito pelo órgão do Ministério Público. De outro modo, nada impede que o delegado arquive ‘boletins de ocorrência’ produzidos na delegacia, pois tais são lavrados em função de comunicação de fatos, em tese, criminosos, cabendo a autoridade policial averiguar sua existência, tipicidade penal, bem como se há ofensa relevante à bens jurídicos e interesses protegidos dignos de apuração na esfera penal.


O jurista Guilherme Nucci, em sua obra MANUAL DE PROCESSO PENAL E EXECUÇÃO PENAL, 3ª Ed., pág. 553, trás hipótese do delegado de polícia efetuar o relaxamento do Auto de Prisão em Flagrante elaborado, no seguinte sentido:


“… o delegado quando se inteira do que houve e acreditando haver hipótese de flagrância, inicia a lavratura do auto. Excepcionalmente, no entanto, pode ocorrer a situação descrita no §1º do Art. 304, isto é, conforme o auto de prisão em flagrante desenvolve-se, com a colheita formal dos depoimentos, observa a autoridade policial que a pessoa presa não é, aparentemente, culpada”.


Cita ainda, em sua obra, Maurício Henrique Guimarães Pereira, o qual explica que:


“o Delegado de Polícia pode e deve relaxar a prisão em flagrante, com fulcro no art. 304, §1º, interpretado a “contrario sensu”, correspondente ao primeiro contraste de legalidade obrigatório, quando não estiverem presentes algumas condições somente passíveis de verificação ao final da formalização do auto, como, por exemplo, o convencimento, pela prova testemunhal colhida, de que o preso não é o autor do delito, ou, ainda, quando chega à conclusão que o fato é atípico (Habeas Corpus e polícia judiciária, p. 233-234)”. (grifo nosso).


Em verdade, a decisão pela lavratura do flagrante pelo Delegado de Polícia apresenta  discricionariedade, logicamente, dentro de limites vinculados em lei. Senão vejamos o que diz a coleção de jurisprudência a respeito:


TACRSP: “(…) Inocorre o delito do art. 319 do CP, na conduta de Delegado de Polícia que deixou de lavrar auto de prisão em flagrante de acusado que nessa situação se encontrava, iniciando somente o Inquérito Policial, pois a regra da lavratura do auto de prisão em flagrante em situações que o exijam, não é rígida, sendo possível certa discricionariedade no ato da Autoridade Policial, que pode deixar de fazê-lo em conformidade com as circunstâncias que envolvem cada caso” (RDJTACRIM 51/193).


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TACRSP: “Para a configuração do crime previsto no art. 319 do CP é indispensável que o ato retardado ou omitido se revele contra disposição expressa de lei, inexistindo norma que obrigue o Delegado de Polícia autuar em flagrante todo cidadão apresentado como autor de ilícito penal, considerando seu poder discricionário, não há se falar em prevaricação” (RT 728/540) – (grifo nosso).


TACRSP: “A autoridade policial goza de poder discricionário de avaliar se efetivamente está diante de notícia procedente, ainda que em tese e que avaliados perfunctoriamente os dados de que dispõe, não operando como mero agente de protocolo, que ordena, sem avaliação alguma, flagrantes e boletins indiscriminadamente (RJTACRIM 39/341) – (grifo nosso).


TACRSP: “Compete privativamente ao delegado de polícia discernir, dentre todas as versões que lhe sejam oferecidas por testemunhas ou envolvidos em ocorrência de conflito, qual a mais verossímil e, então, decidir contra quem adotar as providências de instauração de inquérito ou atuação em flagrante. Somente pode ser acusado de se deixar levar por sentimentos pessoais quando a verdade transparecer cristalina em favor do autuado ou indiciado e, ao mesmo tempo, em desfavor daquele que possa ter razões para ser beneficiado pelos sentimentos pessoais da autoridade (RT 622/296-7). No mesmo sentido, TACRSP: RT 679/351, JTACRIM 91/192.


Ante o exposto, concluo que o Delegado de Polícia não está vinculado à classificação delitiva aportada em boletins de ocorrência pelos policiais militares, ou rodoviários estaduais ou federais, podendo perfeitamente, dessa forma, arquivá-los se entender inconsistentes, bem como promover o relaxamento da prisão do suspeito, mediante despacho devidamente fundamentado e conforme seu entendimento jurídico. Não fosse assim, desnecessária seria a presença física dos Delegados nos respectivos distritos, ou seja, todo caso concreto merece análise detalhada da autoridade policial que preside o fato delituoso, e por isso, inútil e ingênuo o chavão de que “flagrante é flagrante em qualquer parte do Brasil”. Uma infração nunca é exatamente igual a outra, bem como os relatórios do Delegado, parecer do Promotor ou sentença do Juiz, sempre haverá margem para interpretação responsável do caso pois cada ator que preside um fato lida com vidas e o direito de liberdade individual.


7. ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO POLICIAL


Questão de análise relativamente recente é a figura do assédio moral que ganhou maior preocupação e proteção dentro da esfera trabalhista. É reflexão do pensador Heinz Leymann que “Assédio Moral é a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusiva) que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega desenvolve contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura”.


Ou seja, são relacionamentos perversos, em que um ou mais dos interlocutores produzem atos, concretos e sucessivos, sem que para isso haja qualquer fundamento idôneo, ou no linguajar criminal, excludentes de culpa ou ilicitude. E não se espere para a configuração da hipótese de assédio a realização de agressões de grande monta ou publicidade, pois como esclarecem Patrícia Piovesan e Paulo César Rodrigues, apud Darcanchy (2006), “são micro agressões, pouco graves se tomadas isoladamente, mas que, por serem sistemáticas, tornam-se destrutivas”, implementadas de inúmeras maneiras, como expor o trabalhador a brincadeiras vexatórias, realizar repreensões excessivas e públicas, atribuir apelidos ou termos pejorativos, etc.


Neste diapasão, o Delegado de Polícia, na qualidade de servidor público estadual aprovado em concurso público sem qualquer indicação política, merece o devido respeito da sociedade. Esta referência deve-se ao fato de que, pessoalmente, abomino pedidos políticos que configuram crime de advocacia administrativa, prevaricação ou tráfico de influência e considero insulto e desprestígio à minha profissão pessoas que, antes de se identificarem pessoalmente, já se apresentam como parentes de autoridades ou amigos de pessoas públicas que nem autorizaram o uso dos seus nomes em vão na delegacia. Ao que parece, muitas pessoas de má-fé não entendem que o serviço público e seus servidores têm nova cara no século XXI, nada obstante, pretendo marcar minha gestão em qualquer delegacia como servidor público que atende com excelência, qualidade e sem distinção todo e qualquer usuário do serviço público.


Resta evidente que servidores públicos estatutários fora da seara trabalhista são contemplados,  em caso de abusos sofridos, principalmente se dermos enfoque à atividade policial. Pois prevê a Declaração Internacional dos Direitos Humanos em seu artigo 1º que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”


A declaração em comento trata-se de instrumento internacional fruto de histórica luta de classes onde o elemento FRATERNIDADE é cada vez mais pungente na ordem social e, como tal, precisa ser defendida pelo sistema estatal. Ao mesmo tempo o direito ao trabalho, ou seja, de acesso do indivíduo ao posto de emprego, corrobora com o alcance da plenitude da dignidade do ser humano. Por isso, importa salientar  a conexão que há, do ponto de vista constitucional, entre o princípio fundamental da dignidade humana e a regra que assegura o direito ao trabalho. Como já frisado com a insistência, o art. 1º, III, da Constituição inclui a dignidade da pessoa humana entre os fundamentos da República Federativa do Brasil. Já o art. 170, caput, da Constituição deixa claro que a existência digna está intimamente relacionada ao princípio da valorização do trabalho humano.


O confronto entre ambas as normas evidencia que a dignidade da pessoa humana é inalcançável quando o trabalho humano não merecer a valorização adequada. Disso deriva a conclusão que a própria organização republicana estará em xeque se um dos fundamentos – a dignidade da pessoa humana – restar comprometido. O trabalhador tem o direito não só à IGUALDADE de tratamento em relação aos demais funcionários, mas especialmente a um ambiente de trabalho em que possa desenvolver suas capacidades em circunstância respeitosa, de modo a interagir, e neste conceito, ser doador e recebedor de estímulos.


O “bem jurídico” envolvido na questão em análise é a integridade física e psíquica do policial que durante sua atividade laboral, acaso seja atingido, resultará no já conhecido dano moral, visto que o art. 2º da CF/88 aponta entre seus OBJETIVOS promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Por fim, no seu art. 5º, X, garante aos brasileiros a inviolabilidade à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Aqui se admite prever punição nos famosos casos em que dentro da instituição policial o funcionário é transferido para outras delegacias com o fim de ser constrangido a trabalhar em local distante de sua moradia sem qualquer motivação dentro da moralidade pública. Atos discricionários não podem invadir o campo da ilegalidade senão tornam-se imorais e passíveis de punição por improbidade administrativa.


Dessas digressões, ruborizo para a necessidade de percebermos a efetiva distinção dos bens jurídicos atingidos pela prática do assédio moral, até mesmo para fins de eventual ingresso de ações judiciais, quais sejam, o direito ao relacionamento fraterno no ambiente de trabalho bem como à sua integridade física e mental. Deixar de cumprir ordens ilegais repletas de ameaças, caso haja retaliação e perseguição política e autoritária sem o menor sentido, requer demanda no judiciário, cabendo a este ter a sensibilidade de enxergar as peripécias insanas dos chefes de polícia que não conseguem se adequar ao sistema no século XX. A cumulatividade de agressões, por óbvio, eleva o patamar indenizatório, porém a percepção de fatores pessoais ligados à vítima – tais como capacidade excepcional de lidar com ambientes hostis – não pode eximir o agente das retaliações judiciais adequadas. Nesta hipótese permanece a responsabilidade objetiva pelo descumprimento do dever de garantir um qualificado e fraterno ambiente de trabalho.


Curioso ainda é mencionar que antigas práticas de pressão psicológica estão ligadas a cúpula da Polícia Civil, mesmo porque é lá que estão as pessoas que, apesar de policiais, têm mais de 20 anos na atividade laboral, ou seja, advindas de outra escola policial, seja, anterior à Constituição Federal.


8. ABOMINO CARTEIRADA, IMPRESCINDÍVEL É O USO DE PRERROGATIVAS


Em virtude de haver muita divergência nos entendimentos entre as autoridades policiais e distorções acerca da legitimidade da “carteirada”, sinto-me instado, como representante da classe dos Delegados de Polícia a oferecer meu posicionamento sobre o assunto.


 A princípio tenho aversão ao termo pejorativo “carteirada” comumente utilizado para descrever o ato de o Policial Civil identificar-se perante uma instituição Pública ou Privada. Tal termo traz em seu próprio sentido axiológico uma conotação antiética que provoca repulsa e que repousa na conduta de o servidor Policial “valer-se desta condição para locupletar-se, tendo acesso gratuito a determinados locais”. Outra é a realidade nos dias atuais, já que vivemos em um Estado Democrático de Direito. Concordo que o termo “carteirada” é ato ilegítimo e abusivo, ou seja, quando determinada autoridade ou servidor público, que não seja Policial, utilize-se desta prática para ter acesso a locais de diversão pública sem estar em serviço ou não tenha atribuição fiscalizatória sobre o local. Esta sim é a verdadeira “carteirada” em sua real acepção da palavra, isto é, ato reprovável e compreensível que a sociedade repudie este tipo de conduta que viola a ética e os princípios morais.


Contudo, assevere-se que tal exegese não deve ser utilizada quando o autor for Autoridade Policial ou investigador de polícia, vez que, tal ato reveste-se de princípios deontológicos e jurídicos. Senão vejamos: sob o viés da discussão ética, os que se opõem à legitimidade do livre ingresso de Policiais a locais de diversão sem estar efetivamente em serviço, argumentam ser abusiva tal conduta por carecer de justa causa, já que o Policial está em momento de laser e descontração. No entanto, caso contrário, se o Policial estivesse em serviço seria justo seu livre ingresso ao estabelecimento.


Ainda sob esta mesma óptica, validar-se-ia a teoria de que o Policial ao estar se divertindo e acompanhado, às vezes, por parentes e amigos estaria impedido de agir diante de uma situação delituosa, já que estaria presente no local apenas com o intuito de diversão e, por estar acompanhado, isto o obstruiria de exercer ininterruptamente sua função Policial. Deplorável pensar assim.


Acontece que o policial, diferente do civil, tem o dever de agir sempre e em qualquer circunstância e está proibido de se omitir diante de um crime em situação de flagrância. Enfim, mesmo não estando em serviço, deve agir e alterar o resultado de uma situação delituosa, diferente do cidadão comum que pode ou não agir.


Apenas a título ilustrativo, imaginemos que durante a sua folga um policial vá a uma casa de shows e, para ter livre acesso ao local do evento, identifique-se como policial, sendo-lhe franqueado o acesso. No decorrer do evento acontece uma contenda em que vários indivíduos atacam com golpes potencialmente letais outro indivíduo, o qual, indefeso cai ao chão e continua a ser golpeado pelos agressores. Neste momento, o Policial que estava em sua folga, mas identificado como Policial já na entrada do evento, percebe a enorme probabilidade da vítima vir a ficar gravemente lesionada, ou mesmo falecer em virtude da violência do ataque.


Assim, estando em desvantagem numérica, o Policial não age irresponsavelmente partindo para o enfrentamento direto aos agressores, mas aciona os seguranças do evento e também a Central de Polícia, bem como o serviço de socorro para a vítima, evitando assim, que a situação venha a se agravar. Ademais, ainda é possível após a contenção dos agressores, dar-lhes voz de prisão e, com reforço policial, conduzi-los à Delegacia mais próxima para adoção das providências legais cabíveis, atuando como condutor ou testemunha dos fatos. Este exemplo ocorre de fato diuturnamente, só não é divulgado, pois que não rende mídia para imprensa.


Assim, infere-se que o Policial mesmo estando em gozo de sua folga, não deixa de ser Policial e a partir do momento que o mesmo se identifica na entrada de um evento ou de qualquer outro local acessível ao público, em caso de necessidade, passará a ser cobrado pela sociedade, sendo compelido a agir como policial, mesmo não estando em serviço, vez que, para a sociedade ele não é um cidadão comum, mas um Policial que tem o dever de agir diante de um crime. Por isso, um crime envolvendo policial, seja uma discussão no trânsito, nunca é tratado como situação entre civis, há sempre a mídia se reportando à autoridade policial de forma pejorativa, mesmo que não estivesse no exercício de suas funções. Observe os “dois pesos e duas medidas” já que pra prejudicar ele é lembrado como policial em qualquer situação.


Para a sociedade, o Policial ainda deve comportar-se exatamente como um super-herói, devendo estar disponível o tempo todo a fim de atender às mais diversas situações. Quantas vezes, um Policial está em casa, no final de semana em sua folga, e é interrompido por um amigo ou pessoa conhecida que fora vítima de um crime? Por tais razões, não se pode afirmar antiética ou amoral, muito menos, denominar de “carteirada”, o ato de o Policial identificar-se em locais de acesso ao público para ter franqueado o seu acesso, vez que, a partir do momento em que o Policial se identifica, assume publicamente o dever legal de agir na presença de um crime. O policial que se omite ao entrar num evento, optando por não ter o acesso franqueado, esse sim se omite de sua função. Enfim, se é policial, deve agir como tal em toda situação.


Ademais, grandes aglomerações de pessoas trazem potencial perigo de ocorrência de crimes contra a vida e uso de substâncias ilícitas, sendo assim, imprescindível a presença não só de seguranças particulares custeados pelos organizadores de eventos ou proprietários de locais de diversão, mas também de Policiais, principalmente Policiais Judiciários, que representam naquele local os olhos da Lei em sentido amplo. As casas de diversões deveriam insistir para que policiais frequentassem aquele ambiente.


Por este prisma, extrai-se o princípio da onipresença da Polícia, ou seja, a Polícia deve ter conhecimento e estar sempre presente nos locais onde está a sociedade e isto deve acontecer não só de forma preventiva ostensiva, mas também, investigativa, já que particulares não possuem atribuições para fiscalizar irregularidades nem investigar prática de crimes. A Polícia deve ser vista como o Estado e este Estado deve ter autonomia para ingressar em todos os espaços públicos, em detrimento do interesse do particular.


A Polícia deve ser estimulada a estar presente em todos os locais onde potencialmente haja a probabilidade de ocorrências criminógenas e o livre acesso de Policiais a locais públicos ou privados deve ser garantido, não como forma de beneficiar pessoalmente o Policial com o não pagamento do ingresso, mas como forma de garantir a fiscalização e a ação da Polícia, não sendo exigível que o Agente ou Autoridade Policial esteja prove estar em serviço, já que a Polícia é instituição permanente que funciona 24h e sempre está em serviço, em especial a Polícia Civil que investiga à paisana e sem fardamento.


Assim, sob o ponto de vista ético, comungamos do entendimento que o livre ingresso do Policial a estabelecimentos de diversão é uma prerrogativa e não uma graciosidade, tampouco generosidade da iniciativa privada, vez que, no mesmo compasso que o Policial beneficia-se com a gratuidade do ingresso, por outro lado, assume publicamente o ônus legal de agir em caso de necessidade.


Quanto à questão jurídica, esta se reveste ainda mais de argumentos principiológicos que normativos. Depreende-se do Art. 301 do CPP, in verbis:Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito” (grifos nossos), o princípio da inescusabilidade da função policial.


Tal princípio norteia a obrigatoriedade da Autoridade Policial e de seus agentes de agirem na presença de um flagrante delito, independentemente de estar ou não em serviço. A escala de plantão é mero ato administrativo com o fim limitativo de horário normal de trabalho, conforme carga horária estipulada pela CF/88. Não impede a continuidade do exercício das funções policiais judiciárias, a qual pode se dar a qualquer momento. Não há que se falar em policial de folga, já que este sempre está de sobreaviso e jamais pode ausentar-se nem mesmo do seu estado sem comunicação ao superior imediato.


Mesmo a legislação pátria sendo omissa em regulamentar definitivamente o tema, o que acabaria de vez com a polêmica, alguns Estatutos e Leis Orgânicas Estaduais avançaram neste sentido, a exemplo da Lei Orgânica do Estado da Paraíba:


“CAPITULO VI – Das Prerrogativas Funcionais:


Art. 141. O policial civil, no exercício de suas funções, goza das seguintes prerrogativas, dentre outras estabelecidas em lei: VI – livre acesso a locais públicos ou particulares que necessitem de intervenção policial, na forma da legislação; VII – ingresso e trânsito livres em locais de acessibilidade pública, independentemente de prévia autorização ou de verificação de estar em serviço, uma vez que o exercício das funções policiais ocorre em tempo integral e exige dedicação exclusiva, devendo-se apurar a responsabilidade penal do eventual obstrutor da ação policial nesse caso” (grifos nossos).


Tal diploma legal sedimenta o princípio da inescusabilidade da função policial tornando inequívoca a prerrogativa do livre acesso do Policial em locais de públicos, entenda todos aqueles em que há venda de ingresso ao público. Ressalto inclusive a possibilidade de apuração da responsabilidade penal do eventual obstrutor por crime de desobediência já que a não liberação da imediata entrada sem questionamentos trata-se de obstrução da atividade de polícia judiciária.


Não pode existir questionamento se o policial civil está ou não de serviço, pois os policiais judiciários têm dedicação exclusiva e tempo integral, não exercendo jurisdição em sentido estrito, mas circunscrição em todo o país, o que dá a atribuição de, a qualquer hora e lugar do país, repito, entrar em locais de acesso ao público e agir na medida de suas responsabilidades. O limite que define a atribuição do delegado que está fora de sua circunscrição é não poder assinar os autos, mas de resto, faz tudo. Também, o policial civil pode portar arma de fogo em tais lugares, tendo em vista que esta é inerente ao cargo que se exerce, e não à sua pessoa. Se policial, tem que estar preparado para agir. Se policial, deve estar à paisana, como qualquer um do público, tudo com o fim de não ser alvo de perseguição naquele ambiente, daí poder consumir às suas próprias custas naturalmente.


Além do mais, não é atribuição de seguranças privados aferirem o caráter subjetivo da entrada franca armado ou não de um Policial Civil em locais sujeitos a fiscalização da polícia judiciária. Alguns argumentam que a iniciativa privada não teria a obrigatoriedade de franquear o acesso ao Policial, já que, na maioria das vezes o evento é custeado com recursos de origem privada. Se há venda de ingresso, o evento é público já que aberto a qualquer um do povo.


Páira ainda a minha impressão toda pessoal que as casas noturnas usam a sociedade contra a mesma sociedade, já que o termo carteirada que estas casas divulgam na imprensa e reclamam na corregedoria, nada tem a ver com as prerrogativas policiais defendidas aqui. Resta a impressão que os proprietários dessas casas noturnas são favoráveis aos abusos cometidos nas baladas, seja pelos agressivos seguranças particulares, consumo de drogas desenfreado sem fiscalização, abusos cometidos contra menores e incentivos à prostituição.


Assim, cabe aos cidadãos de bem fazer prevalecer o princípio da responsabilidade social pela Segurança Pública, não há que se falar em ônus para a iniciativa privada, ao contrário, a presença de um Policial em seu estabelecimento resguarda a sua responsabilidade para com a incolumidade das pessoas.


Por tudo que foi exposto, posiciono-me no sentido de que o livre ingresso do Policial Civil em casas de shows, cinemas e demais locais de acessibilidade pública não é um mero favor da iniciativa privada, é uma prerrogativa do Policial, amparada pelos princípios supramencionados, bem como, pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, já que o Policial representa, mesmo em momentos de folga, o braço aramado do Estado, pronto para agir e reagir.


9. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Não haverá objetividade nestas conclusões, pois que em uma suposta carta endereçada a um bandido haverá considerações sobre todo o exposto. Segue uma carta fictícia, resultado desta pesquisa, que caso fosse entregue a todos os bandidos e autoridades deste país, tal trabalho teria sido atingido com resultados inimagináveis. Segue abaixo:


Caro Bandido, resta claro que o termo “caro” que uso aqui visa preservar sua imagem, pois que se lhe chamasse de bandido, marginal, delinquente ou outro atributo, estaria ferindo sua dignidade, segundo as entidades de defesa dos Direitos Humanos. Curioso é que você mesmo não dá o mínimo valor para valores morais ou sua própria família.


A princípio, quero externar cumprimentos, pois que na qualidade de Delegado de Polícia, tenho acompanhado inúmeras “conquistas” suas quanto à preservação de seus direitos, ora, a bem da verdade, os cidadãos de bem e minha classe policial estão todos atrelados às suas vitórias, enfim, quanto mais direito você adquire, maior é nossa obrigação de lhe dar segurança e de lhe encaminhar para um julgamento justo, apesar de você nunca ter misericórdia de suas vítimas. Incrível tudo isso. Você entra em uma casa sem respeitar horário e sem avisar; você é mestre em atirar pelas costas e à queima roupa; enquanto isso, o policial perde o emprego e sua dignidade perante a imprensa se agir nos seus moldes, afinal, você não responde corregedoria ou qualquer outro órgão de controle.


Aproveito para informar que continuamos não contrariando a brilhante legislação brasileira, pois o Direito Penal é sim a ciência que ampara o criminoso, assim como o Direito do Trabalho protege o trabalhador. Graças a sua influência, a atividade policial tornou-se enfim um cargo político conforme interesses do Poder Executivo, cujos policiais trabalham cada vez menos, já que têm medo de sofrerem represálias do vereador ou daquele deputado da situação. Aplausos aos que não querem dar autonomia e inamovibilidade aos profissionais de segurança pública.


É notório que hoje em dia você tem mais atenção do que muitos cidadãos de bem, veja bem, no passado você se escondia quando avistava uma viatura, já hoje, você atira, porque sabe que numa troca de tiros o policial sempre responderá por revidar. Em casos de bala perdida, a arma do policial é a primeira a ser periciada. Nem algemas você usa mais, como se eu pudesse te conduzir com os olhos. Pasmem. Nas celas, reclama que não tem dependência digna para ser ressocializado. Porém, sei que são construídas mais penitenciárias do que escolas ou hospitais, isto é, gastamos mais dinheiro para você aprender a respeitar o próximo com honestidade do que com as pessoas de bem que pagam seus impostos.


Você, como “profissional do crime”, é sim um especialista, quando mantém um refém destrói toda uma família e faz tantas exigências que deixam qualquer grevista envergonhado. Se é abatido numa ocorrência dessa magnitude, ainda cabe a discussão se era ou não necessária ceifar a sua vida bandida por uma família de bem. E dale punição aos policiais que conduziram esta triste ocorrência.


A vítima nunca conta com defensor público à disposição em uma delegacia, já você sempre conta com a presença de rol advogados 24 horas por dia. A imprensa nem entrevista a vítima, mas sua oitiva é sempre imprescindível e daí você clama pela forma como foi conduzido e interrogado. Colete à prova de balas para bandidos se deslocarem sempre tem, já policiais revezam os que sobraram. Todas as autoridades do sistema querem posar nas fotos ao seu lado e por isso saem de seus gabinetes para protegê-los, mas raros os que atendem as vítimas sem marcar audiência a posteriori.


De fato, você é de uma importância que foge a minha compreensão porque, enquanto mero Delegado, ainda priorizo as vítimas e atendo todos sem qualquer distinção. Não tenho preconceito de vestimenta em meu gabinete. Não me reporto a assessores. Curioso é que as pesquisas apontam que o Delegado, o único do sistema que atende 24 horas e pessoalmente a população, é o mais rechaçado por ela. Preferem aplaudir outras autoridades que ficam em seus gabinetes e têm motoristas sem qualquer contato direto com o povo. Inversão de valores. 


Resta fazer votos para que seus direitos de marginal não se ampliem, pois nossa obrigação aumentará para garantir seus direitos. Não quero direito de exterminar, não exerço cargo de carrasco nem de jagunço mas, enquanto profissional da segurança pública, sonho sim em ver legisladores mais atentos às pessoas de bem e afastando cada vez mais a política da atividade policial.


Vários policiais sucumbiram devido ao excesso de proteção aos seus direitos. Deixaram de agir apavorados com a possível punição. Confiaram em pessoas como você, sem escrúpulos. Outros tantos foram corrompidos e passaram a ser bandidos como você, pois concluíram que seria “carreira mais próspera”. Rogo por dias melhores pois continuo de pé e sem esmorecer, mas deixo claro que trabalho em prol de pessoas de bem que agregam valor para a sociedade. Acredito na instituição família e também na educação como indispensáveis ao processo de prosperidade deste país. Ao bandido que tiver que partir, não há qualquer violação aos Direitos Humanos, afinal, morrerá em pleno exercício de seus direitos e lembre-se mil acasos me levam a você.


 


Referências bibliográficas

LEI ORGÂNICA DO POLICIAL CIVIL DO ESTADO DA PARAÍBA. Art. 141.

NUCCI, Guilherme de Souza. MANUAL DE PROCESSO PENAL E EXECUÇÃO PENAL. 3ª Ed., pág. 553, 2009.

PEREIRA, Maurício Henrique Guimarães. HABEAS CORPUS E POLÍCIA JUDICIÁRIA. P. 233-234

RANGEL, Paulo. CONTROLE EXTERNO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. P. 94, 2009.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Paixão Caetano

Professor de Ciências Criminais. Delegado de Polícia Judiciária Civil. Mestrando em Direito Ambiental Especialista em Direito Público Pós-graduado em Direitos Difusos e Coletivos em Segurança Pública Especialista em Direito Penal e com certificação de MBA Executivo em Negócios Financeiros


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