Prescrição no dano ambiental

Resumo: O presente artigo pretende o enfrentamento da incidência do instituto prescricional no que tange à pretensão que nasce da responsabilidade civil ambiental. Para tanto, enfrentará os elementos conceituais aplicáveis, cotejará com a doutrina e a jurisprudência e estabelecerá filtros pelos quais, enfrentados os casos, poder-se-á estabelecer da incidência ou não do instituto prescricional.

Palavras-chaves: Direitos Fundamentais, Responsabilidade Civil, Dano Ambiental, Prescrição

Abstract: This article aims to combat the incidence of the Institute of limitations with respect to the claim that arises from environmental liability. To do so, face the conceptual elements applicable, collate with the doctrine and jurisprudence and establish filters for which, facing cases, it may be drawn in the incidence or not limitation of the institute.

Keywords: Fundamental Rights, Liability, Environmental Damage, Prescription

Sumário: Introdução. Prescrição, conceito. A prescrição no Código Civil. Dano Ambiental. A prescrição do Dano Ambiental. Conclusões. Referências.

Introdução

Em uma análise preliminar, o problema em estudo parece ser de tranquila dedução e fácil resolução no plano material. Ledo engano. Não há uniformidade entre os doutrinadores estudados acerca da incidência da prescrição na reparação do dano ambiental.

Ao estudar o instituto da prescrição, com as inovações trazidas pelo Código Civil vigente, e seus modernos conceitos aportados a contar de então, nos deparamos com um questionar cartesiano: pode-se falar em prescrição do dano ambiental ou esse instituto não se aplica à reparação do dano ambiental ?

E, para a solução da questão, inclusive para uma tomada de posição a respeito, mostrou-se necessário enfrentar os marcos conceituais da prescrição, sua vigência no novo código civil, os marcos conceituais do dano ambiental, bem como a incidência da prescrição no dano ambiental, com o enfrentamento doutrinário diverso acerca de tal, para tão logo falar da posição do STJ e o TJRS a respeito.

Dessa leitura e análise de textos e julgados, foi possível chegar-se a conclusão adiante posta.

Prescrição: Conceito

É fato, estabelecer um conceito hermético sobre o instituto da prescrição não é fácil e, tampouco, exaustivo em face de que se trata – aliás sempre se tratou desde o código de 16 – de questão deveras controvertida no plano doutrinário que, por vezes, estabelecia verdadeira confusão com o instituto da decadência.

Basta ver, nesse sentido, que o conceito primário adotado para o instituto da prescrição de que “se refere à perda da ação e a decadência à perda do direito", não permite um corte dicotômico entre os dois institutos a ponto de fazer a efetiva e necessária distinção, justamente porque "carece de um elemento científico em sua conceituação" (YENOMOTO, 1997), ou seja, não considera a distinção fundamental do termo ação", que foi utilizado de forma indistinta, posto que possa ser analisado no sentido processual ou no sentido material (atividade).

A doutrina aponta a origem do termo prescrição na palavra latina praescriptio, derivação do verbo praescribere, que significa "escrever antes", na lição de Maria Helena Diniz, remontando às ações temporárias do direito romano.

Para Clóvis Bevilácqua a “Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo.”

Para Caio Mário, a “prescrição é o modo pelo qual se extingue um direito (não apenas a ação) pela inércia do titular durante certo lapso de tempo.”

Pelas definições, já se inicia a polêmica em torno do tema. Para uns a prescrição extingue a ação, enquanto que outros, direito de ação.

Essa confusão doutrinária veio ser esclarecida pelo legislador do Código de 2002 o qual deixou claro que a prescrição atinge a pretensão, segundo a regra do artigo 189, verbis

“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

Portanto, o novo código veio, afastando a confusão, estabelecer que a prescrição fulmina a pretensão, que é o direito subjetivo de buscar a tutela de algum direito material violado e é justamente por isso que, em virtude de que na prescrição o direito já é efetivo e na decadência precisa de uma afirmação, que se diz que a prescrição somente é aplicável nas ações de sentença com efeito condenatório e a decadência, por se tratar de direitos potestativos, somente é aplicável nas ações com cunho constitutivo.

Sérgio Porto refere, aliás, que com o advento do vigente Código Civil:

"a prescrição atinge a pretensão, que não surge senão por ocasião da violação do direito e cujos prazos se encontram sistematicamente previstos na Parte Geral, enquanto que decadência se verifica quando o próprio direito subjetivo não é exercido nos prazos previsto 'pari passu' na Parte Especial”

Logo, parece que a confusão outrora vigente no plano doutrinário acerca dos institutos da prescrição e da decadência restou afastada pelo novo sistema adotado pelo vigente diploma civil, inclusive estando os prazos prescricionais definidos taxativamente na Parte Geral e estão vinculados à violação de um direito, da qual nasce uma pretensão, enquanto que os decadenciais "serão definidos complementarmente ao dispositivo que regrar o direito potestativo cujo exercício é condicionado no tempo” (PORTO, 2001)

Essa posição toma por base a classificação dos direitos desenvolvida por Chiovenda (apud Sérgio Porto): a) direitos sujeitos a uma obrigação, previstos no Código Alemão sob a denominação de pretensão, e b) direitos potestativos, em que o agente pode influir na esfera de interesses de terceiro, independentemente da vontade deste, p. ex., para anular um negócio jurídico. Os primeiros são defendidos por meio de ação condenatória, pois a parte contrária deverá se sujeitar a cumprir uma obrigação; os segundos são protegidos por ação constitutiva, por meio da qual haverá a modificação, formação ou extinção de estado jurídico, independentemente da vontade da parte contrária.

Poder-se-ía ir mais longe para, por exemplo estabelecer que na decadência, o prazo não se interrompe tampouco se suspende, pela regra do art. 207 do CC, correndo mortal contra tudo e contra todos sendo, inclusive, irrenunciável porque indisponível, pela regra do art. 209 do CC. Já a prescrição pode ser renunciada, pode ser suspensa e pode ser interrompida.

Ainda, a fonte prescricional é legal e a decadencial pode ser legal ou volitiva (testamento e/ou contrato).

Segundo Maria Helena Diniz as diferenças básicas entre decadência e prescrição são as seguintes:

“A decadência extingue o direito e indiretamente a ação; a prescrição extingue a ação e por via obliqua o direito; o prazo decadencial é estabelecido por lei ou vontade unilateral ou bilateral; o prazo prescricional somente por lei; a prescrição supõe uma ação cuja origem seria diversa da do direito; a decadência requer uma ação cuja origem é idêntica à do direito; a decadência corre contra todos; a prescrição não corre contra aqueles que estiverem sob a égide das causas de interrupção ou suspensão previstas em lei; a decadência decorrente de prazo legal pode ser julgada, de oficio, pelo juiz, independentemente de argüição do interessado; a prescrição das ações patrimoniais não pode ser, ex oficio, decretada pelo magistrado; a decadência resultante de prazo legal não pode ser enunciada; a prescrição, após sua consumação, pode sê-lo pelo prescribente; só as ações condenatórias sofrem os efeitos da prescrição; a decadência só atinge direitos sem prestação que tendem à modificação do estado jurídico existente.”

Diante disso, posta a distinção dos institutos, é importante estabelecer o conceito clássico do instituto da prescrição. Nesse sentido, o conceito de Câmara Leal (apud Sérgio Porto): “extinção de uma ação ajuizável em virtude da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”.

Estabelecido o marco conceitual, impende agora verificar a disciplina da prescrição posta no sistema legal pelo atual código Civil.

A Prescrição no Código Civil

O instituto prescricional, assim como a decadência, passou a ser tratado de forma expressa em um capítulo próprio do código civil vigente. Trata da prescrição, assim como da decadência, em seu art. 189 ao 211, todos referentes ao “Título IV” do “Livro III” de sua “Parte Geral”.

Buscando otimizar a construção do artigo, até porque o objetivo é o enfrentamento da prescrição no dano ambiental, é que se passa a uma análise objetiva acerca da prescrição e seu regramento pelo atual código civil.

Guardando a construção doutrinária a prescrição apresenta-se como Extintiva que, como o próprio nome indica, faz desaparecer direitos. É a prescrição propriamente dita, tratada no novo Código Civil, na parte geral, aplicada a todos os direitos. Já a prescrição intercorrente é a prescrição extintiva que ocorre no decurso do processo, ou seja, já tendo o autor provocado a tutela jurisdicional por meio da ação. Obviamente, se autor utiliza a ação para fugir à prescrição e, já sendo processada essa ação, o processo ficar paralisado, sem justa causa, pelo tempo prescricional, caracterizada está a desídia do autor, a justificar a incidência da prescrição. Quanto a prescrição aquisitiva pode-se estabelecer que corresponde a usucapião, previsto no novo Código Civil, na parte relativa ao direito das coisas, mais precisamente no tocante aos modos originários de aquisição do direito de propriedade. Está prevista também nos arts. 183 e 191 da Constituição Federal de 1988, continuando restrita a direitos reais. Já a ordinária é aquela cujo prazo é genericamente previsto em lei. No Código Civil de 2002 o prazo genérico encontra-se previsto no art. 205, que confirmou a tendência de diminuição do prazo prescricional (de 20, 15 ou 10 anos para 10 anos), além de acabar com o tratamento diferenciado entre ações pessoais e ações reais. Já a especial, os prazos prescricionais são pontualmente previstos. No Código Civil de 2002 disciplina a prescrição especial no art. 206, merecendo destaque o prazo prescricional de três anos (§ 3°) relativo à pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa (inciso IV) e à pretensão de reparação civil (inciso V).

A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita, conforme dispõe o art. 193 do Código Civil de 2002. Logo, poderá ser argüida em qualquer fase, na segunda ou primeira instância, mesmo que não levantada na contestação. Porém, se não alegar de imediato, ao réu não caberá honorários advocatícios em seu favor, ex vi art. 22 do Código de Processo Civil.

A regra geral comporta exceções. Na fase de liquidação da sentença é inadmissível a alegação de prescrição, que deve ser objeto de deliberação se argüida na fase cognitiva do processo. A prevista no art. 741, inciso VI, do Código de Processo Civil, que pode ser alegada mesmo na fase de execução, é a prescrição superveniente à sentença que se trata de outro tipo prescricional desimportante por ora.

Tampouco é admissível a alegação em sede de recurso especial ou extraordinário, ou em ação rescisória, se não foi suscitada na instância ordinária por falta de prequestionamento.

A prescrição só poderá era argüida pelas partes, exceto se for reconhecida no interesse de absolutamente incapazes, quando poderá fazê-lo o juiz, de ofício.

O ministério público, em nome do incapaz ou dos interesses que tutela, e o curador da lide, em favor do curatelado, ou o curador especial, também poderão invocar a prescrição.

Entretanto o ministério público não poderá argüi-la, em se tratando de interesse patrimonial, quando atuar como fiscal da lei.

As causas que impedem ou suspendem estão elecandas nos arts. 197 a 201 e as que interrompem nos arts. 202 a 204, todos do Código Civil de 2002. E aplicam-se tanto à prescrição extintiva, quanto à aquisitiva.

Ambos fazem cessar, temporariamente, o curso da prescrição. Uma vez desaparecida a causa de impedimento ou da suspensão, a prescrição retoma seu curso normal, computado o tempo anteriormente decorrido, se este existiu.

Nos casos de impedimento, mantém-se o prazo prescricional íntegro, pelo tempo de duração do impedimento, para que seu curso somente tenha início com o término da causa impeditiva. Nos casos de suspensão, nos quais a causa é superveniente ao início do decurso do prazo prescricional, uma vez desaparecida esta, o prazo prescricional retoma seu curso normal, computando-se o tempo verificado antes da prescrição.

O estatuto civil não faz distinção entre impedimento e suspensão, que é feita pela doutrina. Ou preexiste ao vencimento da obrigação o obstáculo ao início do curso prescricional, e o caso será de impedimento, ou se esse obstáculo surge após o vencimento da obrigação e durante a fluência do prazo, ocorrendo nessa hipótese a suspensão da prescrição.

Segundo o art. 197 do Código Civil de 2002, não corre a prescrição entre cônjuges na constância da sociedade conjugal; entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Estão presentes a confiança e a amizade.

Não corre a prescrição, ainda, contra todos na condição suspensiva, estando o prazo ainda vencido, pendendo evicção, conforme o art. 199 do Código Civil de 2002.

Em relação à interrupção da prescrição, que se dará apenas uma única vez, de acordo com o art. 202 do Código Civil de 2002, quando houver qualquer comportamento ativo do credor, destacando-se que a citação válida interrompe a prescrição, não mais se considerando interrompida a partir da propositura da ação, mas sim retroagindo ao despacho do juiz que ordenar a citação.

Jurisprudencialmente, tem-se entendido a retroação à data da distribuição pois o entendimento é que não se pode atribuir ao jurisdicionado a “culpa” pela morosidade jurisdicional, sendo prejudicado pela fluência do prazo prescricional sem qualquer possibilidade de interrompê-lo até que o Julgador proceda no primeiro despacho.

Portanto agora, o simples despacho, ou como muitos entendem à luz do art. 219, § 1º do Código de Processo Civil, a distribuição protocolar, é suficiente para interromper a prescrição.

Agora, se o juiz demora a despachar a inicial e operara-se a prescrição, não poderá ser alegada, conforme súmula 106 do STJ.

Portanto agora, o simples despacho, ou como muitos entendem à luz do art. 219, § 1º do Código de Processo Civil, a distribuição protocolar, é suficiente para interromper a prescrição.

Este é, em síntese apertada, o regramento vigente para o instituto prescricional segundo o código civil que, adequando-se a realidade social, ora aumentou o número de casos prescricionais, ora reduziu os prazos prescricionais, ora procedeu a alterações terminológicas mas, de fato, deixou o instituto bem mais claro e inteligível do que posto no diploma de 16.

Dano Ambiental

Em uma visão acadêmica da responsabilidade civil brasileira, trata-se de instituto que pressupõe a existência de um dano, que é um prejuízo a terceiro, que enseja pedido de reparação consistente na recomposição do status quo ante (natureza reparatória) ou numa importância em dinheiro (natureza compensatória).

Além, pressupõe a culpa do autor do dano que é a violação de um dever jurídico, podendo ser contratual (violação de um dever estabelecido em um contrato) ou extracontratual (violação de um dever legal, que independe de uma relação jurídica preexistente). Mais, também como pressuposto, o nexo causal entre o dano e o fato culposo.

Contudo, quando a natureza do direito passa a ser o ambiental, em função de suas particularidades não se enquadrarem às regras clássicas, a responsabilidade subjetiva foi substituída pela objetiva, fundamentada no risco da atividade. Logo, pela teoria do risco integral, qualquer fato, culposo ou não, que cause um dano, impõe ao agente a reparação, pois este assume os riscos de sua atividade.

Paulo Bessa Antunes afirma que dano é o prejuízo (uma alteração negativa da situação jurídica, material ou moral) causado a alguém por um terceiro que se vê obrigado ao ressarcimento.

A doutrina civilista tem entendido que só é ressarcível o dano que preencha aos requisitos da certeza, atualidade e subsistência.

Porém, o dano ambiental, afirma Bessa Antunes, é o prejuízo ao meio ambiente e por isso, relativiza essa concepção civilista.

Édis Milaré, por seu turno, ensina que:

"dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida"

Em outras palavras, o dano ambiental precisa degradar o meio ambiente (sentido amplo) ou seus elementos naturais (sentido estrito) para assim ser conceituado.

No que concerne ao dever indenizatório, com prudência Milaré afirma:

“a reparação ao dano ambiental é a reconstituição do meio ambiente agredido, cessando-se a atividade lesiva e revertendo se a degradação ambiental. Apenas quando essa recuperação não for viável é que se admite indenização em dinheiro.”

Essa análise se mostra presente ao se estudar o direito civil obrigacional, onde se tem contato com as obrigações compostas pela multiplicidade de elementos constitutivos. Dentre elas, as obrigações complexas pela multiplicidade de prestações, em que o devedor de duas ou mais prestações, da obrigação se desonera ao entregar qualquer uma à sua escolha (alternativa), uma em substituição da outra quando esta se tornar impossível (facultativa) ou todas as prestações porque todas são devidas (cumulativas). Assim, tipificado o dano, importante é que se diga, que o dever decorrente é fonte de uma obrigação de cunho facultativo, ou seja, de multiplicidade de objetos no vínculo, mas a alternância está afastada, ou seja, não cumpre prestar a indenização pecuniária porque não há ato volitivo possível para a escolha nesse sentido, mas sim a reparação da degradação, sendo a indenização possível somente quando essa reparação mostrar-se impossível.

Por isso, e dessa leitura, é importante para o presente artigo, a figura do dano, sua concretude e extensão de seus efeitos pois,

"pode designar não somente o dano que recai sobre o patrimônio ambiental que é comum à coletividade, mas também se refere ao dano por intermédio do meio ambiente ou dano ricochete a interesses legítimos de uma determinada pessoa, configurando um dano particular ( … )” (MORATO LEITE)

Neste sentido, Eros Grau expõe que o conceito consagrado no direito brasileiro é amplo (art. 30. I da Lei 6.938/81), envolvendo o meio ambiente natural, que inclui os chamados recursos naturais, integrantes da biota, e o meio ambiente cultural ou artificial, que inclui outros valores, como estéticos, históricos, turísticos e culturais (stricto sensu), que, como reza a lei "permitem, abrigam e regem a vida em todas as suas formas".

Como cita Priscila Kutne Armelin[1]:

“Adota o Direito Brasileiro a teoria do risco, por ser a que mais corresponde com a questão ambiental, é o que estabelece a Lei 6.938/81, artigo 14, § 1º e o artigo 225, § 3° da Carta Magna, que prevê a responsabilidade objetiva a todos os danos ambientais, alcançando tanto a pessoa física como a jurídica, ao estipular a indenização ou reparação "independentemente da existência de culpa". Importa, ainda, verificar a classificação do dano, que terá reflexo na questão da prescrição. Em virtude dos efeitos do dano ambiental alcançar não apenas o homem, mas também o ambiente ao seu redor, a Lei 6.938/81, em seu art. 14, § 1°, prevê, além da responsabilidade objetiva, a indenização ou reparação dos "danos causados ao meio ambiente e a terceiros".

Segundo a lição de Milaré o dano ambiental pode ser classificado em: a) coletivo, que seria o dano causado em sua concepção difusa, no sentido de patrimônio coletivo, sendo que eventual indenização destina-se a um Fundo (Federal ou Estadual) para recuperar o meio ambiente; b) individual, causado à pessoa e seus bens, sendo que eventual indenização incorpora o patrimônio da vítima. Reforça que há autonomia entre os danos, mesmo que decorrentes de uma mesma causa, pois um fato pode ensejar ofensas a interesses difusos e individuais.

Diante disso, vê-se que quando se trata de dano ambiental, não basta a singela relação da redução patrimonial, vincada na concepção patrimonialistas do código de 16. O enfrentamento é outro pois, como visto, o dano passa a ser entendido com a redução e o prejuízo no direito transgeracional, individual e/ou coletivo, bem como os riscos de dano que a ação, ativa ou omissiva, possa produzir e, como se dirá adiante, quer parecer que é exatamente aqui que confunde-se a doutrina acerca do problema da incidência do instituto prescricional quando se trata de direito ambiental.

Assim, ao enfrentamento.

A prescrição do Dano Ambiental

Estabelecidas as limitações preliminares, cumpre o enfrentamento do objeto do presente artigo, qual seja, há prescrição da pretensão indenizatória do dano ambiental?

Apressadamente a doutrina civilista entende que o dano ambiental, por não se tipificar com apropriável não está jungido à categorias dos direitos prescritíveis.

Nesse sentido Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery, de maneira categórica asseveram que “não se aplica à pretensão de indenização do dano ambiental o regime da prescrição” e o fundamento, em regra, estabelece-se que o ambiente não pode ser patrimonializado como o são todos os demais direitos sujeitos ao regime prescricional por ser, aliás, de ordem publica e, portanto, totalmente imprescritíveis.

Poder-se-ia, ainda, estabelecer a favor da imprescritibilidade que não se trata de um direito civil e que, por isso, não sujeito às suas regras prescricionais previstas pelo diploma civil e considerando, ainda que não há regramento específico para prescrição na legislação ambiental.

Ou ainda que, por se tratar de um interesse difuso e coletivo, falta a titularidade do direito perfeitamente identificada o que leva à conclusão de que não se tratam de direitos prescritíveis em face de que esse instituto caracteriza-se pela inércia do seu titular e, afastada a titularidade, afasta-se por consequência também a prescrição.

Porém, impende referir que não há uma posição doutrinária uníssona acerca da incidência da prescrição na reparação do dano ambiental sem contar que, como refere Paulo de Bessa Antunes, “tem sido pouco tratada pela doutrina mais abalizada”.

Vale referir também quando refere-se a doutrina o faz de maneira superficial e sem um enfrentamento conjuntural. Em regra, e quando se trata, o estudo é conduzido basicamente e sem maiores responsabilidades no sentido da imprescritibilidade, pois:

“Trata-se de bem essencial, como denuncia o art. 225, caput, da Constituição Federal, de modo a ser inconcebível a existência digna de um indivíduo (art. 1°, III, CF) se ele não tiver ao seu alcance um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Dessarte, dada a natureza jurídica do meio ambiente, bem como o seu caráter de essencialidade, as ações coletivas destinadas à sua tutela são imprescritíveis.” (Fiorillo)

Porém, essa posição não pode, de fato, ser tão simplista assim. É que, a nosso ver, a conclusão sobre a incidência ou não do instituto prescricional precisa de análise pontuada e detida caso a caso.

Como refere Milaré, é preciso fazer um corte cartesiano para saber se o dano ambiental produzido atinge direito coletivo ou individual. Nesse sentido, verbis:

“Conforme salientamos alhures, o Direito enxerga o dano ambiental sob dois aspectos distintos: a) o dano ambiental coletivo, dano ambiental em sentido estrito ou dano ambiental propriamente dito, causado ao meio ambiente globalmente considerado, em sua concepção difusa, como patrimônio coletivo, e b) o dano ambiental individual ou dano ambiental pessoal, sofrido pelas pessoas e seus bens. Assim é porque um mesmo fato pode ensejar ofensa a interesses difusos e individuais, como ocorre, por exemplo, com a contaminação de um curso d"água por carreamento de produto químico nocivo. Ao lado do dano ecológico puro ou coletivo identificado, poderão coexistir danos individuais em relação aos proprietários ribeirinhos que tenham suportado a perda de criações ou se privado do uso da água comum contaminada…. De fato, o estabelecimento de um prazo para o ajuizamento da ação tendente à composição da lesão ambiental resulta por completo inadequado para o sistema de prescrição.”

Assim, o que pretende é demonstrar uma dicotomia em que em se tratando de direitos coletivos, por não haver disciplina no plano processual e material especifica, insere-se na modalidade das ações imprescritíveis exatamente pela ausência da titularidade específica do direito violado.Nesse sentido, parece bastante plausível sua conclusão pois e, para tanto, fundamenta-se na doutrina de Nelson e Rosa Nery, in literis:

“Como os direitos difusos não tem titular determinável, não seria correto transportar-se para o sistema da indenização dos danos causados ao meio ambiente o sistema individualístico do Código Civil.”

E é evidente que mostra-se correta a afirmativa de Milaré pois, de fato, todas as pretensões tuteladas por ações civil pública estão afetas a direitos difusos e coletivos, em regra fundamentais, e que, portanto, não possuindo a natureza jurídica de direitos disponíveis, tendo como decorrência lógica a não-suscetibilidade da incidência do instituto prescricional justamente porque este caracterizada pela disponibilização de um direito pelo seu titular ante a inércia temporal.

Nessa análise, de direitos coletivos atingidos, a posição jurisprudencial caminha no conforto da tese suscitada.

A Ministra Eliana Calmon, ao relatar o REsp n. 1.120.117, após de forma brilhante discorrer sobre a omissão da Lei da Ação Civil Pública para a prescrição, pontualmente sobre esse instituto, bem como sobre a figura do dano ambiental e a responsabilidade dai decorrente, estabeleceu seu entendimento no sentido da imprescritibilidade do dano ambiental quando este for o objeto da Ação Civil Publica, verbis:

“2.4. Imprescritibilidade do dano ambiental

Diante desse arcabouço jurídico, resta definirmos qual o prazo prescricional aplicável aos casos em que se busca a reparação do dano ambiental.

Sabemos que a regra é a prescrição, e que o seu afastamento deve apoiar-se em previsão legal. É o caso da imprescritibilidade de ações de reparação dos danos causados ao patrimônio público, regra prevista na Constituição Federal de 1988, no art. 37, § 5º.

Entretanto, o direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, também está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial a afirmação dos povos, independentemente de estar expresso ou não em texto legal.

Sobre o tema, pertinente a lição de Hugo Nigro Mazzili:

Em questões transindividuais que envolvam direitos fundamentais da coletividade, é impróprio invocar as regras de prescrição próprias do Direito Privado. O direito de todos a um meio ambiente sadio não é patrimonial, muito embora seja passível de valoração, para efeito indenizatório; o valor da eventual indenização não reverte para o patrimônio dos lesados nem do Estado: será destinado ao fundo de que cuida o art. 13 da LACP, para ser utilizado na reparação direta do dano. Tratando-se de direito fundamental, indisponível, comum a toda a humanidade, não se submete à prescrição, pois uma geração não pode impor às seguintes o eterno ônus de suportar a prática de comportamentos que podem destruir o próprio habitat do ser humano.

Também a atividade degradadora contínua não se sujeita a prescrição: a permanência da causação do dano também elide a prescrição, pois o dano da véspera é acrescido diuturnamente.

Em matéria ambiental, de ordem pública, por um lado, pode o legislador dar novo tratamento jurídico a efeitos que ainda não se produziram; de outro lado, o Poder Judiciário pode coibir as violações a qualquer tempo. A consciência jurídica indica que não existe o direito adquirido de degradar a natureza. É imprescritível a pretensão reparatória de caráter coletivo, em matéria ambiental. Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras.

Como poderia a geração atual assegurar o seu direito de poluir em detrimento de gerações que ainda nem nasceram?! Não se pode dar à reparação da natureza o regime de prescrição patrimonial do direito privado.

A luta por um meio ambiente hígido é um metadireito, suposto que antecede à própria ordem constitucional. O direito ao meio ambiente hígido é indisponível e imprescritível, embora seja patrimonialmente aferível para fim de indenização. (in A Defesa dos Direitos Difusos em Juízo, 19ª ed., rev. e ampli. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, págs. 540-541, grifei)

No conflito entre estabelecer um prazo prescricional em favor do causador do dano ambiental, a fim de lhe atribuir segurança jurídica e estabilidade, com natureza eminentemente privada, e tutelar de forma mais benéfica bem jurídico coletivo, indisponível, fundamental, que antecede todos os demais direitos – pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer –, este último prevalece, por óbvio, concluindo pela imprescritibilidade do direito à reparação do dano ambiental.”

Todavia, e em contrapartida, vaticina Milaré que há sim incidência do instituto prescricional quando se tratam de direitos individuais atingidos por danos reflexos ou, como diz Milaré, “ao microbem ambiental”.

É o caso, por exemplo, de pescadores atingidos por reflexos em uma contaminação de um determinado estuário que, ao deixarem transcorrer in albis o prazo prescricional, não podem alegar a imprescritibilidade do dano ambiental ensejador do dever de responsabilidade justamente porque no exemplo, há a perfeita identificação da titularidade do direito violado.

Não se pode perder de vista um primado maior que é a razão do direito como um todo.

O conceito de direito, dentre os diversos apontados pela doutrina guarda estreita relação, correspondente, a uma técnica de resolução de conflitos tendente à pacificação social.

No direito civil, o objetivo é neutralizar os conflitos de interesses surgidos entre particulares. Nesse contexto, muitas vezes o tempo é considerado como um aliado, no sentido de que seu decurso influencia a aquisição e a extinção de direitos, no sentido de manter situações já consolidadas, muito embora importem no convalescimento de uma violação ao direito subjetivo do particular.

Dito de outra forma, o direito tem um prazo a ser exercitável, não podendo ser eterno, sujeitando-se, pois, à prescrição ou à decadência pois é justamente no intuito de preservar a paz social, a tranqüilidade da ordem jurídica, a estabilidade das relações sociais que devemos buscar o fundamento dos institutos da prescrição e da decadência.

Entre os direitos fundamentais elencados no art. 5° da CF/88, há o direito à segurança jurídica, colocada em um patamar mais alto do que o princípio da justiça. O instituto prescricional é aliado exatamente dessa segurança jurídica. Logo, tanto a prescrição quanto a decadência são efeitos do decurso de tempo, cujo prazo é fixado em lei, aliado ao desinteresse ou inércia do titular do direito, nas relações jurídicas, sendo institutos criados pelo direito para servir de instrumento à consecução do objetivo maior: a resolução de conflitos, com a conseqüente pacificação social.

Nesse sentido Bessa Antunes pontua o confronto da tese e estabelece que:

“O Supremo Tribunal de Justiça entendeu que, nos casos individuais, uma vez que o autor esteja cientificado da lesão e do seu autor, contra si começa a fluir o prazo prescricional. Em se tratando das ações coletivas, isto é, das ações civis públicas, não vejo porque a situação deva merecer tratamento diferente. Em primeiro lugar, há que se considerar que, na forma do art. 5° da Lei 7347/85, existe previsão legal para a legitimidade ativa de toda uma infinidade de autores, legitimidade esta que tem sido ampliada pelos tribunais desde há muito tempo. Assim, o temor de que o bem jurídico meio ambiente fique desprotegido é, evidentemente, despropositado. Entretanto, não é despropositado o temor de que a manutenção de questões abertas e sem definição legal clara possam desequilibrar relações jurídicas e violar os preceitos de justiça que devem informar à ordem jurídica.”

E encerra:

“O importante da manutenção da possibilidade teórica da ocorrência da prescrição é assegurar que o equilíbrio jurídico não seja quebrado, garantindo a existência do preceito de justiça que, ante a existência da responsabilidade objetiva, sofre uma transmutação significativa. Romper a barreira prescricional seria, no caso concreto, estabelecer um nível insuportável de falta de isonomia, com graves reflexos para a vida do direito e, reflexamente, para a atividade econômica.”

Como dito, o dissenso doutrinário mostra-se bastante claro. Mas não só sob esse prisma, como também não se pode perder de vista que a questão também repousa sobre os efeitos temporais do dano ambiental o que deixa transparecer sua imprescritibilidade pela pretensão da proteção transgeracional dos direitos fundamentais.

É que quanto a produção dos efeitos, é possível verificar, quanto aos danos ambientais, que os mesmos correspondem a uma lesão que pode se apresentar de trato continuado, por um ou mais autores, conjunta ou separadamente, inclusive provenientes de atos humanos praticados em diversas oportunidades o que se conhece por danos continuados (MORATO LEITE).

Lógico que essa premissa faz sumir por completo a incidencia do instituto prescricional pois, como dito alhures, o dano precisa ser perfeitamente identificado e apontado para, derivado de uma conduta, culposa ou não, estabelecer o nexo causal entre a conduta e o dito dano, ou melhor, na espécie, seus efeitos que projetam-se, pela continuação, no limite temporal.

É o que ensinam Nelson Nery e Rosa Maria Nery:

“Pode ocorre, ainda, hipóteses em que o dano vem se verificando no correr do tempo, sem solução de continuidade, de sorte que ainda mio se extinguiu. Isto traz a conseqüência de não poder ser determinado. Ainda, o dies a quo de prazo prescricional. Isto porque os danos continuam a ser perpetrados, de sorte que não há falar-se em prescrição, mesmo porque não se tem como dar por iniciado o termo do prazo prescricional, admitindo-se, por amor ao argumento. seja prescritível o direito à indenização pelos danos causados ao meio ambiente.”

Buscando uma analogia para argumentação, seria exatamente a ausência de termo inicial de um prazo prescricional em um crime continuado.

Some-se a essa extensão temporal o fato de que os danos podem surgir aos poucos em conseqüência da poluição, podendo levar anos para apresentar o seu agravamento e dimensionamento como dano.

Portanto, quer parecer que, sob este enfoque, o enfrentamento da incidência do instituto prescricional não passa, a priori, pela natureza jurídica do dano (ambiental ou civil), ou pela ausência de regramento específico, ou, ainda, pela natureza do direito tutelado (propriedade ou público).

Nesse sentido, aliás, a posição do TJRS, verbis:

“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. Não há prescrição da ação civil pública de responsabilidade por danos ambientais, porque o dano se renova dia a dia. Evidente a legitimidade do Ministério Público para promover a ação, de acordo com o art. 1º, I, da Lei nº 7.347/1985. A empresa recorrente é apontada como a responsável pela construção dos dutos onde se deu o derramamento de óleo que provocou o dano ambiental que a demanda pretende reprimir. Legitimidade para figurar no pólo passivo da ação civil pública. Responsabilidade que somente pode ser afastada quando da coleta da prova. Existência de nexo causal entre o noticia do dano e a conduta da recorrente. Pedido que aponta com precisão a causa de pedir (dano ambiental consistente em derrame de óleo cru) e pedido (indenização dos agentes poluidores). Possibilidade do pedido e descabimento do chamamento ao processo do Município de Tramandaí e seu órgão ambiental. Agravo desprovido” (Agravo de Instrumento Nº 70044613008, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 29/02/2012).– grifos nossos

Antes, e por aqui, quer parecer que o cerne da questão está em estabelecer o vínculo entre o dano e a conduta e, para tanto, imperioso exatamente é o enfrentamento do dano quando este for aferível e delimitado pois, somente quando cessada a produção de seus efeitos será possível pensar-se no dever indenizatório de reparação, ou na sua impossibilidade, de compensação.

Não se pode perder de vista, em atenção aos primados obrigacionais, que toda a obrigação precisa estar pronta e perfeita ao seu cumprimento e, se o dever obrigacional comporta uma espécie de obrigação de fazer (reparar) ou de dar (compensar), para que se possa pensar em incidência, então, da execução obrigacional, impar se mostra a perfeita identificação do dano, com sua exata delimitação. Tanto assim, que por primeiro o dever é de reparar para, na sua impossibilidade, passar-se ao plano da compensação pecuniária.

Como leciona Simone de Almeida Bastos Guimarães:

“O fato é que, somente se não for possível ao poluidor promover a recuperação ao responder pelo dano provocado, é que se apela para a indenização em dinheiro. Isso porque, o que interessa à coletividade é o equilíbrio ecológico, o bem-estar e a qualidade de vida que o recurso ambiental proporciona.”

Nesse sentido, também a doutrina de Paulo Affonso Leme Machado, quando ressalta que

"(…)A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação.”

Então, para que se pense no inadimplemento obrigacional ensejador do dever de reparação, ou quiçá compensação, importante que se apresente de forma clara e pontual o objeto a ser prestado, no caso, o dano e, toda vez que um novo dano se apresente, estabelecido o nexo causal com o ato ilícito, dai começa a contar o termo inicial do prazo prescricional quando encerrada a produção dos seus efeitos. Posição, alias, do nosso TJRS, verbis:

“Ementa: Embargos infringentes. Responsabilidade civil. Dano Ambiental. Processual civil. Prescrição. Marco inicial. Princípio da actio nata. Prescrição que flui no instante do nascimento da ação ajuizável, isto é, quando se toma conhecimento efetivo dos efeitos nocivos. Pronunciamento de prescrição afastado. Confirmação do voto majoritário. Maioria.” (Embargos Infringentes Nº 70044768778, Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 11/11/2011) – grifo nosso

Portanto, quer parecer que mostra-se assodada a definição temprana de que os danos ambientais são imprescritíveis, como dito acima e justificado pela doutrina e jurisprudencial acerca do tema.

É preciso ponderar, como dito, vários caracteres do dano produzido e, a contar de então, será possível estabelecer a prescritibilidade ou não da pretensão de reparação.

Em se tratando de pretensão coletiva, não há se falar em aplicação da prescrição. Igual interpretação da inaplicabilidade da prescrição se aplica ao chamado dano continuado.

E isso se vê de maneira bastante clara na posiçao trazida pela jurisprudência do TJRS verbis:

“Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. O julgado não é omisso. Não há prescrição da ação civil pública de responsabilidade por danos ambientais porque o dano se renova dia a dia. Evidente a legitimidade do Ministério Público para promover a ação de acordo com o art. 1º, I da Lei n. 7.347/1985. A empresa recorrente é apontada como a responsável pela construção dos dutos onde se deu o derramamento de óleo que provocou o dano ambiental que a demanda pretende reprimir. Legitimidade para figurar no pólo passivo da ação civil pública. Responsabilidade que somente pode ser afastada quando da coleta da prova. Existência de nexo causal entre o noticiado dano e a conduta da recorrente. Pedido que aponta com precisão a causa de pedir (dano ambiental consistente em derrame óleo cru) e pedido (indenização dos agentes poluidores). Possibilidade do pedido e descabimento do chamamento ao processo do Município de Tramandaí e seu órgão ambiental. Embargos rejeitados. (Embargos de Declaração Nº 70048046544, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 16/05/2012)

“Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL INDIVIDUAL. PRECRIÇÃO E PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. DANO AMBIENTAL INDIVIDUAL CONTINUADO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. AUSENTES HIPÓTESES DO ART. 535 DO CPC. DESCABIMENTO. Acolhimento parcial dos embargos de declaração para explicitar os fundamentos do acórdão. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS EM PARTE.” (Embargos de Declaração Nº 70043078831, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 10/08/2011)

“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. Não há prescrição da ação civil pública de responsabilidade por danos ambientais, porque o dano se renova dia a dia. Evidente a legitimidade do Ministério Público para promover a ação, de acordo com o art. 1º, I, da Lei nº 7.347/1985. A empresa recorrente é apontada como a responsável pela construção dos dutos onde se deu o derramamento de óleo que provocou o dano ambiental que a demanda pretende reprimir. Legitimidade para figurar no pólo passivo da ação civil pública. Responsabilidade que somente pode ser afastada quando da coleta da prova. Existência de nexo causal entre o noticiado dano e a conduta da recorrente. Pedido que aponta com precisão a causa de pedir (dano ambiental consistente em derrame de óleo cru) e pedido (indenização dos agentes poluidores). Possibilidade do pedido e descabimento do chamamento ao processo do Município de Tramandaí e seu órgão ambiental. Agravo desprovido.” (Agravo de Instrumento Nº 70044613008, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 29/02/2012)

Porém, quando tratam-se de danos reflexos, também nominados como ricochete, há a incidência da prescrição porque, no caso, perfeitamente identificados todos os elementos constitutivos do dever de reparar.

Nesse sentido, a posição do TJRS:

“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. REFLEXO NA COMUNIDADE LOCAL. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRIENAL. TERMO INICIAL. PRAZO VINTENÁRIO. Não há falar na incidência do prazo prescricional previsto no art. 1º-C da Lei nº 9.494/97, com redação determinada pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001 ao caso em apreço, na medida em que os fatos aduzidos dizem respeito à atuação tipicamente privada. Incontroverso o termo inicial da pretensão e implementado o prazo de três anos sem o ajuizamento da ação, a prescrição deve ser reconhecida, exceto com relação a demandada CEEE. Incide a Súmula 39 do STJ às sociedades de economia mista cujas atividades têm natureza econômica. Prescrição vintenária em face da CEEE. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70040014714, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 29/02/2012)

E dessa análise jurisprudencial, é de pontuar-se o processo n’70042293480, assim ementado:

“APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. UNIDADE DE PRESERVAÇÃO DE MADEIRA DE BARRETOS. PRESCRIÇÃO AFASTADA. Prescrição da pretensão de direito material não configurada, diante da existência de dano ambiental individual continuado. Precedentes jurisprudenciais. PROVERAM O RECURSO E DESCONSTITUÍRAM A SENTENÇA, POR MAIORIA.”

É que neste processo, o voto do Desembargador Ivan Balson Araujo, Revisor, que constitui a divergência, bem enfrenta a questão da dificuldade de estabelecimento de uma definição dogmática acerca da aplicabilidade ou não do instituto prescricional.

Basicamente, entende o Magistrado que quando se tratam de direitos coletivos, não há incidência da prescrição o que, na verdade, se configura no dano individual afastada, neste caso, a prescrição quando do dano continuado.

Nesse sentido, é parte do voto:

“Em termos de tutela jurisdicional individual, embora não se desconheça posicionamentos em sentido contrário, adoto o entendimento de que em casos como o em análise, quando os danos resultantes de um foco de contaminação se protraem no tempo, configurando dano continuado, não há se falar em consumação da prescrição.”

Posição que, na oportunidade, não se mostrava como nova no TJRS[2] mas que indicou a posição jurisprudencial da Corte acerca da aplicação da prescrição no dano ambiental e que, aliás, deixa as nossas conclusões consonantes com a interpretaçao jurisprudencial.

Conclusões

Pelo visto, não se pode dizer que o instituto prescricional não aplica à responsabilidade civil derivada de dano ambiental.

Ainda que se respeite os argumentos lançados de que o dano ambiental, por atingir direitos difusos, coletivos e, principalmente fundamentais e indisponíveis, não pode ser atingido pelo instituto prescricional, também há de se ponderar outras circunstância que vão relativizar essa premissa que, assim, rasa, mostra-se equivocada.

Como foi dito, por primeiro há de verificar-se se o dano ambiental atingiu direitos individuais e/ou coletivos. Quanto à estes, de fato, não há prescrição a ser defendida.

Todavia, com referencia aos direitos individuais, quer parecer que incide sim o instituto prescricional porque perfeitamente identificada a titularidade do direito, o que afastaria a premissa da imprescritibilidade nesse sentido, confortando-se o argumento de que o instituto prescricional é ferramenta de pacificação social e também, por isso, encontra conforto na Constituição Federal ao estabelecer como um primado a segurança jurídica no artigo 5°.

Mas também não é possível que se diga assim de abrupto que essa dicotomia encerra a incidência do instituto prescricional.

Estabelecido que esse somente se aplica quando há identificação da titularidade do direito violado, e portanto tratam-se de direitos individuais, ainda que fundamentais, é preciso ver se identificado e ajustado o dano.

Explica-se: é que como prestação de uma obrigação, o dever de ressarcir (ou compensar em sua substituição) somente mostra-se exequível, e portanto cumprível, quando perfeitamente identificado todos os elementos constitutivos da obrigação, à saber, sujeito, prestação (ou objeto propriamente dito) e vínculo.

O dano ambiental, como dito acima, guarda uma série de peculiaridades como, por exemplo, apresentar-se de maneira muito tardia em referencia à conduta, o que imporia o dever da identificação do nexo causal de maneira a identificar a origem do dano. Ou ainda, de maneira repetida, continuada. E, em ambos os casos, é importante ver que somente quando perfeitamente identificado o objeto à ser prestado pelo devedor (no caso o causador do dano ambiental) é que essa obrigação é possível de ser cumprida, mormente quando se trata de um dever de conduta (reparação) em preferência à uma prestação pecuniária (compensação).

Enquanto esses elementos não acharem-se identificados, portanto, tampouco há se falar em termo inicial da contagem de qualquer prazo prescricional o que não quer dizer, é verdade, que também o dano ambiental quando atinge direitos individuais é imprescritível, porque não o é.

Há, é verdade, de se respeitar os argumentos expedidos em favor dessa tese como, por exemplo, que se tratam de direitos de natureza jurídica diversa, estando a prescrição afeta ao direito privado enquanto que a proteção ambiental ao direito público ou ainda, que o meio ambiente não possui definição de titularidade e que, por isso, mostra-se inapropriável, bem como que não existe regramento específico para a prescrição da pretensão reparatória do dano ambiental.

De fato, ao que parece é que existe um conflito de princípio, e ambos em nível constitucional. De um lado a prescrição aliada da segurança jurídica que, prevista no artigo 5º da CF/88, está anterior, aliás, que a própria justiça e, de outro lado, a manutenção de um meio ambiente equilibrado, segundo a regra, também constitucional, do art. 225, CF/88.

Não se pode perder de vista, aliás, que para a caracterização da responsabilidade civil, o dano é seu elemento visceral. Nesse sentido, vale dizer, somente nasce o dever reparatório, ou em sua substituição o compensatório, quando verificado o dano, tido esse como os efeitos derivados de determinada conduta lesiva ao patrimônio ambiental comum. Ademais, esse dano somente estará perfeitamente tipificado enquanto objeto de uma obrigação de fazer (reparação) quando delimitado, somando-se a isso a projeção dos efeitos irradiados no tempo a contar da conduta lesiva.

Ora, se do dano é que nasce o dever de reparação, parece pacífico que, verificado esse e delimitado na produção de seus efeitos, é que começa a contar o prazo prescricional incidente, na espécie, pela regra geral do diploma civil. O dano ambiental mede-se por sua extensão, impondo-se a reparação integral à luz do que dispõe o art. 14 da Lei nº 6938/1981 c/c o art. 225 da CF. Logo, em tendo adotado o Brasil a regra da reparação integral, para que se possa pensar em termo inicial do prazo prescricional, é imperioso que se saiba a extensão do dano o que, na maioria das vezes, não se mostra possível.

Portanto, não quer parecer que se possa afirmar com tanta certeza que o dano ambiental é imprescritível. É necessário sopesar que ele projeta seus efeitos e, enquanto isso ocorre, pela inexatidão do dano que precisa ser reparado ou compensado, não há se falar em termo inicial de qualquer instituto prescricional.

Todavia, não se diga com isso, que se deverá esperar o encerramento dos danos continuados para as medidas reparadoras e compensadoras, pois, exatamente por se tratar de danos continuados, uma vez que teve início a sua produção, daí já surge a pretensão. O que se diz é que essa pretensão não é atingida pelo instituto prescricional enquanto houver produção de danos, exatamente porque o termo inicial da incidência da prescrição não se apresentou.

Pensa-se que assim seja possível atender ambos os princípios constitucionais alegados.

 

Referências Bibliográficas
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Notas:
[2] A Apelação nº 70043925163, relatada pelo Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz adotava esse entendimento e essas eram as razóes, então, de decidir: “…A controvérsia cinge-se à ocorrência ou não da prescrição da pretensão da apelante à reparação dos danos material e moral.
O caso sub judice trata do denominado “dano por intermédio do meio ambiente”, cuja principal característica, nos dizeres de Álvaro Luiz Valery Mirra[2], “é que ele é um dano reflexo. Na realidade, trata-se de um caso típico de dano em ricochete, onde o prejuízo sofrido pela vítima – particular ou pessoa de direito público – aparece como consequência de uma agressão, primeira e imediata, não a um outro sujeito de direito, mas ao meio natural. […] o dano “por intermédio” do meio ambiente não é, absolutamente, um dano ecológico, mas pura e simplesmente um prejuízo causado a pessoas físicas e jurídicas, estas de direito privado ou público, nos seus patrimônios individuais, nos bens patrimoniais sujeitos à sua tutela ou, eventualmente, em sua esfera extrapatrimonial pessoal, por atividades poluidoras ou degradadoras da qualidade ambiental.” [grifei].
Sobre a dimensão extrapatrimonial do dano ambiental, trago à baila a lição da jurista gaúcha Annnelise Monteiro Steigleder[2]:
A doutrina brasileira vem reconhecendo a existência de uma dimensão extrapatrimonial do dano ambiental a partir da subdivisão do dano moral em dano subjetivo e objetivo. A respeito, afirma Leite que de um lado, observa-se o seu caráter subjetivo, quando importe em sofrimento psíquico, de afeição, ou físico, como por exemplo, a perda de um ascendente ou descendente. Na hipótese da lesão ambiental, esta se configura subjetiva quando, em consequência desta, a pessoa física venha a falecer ou sofrer deformidades permanentes ou temporais, trazendo sofrimento de ordem direta e interna. Por outro lado, tem-se como dano extrapatrimonial objetivo aquele que lesa interesses que não repercutem na esfera interna da vítima e dizem respeito a uma dimensão moral da pessoa no meio social em que vive, envolvendo sua imagem. Isto é, aquele que atinge valores imateriais da pessoa ou da coletividade, como, por exemplo, ao degradar o meio ambiente ecologicamente equilibrado ou a qualidade de vida, como um direito intergeracional, fundamental a intercomunitário.[2] [grifei].
A prescrição da pretensão de reparação dos danos ambientais progressivos ou continuados traz certa insegurança ao ordenamento jurídico, diante da ausência de registros expressos na legislação normatizando a sua incidência no microssistema do direito ambiental, gerando acirradas controvérsias doutrinárias sobre a sujeição ou não às regras tradicionais da prescrição prevista no Direito Civil.
Haroldo Camargo Barbosa[2] bem elucida a problemática da aplicação da prescrição em matéria ambiental, diante da ausência de legislação específica, verbis:
A aplicação do instituto da prescrição em matéria ambiental também vem sendo, atualmente, objeto de novas pesquisas e debates dedicados a verificar até que ponto há possibilidade de aplicação da prescrição – instituto criado pelo direito tradicional para disciplinar as relações jurídicas de direito privado – nas relações jurídicas que envolvam interesses transindividuais.
O que se nota, principalmente quando a matéria envolve danos ao meio ambiente, é que o instituto da prescrição (criada para conferir estabilidade e segurança jurídica) passa por uma análise mais cuidadosa quanto a sua forma de aplicação nesse âmbito, posto que ocorrem incertezas relacionadas ao termo inicial para se contar o prazo prescricional e em saber se tais interesses transindividuais merecedores de reparação estão sujeitos a prescrição ou não.
Na legislação brasileira não existem normas específicas quanto à prescrição no âmbito do direito ambiental, nem quanto à prescrição do dano ambiental. A falta tem trazido de volta certa insegurança ao sistema jurídico, ou seja, todas as consequências que foram as razões de criação do referido instituto do direito tradicional.
Podem ficar no ar questões como: as regras clássicas de prescrição incidem sobre os danos ambientais? Qual o papel da prescrição nos prazos do direito ambiental? [grifei].
Especificamente sobre a reparação do macrobem ambiental, a doutrina e jurisprudência nacional caminham no sentido de aceitar a imprescritibilidade da pretensão reparatória de caráter coletivo, com o afastamento do regime de prescrição patrimonial do direito privado.
A propósito, trago à baila a lição do célebre doutrinador Hugo Nigro Mazzilli[2]:
Em questões transindividuais que envolvam direitos fundamentais da coletividade, é impróprio invocar as regras de prescrição próprias do Direito Privado. O direito de todos a um meio ambiente sadio não é patrimonial, muito embora seja passível de valoração, para efeito indenizatório; o valor da eventual indenização não reverte para o patrimônio dos lesados nem do Estado: será destinado ao fundo de que cuida o art. 13 da LACP, para ser utilizado na reparação direta do dano. Tratando-se de direito fundamental, indisponível, comum a toda a humanidade, não se submete à prescrição, pois uma geração não pode impor às seguintes o eterno ônus de suportar a prática de comportamentos que podem destruir o próprio habitat do ser humano.
Também a atividade degradadora contínua não se sujeita a prescrição: a permanência da causação do dano também elide a prescrição, pois o dano da véspera é acrescido diuturnamente.
Em matéria ambiental, de ordem pública, por um lado, pode o legislador dar novo tratamento jurídico a efeitos que ainda não se produziram; de outro lado, o Poder Judiciário pode coibir as violações a qualquer tempo. A consciência jurídica indica que não existe o direito adquirido de degradar a natureza. É imprescritível a pretensão reparatória de caráter coletivo, em matéria ambiental. Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras.
Como poderia a geração atual assegurar o seu direito de poluir em detrimento de gerações que ainda nem nasceram?! Não se pode dar à reparação da natureza o regime de prescrição patrimonial do direito privado.
A luta por um meio ambiente hígido é um metadireito, suposto que antecede à própria ordem constitucional. O direito ao meio ambiente hígido é indisponível e imprescritível, embora seja patrimonialmente aferível para fim de indenização. (…)
Porém, no que diz respeito à reparação do dano ambiental causado a interesses ou bens individuais (microbem ambiental), a matéria gera incertezas jurídicas.
O problema se põe, principalmente, quando não há mais permanência da conduta lesiva ao meio ambiente, embora os danos continuem a se prolongar no tempo, caso dos autos, posto que enquanto há a conduta lesiva, não há termo inicial para que se possa contar eventual prazo prescricional.
Na hipótese vertente, a Usina de Preservação de Madeira – UPB de Barreto – cessou suas atividades em 31 de dezembro de 2005. Entretanto, pela informação processual da Ação Civil Pública nº 139/1.08.0000360-3[2], ajuizada pelo Ministério Público contra as requeridas, objetivando a reparação do dano ambiental causado à área sub judice, não houve recuperação da área degradada até a presente data, com a permanência dos efeitos dos danos ambientais, os quais são renovados diariamente.
Sobre os danos continuados, esclarece Annelise Monteiro Steigleder[2] que “Os danos permanentes ou continuados são resultantes de um foco de contaminação cuja atividade (única ou periódica) perdura ao longo do tempo, produzindo um dano cada vez maior. A respeito destes danos, Perales refere que o Tribunal Superior Espanhol distingue os danos continuados em sentido estrito dos danos permanentes. Os primeiros são originados por uma sucessão de atos “sin sustantividad propia para iniciar el cómputo del período prescriptivo, lo que significa que son considerados como elementos integrantes de, si así se puede llamar, un ‘acto complejo’ cuya realización se prolonga en el tiempo”.[2] Já os danos permanentes são definidos como causados por um único ato, perfeitamente localizável em um único ponto temporal, cujos efeitos se dilatam ao longo do tempo.” [grifei].
Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery[2] defendem a imprescritibilidade da pretensão reparatória dos danos ambientais continuados, salientando, principalmente, a impossibilidade de se determinar o termo inicial do prazo prescricional, verbis:
A prescrição é instituto criado para apenar o titular do direito pela sua inércia no não exercimento desse direito. Como os direitos difusos não têm titular determinável, não seria correto transporta-se para o sistema da indenização dos danos causados ao meio ambiente o sistema individualístico do Código Civil, apenando, dessa forma, toda a sociedade, que, em última ratio é a titular ao meio ambiente sadio.
Vale aqui a doutrina preconizada no sentido de que, em se tratando de direito para o qual a lei não estipulou prazo extintivo para seu exercimento, esse direito é imprescritível.
Pode ocorrer, ainda, hipóteses em que o dano vem se verificando no decorrer do tempo, sem solução de continuidade, de sorte que ainda não se extinguiu. Isto traz a consequênica de não poder ser determinado, ainda, o dies a quo de um prazo prescricional.
Isto porque os danos continuam a ser perpetrados, de sorte que não há falar-se em prescrição, mesmo porque não se tem como dar por iniciado o termo do prazo prescricional, admitindo-se, por amor ao argumento, seja prescritível o direito à indenização pelos danos causados ao meio ambiente. [grifei].
No mesmo norte, Hugo Nigro Mazzili:
Também a atividade degradadora contínua não se sujeita a prescrição: a permanência da causação do dano também elide a prescrição, pois o dano da véspera é acrescido diuturnamente.
Verifica-se, portanto, que, no caso em análise, embora cessada a atividade poluidora produzida pela usina de tratamento de madeira, os danos ao meio ambiente continuam a ser perpetrados, pois não recuperada a área degradada, afastando, dessa forma, a prescrição da pretensão indenizatória da parte autora. (…)
Por tais razões, merece reforma a sentença, com o prosseguimento da instrução processual, não se mostrando possível a aplicação do art. 515, §3º, do Código de Processo Civil.
Por derradeiro, consigno que o entendimento ora esposado não implica ofensa a quaisquer dispositivos, de ordem constitucional ou infraconstitucional, inclusive aqueles invocados pelas partes em suas manifestações no curso do processo.”
(Apelação Cível Nº 70043925163, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 28/07/2011)


Informações Sobre o Autor

Enio Duarte Fernandez Junior

Graduado em Direito (FURG, Rio Grande, Brasil, 1992). Pós-Graduado, Especialização, em Direito Civil e Empresarial (FURG, Rio Grande, Brasil, 1994). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidad del Museo Social Argentino, Buenos Aires, Argentina, 2004). Pós-Graduado, Especialização, em Responsabilidade Civil Extracontratual (Universidad Castilla La Mancha, Toledo, Espanha, 2010). Mestrando do Programa de Mestrado da PUCRS para a Área de Concentração; Fundamentos Constitucionais do Direito Público e do Direito Privado. Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande e Professor Assistente da Faculdade Anhanguera do Rio Grande/ Anhanguera Educacional S.A. (Disciplinas: Direito Civil – Obrigações e Direito Processual do Trabalho). Professor da Pós Graduação da Faculdade Anhanguera do Rio Grande/Anhanguera Educacional S.A. Professor da Pós Graduação da Faculdade Anhanguera Pelotas / Anhanguera Educacional S.A. Membro de Conselho Editorial. Advogado. Conselheiro Julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RS.
http://lattes.cnpq.br/0158186272674623


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