Direito Administrativo
BRANDÃO CAVALCANTI faz um longo estudo do direito administrativo e aponta que: “… em seu sentido mais amplo, compreende toda a área das atividades públicas que se enquadra na organização e no funcionamento dos órgãos de execução dos serviços estatais”. Ainda: “Não constitui, (…), privilégio do poder executivo, mas as suas normas e os seus princípios são aplicáveis toda (sic) vez que se cogite de atividades próprias à administração”.[1]
FARIA indica o nascimento do direito administrativo na França, por volta de 1819. A Revolução Francesa de 1789 foi preponderante para o mesmo devido à sua luta contra o absolutismo. As funções estatais até então acumuladas nas mãos do monarca foram divididas pelos revolucionários que puseram em prática a teoria da tripartição dos Poderes, idealizada por Montesquieu.[2]
Nascia o Estado de Direito. A partir de então, o Estado passaria a ser obrigado a obedecer as leis que ele próprio criara.
CAETANO inicia o texto a respeito do direito administrativo lembrando que o sistema administrativo implica a existência de um regime jurídico especial a respeito de certas facetas da atividade da administração.[3]
Não toda a atividade da Administração Pública, mas tão somente as situações e os atos que envolvam interesses públicos justificadores do emprego de prerrogativas de autoridade.
O Estado e seus órgãos estariam, assim, sujeitos às leis comuns em muitas relações jurídicas contraídas no desempenho de sua função administrativa.
Para o autor, o Direito Administrativo é:
“o sistema das normas jurídicas que disciplinam as relações pelas quais o Estado, ou pessoa que com ele coopere, exerça a iniciativa de prosseguir interesses colectivos utilizando o privilégio da execução prévia”.[4]
De acordo com Anemar Pereira Amaral, a ciência do Direito Administrativo:
“… está voltada para as relações do indivíduo com a Administração”.[5]
Direito Público e Direito Privado
A partir da definição do direito como um conjunto de normas que disciplinará as relações sociais em um determinado grupo, parte-se para a divisão do próprio direito em uma árvore que se dividiria em inúmeros e distintos galhos ou ramos.
BASTOS parte da noção de que o direito é: “… o conjunto de normas e princípios que regem a atividade do Estado, a relação deste com os particulares, assim como o atuar recíproco dos cidadãos, e de que o direito administrativo é um dos ramos do direito público interno…” para perceber que o mesmo possui fatores que o diferenciam dentro do contexto a que pertence. A partir deste momento o próprio autor inicia análise sobre a divisão do direito nos ramos público e privado.[6]
Os estudiosos da teoria geral do direito, após longas exposições acerca da divisão do direito em dois ramos, público e privado, são assentes em concluir que a divisão público-privado serviria mesmo como um instrumento didático para o ensino da ciência do direito e uma melhor compreensão por parte dos seus estudiosos.
MATA MACHADO assim o faz ao apresentar diferentes autores cada qual sem alcançar uma idéia ou conclusão precisa dos limites porventura existentes na divisão entre o direito positivo público e privado.[7]
Ao estudar a divisão entre direito público e privado, Edimur Ferreira de FARIA esclarece que a ordem jurídica é uma, inexistindo, assim, diferentes direitos. O que acontece, porém, é que desde os romanos, o direito é dividido em público e privado.
A divisão se justifica por existirem diferentes níveis de relação jurídica entre os cidadãos entre si e entre esses e o Estado, a Administração Pública.
As relações jurídicas entre os cidadãos particulares ocorreriam dentro do direito privado. Já as relações nas quais estaria presente o Poder Público, ou mesmo o interesse público, seriam pautadas pelo direito público.[8]
O direito privado se dividiria, fundamentalmente, em dois ramos, ou seja, o civil e o comercial.
Já o direito público é composto de vários sub-ramos, quais sejam, o direito constitucional, o administrativo, o penal, o previdenciário, o eleitoral, internacional público e privado, processual civil e penal, do trabalho, tributário e financeiro.
DE PLÁCIDO E SILVA define o direito público como o conjunto de leis, criadas para regularem os interesses de ordem coletiva, ou, em outros termos, principalmente, organizar e disciplinar a organização das instituições políticas de um país, as relações dos poderes públicos entre si, e destes com os particulares como membros de uma coletividade, e na defesa do interesse público.[9]
São suas as palavras:
“A norma de Direito Público, pois, tende sempre a regular um interesse, direto ou indireto, do próprio Estado, em que tem vigência, seja para impor um princípio de caráter político e soberano, seja para administrar os negócios públicos, seja para defender a sociedade, que se indica o próprio alicerce do poder público”.[10]
Diógenes GASPARINI inicialmente aborda a questão dos dois ramos do direito tratando o mesmo como uma unidade indivisível, maciça, monolítica. Lembra, no entanto, a sua divisão, desde Roma, em dois ramos, quais sejam, o privado e o público. O Direito Público regularia as relações jurídicas em que predomina o interesse do Estado, ao ponto que o Direito Privado disciplinaria as relações jurídicas em que predomina o interesse dos particulares. O critério do interesse é que dividiria, assim, o Direito em dois ramos.[11]
José CRETELLA JR informa que o direito constitui-se em uma unidade desdobrável em dois campos que se comunicam entre si, apesar de informados por princípios distintos.
Os dois campos são estabelecidos por motivos didáticos. Os campos do Direito Público e do Direito privado são comunicáveis entre si, embora formados por princípios distintos – os princípios de direito público e os princípios de direito privado[12].
O problema de se dividir o direito em dois ramos esbarra na impossibilidade de se estabelecer, de modo absoluto, fronteiras nítidas entre eles.[13] Desde ULPIANO, no Império Romano, o direito é dividido entre os dois campos público e privado.[14]
Após a utilização de diferentes fórmulas do direito romano, em termos atuais, o direito público pode ser considerado como o responsável pela disciplina das relações jurídicas em que preponderam imediatamente interesses públicos. Já o direito privado é o ramo do direito que disciplina relações jurídicas em que predominam imediatamente interesses particulares. Mediatamente, o direito público pode produzir efeitos sobre os interesses do particular e, da mesma forma, o direito privado pode agir sobre o próprio Estado.[15]
O direito administrativo, por sua vez, estuda e trata das relações verticais, entre Administração e os cidadãos, mais comumente denominados administrados. Assuntos como servidores públicos, autarquias, atos administrativos, desapropriações, bens públicos, processos administrativos, poder de polícia e responsabilidade civil do Estado, dentre outros, são abordados no direito administrativo.[16]
BRANDÃO CAVALCANTI explica que o Direito Administrativo tem sua posição já bem definida como “…uma parte do Direito Público que compreende as relações jurídicas decorrentes das organizações administrativas, do seu funcionamento, das relações que nascem das atividades estatais, não compreendidas na esfera legislativa ou jurisdicional”.[17]
Hely Lopes MEIRELLES aponta a divisão do Direito em dois grandes ramos, o Público e o Privado. O Direito Público, ainda, pode ser dividido em Interno e Externo.
O Direito Público Interno tem como objeto regular os interesses estatais e sociais. Os interesses individuais só são aqui tratados reflexamente.
O Direito Público Externo tem como objetivo reger as relações entre os Estados soberanos e as atividades individuais internacionalmente.
O Direito Privado, por sua vez, cuida com predominância dos interesses individuais, de modo a assegurar a coexistência social e a fruição de seus bens.[18]
As relações de direito privado aconteceriam no sentido horizontal.[19] Já no direito público temos a verticalidade que impõe ao Poder Público uma posição de superioridade frente aos particulares em função da manutenção do interesse público.
A própria expressão direito administrativo designa tanto uma disciplina científica, ou seja, a Ciência do Direito Administrativo, quanto um corpo de normas jurídicas a que se submete a Administração. É por exemplo, o Direito Administrativo positivo brasileiro.
Aqui, no âmbito do direito administrativo, podem ser destacados, tanto os critérios do interesse predominantes, quanto o critério do sujeito participante da relação jurídica para se posicionar o direito administrativo como ramo do direito público interno brasileiro.
Agustín GORDILLO faz importantes anotações a respeito da divisão do Direito em Público e Privado. Assume o autor que as diferenças entre os mesmos são que no primeiro as relações jurídicas se dão entre o Estado e os particulares, ou entre os seus diferentes órgãos. Exemplifica que na Argentina não há atividade estatal submetida unicamente ao direito comum ou privado. Quando as normas de direito privado são aplicadas nas relações de algum ente estatal, elas serão sempre modificadas ou aproveitadas com as normas de direito público, de modo a fazerem parte deste de alguma forma.
Nas relações de Direito Público sobressalta uma relação de subordinação porque a lei confere ao poder público uma certa superioridade jurídica sobre os particulares, um número de atribuições superiores em relação aos direitos individuais. Na relação de Direito Privado prepondera uma relação de coordenação entre os sujeitos que são iguais.
A raiz desta divisão seria sociológica, visto que tais relações afetariam o “interesse público” (bem comum) ou o “interesse privado” individual, respectivamente.[20] A nota característica das normas de direito público são que as leis que regem as relações dos particulares com o Estado vão acumulando prerrogativas e privilégios para o Estado. Além do mais, alguns dos princípios concernentes a tais leis irão disciplinar relações interiores ao próprio Estado como, por exemplo, a organização, funcionamento e atividade dos poderes públicos e o controle dos serviços públicos monopolizados, os quais se utilizarão de princípios diferentes dos do direito comum.[21]
Conclusões.
Definir significa estabelecer fins, delimitar algo. Ao se descrever uma realidade, fazemos a sua definição. Concluir, no entanto, exige trabalho de consideração acerca do assunto tratado, exige compreensão a respeito do objeto que está sendo abordado.
Para se concluir acerca da natureza dos dois principais ramos do direito ou para se alcançar uma exata noção da realidade das mesmas devemos ter em mente a preponderância dos interesses em questão. Predominando-se os interesses particulares, tem-se o direito privado. Ao contrário, na predominância dos interesses que afetariam todo o grupo social, teríamos o direito público.
Conceito e escolas de direito administrativo
A pessoa que se aventura em descobrir o conceito do direito administrativo logo se defronta com imensas dificuldades. A primeira delas é saber que todos os autores que o antecederam encontraram razões suficientes para afirmar que a tarefa beira o impossível.
Nesse sentido, era muito esclarecedora a opinião de Lorenzo STEIN, em fins do século XIX, para quem: “não se atingiu ainda o conceito de direito administrativo”.[22]
O contexto histórico do nascimento do direito administrativo coincidiu com o fim do regime absolutista na França, após a Revolução de 1789. É reconhecida a Lei de 28 pluvioso do ano VIII, algo equivalente a fevereiro de 1800 – lei esta que deu organização jurídica à administração pública francesa – como a lei que fez surgir o direito administrativo na história universal.
Anteriormente, na época das monarquias, o que havia eram normas esparsas relativas ao funcionamento da Administração Pública, às competências de seus órgãos, ao Fisco, à servidão pública e outras. O ambiente da Idade Média não teria sido propício para o desenvolvimento do Direito Administrativo. [23]
Maria Sylvia Zanella DI PIETRO aborda o surgimento da lei 28 de pluvioso como sendo o marco do direito administrativo francês. Acrescenta que foi inegável a sua contribuição para a autonomia do direito administrativo. Não esquece, contudo, o papel fundamental do Conselho de Estado Francês na posterior elaboração jurisprudencial do mesmo.
Na evolução do direito administrativo francês, a exegese das leis, o estudo acadêmico e o trabalho jurisprudencial do Conselho de Estado Francês teriam garantido a sua autonomia.
Diferentes foram as escolas e os métodos de definição do direito administrativo.
Surge, então, na França, a Escola Exegética, Legalista, Empírica ou Caótica. Naquele momento, o ensino do direito administrativo baseava-se no estudo das leis e demais normas de direito administrativo e de sua interpretação pelos tribunais.
Para os estudiosos do período acima, o direito administrativo era compreendido como sinônimo de direito positivo”.[24] Ou seja, se aproximava com os conceitos que entendem ser o direito administrativo composto do conjunto de leis que estabelecem e disciplinam a Administração Pública e o seu funcionamento. Mais precisamente, o conjunto de leis e normas positivas ou em vigor que tratam da Administração Pública nas suas relações internas e com os cidadãos.
Já no período da “Escola do serviço público”[25], formada por autores como DUGUIT, JÈZE e BONNARD, havia inspiração na jurisprudência do Conselho de Estado francês. Aquele Tribunal, a partir de 1873, no caso Agnes Blanco, passou a fixar a competência dos Tribunais Administrativos em função da execução de serviços públicos.
A grande questão foi a de que, pela mudança na concepção do Estado liberal para o Estado Providência, o próprio conceito do serviço público foi alterado. Os serviços antes considerados particulares, tornariam-se, posteriormente, públicos.
Outro critério, o do Poder Executivo[26], foi insuficiente para conceituar o direito administrativo em virtude de que os outros Poderes também exercem atividades administrativas. Também exerce o Poder Executivo as funções de governo, além de simplesmente administrar.
O autor brasileiro Carlos S. de BARROS JÚNIOR, de acordo com o critério do Poder Executivo referido acima, na década de 1960, já definia o direito administrativo como sendo :
“…o conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a organização e a atividade do Poder Executivo, inclusive os órgãos descentralizados, bem como as atividades tipicamente administrativas exercidas por outros Poderes”.[27]
Já o critério das relações jurídicas[28] considera o Direito Administrativo como o conjunto de normas que regem as relações entre a Administração e os administrados.
Há de se considerar que os outros ramos do direito público também estabelecem como devem ser as relações dessa natureza. No mais, o Direito Administrativo também estabelece a organização interna da Administração Pública, as suas atividades e os seus bens.
Pelo critério teleológico[29], adotado por nomes de grande importância como ORLANDO, Recaredo F. VELASCO CALVO, José GASCON Y MARIN, Carlos Garcia OVIEDO, Sabino Alvarez GENDIM, Francesco D’ALESSIO e Arnaldo de VALLES, o Direito Administrativo seria:
“…o sistema dos princípios jurídicos que regulam a atividade do Estado para a realização de seus objetivos, para o cumprimento de seus fins”.
Todos os autores citados entendem que o Direito Administrativo compreenderia normas disciplinadoras da atividade concreta do Estado para consecução de fins de utilidade pública.
Senão, vejamos alguns conceitos de acordo com o critério teleológico.
D’ALESSIO:
“O complexo das normas jurídicas internas que regulam as relações entre a administração pública, em quanto age para o alcance das suas finalidades próprias e os sujeitos a ela subordinados”.[30]
GASCÓN Y MARIN:
“O direito administrativo estuda a organização jurídica dos serviços públicos, as relações da administração com os administrados, os meios jurídicos utilizados pelas diferentes pessoas morais de direito administrativo para a satisfação das necessidades públicas, as garantias outorgadas aos cidadãos para a defesa de seus direitos perante a administração, o sistema dos recursos jurídicos outorgados aos administrados para tal fim”.[31]
Oswaldo Aranha BANDEIRA DE MELLO adota esta corrente, porém, com a ressalva de que ele compreende “tão somente a forma de ação do Estado-poder, …, a ação de legislar e executar, e a sua organização para efetivar essa forma, quer dizer, os meios de sua ação”.
Para ele, o conceito de Direito Administrativo seria:
“ordenamento jurídico da atividade do Estado-poder, enquanto tal, ou de quem faça as suas vezes, de criação de utilidade pública, de maneira direta e imediata”.[32]
Pelo critério negativo ou residual[33], idealizado por ORLANDO, o objeto do Direito Administrativo é a soma das atividades desenvolvidas para a realização dos fins estatais, excluídas a legislação e a jurisdição ou somente esta.
O Direito Administrativo compreenderia todas as normas que permitiriam ao Estado a realização de seus objetivos. Entretanto, excluiriam-se de seu objeto a legislação, a jurisdição e as atividades regidas pelo direito privado.
De acordo com o critério da distinção entre atividade jurídica e social do Estado[34], segundo Mário MASAGÃO, o direito administrativo seria o:
“conjunto dos princípios que regulam a atividade jurídica não contenciosa do Estado e (sic) a constituição dos órgãos e meios de sua ação em geral”. [35]
Segundo o critério da Administração Pública, diferentes autores dizem, cada um à sua maneira, que o Direito Administrativo é o conjunto de princípios que regem a Administração Pública. São eles: ZANOBINI, CINO VITA, LAUBADÈRE, GABINO FRAGA, OTTO MAYER, Rui CIRNE LIMA, Fernando Andrade de OLIVEIRA, Hely Lopes MEIRELLES, dentre outros. [36]
ZANOBINI conceituava o direito administrativo como:
“a parte do direito que tem por fim a organização, os meios, a forma da atividade da administração pública e as conseqüentes relações jurídicas entre ela e os outros indivíduos”.[37]
Já OTTO MAYER resumia:
“o direito administrativo é o direito público próprio à administração”.[38]
CINO VITTA também entendia em poucas palavras que o direito administrativo era o:
“o ordenamento jurídico da administração pública”.[39]
No Brasil, Rui CIRNE LIMA entendia que:
“…o Direito Administrativo é o ramo do direito positivo que, específica e privativamente, rege a administração pública como forma de atividade; define as pessoas administrativas, a organização e os agentes do Poder Executivo das politicamente constituídas e lhes regula, enfim, os seus direitos e obrigações, umas com as outras e com os particulares, por ocasião do desempenho daquela atividade”. [40]
Para Fernando Andrade de OLIVEIRA, por sua vez, o Direito Administrativo podia ser conceituado como:
“…o conjunto de princípios e normas que, sob a Constituição, têm por objeto a organização e o exercício das atividades do Estado destinadas à satisfação concreta e imediata dos interesses públicos, mediante atos jurídicos tipificados pela auto-executoriedade, de caráter provisório, posto que sujeitos ao controle jurisdicional de legalidade”. [41]
Hely Lopes MEIRELLES resumia o seguinte conceito de direito administrativo:
“…conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”.[42]
BRANDÃO CAVALCANTI entendia em dois conceitos que se completavam que:
“O direito administrativo é o conjunto de princípios e normas jurídicas que presidem ao funcionamento das atividades do Estado, à organização e ao funcionamento dos serviços públicos, e às relações de administração com os indivíduos”.
E “…o conjunto de princípios e normas jurídicas que presidem à organização e ao funcionamento dos serviços públicos”.[43]
Autores como A.BATBIE já entendiam o direito administrativo da seguinte forma, apesar da longa distância no tempo, posto que o mesmo viveu no século XIX:
“O direito administrativo propriamente dito,(…), compreende as regras pelas quais são regidos os direitos dos particulares em seu encontro com a ação administrativa”.[44]
O clássico LAFERRIÉRE entendia que:
“O direito administrativo compreende os direitos respectivos e as obrigações mútuas da Administração e dos administrados”.[45]
Para Leon DUGUIT, por sua vez:
“Ao exercício da função administrativa corresponde o direito administrativo, que compreende o conjunto das regras que se aplicam aos efeitos dos atos administrativos e também ao funcionamento dos serviços públicos”.[46]
HÁRIOU:
“…o direito administrativo é o ramo do direito público que regula: 1º – a organização da administração pública e das diversas pessoas administrativas que a compõem; 2º – os poderes e os direitos dessas entidades na execução do serviço público; 3º – o exercício dêsses poderes e desses direitos, as suas prerrogativas e ação administrativa ou contenciosa”.[47]
O autor italiano PRESUTTI já entendia que o estudo dos assuntos jurídicos que dão lugar à atividade da administração pública naquilo que têm de particular em confronto com os outros assuntos jurídicos. O conceito na sua língua pátria era o seguinte:
“lo studio dei rapporti giuridici cui dà luogo l´attività delle pubbliche amministrazioni in ciò che essi hanno di particolari in confronto di altri rapporti giuridichi”.[48]
Por sua vez, RANELETTI considerava o direito administrativo aquela parte do direito público interno que regula a organização da administração pública em senso subjetivo, a sua atividade pública e os assuntos dela derivados. Assim se expressava o autor:
“Il diritto amministrativo è quella parte del diritto pubblico interno, Che regola l´organisazione della pubblica amministrazione in senso subbietivo, la sua attività pubblica, e i rapporti che ne derivano”.[49]
Já no Brasil, no século XIX, o VISCONDE DE URUGUAY definia:
“O direito administrativo pròpriamente dito é a ciência da ação e da competência do Poder Executivo, das administrações gerais e locais e dos Conselhos Administrativos em suas relações com os interesses ou direitos dos administradores, ou com o interesse geral do Estado”.[50]
Apesar do distinto desenvolvimento do direito administrativo inglês em relação à corrente do direito administrativo oriundo da corrente européia continental, Robson conceituava:
“O direito administrativo deve ser considerado como o direito relativo à administração pública, da mesma maneira que o direito comercial se refere ao comércio e a lei de terras às terras”.[51]
DAWIS:
“…o direito administrativo nos Estados Unidos se limita às leis relativas aos poderes e processos administrativos”.[52]
O direito administrativo norte-americano era considerado como apenas uma técnica processual para a defesa dos cidadãos contra a ação das agências. Segundo o advogado Roscoe POUND, em discurso em meados da década de 1940, no órgão representativo dos advogados de então, ele era necessário em razão do excesso do número de agências e da ameaça que elas representavam para a vida livre dos cidadãos.
O professor e ministro do governo militar português, deposto pela Revolução dos Cravos em 1974, Marcelo CAETANO conceituava:
“O Direito administrativo, é o sistema das normas jurídicas que disciplinam as relações pelas quais o Estado, ou pessoa que com ele coopere, exerça a iniciativa de prosseguir interesses colectivos (sic) utilizando o privilégio da execução prévia”.[53]
Dentro de seu dicionário jurídico, DE PLÁCIDO E SILVA traz o significado do direito administrativo no verbete a seguir:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. Classificado no Direito Público Interno, de que é um de seus ramos, o Direito Administrativo, como bem se depreende da classificação que lhe é dada, vem estudar a administração pública no seu caráter formal e jurídico, em oposição à Ciência da Administração, que a encara no seu elemento técnico e material.
Destarte, o Direito Administrativo encerra o conjunto de normas, em virtude das quais se estabelecem os princípios e regras necessárias ao funcionamento da administração pública, não somente no que concerne à sua organização como às relações que se possam manifestar entre os poderes públicos e os elementos componentes da sociedade.
Assim, dentro de seu objetivo, traça os limites dos poderes delegados aos órgãos da administração pública, conferindo as atribuições e vantagens a seus componentes e lhes indicando a maneira por que devem realizar os atos administrativos e executar todos os negócios pertinentes à administração e aos interesses de ordem coletiva, inclusos em seu âmbito.
O Direito administrativo, no desempenho de sua precípua finalidade, triparte-se em aspectos diferentes, dos quais surgem: o Direito Administrativo, propriamente dito, o Direito Financeiro e o Direito Tributário, que, embora estreitamente entrelaçados no cumprimento de seu objetivo, apresentam-se definidos pela soma de regras que se fazem fundamentais a cada uma destas subdivisões.
O Direito Administrativo, propriamente, cuida mais principalmente dos serviços de ordem pública e de interesse coletivo, segundo os quais dá execução aos planos de difusão e fomento, estabelecidos pelo poder público, para desenvolvimento e grandeza do Estado, deixando aos Financeiro e Tributário, que cuidem ou zelem por esta parte privativa ao estabelecimento de normas financeiras oriundas do poder financeiro do Estado, e ao estabelecimento de regras promotoras da realização das rendas públicas”.[54]
O autor acima só se esqueceu de abordar a relação do Direito Administrativo com o Direito Econômico. Esta relação teria surgido a partir do estabelecimento do Estado Providência.
Outro autor nacional que apresenta extenso texto com o conceito do Direito Administrativo é CLÈMERSON MERLIN CLÈVE:
1. O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO TEORIA:
O direito, enquanto disciplina teórica, não se enquadra entre aqueles discursos definidos como científicos. Guarda, porém, uma epistemologia especial, que lhe confere especificidade e dignidade teóricas. É pois um saber, no sentido que Focault dá a este significante, e, ainda, uma tecnologia conforme defende Tércio Sampaio Ferraz Jr. Não se confunde portanto com a filosofia, nem com a mera ideologia, ou seja, com o discurso doxológico. Em conclusão: o direito administrativo é o saber tecnológico que estuda o fenômeno social (jurídico) denominado direito administrativo.
2. O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO FENÔMENO SOCIAL:
Enquanto fenômeno jurídico, o direito administrativo é o conjunto de princípios, leis, usos e costumes, que regulam o exercício, pelo poder público, da função administrativa, entendida esta segundo o critério pluridimensional orgânico-material-formal. Pelo significante exercício pluridimensional, deve-se captar igualmente o sentido de organização (atividade preparatória e anterior ao exercício propriamente dito). Já, a locução poder público indica que o Estado não detém o poder soberano, que cabe, segundo a teoria constitucional, à vontade popular. Como vimos, o poder público subordina-se à soberania popular. Esta doutrina é uma construção técnico-jurídica do direito constitucional que permite justificar a maleabilidade ou elasticidade do Estado frente às reivindicações populares, notadamente aquelas ensaiadas como sentido de defender os direitos humanos, ou de propor novos direitos instituintes, aos quais os jurisadministrativistas não podem ficar alheios”.[55]
Para De GIOANNIS GIANQUINTO:
“Administração em sua organização está coordenada a um sistema de leis: encontramo-nos aqui diante do direito administrativo”.[56]
POSADA DE HERRERA:
“Direito administrativo será o conjunto de leis administrativas”.[57]
Manuel COLMEIRO:
“O direito administrativo será, pois, o conjunto de leis que determinam as relações da Administração com os administrados”. [58]
Lorenzo MEUCCI:
“o ramo do direito público que dita as normas reguladoras dos institutos sociais e dos atos do poder executivo para a realização dos fins de utilidade pública”.
Vicente SANTAMARIA DE PAREDES:
“o ramo do direito referente à organização, funções e procedimento do poder executivo, segundo a Constituição, para o cumprimento da missão do Estado na vida”.
YORODZU ODA:
“O direito administrativo é o conjunto de regras jurídicas que se referem à organização das pessoas do poder administrativo e suas relações com os particulares, do mesmo modo que as relações das pessoas do poder administrativo entre si”.[59]
Vitório Emanuelle ORLANDO:
“o sistema dos princípios que regulam a atividade do Estado para o cumprimento de seus fins”.[60]
Giorgio LORIS:
“É a parte do direito público que dita os princípios jurídicos que regulam a atividade jurídica e social do Estado para a obtenção de seus fins”.[61]
Royo VILLANOVA:
“Ramo do direito público que estuda os princípios jurídicos que regem o poder total do Estado e das sociedades públicas no que diz respeito à realização de seus fins”.[62]
GUENECHEA:
“Conjunto de princípios jurídicos que regulam a atividade do Estado e a de todas as entidades que se propõem a realizar fins de interesse geral sob a direção, intervenção, fiscalização ou inspeção de uma autoridade”.[63]
Rafael BIELSA:
“o conjunto de normas positivas e de princípios de direito público de aplicação concreta à instituição e funcionamento dos serviços públicos e ao respectivo contrasteador jurisdicional da Administração Pública”.[64]
Villegas BASAVILBASO:
“o complexo de normas e princípios de direito público interno que regulam as relações entre os entes públicos e os particulares, ou entre aqueles entre si, para a satisfação concreta, direta e imediata das necessidades coletivas, sob a ordem jurídica estatal”.[65]
SAYAGUÉS LASO:
“a parte do direito público que regula a estrutura e funcionamento da Administração e o exercício da função administrativa”.[66]
René FOIGNET:
“O direito constitucional é a parte do direito que determina a forma do Estado, seus órgãos superiores e a extensão de seus poderes para com particulares. O direito administrativo é a parte do direito público que determina os órgãos do Estado e a extensão de seus poderes relativamente aos particulares”.[67]
Posteriormente:
“a parte do direito público que determina a organização do Poder Executivo, proporciona a aplicação das leis e regulamentos, assegura a gestão dos serviços públicos e a satisfação das necessidades gerais”.[68]
SERRIGNY:
“O direito administrativo trata da parte do direito público que compreende as relações dos governantes e dos governados, nos pormenores da execução das medidas que os regem. Situa-se nos baixos degraus do direito público: este fixa os princípios e o outro compreende as regras que dizem respeito à execução e às conseqüências. Trata-se da mesma escala ocupada por um só poder sob normas diferentes; chama-se Governo nos graus superiores e Administração nos graus inferiores”.[69]
Marcel WALINE:
“o conjunto das regras que estabelecem as condições em que as pessoas administrativas adquirem direitos e impõem obrigações aos administrados pelo órgão de seus agentes, no interesse da satisfação das necessidades públicas”. Em seguida, adota a definição a seguir: “a noção de direito administrativo é evidentemente função da noção de Administração’.[70]
Gaston JEZÈ:
“o conjunto de regras relativas aos serviços públicos”.[71]
Francis-Paul BENOIT:
“o conjunto de regras relativas à organização e à atividade da Administração, esta imensa empresa, de múltiplas formas, encarregada de assegurar a satisfação das necessidades essenciais dos habitantes de um país”.[72]
Jean RIVERO:
“o conjunto das regras jurídicas derrogatórias do direito comum que regulam atividade administrativa das pessoas públicas” .[73]
J. CRETELLA JR:
“o ramo do direito público interno que regula a atividade e as relações jurídicas das pessoas públicas e a instituição de meios e órgãos relativos à ação dessas pessoa”.[74]
Odete MEDAUAR:
“o direito administrativo é o conjunto de normas e princípios que regem a atuação da Administração Pública”.[75]
Valmir PONTES afirmava ser o Direito Administrativo:
“…o conjunto das normas que regulam a atividade administrativa em sentido formal e material. O Direito Administrativo, pois, é o ramo do Direito Público que se ocupa da administração pública em todos os setores da atividade estatal, não só no Poder Executivo como nos demais Poderes(sic) do Estado.
O professor argentino Agustín GORDILLO entende que o Direito Administrativo é o ramo do direito público que estuda a função administrativa e a proteção judicial existente contra esta. Na língua castelhana, assim se expressa:
“la rama del derecho público que estudia el ejercicio de la función administrativa y la protección judicial existente contra ésta.”[76]
O professor mineiro Edimur Ferreira de FARIA se expressa não apresentando mais um conceito da matéria, mas uma síntese capaz de permitir a identificação, por parte do leitor, do conteúdo do Direito Administrativo:
“Síntese – O Direito Administrativo é o conjunto de normas jurídicas pertencentes ao Direito Público, tendo por finalidade disciplinar e harmonizar as relações das entidades e órgãos públicos entre si, e desses com os agentes públicos e com os administrados, prestadores de serviços públicos ou fornecedores do Estado, na realização da atividade estatal de prestar o bem-social, excluídas as atividades legislativa e judiciária.”[77]
Maria Sylvia Zanella DI PIETRO conceitua o direito administrativo:
“…o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública”.[78]
Finalmente, Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO entende o seguinte a respeito do Direito Administrativo:
“Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que estuda os princípios, preceitos e institutos que regem as atividades jurídicas do Estado e de seus delegados, as relações de subordinação e de coordenação delas derivadas e os instrumentos garantidores da limitação e do controle de sua legalidade, legitimidade e moralidade, ao atuar concreta, direta e imediatamente, na prossecução dos interesses públicos, excluídas as atividades de criação da norma legal e de sua aplicação judiciária contenciosa”.[79]
Conclusão
Para apresentarmos um conceito de Direito Administrativo entendemos necessários alguns passos.
Em primeiro lugar considere-se que, dentro dos diferentes conceitos e significados do termo “direito”, aqui a palavra representa um conjunto de normas, de diferentes níveis, que vai disciplinar um conteúdo específico.
Dentro dos também distintos significados do termo “administrativo”, as noções de organização e funcionamento das estruturas dos órgãos públicos devem ser considerados.
Devem ser também considerandos os objetivos da Administração Pública para se tomarem medidas concretas de realização do bem comum, que resumem a própria razão de sua existência.
O nosso conceito de Direito Administrativo é o seguinte:
Direito Administrativo é o conjunto de normas que disciplinam o funcionamento da Administração Pública em todos os setores envolvidos na realização de seus objetivos de concretização do bem comum.
Relações do Direito Administrativo com outros ramos do Direito e das Ciências Sociais
O Direito Administrativo faz parte do bloco monolítico do Direito que, como já se sabe, é dividido em dois ramos principais (público e privado) com objetivos didáticos, para facilitar a sua compreensão e estudo.
Assim como nenhum ser humano é uma ilha vivendo sempre em sociedade, os diferentes ramos do direito não existem isolados.
Os ramos do direito:
“Articulam-se todos, interpenetrando-se, exercendo e recebendo influências de outros ramos”.[80]
O fato de que o conjunto de normas em que se compõe o direito tem a sua validade última no texto fundamental da Constituição é capaz de caracteriza-lo como um todo indivisível. Entretanto, suas diversas disciplinas, ao longo dos tempos, têm sido aceitas como autônomas e independentes.[81]
CAETANO inicia por descrever a situação do direito administrativo como direito público. Os critérios para a separação entre público e privado seriam o do interesse e o do sujeito da relação jurídica. A norma de direito público é aquela que diretamente protege um interesse público e só indiretamente beneficia, quando beneficia, interesses particulares. Reconhecendo-se a primazia dos interesses públicos sobre os particulares, atribui-se, então, posição superior às pessoas públicas nas relações jurídicas para se alcançar o interesse público, o bem comum.[82]
Tanto o interesse público quanto a presença de um órgão da Administração nas relações jurídicas tratadas pelo direito administrativo asseguram o seu posicionamento no campo do direito público.
Direito Constitucional.
Em razão de tratarem do Estado, o Direito Administrativo e o Direito Constitucional possuem muito em comum. No entanto, o Direito Constitucional trata da estrutura estatal e da instituição política do governo. O Direito Administrativo tem como objetivo regular a organização interna dos órgãos da Administração Pública, seu pessoal, serviços e funcionamento que satisfaça as finalidades constitucionalmente determinadas. O Direito Constitucional estabelece a estrutura estática do Estado e o Direito Administrativo a sua dinâmica. Enquanto O Direito Constitucional dá os lineamentos gerais do Estado, institui os seus principais órgãos e define os direitos e as garantias fundamentais dos indivíduos, o Direito Administrativo disciplina os serviços públicos e as relações entre a Administração e os cidadãos de acordo com os princípios constitucionais.[83]
O direito administrativo nasce da própria constituição que institui os poderes e seus órgãos, cada qual com sua função precisamente delineada. São de se frisar alguns pontos de extrema influência do direito constitucional no direito administrativo: direitos e deveres do servidor público; limites da atuação estatal em razão dos direitos e garantias fundamentais, dentre outros.
BASTOS destaca que o direito constitucional é a primeira fonte do direito administrativo. O direito administrativo seria o ramo da ciência jurídica que mantém a relação mais íntima com o direito constitucional, pois regula uma das funções do Estado e trata, fundamentalmente, de um dos poderes que o compõe.[84]
BRANDÃO CAVALCANTI afirma serem tão íntimas as relações entre os dois direitos que a maior dificuldade seria distingui-los um do outro. Enquanto o Constitucional trata da estrutura do Estado, o Administrativo estuda o mecanismo, o funcionamento e a atividade do poder executivo, na execução dos serviços públicos direta ou indiretamente a cargo do Estado, ou concedidos.[85]
BIELSA afirma que a ciência da Constituição trata da anatomia e fisiologia do direito público, ensina a essência do Estado na teoria e na prática. Ao mesmo tempo, a ciência administrativa ensina o que o organismo do Estado deve fazer.[86]
SANTI ROMANO diz ser difícil precisar onde um começa e o outro termina.[87]
VON STEIN estabelece a unidade da idéia política e considera o direito administrativo a constituição em movimento.
CAETANO indica que a relação entre os direitos constitucional e administrativo é tão grande que alguns autores chegariam a afirmar que o direito constitucional seria a matriz do direito administrativo.[88]
A partir do seu conceito de direito constitucional[89], o autor demonstra a grande afinidade existente entre as duas disciplinas…
Direito Tributário e Financeiro.
O Direito Administrativo tem com o Direito Tributário e com o Direito Financeiro uma relação de fundamental importância. Basta admitirmos que a tributação é realizada a partir de relações jurídicas em virtude das quais o Estado irá arrecadar os seus recursos indispensáveis ao funcionamento da estrutura pública e o segundo disciplinará como os mesmos serão empregados, tudo conforme a Constituição e as Leis. É daí que afirmamos que o Direito Tributário nasce da necessidade de se fornecer recursos para o funcionamento da máquina administrativa e de se criar mecanismos que protejam os cidadãos da ânsia arrecadadora do Poder Público.
O direito tributário estabelece limites à atividade tributária estatal e protege o cidadão contra qualquer modelo desregrado e confiscatório que porventura venha a ser criado.
O Direito Financeiro, por sua vez, surge no mundo do direito para disciplinar os gastos do que é arrecadado pela Administração com os tributos. Ele cuida da disciplina das receitas e das despesas do Estado, que compõem a função administrativa.[90] Ambas as atividades de realização de receitas e efetivação de despesas são eminentemente administrativas, já ensinava MEIRELLES.[91]
Para CAETANO, o direito financeiro ou sistema das normas reguladoras da atividade financeira do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público, é um simples capítulo do direito administrativo, assim como o direito tributário que nele está compreendido. A autonomia dos direitos financeiro e tributário só se justificariam por motivos didáticos.[92]
BASTOS lembra que o direito administrativo cuida dos bens que o Estado possui, enquanto o direito financeiro trata da arrecadação daquilo que o Estado não tem.[93]
No tocante à discricionariedade, freqüente na Administração Pública em função da inexistência de todos os comandos legais necessários ao administrador, ela é inexistente no direito financeiro. Acontece que o interesse público a ser gerido pela Administração está perfeitamente delineado pela ordem jurídica. Um bom exemplo é a Lei Complementar 101 que estabelece normas de finanças públicas para a responsabilidade na gestão fiscal.[94]
Direito Penal.
O Direito Administrativo é bastante distinto do Direito Penal. De qualquer forma, a lei penal ,como nos casos de crimes contra a Administração Pública, subordina a definição do delito à conceituação de atos e fatos administrativos. Também a Administração Pública possui prerrogativas de Direito Penal, como nos casos de caracterização de infrações que dependem das normas penais em branco.
CAETANO faz longa exposição a respeito das relações entre as duas disciplinas para ressaltar que:
“A repressão penal vem depois da violação e não pode repor o interesse violado no estado anterior; a Administração actua antes da violação no sentido de evitá-la.
Toda a actividade administrativa é, em relação a ofensas possíveis dos interesses sociais, preventiva e não repressiva.
Por isso cabe dentro da Administração a Polícia – que se destina a evitar danos sociais mediante a limitação da actividade dos indivíduos”.[95]
A relação do Direito Administrativo com o Direito Processual é bastante próxima. Nos aspectos dos processos civil e penal a relação se dá na própria regulamentação das respectivas jurisdições. Nos processos administrativos são utilizados princípios característicos de processo comum.
Nos países do contencioso administrativo, é falado a respeito do direito administrativo processual.[96]
Para CAETANO, o direito processual é disciplina afim do direito administrativo.[97] Explica o autor que o sistema das normas que regulam o funcionamento dos tribunais perante o direito administrativo tem autonomia bastante explícita pelos caracteres da função judicial. As semelhanças seriam respeito nas normas organizadoras dos serviços (secretarias) judiciais e estatuto de seu pessoal.
Direito do Trabalho.
O Direito do Trabalho muito se aproxima do Direito Administrativo em razão do fato das relações dos empregadores com os empregados passaram do setor privado para o domínio público em virtude de sua regulamentação e fiscalização pelo Estado. Hoje em dia, especialmente, há lei que permite a contratação pelo Poder Público de empregados públicos sem deixar de existirem os servidores ocupantes de cargos públicos.
Direito Eleitoral.
As relações do Direito Administrativo com o Direito Eleitoral se dão em virtude da proximidade do primeiro com diferentes pontos da organização da votação e apuração dos pleitos, no próprio funcionamento dos partidos políticos, na disciplina da propaganda partidária, dentre outros. MEIRELLES admite que toda a parte formal dos atos eleitorais é regida pelo Direito Administrativo.[98]
Direito Municipal.
Com o Direito Municipal o Direito Administrativo se relacionam por operarem em um mesmo setor da organização governamental. A afirmação crescente do primeiro se deu em razão do desenvolvimento das funções locais de cada município. O que há na verdade entre os dois ramos do direito é uma verdadeira simbiose.[99]
Direito Civil.
As relações entre o Direitos Civil e o Direito Administrativo são muito próximas, principalmente no que se refere aos contratos e obrigações do Poder Público com os particulares. Isto sem se falar também nos bens públicos, nas pessoas públicas e na responsabilidade civil do Estado, todos tratados pelo Código Civil.[100]
Direito Econômico
A relação do Estado com a economia particular teria dado surgimento ao direito econômico, segundo BASTOS.[101] Tanto o direito financeiro, quanto o tributário e o econômico seriam especificações ou especializações do próprio direito administrativo. Isto porque seriam direitos que se destacaram do próprio direito administrativo.[102]
Direito Internacional
BASTOS faz referências às relações mantidas pelo direito administrativo com o direito internacional. Lembra o mesmo que é muito freqüente encontrar uma regulamentação proveniente de acordos internacionais a respeito de serviços públicos. Nestes casos caberia ao direito administrativo zelar pelas mesmas e colocarem-nas em funcionamento.[103]
BRANDÃO CAVALCANTI lembra que nos tratados e convenções sobre polícia preventiva, repressiva e sanitária, nas atribuições administrativas dos cônsules e agentes diplomático, na naturalização, expulsão de estrangeiros e demais relações administrativas com nações estrangeiras, os princípios de direito internacional devem ser respeitados.[104]
O direito dos estrangeiros perante a administração, como o seu direito ao exercício de funções públicas; o direito de entrada e saída, imigração, extradição, naturalização, expulsão, polícia sanitária, anexação de territórios, regimes administrativos, empréstimos externos e etc compõem um considerável grupo de relacionamento entre o direito administrativo e o direito internacional.[105]
Todas as questões acima são resolvidas pelo direito interno ou pelos tratados e convenções.[106]
Como as normas do direito administrativo não são apenas internas, ou seja, em virtude das relações internacionais demandarem tratados e convenções muitas vezes unificadores das normas internas de diferentes países, temos a relevante importância no direito administrativo dos mesmos tratados e convenções. Temas como leis de polícia de saúde pública, aduaneiras, radiotelegrafia, polícia social (repressão de tóxicos e outros), tráfico de mulheres e crianças, propriedade industrial e literária, extradição e entrada de estrangeiros podem ser elencados.[107]
Ciências Sociais
O Direito Administrativo se relaciona também com as Ciências Sociais. Sociologia, Economia Política, Ciência das Finanças e Estatística são elas. Por tratarem todas elas da sociedade, seu campo é um só.
Conclusões
Nunca seria cansativo alegar, como se faz rotineiramente, a unicidade do direito, a sua divisão em diferentes ramos com propósitos didáticos, a sua divisão histórica a partir de Roma, entre outras afirmações. O que se pode destacar, entretanto, é que o direito administrativo se relaciona com todos os demais ramos do direito, com intensidade maior à medida que se aproxima do objeto de tratamento dos assuntos que envolvem o interesse público e o bem comum, fundamentalmente.
Direito Administrativo e Política
A palavra “política” representa um desafio para os que lidam com o direito público. Entretanto, política é a forma de atuação do homem público quando visa a conduzir a Administração e realizar o interesse público, o bem comum. A política deve ser regida pelos princípios éticos comuns e pelo que determina o bem comum. A realização do interesse público deve ser o seu norte, o seu maior objetivo. [108]
A política é difundida e atinge todos os setores da administração quando os homens públicos traçam normas ou agem, dentro da moral e da licitude, para fazer com que atividade governamental atenda aos anseios populares, aos anseios da comunidade.
Acrescenta MEIRELLES:
“O que existe, a nosso ver, é sempre ato administrativo, ato legislativo ou ato judiciário informado de fundamento político. O impropriamente chamado ato político não passa de um ato de governo, praticado discricionariamente por qualquer dos agentes que compõem os Poderes do Estado. A lei é um ato legislativo com fundamento político; o veto é um ato executivo com fundamento político. Daí a existência de uma Política legislativa, de uma Política administrativa, de uma Política judiciária”.[109]
O autor conclui que pode-se falar de política em qualquer setor de atividade governamental orientadas sempre no sentido do bem comum.
BRANDÃO CAVALCANTI aborda a questão explicando que, de acordo com SANTI ROMANO, nos regimes políticos modernos, a partir da separação dos três poderes, cada um dos mesmos possui a sua função própria e específica, cabendo ao poder executivo, cuja estrutura é adequada às finalidades administrativas, a gerência dos negócios estatais.
As circunstâncias não impedem a presença de um poder político do Poder Executivo. Tal se realizaria por meio do exercício de tarefas que permitiriam melhor orientação nos negócios da administração e o estabelecimento de relações com os demais poderes.
A função política seria exercida, geralmente, juntamente com o Poder Legislativo.
A função administrativa seria realizada pelo Poder Executivo juntamente com os Ministros e os demais funcionários do Estado.[110]
O VISCONDE DE URUGUAI já apontava as diferenças entre o poder político, a função de governo da de administração.[111]
Direito Administrativo e Estado de Direito
O surgimento do direito administrativo é freqüentemente associado à concretização do Estado de direito. MEDAUAR apresenta os argumentos de GIANNINI extraídos de seu texto “Profili Storici della scienza del diritto amministrativo” :
“a) se considerada a noção de que o Estado de direito teria como característica a disciplina jurídica das relações entre indivíduo e Estado, se concluiria que no Estado de polícia tais relações também se apresentam juridicamente disciplinadas, no sentido de que às autoridades públicas cabem poderes e aos súditos, permanente e institucional sujeição; b) partindo da concepção de que no Estado de Direito a relação poder-sujeição vem substituída pela relação deveres-direitos, isso não elimina a existência do primeiro tipo de relação, só a reduz, sem que se explique a origem do direito administrativo, pois deveres e direitos poderiam decorrer de atos de autonomia privada e não necessariamente de manifestações disciplinadas por ramo específico do direito; c) se por Estado de direito se entender aquele em que a atividade administrativa observa a lei ou não pode se expressar diversamente da lei, daí não se deduz a existência do direito administrativo, pois as leis poderiam prever atuação no âmbito da esfera privada, com atos inominados, sem que falhasse a tutela de direitos dos particulares e a observância dos princípios do Estado de direito, como ocorre na Inglaterra; d) alguns autores caracterizam o Estado de direito pela existência do direito administrativo, o que para Giannini configura tautologia; tais autores identificam os dois termos da questão, sem explicá-la e sem mostrar a conexão entre ambos, valendo somente como verificação de sua coexistência.”[112]
Também vários são os autores que identificam a aparição dos três poderes, ou a separação de poderes ao surgimento do direito administrativo. MEDAUAR destaca as opiniões de Otto MAYER, segundo a qual o surgimento do direito administrativo coincide com a existência de dois poderes atuantes, quais sejam o executivo e o legislativo[113].
Já para SANDULLI, para existir direito administrativo:
"Perchè esista un diritto amministrativo – e cioè un diritto proprio della pubblica Amministrazione – è dunque, prima di tutto, indispensabile che esistano più Poteri statali – uno dei quali si caratterizzi come Potere amministrativo (pubblica Amministrazione) -, e che esista inoltre una certa divisione di attribuizioni tra tali Poteri."[114]
O que se pode notar, como o faz MEDAUAR[115], é que certas preocupações orientaram os pensamentos dos primeiros formadores quando do surgimento do direito administrativo. Os objetivos relativos ao ponto em questão foram traçados na reação que se travou contra a concentração de poderes na pessoa do monarca. Buscava-se freiar, limitar o poder do Rei, de forma que fossem preservados os direitos dos cidadãos. Visivelmente se tentou descentralizar os poderes existentes até então.
Acaba por concluir MEDAUAR que:
“Indubitável, assim, que o princípio da separação de poderes configura pressuposto da formação do direito administrativo.”[116]
O Professor José Alfredo de Oliveira BARACHO em trabalho sobre a função pública também demonstra que:
“A administração é examinada em sua relação com o Poder Político. A teoria clássica do direito público colocava a administração na dependência o poder político, com destaque para a concepção de separação de poderes, expressas por Locke e Montesquieu.”[117]
MEDAUAR cita a opinião de ZANOBINI e explica da seguinte forma:
“a existência do direito administrativo subordina-se a duas condições: que a atividade administrativa seja disciplinada por normas jurídicas exteriormente obrigatórias e que tais normas sejam distintas daquelas que regulam outros sujeitos, especialmente os cidadãos; estas duas condições ocorrem somente no Estado moderno, a segunda não em todas as formas desse”.[118]
Analisa MEDAUAR que a primeira condição no caso acima poderia ser equiparada ao pressuposto da tripartição ou separação dos poderes. Isto porque a compreensão que se tem como conseqüência é de que se encontra implícita a existência de um poder que produza as normas a serem cumpridas pela Administração Pública. Quanto à segunda condição, esclarece a autora o seguinte:
“…as normas específicas para as atividades da Administração começam a emergir depois da Revolução Francesa em alguns Estados da Europa continental e com mais impulso na França, que instituiu conjunto amplo e complexo de órgãos administrativos, disciplinou a posição dos mesmos, a situação dos funcionários, os meios de ação administrativa; disciplinou a atuação do Conselho de Estado e dos juízos administrativos inferiores. Circunstâncias, portanto, bem propícias à formação do direito administrativo.”[119]
ZANOBINI na sua obra[120] trata do desenvolvimento histórico do direito administrativo a partir do estabelecimento das condições de existência e origens do mesmo em geral. Logo depois fala sobre o direito administrativo italiano, primeiramente no Reino e logo depois durante o seu desenvolvimento sucessivo.
Assim como o direito constitucional, o direito administrativo tem origem relativamente recente devido ao tempo longo na realização de condições históricas que foram pressupostos ao seu surgimento.
O autor italiano comenta que nenhum Estado sobrevive sem uma função administrativa, porém existiam Estados que não conheciam o direito administrativo. Nas suas próprias palavras:
“A existência deste é subordinada a duas condições: que a atividade administrativa seja regulada por normas jurídicas exteriormente obrigatórias, e que tais normas sejam distintas daquelas que regulam os outros sujeitos e particularmente os cidadãos. Estas duas condições se verificam sobretudo no Estado moderno, e a segunda não em todas as suas formas.”[121]
Esclarece o autor que as condições para o surgimento do direito administrativo se deram com a instauração dos governos constitucionais. Para ZANOBINI, contrariamente aos governos que se submetiam às leis editadas nos estados a que pertenciam, os estados absolutistas só se vinculavam às leis para a manutenção de assuntos financeiros e patrimoniais privados. A partir do Século XIX, tal vinculação legal passou a ser reconhecida para algumas leis de direito público, reconhecidas como o “direito de polícia”. Conclui então que este último é o precedente histórico do direito administrativo. O “direito de polícia” era largamente condicionado às razões de Estado, ou seja da política. Somente após a Revolução francesa, porém, é que, pela afirmação do princípio da divisão dos poderes e da integral sujeição do poder executivo às normas editadas pelo poder legislativo é que foi possível constatar a eficácia vinculante das leis que tratavam da organização e atividade dos órgãos da administração pública e o surgimento de relações jurídicas entre o Estado e os cidadãos. No ano que podemos chamar de 1800 deu-se então na França, o nascimento do direito administrativo com a lei 28 pluvioso do ano VIII. A lei de 28 de pluviose deu para a administração francesa uma organização juridicamente garantida e exteriormente obrigatória. A partir daí outras leis vieram e tratam de vários institutos e serviços particulares. Nos outros países, o direito administrativo se afirmou com a introdução da dominação francesa ou com a adoção espontânea dos princípios do governo constitucional. [122]
“Este sistema de subordinação do Estado…”, finaliza o autor, “…como administração pública ao império do direito e da jurisdição, é conhecido na doutrina alemã e italiana com o nome de “Estado segundo o direito” ou “Estado de direito” (Rechtsstaat)”.[123]
Os antigos Estados italianos possuíam ordenamentos jurídicos próprios e até consideráveis, mas mesmo assim não conheceram um direito administrativo propriamente dito senão após a introdução da legislação francesa. ZANOBINI informa que os antigos reinos piemontês, das Duas Sicílias e o ducado de Parma permaneceram largamente informados pelo ordenamento administrativo francês. A partir da formação do novo Estado italiano iniciada com a anexação das diferentes províncias ao reino de Piemonte, mais tarde distanciado do modelo francês de direito administrativo, foram adotados sistemas deduzidos de outros países estrangeiros – principalmente a Bélgica – e criações próprias e originais.
A partir da proclamação do Reino da Itália, o poder legislativo concentrou-se na unificação administrativa das várias províncias. As leis piemontesas foram usadas para os novos territórios, além da edição de novas leis para todo o reinado italiano. ZANOBINI exemplifica o dito acima com as leis de número 1037, 1483, 3731 e 3725 de 5 de junho de 1850, de 23 de março de 1853, 30 de outubro de e 13 de novembro de 1859, respectivamente.[124]Já entre as novas leis, o autor cita como as mais notáveis ou importantes as de números 752, de 3 de agosto de 1862, 800, de 14 de agosto do mesmo ano e a de 25 de junho de 1865, que tratavam respectivamente das obras de caridade, da instituição de nova Corte de Contas e da desapropriação por utilidade pública. A de fundamental importância, porém, na opinião de ZANOBINI, foi a de número 2248, de 20 de março de 1865 que tratava da unificação administrativa do Reino italiano. Considera o autor tal lei como verdadeiro código de direito administrativo. Composta esta última de seis leis fundamentais, respectivamente: a lei comunal e provincial, a de segurança pública, a de sanidade pública, a lei sobre o Conselho de Estado, a sobre contencioso administrativo e a sobre trabalhos públicos.[125] Aponta o autor, ainda, que somente esta última lei, a sobre trabalhos públicos restou em vigor, apenas sobretudo em parte, e que a unificação administrativa não foi completa.[126]Conclui o autor dizendo:
“Com isto não pode dizer-se que a unificação administrativa tenha sido completa: multissimas, ao invés disso, foram as materias, nas quais continuaram a haver aplicação por muitos anos as leis dos antigos Estados.”[127]
Direito Administrativo e Ciência da Administração.
CAETANO explica que o direito administrativo socorre-se dos ensinamentos de algumas disciplinas de cunho não jurídicos. As mesmas seriam responsáveis por estudos de aspectos técnicos, políticos e até históricos da Administração Pública. Tudo com o intuito de ajudar o jurista a entender e a aplicar as leis administrativas. São as chamadas disciplinas subsidiárias. A Ciência da Administração seria uma destas disciplinas, além da História da Administração Pública.
Posteriormente, a Ciência da Administração reapareceu com os estudos sobre organização científica do trabalho.
Uma terceira acepção da expressão Ciência da Administração é a da Política administrativa. Para o autor português, somente esta seria de relevância para o jurista.
Política administrativa seria a disciplina responsável pelo estudo das orientações dominantes das leis administrativas de um certo país e das reformas que lhe seriam mais convenientes para alcançar melhoramentos e satisfazer os fins a que o Estado se propõe por meio do desempenho da função administrativa.
A Ciência da Administração esclareceria o jurista de conteúdos não jurídicos das leis administrativas, fazendo-lhe alcançar a natureza das mesmas, as suas razões, intenções e objetivos dos referidos documentos legais. É aqui que seriam estudadas e conglomerados os conhecimentos jurídicos, econômicos, políticos e sociais no sentido de se somarem esforços para a solução dos problemas da Administração Pública.
A Ciência da Administração teria nascido no início do século XX como capítulo da sociologia. Na época a sociedade era considerada sujeita a leis causais e irremovíveis. O papel de quem lidava com o direito era estudar as leis sociais, semelhantes às leis biológicas, com as quais as leis jurídicas tinham que ser conformes. A Ciência da Administração também deveria buscar quais dessas leis presidiriam o desenvolvimento da função administrativa.
Pelo título Ciência da Administração corresponde uma ciência nascida de estudos paralelos ao Direito Administrativo que perdeu muito de sua importância desde as primeiras décadas do século XX.
Muito desenvolvida na Itália, a Ciência da Administração pode ser considerada, no Brasil, Ciência da Administração Pública. Isto porque se trata aqui de administração estatal, ao contrário da administração privada, particular.[128]
No passado VON STEIN atribuía à Ciência da Administração uma esfera de ação mais ampla, dentro da qual se situava o direito administrativo e todos os demais aspectos políticos, econômicos, sociais e jurídicos que interessavam à administração pública.[129]
Para BRANDÃO CAVALCANTI, a Ciência da Administração, diferentemente do direito administrativo, tem caráter mais político, se relaciona com a conveniência e a oportunidade das formas de agir do Estado, trata principalmente com a política e a técnica da administração, não possui a rigidez de norma jurídica, tem características empíricas que se amoldam às conveniências do momento e às exigências do interesse e da administração públicos.
A questão entre a Ciência da Administração e o Direito Administrativo se cinge muito mais a uma relação de pressupostos, ou seja, este pressupõe aquela. O direito administrativo pressupõe, isto sim, a existência de processos técnicos que presidem à atividade da administração. Exemplos dos mesmos seriam as questões de seleção, direção, problemas de material, contabilidade, etc.
O direito administrativo pressupõe os elementos técnicos e fixa as normas que disciplinam o funcionamento dos serviços públicos, a função pública, e as relações da administração e do Estado com os cidadãos. A Ciência da Administração teria, assim, caráter instrumental da ordem, da harmonia da vida do Estado e da Administração.
A fixação das normas de direito administrativo deve seguir os devidos princípios jurídicos, éticos, sociais e instrumentais acima referidos.[130]
É costumeiramente aceito que “… a Ciência da Administração traça os princípios técnicos, científicos, mostra o campo a tratar, na parte prática”. O direito administrativo traria o caráter jurídico àquilo traçado pela Ciência da Administração. CRETELLA JR. indica que a Ciência da Administração vê o aspecto técnico e material, enquanto o direito administrativo vê a parte jurídica e formal. O exemplo dado é o de que, quando o Estado quer construir alguma obra pública, a Ciência da Administração, por meio de seus estudos técnicos, opina sobre a viabilidade da mesma. Em seguida a isto, o direito administrativo é o responsável pela possibilidade do feito se concretizar, em que condições, licitações, contratos, desapropriações, etc.
Enquanto a Ciência da Administração orienta a parte material e técnica, o direito administrativo é responsável pela parte formal e jurídica. [131]
No Brasil, a Ciência da Administração foi recentemente considerada como integrante da Sociologia, Política ou da moderna Organização Racional do Trabalho. A disciplina é carente de conteúdo jurídico e, portanto, não é ensinada pelas Faculdades de direito. MEIRELLES aponta que a Ciência da Administração poderá ser ministrada como técnica de administração, mas não como um ramo do direito público.[132]
Conclusões
A despeito de ser ou não a Ciência da Administração uma ciência atual, com ou sem prestígio no continente europeu, o que pode ser dito à guisa de conclusão é que os estudos técnicos realizados na mesma podem ser, como o são, de grande utilidade para orientar o administrador nas decisões a serem tomadas e nas ações a serem praticadas.
Fontes do Direito Administrativo.
Fonte é o nascedouro de alguma coisa. Fonte do direito é a sua exteriorização. Fonte do direito é o local onde o direito nasce, onde ele surge para o mundo real, concreto. Fontes do direito administrativo serão os modos pelos quais ele virá ao mundo.
DE PLÁCIDO E SILVA traz três espécies de fontes de direito no texto do verbete “fonte”:
“FONTES DE PRODUÇÃO DO DIREITO. São o poder constituinte, a função legislativa, a doutrina, a jurisprudência, contrapondo-se às fontes de conhecimento que são os textos legislativos, o costume, os princípios gerais do Direito, etc.
FONTES DO DIREITO. Assim se diz do texto em que se funda o Direito ou dos elementos subsidiários que possam formular e esclarecer. As leis são suas fontes principais. Mas, como fontes subsidiárias do Direito, anotam-se a Jurisprudência, o Direito Costumeiro, o Direito Comparado, o Direito Romano e a Doutrina.
FONTES ORIGINÁRIAS DO DIREITO. São aquelas que introduzem o Direito sem circulação anterior, como, por exemplo, a revolução, a formação de um novo país e até mesmo o poder constituinte originário; contrapõe-se a expressão às fontes derivadas, como a lei, a sentença e outras”.[133]
MATA MACHADO indica que os estudiosos do direito consideram o problema das fontes do direito como o saber “donde dimana a jurisdicidade das normas que se impõem à conduta do homem na sociedade”.[134]
A pesquisa das fontes do direito administrativo deve se limitar aqui ao aspecto técnico-jurídico, não se pesquisando a sua natureza filosófica ou sociológica.
As fontes costumam ser divididas em escritas e não escritas. [135] Novamente a divisão do direito pelas suas fontes, de modo genérico, traz a lei como primeira espécie. As leis, no sentido que aqui se deseja impor, ou melhor, leis escritas, são chamadas de Constituição, ou Lei Maior, Carta Magna, etc; Emenda Constitucional, Lei Complementar, Lei Ordinária, Medida Provisória, Regulamento, entre outros. As fontes não escritas, por sua vez, são a jurisprudência, os costumes e os princípios gerais do direito. A doutrina também é considerada por alguns fonte de direito, enquanto, para outros, em razão do princípio da legalidade, só a lei é fonte do Direito Administrativo.[136]
GASPARINI observa que a fonte do direito é o lugar no qual se dá a exteriorização do direito.[137] As fontes do direito administrativo, logo, seriam os modos pelos quais este é formalizado.
Em relação às espécies das fontes do direito administrativo, são as mesmas escritas e não escritas. Fontes escritas são a lei num sentido amplo, estando incluídas no conceito da Constituição da República até o mais simples ato administrativo normativo. Fontes não escritas são: jurisprudência, costumes e princípios gerais do direito. Há dúvidas a respeito da doutrina como fonte de direito administrativo.
A lei pode ser considerada uma regra geral, abstrata e impessoal. É a fonte mais importante do direito administrativo. As leis de todos os níveis de governo são consideradas fontes de direito administrativo. É de se notar, entretanto, que só a lei que trata de relações de direito administrativo pode ser considerada fonte do mesmo. A vigência da lei também é requisito fundamental para que esta seja considerada fonte deste ramo do direito.
No tocante à jurisprudência, este conjunto de decisões em um mesmo sentido a respeito da aplicação do direito, ela pode ser considerada como fonte não escrita de grande relevância no direito administrativo.
A jurisprudência é dotada de força coercitiva nos Estados Unidos da América do Norte e na Inglaterra. É de se ressaltar, todavia, a existência e o crescimento gradativo do direito escrito em detrimento da primeira.
Apesar de fornecer dados científicos de alguma relevância para o desenvolvimento do direito administrativo comparado brasileiro, a jurisprudência estrangeira não é fonte do nosso direito administrativo.
A jurisprudência, ou seja, o conjunto de decisões num, mesmo sentido, proferidas quando da aplicação de certos preceitos jurídicos na solução de casos iguais, é importante fonte não escrita de direito administrativo.[138] É que a reunião dos julgados dos Tribunais acaba por se constituir em forma de revelação do direito.[139]
O costume, que constitui-se em forma não escrita de revelação do direito, pode ser considerado a repetição uniforme de um comportamento tido como legal. Em direito administrativo, o costume supre as deficiências da legislação.
Os princípios gerais de direito são proposições fundamentais situadas na base de toda a legislação, sendo assim o roteiro a orientar o sistema legislativo de um povo. São os pressupostos que originam as regras jurídicas.
Os princípios constitucionais de direito administrativo são a legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Os demais princípios que podem ser citados são os da continuidade do serviço público, indisponibilidade dos interesses, bens e serviços públicos, igualdade e supremacia do interesse público. Os princípios são utilizados ante as lacunas da lei. O princípio não derroga a lei. Eles serão utilizados quando a analogia não puder resolver o problema da omissão legislativa.[140]
A primeira espécie a ser posta como fonte de direito administrativo é justamente a lei, sendo a mesma a mais importante fonte de direito administrativo. Por lei podemos entender da Constituição aos atos normativos mais simples. São elas: Constituições, leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, regulamentos, instruções, etc. De qualquer forma, só são fontes de direito administrativo as que dispõem sobre relações de interesse ao direito administrativo. Costumam ser as leis que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas. As leis penais ou internacionais, por exemplo, não são fonte de direito administrativo.
FARIA indica que fonte do direito é o nascedouro do Direito. É a origem, a base fundamental do Direito. O direito administrativo teria como fontes a lei, a jurisprudência, a doutrina e os costumes.[141]
A lei seria tomada no sentido amplo, genérico e compreenderia todo o conjunto de normas escritas, desde a Constituição até o mais simples regulamento, no que for pertinente à Administração Pública.
CRETELLA JR indica a dificuldade encontrada pelos autores da teoria geral e de filosofia do direito de se conceituar o que é fonte de direito. Conceitua a fonte do direito, por excelência, o ser humano, a natureza humana.[142]
A fonte imediata e principal do direito é a lei. Entretanto, é impossível a lei contemplar toda a existência humana na sociedade, ou seja, não se pode prever nas leis as infinitas formas de ação existentes nos diferentes grupos sociais. Como conseqüência disto, é necessária a existência de fontes subsidiárias de direito, para o revelarem quando as leis forem omissas. Em outro caso, a aplicação das leis deve sofrer os efeitos lógicos da analogia e da interpretação de forma que seus dispositivos contem com a necessária extensão e flexibilidade.
Há autores que consideram apenas a lei, o costume e a prática judiciária como fontes do direito.
O autor lembra que, além da lei como expressão convergente da vontade geral, existem também os regulamentos, os regulamentos independentes, os decretos, os costumes, os estatutos e outros.
Diz CRETELLA JR.:
“Fonte de direito administrativo é todo o modo através do qual se firmam regras jurídicas tendentes a levar o Estado a cumprir seus fins não contenciosos”.[143]
Fonte de direito administrativo é espécie do gênero fonte de direito.
Fontes são, assim, todos os elementos, formais ou não, de onde surgem normas de direito administrativo.
Estão entre as fontes do direito administrativo quaisquer manifestações, escritas ou não, que surtam efeitos jurídico-administrativos.
Além da lei, são fontes de direito administrativo, em seu mais amplo sentido, o costume, o regulamento, a prática administrativa, a doutrina, a jurisprudência, a analogia, a equidade, os princípios gerais de direito, os tratados internacionais, o estatuto autônomo, a instrução e a circular, o texto único.[144]
GORDILLO aponta as fontes nacionais do direito administrativo argentino. São elas a Constituição, a lei, os regulamentos e as fontes materiais de direito administrativo. Dentre estas últimas, destaca-se a jurisprudência, o costume e a doutrina.[145]
CAETANO considera a lei e o costume as principais fontes do direito.[146] Ressalta o autor português que o melhor critério para distinguir as duas fontes é o grau de consciência que os membros da sociedade tenham a respeito da origem da obrigatoriedade da norma.
Sendo a norma resultante de ato do Poder que a impõe pelas formas solenes para tal temos a lei.
Já o costume é resultante da aplicação continuada de certa determinação normativa, sem, porém, haver ato solene de imposição do mesmo.
Entretanto, necessário se faz destacar que norma consuetudinária é:
“ aquela que os tribunais aplicam e que as autoridades impõem coercitivamente aos que a transgridam ou não observem”.[147]
O autor apresenta a seguinte definição:
“Costume é toda a norma de caráter geral sancionada pela coacção em virtude da convicção comum, partilhada pelos órgãos do Estado, da sua obrigatoriedade; desconhecendo-se, porém, se foi definida e imposta pelo Poder competente segundo as formas regulares da legislação.
Lei é toda a norma de carácter geral tornada obrigatória por mandado conhecido do poder competente para legislar”.[148]
As normas administrativas definem recíprocos poderes e deveres da Administração e dos cidadãos, além de disciplinar o respectivo exercício.
Evolução histórica do Direito Administrativo.
MEDAUAR define o direito administrativo como o conjunto de normas e princípios que regem a atuação da Administração Pública. Este ramo do direito teria surgido no início do século XIX.[149]
O ponto chave para tal seria a criação da lei 28 do pluvioso do ano VIII que disciplinou sistematicamente a organização administrativa francesa.
A partir de então, com o passar dos tempos, a ciência do direito administrativo foi ganhando contornos de autonomia e foi se solidificando na vida jurídica de diferentes países na Europa e nas Américas.
A primeira obra escrita de direito administrativo teria sido os Principi fondamentali del diritto amministrativo onde tesserne le istituizione, em 1814, na Itália, de ROMAGNOSI. O autor era o titular da cátedra chamada “Alta legislação em referência à Administração Pública”, na cidade de Milão.
FOUCART, também em 1814 escrevia “Précis de droit public et administratif”.[150]
As obras que ganhariam maior repercussão, no entanto, teriam sido as de Macarel, de 1818, De Gerando, 1830 e Cormenin, 1840.
A jurisprudência do Conselho de Estado francês também foi fundamental para a elaboração original e consolidação do direito administrativo naquele país. A elaboração jurisprudencial do Conselho de Estado norteou a construção do núcleo de muitos institutos e princípios do direito administrativo.[151]
Na segunda metade do século XIX foi consolidada a sistemática do direito administrativo. Destacaram-se autores franceses, italianos e alemães. Foi formado um núcleo básico de direito administrativo com os temas de autoridade do Estado, personalidade jurídica do Estado, capacidade de direito público, ato administrativo unilateral e executório, direitos subjetivos públicos, interesse público, serviço público, poder de polícia, hierarquia e contratos administrativos.
Anemar Pereira AMARAL cita Caio TÁCITO para lembrar que o direito administrativo é ciência jurídica de recente autonomia, fruto do liberalismo político.[152]
Com quadro interessante a respeito da presença e evolução do direito administrativo através dos tempos, o autor lembra que no Direito Romano a matéria administrativa fazia parte do Corpus Júris Civilis e se compunha de normas e princípios de vida comunitária. Era matéria integrante do direito público.
No período do feudalismo, predominava o absolutismo e não existia conteúdo jurídico limitativo, haja vista a vontade do Soberano como lei suprema.
A partir do Século XVIII, no entanto, obtém-se a subordinação estatal ao regime de legalidade. Advento da lei francesa que sistematizou a Administração Pública (28 pluvioso, do ano VIII ou 28 de fevereiro de 1800). A partir de então, caracterizadas estavam a tripartição dos poderes e todas as demais conseqüências surgidas a partir desta nova concepção mundial de organização política. O seu principal expoente foi Montesquieu.
Na França, o século XIX apresentou estudos sistemáticos de direito administrativo, com ressalva para a construção jurisprudencial do Conselho de Estado Francês. Na Itália e na Alemanha verifica-se progressiva evolução da doutrina administrativa, sob a influência francesa. Ao mesmo tempo, verifica-se o repúdio na Inglaterra ao Direito Administrativo por ser o mesmo tido como incompatível com o sistema inglês dde supremacia do Parlamento e do Judiciário.
O século XX teria presenciado dois momentos de grande importância na evolução do direito administrativo na Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte e no Brasil. Naqueles países verificou-se a instituição de órgãos administrativos com poderes quase judiciais ( as agências) e a autonomia do direito administrativo. Já no Brasil assistiu-se a regulamentação das concessões de serviço público, legislação sobre a defesa da economia popular, entre outras. No decorrer do tempo, entre influências européias e norte-americanas, foi apresentada grande evolução científica e inúmeros autores da disciplina do direito administrativo.[153]
MEIRELLES aponta a teoria da separação dos Poderes de Montesquieu, L´Esprit des Lois, 1748, já pensada na Grécia antiga, porém desenvolvida por este autor e acolhida pelos Estados de Direito como marco inicial da formação do direito administrativo. Há diferentes autores que citam a lei de 28 de pluviose do ano VIII, data da revolução francesa equivalente a 28 de fevereiro de 1800 da Era Cristã. O fato é que o até então absolutismo reinante e a concentração de todos os poderes do Estado nas mãos do Soberano impediam o desenvolvimento de qualquer pensamento ou teoria que visassem reconhecer direitos dos súditos frente ao Monarca, frente às ordens do Príncipe.
O que aconteceu na França pós-revolucionária foi a tripartição das funções do Estado em executivas, legislativas e judiciais trazendo a especialização das atividades do governo e independência aos órgãos incumbidos das mesmas.[154]
Em seguida foi criada a Justiça Administrativa. A estruturação posterior foi a de um Direito específico da Administração e dos administrados para as suas relações mútuas.[155]
Já numa de suas primeiras edições da obra Direito Administrativo Brasileiro, o autor tece observações não tão resumidas a respeito do surgimento e evolução do direito administrativo.[156]
Após a restauração da Monarquia francesa, Luis XVIII criou, em 1817, a cadeira de Direito Administrativo na Universidade de Paris, regida por DE GERANDO. Daí em diante, apareceriam os trabalhos de MACAREL, LAFERRIÈRE, BATBIE e DUCROQ.[157]
Os autores que sucederiam a estes foram Henri BERTHÉLEMY, Maurice HAURIOU, Gaston JÈZE, Roger BONNARD, Marcel WALINE, Paul DUEZ et Guy DEBEYRE, Jean RIVERO, Georges VEDEL, AUBY et ADER, Francis-Paul Benoit, Charles DEBBASCH, Louis TROTABAS E André de LAUBADÈRE.
Na Alemanha os autores sofreram profunda influência francesa e o desenvolvimento do direito administrativo também se deu baseado em estudos científicos dos doutrinadores. A larga influência sofrida pelo direito civil também foi marcante.[158]
As obras de destaque teriam sido as de MOHL, Paul LABAND, Otto MEYER, Fritz FLEINER, Walter JELLINEK, Adolf MERKEL, Hans PETERS, Friedrich e Ernst FORSTHOFF.
Os autores que se destacaram ao publicar os primeiros livros sobre Polícia e Direito Administrativo teriam sido também MALCHUS, BEHR e JUNG STILING.[159]
Na Áustria são destacados Ludwig ADAMOVICH e Walter ANTONIOLLI.
Os autores italianos de direito administrativo destacados por MEIRELLES são os seguintes: Gino Domenico ROMAGNOSI, De Gioannis GIANQUINTO, Lorenzo MEUCCI, Vitório Emanuele ORLANDO, Errico PRESUTTI, Oreste RANELLETTI, SANTI ROMANO, Arthuro LENTINI, Cino VITTA, Renato ALESSI, Francesco D`ALESSIO, Guido ZANOBINI, Arnaldo DE VALLES, Aldo SANDULLI, Pietro GASPARRI, H.W.R. WADE e Massimo Severo GIANNINI.
A Bélgica foi berço das obras dos autores mais destacados como Maurice CAPART, Maurice VATHIER, Pierre VIGNY, André BUTTGENBACH, André MAST e Cyr CAMBIER.
Em função das diferenças entre o modelo administrativo do continente europeu e das dificuldades da Inglaterra em aceita-lo, o direito administrativo teve poucos autores que se destacassem. O fato foi que a índole tradicional e peculiar do sistema de governo britânico teceu nos publicistas características que tendiam mais ao constitucionalismo e às normas parlamentares. No entanto, podem ser citados BLACKSTONE, GNEIST, DILON, TODD, GREFFITH e STREET.
Nos Estados Unidos da América do Norte, a tendência foi a mesma do sistema inglês, surgindo, porém, autores como GOODNOW, FARLIE, WILLOUGHBY, FREUND, WHITE, LANDIS, BERNARD SCHWARTZ, DAVIS e os mais recentes BAUER, GLAESER e RUGGLES.
Em terras espanholas destacaram-se os já citados aautores COLMERO, POSADA, GARCIA OVIEDO, ROYO VILLANOVA, GASCON Y MARIN, ALVAREZ-GENDIN, GUAITA, GARRIDO FALA, GARCIA-TREVIJANO-FOS, ENTRENA CUESTA e MATEO.
Os autores argentinos de maior destaque foram BULRICH, BIELSA, BASAVILBASO, DIEZ, MARIENHOFF, FIORINI, ALTAMIRA, CANASI e GORDILLO.
Na Grécia destacou-se STASSINOPOULOS e no Japão ODA. Em Portugal CAETANO e na Suíça GRISEL. Na Colômbia SARRIA e PERDOMO, no México GABINO FRAGA e ROJAS, na Bolívia QUESADA, na Venezuela POLANCO, no Chile AZÓCAR e no Uruguai SAYAGUÉS LASO.
Diferentes autores como DI PIETRO[160] e FARIA[161] apresentam a evolução do direito administrativo a partir da França, Itália e Alemanha, mostrando suas naturais influências e comparando-se com o direito anglo-americano.
Além de ter se originado na França, foi lá que surgiram os primeiros livros da disciplina, além de ser o berço da primeira cadeira de Direito Administrativo, em 1819.[162]
O direito administrativo italiano foi bastante desenvolvido em uma escala com base científica e de acordo com a evolução e aprimoramento por parte dos estudiosos da matéria. Não se constata nenhuma mudança abrupta como na França.[163]
A partir de 1850, principalmente, o desenvolvimento da ciência do direito administrativo foi tão grande que se tornou difícil acompanhar a produção literária.
Merecem destaque as monografias abaixo.
Em 1857, as Instituições de Direito Administrativo Português, de Justino Antônio de FREITAS.
O direito anglo-americano teria resistido à idéia de direito administrativo em função de ser considerado privilégio indesejável a Administração Pública ter o seu próprio direito. Cidadãos e Administração seriam iguais perante a lei.[164]
Entretanto, o direito administrativo foi adotado nos Estados Unidos da América do Norte e na Inglaterra. Nota-se que tal se deu de forma mais branda, ou não tão intensa como nos demais países europeus. O contencioso administrativo não foi adotado e a justiça comum é quem julga os litígios do Poder Público.[165]
BRANDÃO CAVALCANTI destaca a origem recente do direito administrativo e aponta o ganho de importância obtido pelo mesmo durante o século XX em razão da nova política social desenvolvida pelos Estados principalmente durante e após as décadas de 1930 e 1940.[166]
Apontando o século XX como o século da organização e portanto da administração, o autor lembra que o direito administrativo tornou-se disciplina preponderante em virtude do destaque dos problemas administrativos sobre os políticos no conjunto das atividades do Estado.
Conseqüências desta importância e destaque do direito Administrativo seriam o aumento em diferentes países da ação do poder regulamentar e das delegações legislativas, mesmo naqueles países de tradição nitidamente democrática.
O que se deu foi um aumento claro da conceituação, dos limites e da influência do direito administrativo sobre os demais ramos do direito.[167]
As primeiras obras de direito administrativo são destacadas como as do século XIX. Apesar disto, BRANDÃO CAVALCANTI indica uma obra do século XVIII de DELAMARE chamada “Traité de la Police[168]”. É que os antigos estudiosos do direito confundiam polícia com administração.[169]
Primeiríssimos passos da Doutrina do Direito Administrativo.
Uma última responsável pelo surgimento e estabelecimento do direito administrativo, na opinião de GIANNINI, seria:
“…que as normas específicas para a atividade da Administração formem um todo orgânico, isto é, dada uma Administração em sentido subjetivo, que as várias normas referentes aos sujeitos, atos, meios de ação, sejam ligadas por nexos comuns, inspirados em unidade e generalidade de critérios e de princípios”.[170]
MEDAUAR completa com esta citação o tratamento dado às raízes do direito administrativo e explica que justamente no momento da criação do mesmo surge a influência da sua doutrina ou ciência. Justifica com a opinião de que GIANNINI ressaltava genericamente, como a doutrina influenciou o nascimento do direito administrativo:
“…o direito administrativo nasceu da confluência das experiências constituídas do tipo estrutural ad actum principis e do direito de polícia com os princípios introduzidos pela Revolução Francesa e com o espírito de racionalidade dos legistas franceses, italianos e alemães que tiveram, naquele período fortemente criativo, posições dominantes.”[171]
Por fim, cita a doutrina que considera o núcleo de origem da ciência do direito administrativo como sendo as obras “Principi fondamentali del diritto amministrativo onde tesserne le istituzioni” Romagnosi, 1814; “Les éléments de jurisprudence administrative” Macarel, 1818; “Institutes du droit administratif français”, 5 volumes, De Gerando, 1830 e “Traité du droit administratif français”, 2 volumes, Cormenin, 1840 e explica que da confluência de que falava GIANNINI, surgiu e sistematizou-se gradualmente o direito administrativo em vários ordenamentos[172].
ZANOBINI trata da doutrina do direito administrativo em quatro temas: 1. A doutrina do direito administrativo e a sua orígem nos Estados italianos anteriores à unificação. 2. Desenvolvimento da doutrina italiana até o período presente e indicações bibliográficas de cada período. 3. O método no direito administrativo; os vários sistemas de exposição nas obras gerais; o sistema e a ordem do presente Curso. 4. A ciência do direito administrativo e a ciência administrativa: várias opiniões a respeito do objeto desta última.
Para ele a exposição e o estudo do direito administrativo, conduzidos com o intento e métodos sistemáticos, constituía a ciência do direito administrativo.[173]
A ciência do direito administrativo é recente relativamente embora faça parte das ciências jurídicas em geral. Também recente é a parte do ordenamento jurídico que constitui o seu objeto. ZANOBINI se refere às primeiras obras do direito administrativo na França no início do Século XIX como sem características científicas, isto em virtude da novidade da matéria e da necessidade de que tratassem apenas de exposição das normas legais, sem que fosse feita qualquer indagação a respeito de sistemas e princípios gerais.[174]
O autor não deixa de citar, porém, obras italianas que também tinham caráter puramente exegético. Explica, contudo, que tais foram escritas no período de dominação francesa sobre a Itália. São elas: RAVÁ, “La scienza dell’amministrazione nelle sue origine italiane”, Bologna, 1896; BRONDI, “Gl’inizi dell’insegnamento del diritto amministrativo in Piemonte”, Napoli 1900 ( também publicado na obra Scritti minori, Torino, 1934); PACINOTI, “La scuola italiana di diritto amministrativo”., in Filangeri, 1901, p. 899.
O Direito Administrativo no Brasil.
O Decreto 608 de 16 de agosto de 1851 instituiu a cadeira de Direito Administrativo nos cursos de direito existentes no Brasil (São Paulo e Recife). O professor titular de Direito Administrativo na Faculdade de Direito de São Paulo teria sido Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça[175].
BANDEIRA DE MELLO explica a situação.[176]
MEDAUAR também apresenta o fato de que com a desistência de José Inácio Silveira da Mota, já em 1854, da cadeira de direito administrativo da Faculdade de Direito de São Paulo, Antônio Joaquim Ribas teria sido chamado no Rio de Janeiro para ocupar a vaga e demorara vários dias pára aceitá-la posto que procurara uma obra de texto de estudo e não a encontrara.[177]
Em 1857 surgem os Elementos de direito administrativo brasileiro comparado com o direito administrativo francês segundo o método de P. Pradier-Foderé[178] de Vicente Pereira do REGO, professor em Recife, autor da primeira obra sistematizada de direito administrativo na América Latina.[179] Nomes como Prudêncio Giraldes Tavares da Veiga Cabral, Visconde do Uruguai, José Rubino de Oliveira, Joaquim Ribas dentre outros que se seguiram podem ser lembrados como os precursores de obras de direito administrativo no Brasil.
A evolução da sociedade e do Estado independente tornou o direito administrativo brasileiro um ramo autônomo do nosso direito público. Não se pode, entretanto, descartar a influência francesa.[180]
A Administração Pública brasileira teria sido regida pelo nosso novo Direito Administrativo a partir da promulgação da Constituição de 1891. A partir da instalação do nosso regime republicano, o direito administrativo brasileiro tem se desenvolvido de acordo com a atuação do Estado na promoção do bem social.[181]
O direito administrativo é um direito novo, pois não conta com mais de dois séculos de vida e desenvolvimento. Apesar disto, vem se desenvolvendo com muito vigor a partir de estudos científicos e pela prática legislativa em todos os países do mundo.
O direito administrativo, nas palavras de FARIA:
“é, pois, implementador do Direito Constitucional enquanto responsável pela organização Administrativa. É também, ao mesmo tempo, meio de proteção dos administrados”.[182]
Aula de direito administrativo brasileiro na década de 1930:uma previsão de futuro.
Introdução.
A aula de direito administrativo a que referimos é composta pelo prefácio de Milton Campos, homem público de renome nacional e ex-governador do Estado de Minas Gerais, à obra de Odilon Andrade, então professor de direito administrativo da Universidade de Minas Gerais.
Preferimos chamar o prefácio da referida tese de aula em razão da profundidade e clareza com que são expostos os temas do livro.
Que os ensinamentos do ilustre brasileiro nos sirvam de modelo e inspiração para o desenvolvimento de uma ciência do direito administrativo que indique sempre caminhos novos e úteis à realização do interesse público, do bem comum acima de tudo.
Efeitos da ausência do sistema do contencioso administrativo no Brasil.
O ano era o de 1937. Milton Campos já apontava a deficiência que imperava no direito administrativo brasileiro. Ausência de cortes especializadas – ou o sistema do contencioso administrativo que, sabe-se, tão relevante foi para o desenvolvimento do direito administrativo – já fazia escassas as pesquisas neste campo científico do direito público. Os estudiosos do direito se viam envolvidos pelos debates do direito privado. A administração pública era mais ligada aos problemas de caráter político e contribuía muito pouco acerca das suas questões práticas e para a solução dos seus principais problemas.
Efeitos da ausência de legislação regulamentadora.
A Constituição de 1934 criara um tribunal competente para julgar os litígios entre a União e seus credores, derivados de contratos públicos, além de recursos de atos do Poder Executivo e das sentenças dos juizes federais, nos litígios de que a União fizesse parte, desde que relativos ao funcionamento de serviços públicos ou regidos pelo direito administrativo. Entretanto, observe-se, a norma constitucional determinante da organização deste tribunal não era auto-aplicável e, desta forma, dependia de lei regulamentadora. Tal lei, entretanto, não fora criada até a publicação do livro em questão.
Debates a respeito da natureza jurídica da função pública.
O debate acerca da natureza jurídica do vínculo entre o Estado e o funcionário público já produzira até então interminável debate. Andrade debateria com segurança e praticidade o tema sem deixar, contudo, de tratar das principais teorias do assunto. Já eram significativas as dificuldades em se escolher uma entre tantas as teorias para se definir a natureza da função pública – a civilista, a política, a contratualista, etc. Milton Campos resume o seu entendimento de que, dependendo do processo de investidura e do grau de participação da vontade individual na formação do vínculo, todas as teorias encontrariam oportunidade e cabimento.
Estatuto dos funcionários públicos de 1939.
Outro ponto ressaltado pelo autor do prefacio era o de que os pontos de vista do autor haveriam de contribuir imensamente para os que deveriam se envolver com a criação do estatuto do funcionalismo público – estatuto este que se concretizou dois anos mais tarde, em 1939.[i]
Classificação de serviço público.
Andrade também distingue as espécies de serviço público de acordo com o modo como o serviço público incide sobre o cidadão e nele atua. Se o serviço público for feito por imposição, obrigatoriamente será o serviço prestado por funcionários estatutários. Se se tratar de um serviço público simplesmente ofertado aos cidadãos, podendo o indivíduo aceitá-lo ou recusá-lo, o serviço seria de simples oferta e exercido por empregados sujeitos ao regime de contrato de locação.[ii]
A distinção acima demonstrada é razoável, feliz e consagrada no direito positivo da época.
A respeito das concessões de serviço público.
Na realidade da época a maioria dos serviços de utilidade pública já era prestada por meio de concessões e as atividades do Estado eram múltiplas e crescentes. Lembra Milton Campos que a Constituição Federal avançara ao exigir regulação por meio de lei da fiscalização e da revisão das tarifas dos serviços públicos concedidos, além da vigilância dos lucros e a expansão dos serviços.
Como se tratava de contratos de longa duração, preocupadas com a intangibilidade dos respectivos contratos, as partes envolvidas nas concessões acabavam se desentendendo. Como conseqüência deste desentendimento, ou perdia o público ou perdia o concessionário.
Interessante citar o antigo político mineiro:
“Preoccupadas com a intangibilidade dos contractos de longa duração, as partes, nas concessões, acabam necessariamente se desentendendo: ou perde o público, mal servido pelas estipulações antiquadas, mas obrigatórias,ou perde o concessionário, que, entretanto, quando as tarifasse tornam baixas, prefere prejudicar o serviço a prejudicar seus interesses. Ao cabo, é sempre o interesse público que fica desattendido. Pacta sunt servanda. Mais um detrimento ao bem collectivo, por amor ao latim”.[iii]
Existe a necessidade de se estabelecer, acima de tudo, permanente contato entre o poder público e o serviço concedido, a fim de que não se perca o caráter de serviço público e seja o mesmo abandonado.
Outra citação fundamentalmente importante:
“Ter-se-á de attender, é certo, aos justos interesses do concessionário. Mas o caracter público há de predominar, bastando que, em logar de se procurar sustentar a todo transe a estipulação,mesmo quando posteriormente se lhe verifiquem effeitos anti-sociaes, antes se mantenha sempre a equação financeira que deve estar na base de toda concessão”.[iv]
Ao concessionário restam a continuidade e a regularidade do serviço público, sem contudo deixar de se levar em consideração a sua situação ante as condições desfavoráveis que de maneira imprevista podem lhe dificultar a missão.
Milton Campos encerra o seu prefácio, mais semelhante a uma aula de direito administrativo, da seguinte maneira:
“Segundo palavras de Leon Blum no Conselho de Estado, é da essência mesma das concessões procurar e realizar, na medida do possível, um equilíbrio entre as vantagens que se conferem ao concessionário e os encargos que lhe são impostos. Em toda concessão, portanto, está implícita a equivalência honesta entre o que se outorga ao concessionario e o que dele se exige. E esse calculo de equivalência é essencial á concessão, ainda que seja estranho á sua constituição jurídica e lhe não modifique a natureza, e isso porque elle é a base do accordo e do consentimento”.[v]
Conclusão.
A leitura e o trabalho com os textos do direito passado como um todo são uma verdadeira previsão de futuro. É notável perceber como os problemas enfrentados até então em muito se assemelham com os problemas atuais. É sempre possível se concluir que muito pouco se fez para acrescentar uma real modificação aos desafios enfrentados pela estrutura da administração pública brasileira e até mesmo mundial. Para que se preveja um futuro em tudo semelhante ao que vivemos hoje basta fazer o que tem sido feito até os dias atuais em questões de direito público em geral e, mais especificamente, em questões de direito administrativo.
Aspectos da Evolução do Direito Administrativo Brasileiro
O Brasil ganhou as primeiras normas de direito administrativo, naturalmente, quando aqui se instalou a primeira forma de governo. No entanto, ao estudarmos a nossa história como uma incipiente colônia recém-descoberta no ano de 1500, percebemos que o país só ganhou conotação de Reino Unido quando aqui chegou a Corte portuguesa, no ano de 1808. Podemos falar, então, das normas portuguesas, inclusive, de administração.
Deve ser ressaltado que Portugal não tinha interesse que os brasileiros recebessem ensino universitário e nem ganhassem idéias que não fossem de colonizados.
Maior destaque merece o período no qual o nosso país, já livre e independente do domínio português, cria, em 1827, os cursos de direito de Olinda e São Paulo.
Ao estudarmos os primeiros passos realizados pelos nossos antigos mestres, descobrimos certa influência alemã, em razão da proximidade de um professor paulista de direito administrativo com um seu colega alemão, Julius Frank.
Não obstante isto, merece destaque a influência de diferentes países europeus na construção do sistema legal positivo administrativo brasileiro.
As diferentes constituições brasileiras receberam idéias francesas, italianas, alemãs e até polonesas.
No entanto, merece destaque a influência recebida no Brasil do direito administrativo europeu continental.
Sabe-se que o principal berço do direito administrativo foi a França, principalmente após a Lei do dia “28 do mês pluvioso do ano VIII”, que seria algo equivalente ao dia vinte e oito de fevereiro de 1800.
Não obstante o nascimento e o desenvolvimento posterior do direito administrativo na França revolucionária, sabe-se hoje da existência de uma obra científica da disciplina na Itália que não prosperou em razão até da unificação do reino italiano em meados daquele século. Isto contudo não deixou de fazer com que o Brasil também sofresse influência italiana na criação e desenvolvimento de seu sistema de direito administrativo.
Como já foi dito acima, o Brasil também foi influenciado pelos autores administrativistas alemães.
A escola francesa de direito administrativo pode ser considerada “legalista”. Foi dela que recebemos a maior influência. A escola italiana “jurisprudencial” e a alemã “científica” também exerceram efeitos sobre os nossos pensadores da matéria, afinal foi nas obras destes países que foram tiradas as noções fundamentais para o posterior desenvolvimento deste ramo da ciência do direito em nossas terras.
A leitura da obra “Direito Administrativo” de Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos informa que, paralelamente ao sistema de direito administrativo europeu continental, pode-se falar também em um sistema europeu distinto do continental que é o sistema inglês.
Marcado pela sua quase inexistência, a autora conclui que o sistema inglês – aqui incluído o norte americano – de direito administrativo era quase inexistente. Merece realce apenas a partir da metade do século XX. Era como se até mais ou menos 1946 não existisse direito administrativo na Inglaterra e nem em suas ex-colônias.
Merece destaque a palestra proferida pelo famoso advogado Roscoe Pound, na ordem dos advogados em Nova York, nos ano de 1944, onde o mesmo define o então nascente direito administrativo como uma mera técnica processual para resolver problemas jurídicos com as nascentes agências governamentais outrora existentes, segundo sua opinião, já existentes em demasia.[183]
Aqui podemos realçar também a demora existente nesses países em reconhecer-se a responsabilidade objetiva do Estado. Por muito tempo prevaleceu a máxima “the King can do no wrong”, ou seja, o rei não pode errar, o que queria dizer que o Estado não era responsável pelos danos que eventualmente causasse ao patrimônio de seus cidadãos. Isto tudo a despeito da evolução na maioria dos outros países do ocidente, principalmente, da responsabilidade objetiva do Estado, a partir do aresto Tribunal francês no qual foi reconhecida a responsabilidade do Estado francês pelo atropelamento por uma vagonete da companhia de cigarros da menina Agnes Blanc, ainda no século XIX, em 1892.
Pois bem, foi no decorrer do século XX, principalmente, que o direito administrativo brasileiro desenvolveu-se. Aqui há que se destacar que sofremos grandes influências norte-americanas ou britânicas em diversos setores de nossa vida. Menos no direito administrativo em virtude de sua quase inexistência naqueles países até então.
Eis que, em 1998 é lançada no Brasil mais uma reforma administrativa, dentre todas as outras que aqui já tentou-se efetivar. Todas elas, principalmente, importadas de diferentes países.
A reforma de 1998 pode ser considerada positiva em certos aspectos e negativa em outros. Positiva porque valoriza a participação das escolas de governo e dá meios de capacitação dos servidores públicos – o principal meio de desenvolvimento da administração pública – e negativa porque foi tirada diretamente da obra “Reinventing Government” ou seja, “Reinventando o Governo” de Ted Osborne e David Gabler.
“Reinventando o Governo” foi a principal obra da reforma administrativa do governo Bill Clinton, nos Estados Unidos da América, na década de 1990 e, podemos dizer, a principal obra na qual foi pensada a reforma administrativa brasileira de 1998.
O que foi feito foi uma transferência de influências, na verdade. Ou seja, deixamos de nos inspirar nas fontes as quais foram as raízes do direito administrativo há mais de 200 anos para nos aberberarmos de uma fonte de menos de cinqüenta anos de evolução e de nações nas quais o povo brasileiro tem tão poucas raízes ou identidades.
Com exceção das idéias positivas já implementadas, se a Emenda 19 de 1998 estivesse produzindo seus efeitos, ou seja, se ela estivesse sendo posta em prática, poderíamos correr o risco de aplicarmos normas feitas para um povo diferente do nosso, dono de uma realidade completamente distinta da realidade brasileira.
Princípios informativos da Administração Pública.
Introdução.
HOUAISS estabelece diferentes significados para a palavra “princípio”. Inserida na língua portuguesa no século XIV da Era Cristã, quer dizer o primeiro momento da existência de algo ou de uma ação; começo, início. Princípio também é o que serve de base a alguma coisa; é a causa primeira, raiz ou razão. Por princípio também se entende ditame moral, regra, lei ou preceito. Por fim, dentre vários outros significados, extrai-se que princípio é proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos.[184]
O bom administrador deve observar determinadas regras permanentes e obrigatórias chamadas por MEIRELLES de princípios básicos da administração pública. São princípios básicos da administração pública a legalidade, a moralidade, a impessoalidade ou impessoalidade, a razoabilidade, a publicidade e a eficiência.[185]
Estes são os padrões que pautarão os atos administrativos. São os fundamentos da ação administrativa ou “…os sustentáculos da atividade pública”.[186]
De acordo com a lei de improbidade administrativa, em seu artigo 11, é ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.[187]
MEDAUAR indica que a realização das atividades administrativas pelos agentes e entes administrativos é pautada por normas específicas para cada setor e por princípios gerais com amplos campos de atuação. São os princípios jurídicos da Administração Pública brasileira.[188]
Lembra a autora de São Paulo que princípios são fórmulas em que se encontram os mais importantes pensamentos do ordenamento, de uma disciplina legal ou de um instituto jurídico.[189] São as “enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico para sua aplicação e integração e para a elaboração de novas normas”.[190] São as bases nas quais se assentam institutos e normas jurídicas.[191]
A grande importância dos princípios em direito administrativo seria decorrente da “juventude” ou pouca idade do direito administrativo e sua não existência em códigos. Fato é que os princípios auxiliam o entendimento e a consolidação dos seus institutos.
Legalidade.
MEIRELLES indica que o administrador público está sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum em toda a sua atividade funcional. A sanção ao descumprimento das mesmas seria a responsabilização disciplinar, civil e criminal, de acordo com cada situação. [192]
Na Administração Pública a vontade pessoal e a liberdade de escolha cedem lugar à determinação legal. São as palavras do autor:
“Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ´deve fazer assim’.” [193]
O princípio da legalidade passou a ser imposição legal no Brasil com o advento da Lei nº 4717 de 1965 – lei da ação popular e ganhou posição constitucional com a Carta de 1988.
O princípio da legalidade é considerado por MEDAUAR como uma decorrência da caracterização de um Estado como Estado de Direito.
Pelo princípio da legalidade, a Administração deve sujeitar-se às normas legais. A autora traz a opinião do francês EISENMANN que divide em quatro os significados do mesmo:
“a) a Administração pode realizar todos os atos e medidas que não sejam contrários à lei; b) a Administração só pode editar atos ou medidas que uma norma autoriza; c) somente são permitidos atos cujo conteúdo seja conforme a um esquema abstrato fixado por norma legislativa; d) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer”.[194]
Ainda para a autora paulista:
“O sentido do princípio da legalidade não se exaure com o significado de habilitação legal. Este deve ser combinado com o primeiro significado, com o sentido dee ser vedado à Administração editar atos ou tomar medidas contrárias às normas do ordenamento. A Administração, no desempenho de suas atividades, tem o dever de respeitar todas as normas do ordenamento”.[195]
Moralidade.
A moralidade administrativa pode ser considerada pressuposto de validade de todo ato da administração pública. Isto se dá em virtude da sua previsão no art. 37, caput da Carta Magna de 1988.
A moralidade administrativa tem caráter jurídico e foi entendida por Maurice HAURIOU, já em 1926, na França, como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”.[196]
Explicando o pensamento do autor francês, MEIRELLES indica que o agente administrativo deve, necessariamente, distinguir o honesto do desonesto, o Bem do mal. Além disto, na sua atuação deve estar presente o elemento ético. As suas decisões se estenderão além da escolha entre o legal e o ilegal, entre o justo e o injusto, mas também entre o honesto e o desonesto. É que a moral administrativa se impõe à conduta interna do agente público, de acordo com as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação que é o bem comum.
O Decreto nº 1171, de 22 de junho de 1994 aprovou o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil Federal e reafirmou o princípio da moralidade administrativa.
Interessante é a contribuição feita pela autora Márcia Noll BARBOZA em sua monografia a respeito do tema.[197]
BARBOZA estuda o direito e a moral em dois sentidos, ou seja, trabalha com a tese da separação entre o direito e a moral como rejeição ao pensamento metafísico e faz abordagem a respeito da vinculação entre os mesmos no contexto do moderno mundo ocidental. Diversos autores como KELSEN, HABERMAS, HART e ALEXY são utilizados nas fundamentações da autora.
Em estudo a respeito do Estado, Administração Pública e Moralidade, são elaborados comentários a respeito da evolução da Administração Pública e sua disciplina no marco do Estado de Direito. Também é trabalhada a elaboração da noção de moralidade administrativa no direito francês e a sua recepção no direito brasileiro.
Finalmente, é realizada uma abordagem do princípio da moralidade administrativa na Constituição brasileira de 1988. Aqui são buscados o significado do princípio da moralidade administrativa, a sua reconstrução do sentido e as potencialidades do princípio da moralidade administrativa como uma tarefa para a concretização da norma.
Em relação às conclusões da autora, tem-se que a respeito da relação entre o direito e a moral, a tese positivista – que separa o direito da moral – significa a superação do jusnaturalismo, a rejeição dos elementos metafísicos presentes no conhecimento jurídico e a adequação desse conhecimento à visão científico-racional do homem moderno. Aqui o pensamento de HART representaria a melhor expressão de que o conceito geral de direito, se não inclui uma referência à moral, tampouco a exclui, podendo a regra de reconhecimento, num determinado ordenamento – ou tradição, como pensa a autora, remeter a critérios de identificação e validade que submetem o direito à moral. Em KELSEN, seguindo Max WEBER, o direito parece se legitimar na sua própria forma, nas condições e nos critérios de legalidade, enfim, na sua própria racionalidade, sendo o fator determinante dessa forma de pensamento, sem dúvida, o não cognoscitivismo ético.
A autora aceita, conforme HABERMAS e ALEXY, a viabilidade do conhecimento d da fundamentação racional da moral, mediante caminho procedimental-discursivo, por meio do qual não se obtém uma fundamentação última, mas uma fundamentação suficiente ao afastamento do relativismo ético.
Impessoalidade/Finalidade.
MEIRELLES aponta que o princípio da impessoalidade, do art. 37 da Constituição nada mais é do que o clássico princípio da finalidade. Ou seja, o administrador público só pode praticar qualquer ato para o seu fim legal. O fim legal é o objetivo do ato a ser praticado, de forma impessoal.
A promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos em relação às suas realizações administrativas também deve ser excluída conforme o princípio da impessoalidade.
A finalidade tem como objetivo o interesse público. Os atos que se afastarem do interesse público serão caracterizados como desvio de finalidade. A Lei nº 4717 de 1965, em seu art. 2º, parágrafo único, “e” conceitua desvio de finalidade como o “fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência” do agente.
O administrador está impedido de buscar outro objetivo ou finalidade que não o interesse público.
Para MEDAUAR os princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade são muito intrincados a ponto de servirem como meio de instrumentalização recíproca.[198]
O intuito essencial do princípio da impessoalidade seria impedir que razões pessoais prevaleçam e sejam praticadas no âmbito da Administração Pública. O princípio da impessoalidade visaria a impedir situações geradas por antipatias, simpatias, vinganças, represálias, nepotismo e favorecimentos diversos.
Ainda:
“Em situações que dizem respeito a interesses coletivos ou difusos, a impessoalidade significa a exigência de ponderação equilibrada de todos os interesses envolvidos, para que não se editem decisões movidas por preconceitos ou radicalismos de qualquer tipo”.[199]
Publicidade.
MEIRELLES afirma que a publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. O objetivo de adquirir-se validade universal seria a razão pela qual as leis, os atos e os contratos administrativos que produzem conseqüências jurídicas externas aos órgãos que as produzem exigem que seja feita a sua publicação, que se lhe dê a devida publicidade.[200]
A publicidade seria apenas um requisito de eficácia e moralidade do ato. Ela não é elemento formativo do ato. O ato irregular não se regulariza pela sua simples publicação e nem o ato regular dispensa sua publicação quando exigida esta por lei ou regulamento.[201]
Em virtude de se tratar de administração pública, revestidos deste caráter devem ser todos os seus atos. O sigilo só será aceito nos casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesses superiores da Administração Pública, nos moldes da Lei nº 8.159 de 08 de janeiro de 1991 e do Decreto nº 2.134, de 24 de janeiro de 1997.
O autor aponta vício burocrático de comum ocorrência consistindo na ocultação de atos e contratos administrativos sob a índole de sigilosos quando, na verdade, trata-se de atos que são públicos e devem ser divulgados para o conhecimento de todos.[202]
O princípio da publicidade será concretizado também pelos institutos constitucionais do mandado de segurança, do direito de petição, da ação popular, do habeas data e da suspensão dos direitos políticos por improbidade administrativa.
O princípio da publicidade abrange toda a atuação estatal, tanto no sentido de divulgação oficial de seus atos, quanto no de possibilitar o conhecimento da conduta interna de seus agentes. Serão públicos, assim, os atos concluídos e os em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos, as atas de julgamento das licitações, os contratos, os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes.[203]
Serão publicados no órgão oficial os atos concluídos e determinadas fases de certos procedimentos administrativos como nos de licitação. O fundamental, no entanto, é que se proceda à publicação do objeto e nome dos interessados, além do número do processo.
Produzem efeitos jurídicos as publicações do órgão oficial da Administração, ou seja, do Diário Oficial e dos jornais contratados com este fim. Também são considerados publicados os atos e as leis municipais afixados na sede da Prefeitura ou da Câmara, onde inexistir órgão oficial, de acordo com a Lei Orgânica do Município.[204]
Os atos e contratos administrativos que não forem publicados não produzem seus efeitos regulares e podem ser invalidados pela falta deste requisito constitucional.
Têm relação com o princípio da publicidade as seguintes normas constitucionais:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
A publicidade também não poderá ser realizada para a promoção pessoal do agente público, de acordo com o §1º do art. 37 da Constituição Federal de 1988.
A Constituição de Minas Gerais, em seu art. 17 e parágrafo único, também prevê que a publicidade de ato, programa, projeto, obra, serviço e campanha de órgão público, por qualquer veículo de comunicação, somente poderá ser de caráter informativo, educativo ou de orientação social, evitando que seja dado aos mesmos qualquer caráter de promoção pessoal de autoridade, servidor público ou partido político.
Antes do artigo acima indicado, no título referente aos direitos e garantias fundamentais, nos parágrafos quarto e quinto do art. 4º, são previstos a publicidade como requisito de validade dos processos administrativos e o direito de todos de requerer e obter informação sobre projeto do Poder Público, com ressalvas para os casos de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Eficiência.
O princípio da eficiência, nas palavras de MEIRELLES, requer uma atividade administrativa realizada com presteza, perfeição e rendimento funcional.[205]
MEDAUAR indica a presença anterior do princípio da eficiência em dispositivos legais como o parágrafo único do art. 123, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, de 04 de abril de 1990, ou ainda, na legislação ordinária federal, o §1º do art.6º da Lei nº 8987 de 1995, a respeito da concessão e permissão de serviços públicos.[206]
Doravante, a eficiência deve nortear toda a atuação da Administração Pública.
A autora indica que o princípio da eficiência vem causando o entendimento equivocado de que, em nome da eficiência, a legalidade será sacrificada. No entanto, os dois princípios constitucionais da Administração devem conciliar-se, buscando a Administração atuar com eficiência, dentro da legalidade.[207]
Razoabilidade.
MEIRELLES indica a sua existência implícita na Constituição Federal de 1988 e explícita na Constituição Paulista, art. 111.
Aponta também que na inexistência de prazo legal, regulamentar ou regimental para a decisão, há de se aguardar um tempo razoável para a manifestação da autoridade ou do órgão competente. Ultrapassado este, o silêncio da Administração converte-se em abuso de poder.[208]
Por influência direta do jurista Paulo Neves de CARVALHO, dentre muitos outros pontos, a Constituição do Estado de Minas Gerais também traz em seu texto, no caput do art.13, a previsão do princípio da razoabilidade na atividade da Administração Direta e Indireta daquele ente da federação brasileira.
O léxico da língua portuguesa traz o significado do substantivo feminino “razoabilidade” como sendo qualidade de razoável.[209]
Por qualidade de razoável podemos entender característica inerente de ser não excessivo, moderado.[210]
MEIRELLES qualifica razoabilidade como o princípio da proibição de excesso. Tal princípio, em última análise, objetivaria avaliar, cotejar[211] com os respectivos padrões a compatibilidade entre os meios e os fins, de maneira que se evite restrições não necessárias por parte da Administração Pública que causem lesão a direitos fundamentais. A razoabilidade envolveria a proporcionalidade e vice versa.
Presente nos atos discricionários, serve-lhe como instrumento de limitação, aumentando seu âmbito de controle. Aqui é trazida a opinião de Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO no sentido de que a razoabilidade “atua como critério, finalisticamente vinculado, quando se trata de valoração dos motivos e da escolha do objeto” para a prática do ato discricionário. Há de haver, assim, relação de pertinência entre a finalidade e os padrões de oportunidade e conveniência”.[212]
Lúcia Valle FIGUEIREDO opina que a razoabilidade deve ser aferida com os valores do homem médio.[213]
Proporcionalidade.
Conceitua a proporcionalidade MEDAUAR:
“O princípio da proporcionalidade consiste, principalmente, no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins. Aplica-se a todas as atuações administrativas para que sejam tomadas decisões equilibradas, refletidas, com avaliação adequada da relação custo-benefício, aí incluído o custo social”.[214]
Preponderância do interesse público sobre o interesse particular.
Segundo MEDAUAR, o princípio da preponderância do interesse público sobre o interesse particular é do direito público em geral. Fato é que o conteúdo da expressão interesse público pode ser associada a bem de toda a coletividade. Este princípio vem sendo combinado com a necessidade de se causar o menor número de sacrifícios possível na esfera dos interesses individuais. São as palavras da autora: “o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação de interesses, com a minimização de sacrifícios”.[215]
Indisponibilidade do interesse público.
A autoridade está impedida, nos moldes deste princípio, a deixar de tomar ou retardar providências relevantes ao atendimento do interesse público, seja por qual motivo for.[216]
Continuidade.
As atividades da Administração Pública não devem ser interrompidas, de modo que o atendimento dos interesses da coletividade não seja interrompido. Também informa este princípio as figuras da substituição, interinidade, suplência e o “responder pelo expediente nos caos de vacância na chefia de órgãos e entidades.[217]
Presunção de legalidade e veracidade.
As decisões da Administração Pública são feitas partindo-se do pressuposto de que são legais e de que seu conteúdo corresponde à verdade.
O pressuposto da legalidade e da veracidade, no entanto, aceita provas em contrário. Isto quer dizer que qualquer interessado pode demonstrar que uma ou mais decisões são ilegais e falsas.[218]
Auto-executoriedade.
O princípio da auto-executoriedade dispõe que os atos e as medidas da Administração Pública não necessitam, conforme o caso, do consentimento de outros poderes, sendo colocados em prática, mediante coação.
São justificativas deste princípio, segundo MEDAUAR, a necessidade de não retardar o atendimento dos interesses da coletividade diante de interesses contrários. Aqui está presente a presunção da legalidade própria dos atos e medidas administrativas.
São palavras da autora:
“A essa força dos atos e medidas da Administração, que possibilita colocá-los em prática de imediato, pela própria Administração, o ordenamento jurídico brasileiro contrapõe as liminares no mandado de segurança, na ação popular, na ação civil pública e nas cautelares, para impedir que direitos sofram danos irreparáveis”.[219]
Autotutela administrativa.
A Administração Pública deve ter todos os cuidados e atenção para que sua conduta e seus atos sejam legais e voltados ao atendimento do interesse público. A Administração pode anular atos e medidas ilegais ou revogá-los se inoportunos ou inconvenientes.[220]
O princípio da autotutela administrativa representa diretriz consolidada na Súmula 473 do STF[221]:
“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniências ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
Conclusões.
De nada valem todos estes princípios se o ser humano responsável pela sua aplicação não for suficientemente preparado, estimulado e recompensado para a sua realização.
Persiste aqui o grande desafio de se fazer realizar a vontade da lei.
E é o agente o grande responsável pela sua efetivação.
Os Sistemas administrativos: Contencioso Administrativo e Judiciário.
RIVERO trabalha a formação histórica do regime administrativo francês na sua obra Direito Administrativo. Mesmo sabendo-se das possíveis imperfeições advindas da tradução de uma obra do francês para o português, é o momento presente útil para se trazer dados que permitam uma compreensão do regime atual adotado no país do autor.
A Administração Pública francesa do Antigo Regime (antes da Revolução de 1789) era complexa. No entanto, a vontade dos Reis imprimiu à mesma coerência e centralização.[222]
Herdada do período feudal, havia verdadeira confusão entre as atividades públicas e privadas. As próprias atividades administrativas e judiciais se confundiam, uma vez que os parlamentos interferiam incessantemente nas atividades dos agentes do Rei.
A partir do século XVI e principalmente após o século XVIII, surge uma Administração Pública “…coerente, centralizada, hierarquizada, que é obra da Monarquia (…), tendente a concentrar em si o mais importante das atividades administrativas.[223]
Após a Revolução, entretanto, a quase totalidade da administração do Antigo Regime é destruída. Também é criado o recorte territorial francês em departamento e comuns para se construir uma Administração racional, uniforme e coerente. Além de tudo, são postos princípios de filosofia política que serão as bases de toda uma nova realidade: legalidade, separação de poderes, liberalismo político e liberalismo econômico e igualdade dos cidadãos perante a Administração.
Já no ano VIII da Revolução (algo como 1800), após a organização do território francês de forma uniforme e centralizada, surgem os serviços administrativos organizados no estilo militar, centralizados e hierarquizados. Embora sujeitos ao princípio da legalidade, sua ação ainda é bastante autoritária face ao pequeno desenvolvimento do direito administrativo.
Aqui se dá o nascimento da justiça administrativa separada da justiça comum ou ordinária. Ainda é sumária e dá poucas garantias ao particular.[224]
Tudo o que se construiu a partir de então nada mais era do que a um regime autoritário na ordem pública e liberal na ordem econômica. Entretanto, tais fatores futuramente se inverteriam com o liberalismo na política e a autoridade na ordem econômica.
MEIRELLES adota as expressões sistema administrativo e sistema de controle jurisdicional da Administração com o significado moderno de regime adotado pelo Estado para corrigir atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados por qualquer departamento do Poder Público.[225]
Dois são os sistemas em vigor, ou seja, o sistema do contencioso administrativo, mais conhecido como sistema francês, e o sistema judiciário ou de jurisdição única. A caracterização de ambos os sistemas se dá pela predominância da jurisdição comum ou da especial para solucionar os casos litigiosos em que Administração fizer parte.
Sistema do Contencioso Administrativo.
Adotado primeiramente na França, o sistema do contencioso administrativo resultou da desconfiança dos revolucionários franceses em relação à magistratura do antigo regime.[226]
MEIRELLES destaca, a partir de Roger BONNARD, que o mesmo é resultante da luta travada entre o Parlamento francês e os Intendentes representantes das administrações locais.
A Revolução de 1789 teria encontrado ambiente favorável à implantação do regime liberal e da independência dos Poderes, conforme a doutrina de Montesquieu. Também foi favorecida a separação da Justiça Comum da Administração. A partir da Lei 16, de 24 de agosto de 1790, as funções judiciárias tornaram-se diferentes e separadas das funções administrativas. Os juízes estavam proibidos, sob pena de prevaricação, de interferir, de qualquer forma, nas atividades administrativas.
FARIA lembra também que pelo Decreto de 16 frutidor do ano III, os tribunais comuns foram impedidos de conhecer de atos da Administração, de qualquer espécie.[227]
A Constituição de agosto de 1791 proibia, em seu artigo 3º, que os tribunais invadissem as funções administrativas ou mesmo citassem perante si os administradores, por atos funcionais.
A Administração Pública francesa, a partir de então, como ainda atualmente, só se subordina à jurisdição especial do contencioso administrativo, a partir da autoridade máxima do Conselho de Estado.
Os tribunais administrativos são sujeitos ao controle direto ou indireto do Conselho de Estado. Este Conselho opera como juízo de apelação, de cassação, ou, ainda, excepcionalmente, como juízo originário e único de certas contendas administrativas. A sua jurisdição em matéria administrativa é plena.[228]
Atualmente, no sistema do contencioso francês, o Conselho de Estado é o órgão máximo da jurisdição especial. Ele é o destino das apelações das decisões dos Tribunais Administrativos e, como instância de cassação, controla a legalidade das decisões de três órgãos: Tribunal de Contas, Conselho Superior da Educação Nacional e Corte de Disciplina Orçamentária.
Existem exceções ao cabimento da jurisdição administrativa para o julgamento do contencioso administrativo. São sujeitos ao julgamento pela justiça comum os litígios decorrentes de atividades públicas realizadas em caráter privado. Também o são os litígios que envolvem questões de estado e capacidade da pessoa e de repressão penal e os litígios referentes à propriedade privada.
O Tribunal de Conflito é o responsável pela solução dos conflitos de jurisdição entre as justiças administrativa e comum.
O Conselho de Estado é dotado de atribuições de ordem contenciosa e administrativa. Também exerce funções consultivas.
São quatro os recursos cabíveis ao Conselho de Estado Francês. Pelo contencioso de plena jurisdição, de mérito ou de indenização, o litigante requer o restabelecimento de seus direitos atingidos pela Administração. O contencioso de anulação visa a tornar inválidos atos administrativos ilegais, por serem contrários à própria lei, à moral ou por desvio de finalidade. É chamado de recurso por excesso de poder. Já o contencioso de interpretação objetiva a obtenção de declaração do sentido do ato e de seus efeitos no tocante ao seu postulante. Finalmente, pelo contencioso de repressão, é obtida a condenação do infrator à pena administrativa legalmente prevista para casos como infrações de trânsito ou de atentado ao domínio público.
O sistema do contencioso francês é aplicado, com as devidas adaptações, em países como a Suíça, Finlândia, Grécia, Turquia e Polônia.[229]
Sistema Judiciário.
Sistema judiciário, de jurisdição única ou de controle judicial é o sistema no qual todos os litígios, administrativos ou privados, são resolvidos na Justiça Comum. Originário da Inglaterra, é hoje adotado em países como o Brasil, Estados Unidos da América do Norte, Bélgica, México, dentre outros.[230]
Sistema Administrativo brasileiro.
A partir da instauração da República, em 1891, o Brasil adotou o sistema administrativo da jurisdição única. O controle administrativo realizado pela Justiça Comum. As demais Constituições advindas no século XX ( 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969) não admitiram a existência de uma Justiça administrativa. Somente a partir de 1977 (EC Nº 7/77) foi prevista como possível a criação de dois contenciosos administrativos. Estes porém, não se concretizaram. A partir da Carta Magna de 1988, tal possibilidade não foi mantida e o Brasil seguiu a sua tradição de adoção do sistema da jurisdição única. [231]
Administração Pública – A estrutura administrativa: Conceito, Elementos e Poderes de Estado.
Conceito.
Para estudarmos a Administração Pública, devemos ter como ponto de partida o conceito de Estado. É que pertencem a este as competências de prestação de serviços públicos aos seus cidadãos.[232]
Em função da concepção atual política predominante na maioria de países existentes, vive-se hoje em Estados de Direito, ou seja, em Estados juridicamente organizados que obedecem às suas próprias leis.[233]
DE PLÁCIDO E SILVA[234] expressa que Administração Pública, em seu sentido amplo, é uma das manifestações do poder público[235] na gestão ou execução de atos ou de negócios políticos. Isto se daria de forma tal que a Administração Pública se confundiria com a própria função política do poder público, expressando um sentido de governo que se entrelaçaria com o da administração.
O autor aponta a dificuldade de se distinguir as realidades de governo e de administração. Todavia, acrescenta o mesmo:
“…se o governo, em sentido amplo, significa a totalidade de órgãos representativos da soberania, a administração pública, subordinada diretamente ao poder executivo, alcança simplesmente o complexo de funções que esse órgão exercita no desempenho de atividades, que interessam ao Estado e ao seu povo”.[236]
A administração pública significaria, então, a simples direção ou gestão de negócios ou serviços públicos, realizados por suas entidades ou órgãos especializados, com vistas à promoção do interesse coletivo.
A administração pública federal cuida dos interesses da União, a Estadual dos Estados e a municipal dos interesses dos municípios.
Elementos.
Os três elementos do Estado são o povo, o território e o governo soberano.
O povo pode ser entendido como o componente humano de cada Estado.
Já o território pode ser concebido como a base física sobre a qual se estabelece o próprio Estado.
Governo soberano, por sua vez, é o elemento condutor do Estado. Ele detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização emanado do povo.
A chamada vontade estatal se apresenta e se manifesta por meio dos Poderes de Estado.
Poderes.
Poderes de Estado são os três conhecidos como Legislativo, Executivo e Judiciário. A sua ação deve ser harmônica e independente. Eles são imanentes e estruturais ao próprio Estado. Cada um dos mesmos realiza de forma precípua uma função.
O Poder Legislativo realiza a função normativa daquele Estado. O Executivo administra, ou seja, realiza a função administrativa de converter a lei em ato individual e concreto. O Poder Judiciário realiza a função judicial.
Entretanto, é de se ressaltar que todos os poderes praticam atos administrativos, ainda que restritos à sua organização e funcionamento.
O Poder estatal é uno e indivisível. O que há, na verdade é a distribuição das três funções estatais precípuas entre órgãos independentes e harmônicos.
Charles Louis de Secondat, o barão de Montesquieu, ao escrever, em 1748, “O Espírito das Leis” previu o equilíbrio entre os Poderes e não a separação ou divisão dos Poderes.
O governo é a resultante da interação dos três Poderes de Estado.[237]
Para BRANDÃO CAVALCANTI:
“A administração pública compreende, em seu sentido mais restrito, o conjunto dos órgãos destinados à execução direta dos serviços públicos e das leis e órgãos permanentes do Estado e por ele mantidos, em seu sentido mais lato, o conjunto de organismos afetados à execução dos serviços públicos, direta ou indiretamente, isto é, também dos serviços delegados ou concedidos”.
“A atividade da administração pública é a de tratar, gerir, cuidar dos interesses próprios e de terceiros que com ela mantêm relações e dependências”.[238]
Organização do Estado e da Administração.
A organização do Estado é matéria constitucional. São tratados sob este tema a divisão política do território nacional, a estruturação dos Poderes, a forma de Governo, a investidura dos governantes e os direitos e as garantias dos governados.[239] Moldada a organização política do Estado soberano, eis que surge, por meio de legislação complementar e ordinária, a organização administrativa das entidades estatais, das autarquias e empresas estatais que realizarão desconcentrada e descentralizadamente os serviços públicos e as demais atividades de interesse coletivo. [240]
O Estado Federal brasileiro compreende a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. Estas são, assim, as entidades estatais brasileiras que possuem autonomia para fazer as suas próprias leis (autonomia política), para ter e escolher governo próprio (autonomia administrativa) e auferir e administrar a sua renda própria (autonomia financeira). As demais pessoas jurídicas instituídas ou autorizadas a se constituírem por lei ou se constituem de autarquias, ou de fundações, empresas públicas, ou entidades paraestatais. Ou seja, estas últimas são as componentes da Administração centralizada e descentralizada.
A organização da Administração ocorre em um momento posterior à do Estado. No Brasil, após a definição dos três Poderes que integram o Governo, é realizada a organização da Administração, ou seja, são estruturados legalmente as entidades e os órgãos que realizarão as funções, por meio de pessoas físicas chamadas de agentes públicos. Tal organização se dá comumente por lei. Ela somente se dará por meio de decreto ou de normas inferiores quando não implicar na criação de cargos ou aumento da despesa pública.[241]
O direito administrativo estabelece as regras jurídicas que organizam e fazem funcionar os órgãos do complexo estatal.[242]
MEDAUAR indica que a Administração Pública é o objeto precípuo do direito administrativo e se encontra inserida no Poder Executivo. Dois são os ângulos em que a mesma pode ser considerada, funcional ou organizacional.[243]
No sentido funcional, Administração Pública representa uma série de atividades que trabalham como auxiliares das instituições políticas mais importantes no exercício de funções de governo. Aqui são organizadas as prestações de serviços públicos, bens e utilidades para a população. Em face da dificuldade de se caracterizar objetivamente a Administração Pública, autores distintos fazem sua identificação de modo residual, ou seja, as atividades administrativas seriam aquelas que não são nem legislativas, nem judiciárias.[244]
Já sob o aspecto organizacional, por Administração Pública pode-se entender o conjunto de órgãos e entes estatais responsáveis pelo atendimento das necessidades de interesse público. Aqui a Administração Pública é vista como ministérios, secretarias, etc.
CRETELLA JR utiliza o critério residual para definir a Administração Pública por aquilo que ela não é. A Administração Pública seria toda a atividade do Estado que não seja legislar ou julgar.[245]
Já pelo critério subjetivo, formal ou orgânico a Administração seria o conjunto de órgãos responsáveis pelas funções administrativas. Administração seria uma rede que fornece serviços públicos.[246] É o aparelhamento administrativo, é a sede produtora de serviço.[247]
O critério objetivo ou material considera a Administração uma atividade concreta desempenhada pelos órgãos públicos e destinada à realização das necessidades coletivas, direta e imediatamente.
O autor CRETELLA JR, em seu livro Direito Administrativo Brasileiro, utiliza a opinião de LABAND e relembra não se poder esquecer que Administração, no campo do direito público, tem o significado perfeito de “gerenciamento de serviços públicos”.[248]
Governo e Administração Pública.
Os conceitos de Governo e Administração devem ser distinguidos por apresentarem realidades distintas. A despeito disto, eles são continuamente confundidos.[249]
Formalmente, Governo é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais. Já no sentido material, ele é composto das funções estatais básicas. No sentido operacional, é a direção ou condução política dos negócios públicos. O Governo representa “…expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e da manutenção da ordem jurídica vigente”.[250]
Administração Pública é, formalmente, o conjunto de órgãos que realizam os objetivos do Governo. No sentido material, é o conjunto de funções necessárias à existência e operação dos serviços públicos em geral. Operacionalmente, é o desempenho contínuo, legal e técnico dos serviços públicos de competência do Estado. Administração é, assim, “…todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas”.[251] A Administração não realiza atos de governo, mas apenas atos de execução. Estes atos são chamados de atos administrativos.
Governo é atividade política e discricionária. Administrar é ação neutra, vinculada à norma ou à técnica. O Governo age independentemente, a Administração o faz de maneira hierarquizada. O Governo comanda, dirige, com responsabilidade constitucional e polít6ica, isento de responsabilidade profissional pela execução. A Administração é isenta da responsabilidade constitucional e política, sendo o seu quinhão de responsabilidade essencialmente técnico e legal pela execução. A Administração pode ser considerada o instrumental do Estado para concretizar na prática as opções políticas do Governo.
O Governo e a Administração são criações abstratas da Constituição e das leis que atuam por meio de suas entidades (pessoas jurídicas), de seus órgãos (centros de decisão) e de seus agentes (pessoas físicas investidas em cargos e funções).[252]
MEDAUAR explica que os termos Administração e Governo se acham incluídos na expressão “poder executivo”. Assim teria sido o seu surgimento na concepção clássica. Somente a partir de 1852 é que a doutrina francesa passa a tratar das diferenças entre ambos. Isto em virtude do decreto de 25 de março daquele ano responsável pela descentralização administrativa. Eis o texto do referido decreto:
“considerando que se pode governar de longe, mas que se administra bem somente de perto; que, em conseqüência importa tanto centralizar a ação governamental quanto é necessário descentralizar a ação puramente administrativa…”[253]
A mesma autora paulista cita Laferrière para quem:
“Administrar é assegurar a aplicação diária das leis, zelar pelas relações dos cidadãos com a administração central ou local e das diversas administrações entre si. Governar é prover às necessidades de toda a sociedade política, zelar pela observação de sua constituição, pelo funcionamento dos grandes poderes públicos, pelas relações do Estado com as potências estrangeiras, pela segurança interna e externa”.[254]
Já naquela época, para os franceses a separação entre Governo e Administração significava uma Administração dependente do Governo. Enquanto o Governo era dotado de função primordialmente política, a Administração realizava simples exercício de cumprimento da orientação governamental.[255]
À medida que cresce a importância social da Administração Pública, menor é a sua dependência das orientações políticas do Governo.[256]
Para ZAMPETTI, nas palavras de MEDAUAR:
“Assim, dificuldades surgem ao se pretender posicionar Administração e governo. Ora transparece a tendência ao reforço dos vínculos orgânicos entre governo e Administração; ora se busca desvincula-los; a primeira orientação atende a exigência de preencher o vazio criado no vértice do Estado[257] e tem a ver com crescente autonomia da Administração; a segunda, obedece à exigência de independência e imparcialidade da Administração”.[258]
A conclusão da autora é que somente em ocasiões limitadas pode ser percebida claramente a função governamental e a respectiva atuação de impulso, tornando-se difícil esclarecer quais as fronteiras rígidas entre governo e Administração.
DE PLÁCIDO E SILVA[259] expressa que Administração Pública, em seu sentido amplo, é uma das manifestações do poder público[260] na gestão ou execução de atos ou de negócios políticos. A Administração Pública se confundiria com a própria função política do poder público, expressando um sentido de governo que se entrelaçaria com o da administração.
O autor indica dificuldades em se distinguir governo e de administração. Todavia, acrescenta:
“…se o governo, em sentido amplo, significa a totalidade de órgãos representativos da soberania, a administração pública, subordinada diretamente ao poder executivo, alcança simplesmente o complexo de funções que esse órgão exercita no desempenho de atividades, que interessam ao Estado e ao seu povo”.[261]
O governo seria direção ou regência dada a uma série de fatos ou de coisas. Pode ser classificado em governo congressional, de assembléia, de fato, estadual, federal, municipal, representativo ou territorial.[262]
É a ação de governar, aplicando-se a qualquer ramo da administração.
Em sentido estrito, aplicado às bases da organização dele mesmo, governo é a soma de princípios ou regras adotados como fundamento aos poderes em mãos dos governantes constituídos.
Já sob uma abordagem política, governo é o conjunto de órgãos responsáveis pela administração pública que exerce poderes delegados pela soberania do povo.
No entanto, além de ser uma reunião de poderes que representam, pela instituição de órgãos políticos, a soberania popular ou nacional é vulgarmente empregado para designar simplesmente o poder executivo, um dos órgãos da soberania e uma instituição política do Direito Público.
O mesmo dicionário jurídico apresenta, ainda, sob o verbete poder público, o seguinte significado:
“PODER PÚBLICO. Indica o conjunto de órgãos investidos de autoridade para realizar os fins do Estado. É a administração pública; o governo constituído”.
A administração pública significaria, então, a simples direção ou gestão de negócios ou serviços públicos, realizados por suas entidades ou órgãos especializados, com vistas à promoção do interesse coletivo.
A administração pública federal cuida dos interesses da União, a Estadual dos Estados e a municipal dos interesses dos municípios.
DI PIETRO entende as diferenças entre Administração Pública e Governo estudando-os sob dois aspectos, quais sejam o objetivo e o subjetivo.[263]
No aspecto objetivo, indica fundamental iniciar-se o entendimento a partir do estabelecimento das três funções do Estado. É que mesmo o poder estatal sendo uno, indivisível e indelegável, o mesmo reparte-se em nas três funções legislativa, executiva e jurisdicional. A função legislativa seria a responsável pelo estabelecimento das regras gerais e abstratas chamadas leis, a função executiva e jurisdicional seriam responsáveis pela aplicação das leis aos casos concretos. A função jurisdicional é responsável pela solução de conflitos de interesses e aplicação coativa da lei, desde que as partes não o façam espontaneamente. A função executiva é realizada por meio de atos concretos voltados para a realização dos fins estatais, de satisfação das necessidades coletivas.
DI PIETRO classifica as três funções do Estado, todas sob o ponto de vista estritamente jurídico, segundo Renato Alessi, e diz que em sua totalidade há emanação de atos de produção jurídica[264], ou seja, atos que introduzem modificações em relação a situação jurídica anterior.[265]
A legislação seria ato de produção jurídica primário, posto que fundamentado única e diretamente no poder soberano.
A administração é a emanação de atos de produção jurídica complementares, constituindo-se na aplicação concreta do ato de produção jurídica primário e abstrato inserido que é a lei. O ente estatal é parte das relações a que os atos se referem. No entanto, a Administração Pública tem o poder de tomar medidas unilaterais, em referência a interesses de terceiros. A Administração é dotada de superioridade na relação de que é parte.
A jurisdição, assim como a administração, é ato de produção jurídica subsidiária dos atos primários. O órgão estatal permanece acima e à margem das relações a que os próprios atos se referem.
Um último ponto a respeito das funções da jurisdição e da administração é o seguinte: “a jurisdição atua mediante provocação da parte interessada, razão pela qual é função subsidiária [266], que se exerce apenas quando os interessados não cumpram a lei espontaneamente; a administração atua independentemente de provocação para que a vontade contida no comando legal seja cumprida e alcançados os fins estatais”.[267]
Entretanto, a função política ou de governo também seriam atos de produção jurídica complementares, os quais implicariam “…uma atividade de ordem superior referida à direção suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para outras funções, buscando a unidade da soberania estatal”.[268]
DI PIETRO exemplifica os seguintes atos políticos:
“…convocação extraordinária do Congresso, a nomeação de Comissões Parlamentares de Inquérito, as nomeações de Ministros de Estado, as relações com Estados estrangeiros, a declaração de estado de sítio e de emergência…”.[269]
Entidades políticas e administrativas.
Introdução.
Hely Lopes MEIRELLES explica que entidade é pessoa jurídica, pública ou privada; órgão é elemento despersonalizado ao qual cabe realizar as atividades da entidade de que faz parte, por meio de seus agentes, pessoas físicas investidas em cargos e funções.[270]
Dentro da organização política e administrativa brasileira as entidades são classificadas em estatais, autárquicas, fundacionais, empresariais e paraestatais.
2. Entidades estatais.
Entidades estatais são pessoas jurídicas de direito público que integram a estrutura constitucional do Estado. Possuem poderes políticos e administrativos, ou seja, fazem as suas próprias leis e têm administração própria. No Brasil são os componentes da Federação chamados de União, Estados-membros, Municípios e o Distrito Federal.
MEIRELLES lembra que somente a União é soberana.[271] Somente a União possui o supremo poder ou o poder político de um Estado. A soberania é um atributo da personalidade do mesmo Estado. A soberania é privativa da Nação e própria da Federação.[272] As outras entidades estatais somente são autônomas política, administrativa e financeiramente.[273]
Autonomia política é o poder das entidades de fazer as suas próprias leis. Já a autonomia administrativa significa a soma de poderes da pessoa ou entidade para administrar os seus próprios negócios, sob qualquer aspecto, consoante as normas e princípios institucionais de sua existência e dessa administração.[274] Quem possui autonomia financeira recebe suas rendas e administra o seu dispêndio.
A autonomia dos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios está subordinada aos princípios emanados dos poderes públicos e aos pactos fundamentais que instituíram a soberania de uma nação.
Entidades autárquicas.
As autarquias são pessoas jurídicas de Direito Público, possuem natureza meramente administrativa, são criadas por lei específica, têm por objetivo a realização de atividades, obras ou serviços descentralizados da entidade estatal responsável por sua criação. O seu funcionamento e a sua operação são de acordo com a lei que as criou e nos termos de seu regulamento. Podem realizar atividades econômicas, educacionais, de previdência ou qualquer outra outorgada pelo ente estatal que as criou, não sendo, entretanto, subordinadas hierarquicamente. São sujeitas, isto sim, ao controle finalístico de sua administração e da conduta de seus dirigentes.[275]
Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO define autarquias como: “pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa”.[276]
São pessoas de Direito Público e por esta razão é que as autarquias podem ser titulares de interesses públicos.
As autarquias são responsáveis pelos próprios atos, sendo que a responsabilidade do Estado, em relação a eles, apenas subsidiária.
Sofrem a denominada tutela ou controle. A tutela consiste no poder de influir sobre as autarquias com o propósito de torna-las de acordo com o cumprimento dos objetivos públicos em razão dos quais foram criadas, harmonizando-as com a atuação administrativa do restante do Estado.
Os fins deste controle ou “supervisão” são os de assegurar o cumprimento dos objetivos fixados a partir de sua criação. Torná-la adaptada à política e programação do Governo no tocante à sua especialidade, zelar pela concretização da eficiência administrativa e garantir as suas autonomias administrativa, operacional e financeira também são finalidades da tutela ou controle administrativo.
4. Entidades fundacionais.
Pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, têm as suas áreas de atuação definidas conforme o inciso XIX do art. 37 da CF/88, emendada pela EC 19/98. As entidades fundacionais particulares são criadas com simples autorização legal. Já as fundações públicas são criadas por lei, como as autarquias.
As fundações públicas se constituem de autarquias. Elas são pessoas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa, aplicando-se-lhes o regime jurídico próprio das autarquias.
Entidades empresariais.
São as pessoas jurídicas de Direito Privado criadas sob a forma de sociedade de economia mista ou empresa pública. Sua finalidade é a de prestar serviço público que permita exploração no mundo empresarial ou de exercer atividade econômica de interesse coletivo. São criadas a partir de autorização por lei específica, tendo o Poder Executivo a responsabilidade de tomar as providências complementares para sua instituição.
Entidades paraestatais.
Pessoas jurídicas de Direito Privado autorizadas por lei a prestarem serviços ou a realizarem atividades de interesse público ou coletivo, mas não exclusivos do Estado. São os conhecidos serviços sociais autônomos (SESC, SESI, SENAI, etc.) e as organizações sociais de acordo com a Lei 9648, de 1998. São autônomas administrativa e financeiramente, possuem patrimônio próprio e trabalham em regime de iniciativa particular, segundo seus estatutos, sujeitas à supervisão estatal da entidade a qual estão vinculadas, para o controle do desempenho estatutário. São os entes de cooperação com o Estado.
Agente Público.
Noção de Regime Jurídico.
Regime jurídico pode ser entendido como o conjunto dos dispositivos legais que tratam da vinculação do servidor ao Estado, e dos princípios que a informam. É o conjunto de direitos e deveres que regem a relação entre o Estado e as pessoas que nele exercem atividades laborais ou a ele pertencem.
O regime jurídico constitucional dos servidores públicos é formado dos institutos normativos inscritos na Constituição do país relativos ao acesso aos cargos, empregos e funções públicas, ao ingresso no serviço público, à carreira, a remuneração e aposentadoria, entre outros itens.
A Constituição Federal de 1988, originariamente previa a obrigatoriedade de regime jurídico único para os servidores públicos dos órgãos e entidades da Administração direta, indireta e fundacional. A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, no entanto, ao modificar o caput do art. 39, omitiu a unicidade do regime.
O novo texto do caput do art.39 da Constituição diz o seguinte:
”Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política e administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes”.
Os regimes de pessoal da administração pública direta e indireta, no Brasil, sempre foram diversificados. Da análise das diferentes constituições se deduz que coexistiram o estatutário ou unilateral e o contratual ou bilateral, além do especial.
O regime jurídico único acolhido na Constituição de 1988 subordinava as vinculações dos servidores públicos destacados acima ao regime jurídico estatutário ou unilateral.
Há opiniões no sentido de que o termo "único" apenas significava a presença de um regime jurídico único, no âmbito da pessoa jurídica. Em outras palavras, o regime jurídico dos servidores poderia ser estatutário ou trabalhista, um ou outro.
Agentes Públicos: Conceito
Maria Sylvia Zanella Di Pietro define agente público como a pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da administração indireta.[277]
Faz notar que, até a Constituição de 1988, eram excluídos da denominação os que prestavam serviços às fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas – pessoas jurídicas de direito privado instituídas pelo Estado. Atualmente, segundo o texto do art. 37, integram a classe dos agentes públicos.
Classificação
A autora adota o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que classifica os agentes públicos em agentes políticos, servidores públicos e particulares em colaboração com o Poder Público.[278]
Agentes políticos
Agentes políticos são aqueles que agem em nome do Estado, os titulares dos cargos da cúpula da estrutura estatal, consagrados constitucionalmente. São os chefes dos poderes executivos de todas as esferas de governo e seus auxiliares.
Os agentes políticos mantêm vínculo de natureza política com o Estado e exercem munus público.
Servidores públicos
Servidores públicos são aqueles que prestam serviços ao Estado e aos seus entes de administração indireta, profissionalmente e mediante remuneração paga pelos cofres públicos.
A partir da Constituição, podemos entender que é servidor público todo aquele que mantém vínculo de trabalho profissional com as entidades do governo integradas em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, suas autarquias e fundações de direito público.
Os servidores públicos são titulares de cargos públicos ou empregos públicos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, suas autarquias e fundações de direito público.
A denominação “servidor público” compreende os servidores estatutários, empregados públicos e os servidores temporários.
Servidores estatutários
Os servidores estatutários estão sujeitos ao regime assentado em normas editadas pela própria entidade; ocupam cargos públicos.
De outro modo, o regime estatutário é estabelecido por lei da respectiva órbita de governo e pode ser modificado unilateralmente, respeitados os direitos adquiridos do servidor.
Empregados públicos
Os empregados públicos são contratados pelo regime da legislação trabalhista e ocupam empregos públicos.
Os contratados sob o regime da legislação trabalhista, de órbita nacional, sujeitam-se a todas as normas constitucionais referentes a investidura e acumulação de cargos, entre outras previstas constitucionalmente.
Servidores temporários
Os servidores temporários do art. 37, IX, da Constituição são contratados por tempo determinado, para atenderem a necessidades temporárias de excepcional interesse público, segundo o referido texto da Constituição de 1988. Exercem função e não estão vinculados a cargo ou emprego público.
São os que exercem funções temporárias, mediante regime jurídico especial, que deve ser disciplinado em lei própria do nível correspondente de governo.
Na esfera federal, a contratação temporária é disciplinada pela Lei nº 8.745, de 1993, alterada pelas Leis nº 9.849, de 26 de outubro de 1999, nº 10.667, de 14 de maio de 2003, além das medidas provisórias nº 2229-43, de 2001 e nº 86 de 2002.
Particulares em colaboração com o Poder Público
Os particulares em colaboração com o Poder Público exercem função pública, mas não deixam de ser particulares, isto é, não fazem parte do Estado.
Celso Antônio Bandeira de Mello assim se refere a estes particulares em colaboração:
em primeiro lugar, os requisitados, que exercem munus público e são os recrutados para o serviço militar obrigatório; os jurados e os que trabalham nos cartórios eleitorais, quando das eleições;
os gestores de negócios públicos que assumem a gestão da coisa pública livremente, em situações anormais e urgentes;
os contratados por locação civil de serviços;
os concessionários e os permissionários de serviços públicos, os delegados de função ou ofício público, bem como os que praticam atos que são de competência do Estado e têm força jurídica oficial.[279]
Dos militares.
Vínculo do servidor com o Estado
A vinculação do servidor ao Estado sempre ostentou duas naturezas; a doutrina as classifica em contratual ou bilateral e estatutária ou unilateral.
Regime estatutário
O regime estatutário de vinculação do servidor pode ser entendido como o conjunto de disposições legais às quais irá se sujeitar aquele que aspira a trabalhar para o Estado. Ele é também denominado unilateral, porque o servidor deve sujeitar-se às determinações legais para qualificar-se como agente público; neste caso, o agente tem determinadas por lei todas as suas condições de trabalho: ingresso, direitos, deveres, remuneração e regime disciplinar, entre outros itens.
Regime contratual
O regime bilateral ou contratual implica ajuste das partes entre si, a pessoa física do agente e o Estado. A norma de direito mais recente, a propósito do contrato temporário previsto no art. 37, inciso IX, da Constituição da República, chamou-lhe contrato administrativo, isto é, de direito público; a par disto, há o vínculo contratual regido pela legislação trabalhista, de direito privado, previsto na lei 9962, de 22 de fevereiro de 2000, e das empresas estatais, a sociedade de economia mista e a empresa pública.
Evolução
Introdução
Pelo estudo das diferentes Constituições brasileiras, percebe-se predominância de dispositivos estatutários. Entretanto, detectam-se também manobras dos governantes, no intuito de possibilitar a contratação de agentes públicos mediante vínculo mais flexível que o estabelecido legalmente nos estatutos.
Anteriormente à Constituição de 1967, por exemplo, era admitido pessoal para serviços temporários. Estas pessoas poderiam ser admitidas em duas qualidades, ou seja, como extranumerários ou como interinos. A primeira categoria mantinha com o Poder Público uma relação de natureza estatutária.[280]
Interinos
Os funcionários interinos eram aqueles nomeados provisoriamente para substituir os funcionários do quadro ou para preencher os cargos ainda não providos por nomeação efetiva.[281]
Extranumerários
Os servidores extranumerários eram admitidos a título precário para o desempenharem funções eventuais ou extraordinárias. Não compunham os quadros permanentes de funcionários. A distinção entre os extranumerários e os funcionários do quadro permanentes era que estes eram nomeados para cargos, enquanto os primeiros para funções ou serviços. Admitidos precariamente pela Administração, podiam ser dispensados sumariamente.[282]
Regime jurídico único
Com o advento da Constituição de 1988, instituiu-se o regime jurídico único para os servidores públicos da administração direta, autárquica e fundacional. A idéia era a de se sujeitarem à relação estatutária todos os servidores públicos envolvidos.
Entretanto, com o advento da Emenda Constitucional 19/98, a Constituição desprezou, em seu art. 39, a unicidade do regime jurídico do servidor público, nas administrações direta, autárquica e fundacional.
Avaliação
Para avaliar o regime jurídico do servidor, há que se ater a pontos fundamentais. As questões atinentes à espécie de vínculo a ser estabelecido para o exercício da função pública envolvem o interesse público, diferindo, por isto mesmo, das que se colocam, quando se trate da vinculação jurídica entre particulares.
O vínculo a ser estabelecido com o Estado tem de àquele assegurar a consecução dos objetivos do bem comum. As pessoas que agirão em nome do Estado não podem ser consideradas simples empregados, como se vinculados estivessem ao setor privado, cuja inspiração é a do lucro. O Estado não existe para lucrar, mas para oferecer à população acesso aos bens da vida.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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