A aprovação na Câmara dos Deputados do PL nº 205/95 que regula a recuperação extrajudicial, judicial a falência de devedores pessoas físicas e jurídica que exerçam atividade econômica regidas pelas leis comerciais, nos traz algumas mudanças importantes na atual legislação falimentar, conforme vemos:
1. Mudanças de termos e suas implicações. A Lei de Falências e Concordas nº 7661 de 1945 será substituída por outra que “Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividade econômica regida pelas leis comerciais, e dá outras providências”, conforme estabelece a subemenda aglutinativa global às emendas de plenário ao substitutivo adotado pela comissão especial ao projeto de lei 4376-B/93 ( PL 205/95 apensado ). Desaparece a concordata suspensiva. As concordatas preventiva e suspensiva e a continuidade dos negócios do falido após a declaração da falência que eram mecanismos de recuperação judicial da empresa, passam a dar lugar a um único processo, chamado de recuperação judicial que ocorre sempre antes da falência. Nasce a recuperação extrajudicial, ou seja, uma tentativa do devedor resolver seus problemas com os credores sem que haja grande necessidade da intervenção judicial. A falência continua basicamente como esta.
2. Sujeito passivo. Estão sujeitos a recuperação extrajudicial, judicial e a falência a sociedade simples e os empresários. Não estão sujeitos a futura lei a sociedade cooperativa, o agricultor que explore propriedade rural para fins de subsistência familiar, o artesão, ao que presta serviços ou ao que exerce atividade profissional organizada preponderantemente com o trabalho próprio ou dos membros da família, para fins de subsistência familiar, o profissional liberal e à sua sociedade civil de trabalho, à empresa pública e à sociedade de economia mista. Leis específicas disporão sobre as formas de intervenção do Estado e a liquidação na instituição financeira pública e privada, na cooperativa de crédito, no consórcio, na sociedade de previdência privada, na sociedade operadora de plano de assistência à saúde, na sociedade seguradora, de capitalização e em outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
3. Da recuperação extrajudicial. Até então, a convocação de credores com proposta para dilação de prazos para pagamentos e remissão de dívidas caracteriza a falência do devedor. Com a nova lei isto deixará de caracterizar a falência e servirá como uma forma preventiva de recuperação extrajudicial de dificuldades do devedor. Os créditos trabalhista e tributário não estão sujeitos ao processo de recuperação extrajudicial. A recuperação extrajudicial fará com que certos credores se sacrifiquem pelos que não façam parte deste plano de recuperação.
4. Ministério Público. O Ministério Público passa a intervir antes da falência do devedor nos casos previstos na lei e não somente após a declaração da falência como ocorre atualmente, com isso aumenta o papel de atuação do Ministério Público na futura lei.
5. As penas pecuniárias e multas. Existem dúvidas se as penas pecuniárias e as multas contratuais por infrações das leis penais e administrativas poderão ser exigidas no processo de recuperação judicial, pois esta exigência somente esta expressa no caso de falência se houver saldo para pagamento após serem pagos os credores quirografários.
6. Obrigação de informação. As ações de natureza trabalhista na falência terão prosseguimento com o administrador judicial que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo. Atualmente a legislação falimentar não estabelece que o devedor publique seu estado de dificuldade formalmente, isto ocorrerá com a nova lei para que supostamente facilite o crédito do devedor em dificuldades. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social ( INSS ) serão intimados pessoalmente para que acompanhem o processamento do pedido de recuperação judicial.
7. Direito de prioridade no recebimento dos créditos nos processos de recuperação judicial e falência. Os créditos derivados das relações de trabalho tem prioridade de recebimento, tanto no processo de recuperação judicial como na falência. Nos processos de recuperação extrajudicial e judicial esta prioridade poderá ser modificada pela Assembléia Geral de Credores. De maneira geral, os credores posteriores a abertura da recuperação judicial terão prioridade no recebimento de seus créditos com relação aos anteriores, por isso é que será publicado formalmente que o devedor está em recuperação judicial. Os créditos tributário e com garantia real passam a ter o mesmo tratamento na falência, ou seja, concorrem em igualdade de condições. Ao final serão pagos os créditos quirografários e por último os créditos subordinados. Os credores que tem direito a restituição de seus bens não participam do processo de falência, como ocorre por exemplo no caso de restituição decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação.
8. Mudança dos órgãos nos processos coletivos. Desaparecem os termos utilizado no processo de concordata “ comissário “ e no processo de falência “ síndico “. Nascem as figuras do administrador judicial, nomeado com a abertura do processo de recuperação judicial para co-gerir os negócios da empresa em recuperação e também quando for declarada a falência do devedor para administrar os bens compreendidos aqui compreendidos; do administrador-gestor que substitui o devedor quando este for afastado da empresa ou quando o administrador judicial recusar ou estar impedido de aceitar o encargo para gerir os negócios da empresa em recuperação judicial; do Comitê de Recuperação, responsável, entre outras, pela fiscalização da gestão do devedor, o qual é formado por um representante dos empregados, um representante da classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, um representante da classe de credores quirografários, subordinados ou com privilégios gerais, cada classe conta com dois suplementes. Nasce a Assembléia-geral de Credores formada por três classes: credores trabalhistas, credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais e credores quirografários, subordinados ou com privilégios gerais.
9. Finalidade da recuperação judicial. A recuperação judicial do devedor visa a continuidade dos negócios das empresas viáveis, a manutenção de empregos e o pagamento dos credores. Enquanto que a legislação atual se preocupa somente com aspectos formais para declarar a falência da empresa a nova lei não é formalista como a atual porque ela se preocupa com a função social da empresa dentro do seu meio de atuação. A nova legislação porém, não estabelece qual é a ordem prioritária em sua finalidade, ou seja, dar continuidade a empresa, manter os empregos ou pagar os credores?
10. Inclusão de todos os credores nos processos de recuperação extrajudical e judicial? A atual legislação privilegia os já privilegiados credores com garantias reais, a Fazenda Pública e o Instituto Nacional da Seguridade Social, os excluindo do processo de concordata. As legislações falimentar, trabalhista, tributária e societária precisam estar em equilíbrio para que a nova lei possa ser aplicada de forma eficaz a solucionar os problemas das empresas em dificuldades. Os credores trabalhista e tributário não estão sujeitos aos processos de recuperação extrajudicial e judicial. Lei específica deverá estabelecer como será abordado o crédito tributário na recuperação judicial do devedor. O credor com garantia real esta incluído no processo de recuperação judicial. Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados.
11. Da abertura do processo de recuperação judicial. Atualmente o devedor apresenta ao juízo uma proposta de pagamento que será feita a seus credores seguindo as condições estabelecidas na lei para realização de pagamentos. Uma vez preenchidos os requisitos estabelecidos na legislação, o julgador, sem ouvir ninguém, determina a abertura do processo de concordata. Com a nova lei, o devedor apresenta seu pedido com um plano detalhado de recuperação dizendo de que forma ele vai se recuperar e pagar seus credores. Nasce o período de observação, esta é uma grande inovação na nova lei. Este período dura, em princípio, seis meses. O processo de recuperação judicial é aberto por uma fase preparatória e conservatória que permite uma análise profunda da situação econômico, financeira, patrimonial e social da empresa para ver se é possível sua recuperação. No plano, sendo necessário, o devedor mencionará se haverá cisão, incorporação, fusão ou cessão de quotas ou ações da sociedade, substituição total ou parcial dos administradores, aumento do capital social,… A Assembléia de Credores será responsável por deliberar sobre a aprovação do plano de recuperação judicial, que deverá ser feito pela maioria dos credores presentes e cumulativamente contar com o consentimento de pelo menos duas das classes de credores. O plano, bem como suas modificações também serão aprovadas com 2/3 dos votos do total dos credores. Em caso de não aprovação do plano, será decretada a falência do devedor. O plano pode ser revisto se houverem modificações substancias na situação econômico-financeira do devedor. Os credores passam a decidir sobre o destino da empresa, ou seja, eles decidem se ela tem possibilidades de se recuperar ou então se deve ser declarada sua falência. Uma vez processada a recuperação judicial está permanecerá sob observação judicial, em princípio, somente por dois anos. Após este período o processo é retirado da justiça.
12. Do cumprimento das obrigações do devedor em recuperação judicial. Atualmente o devedor somente assume obrigações referente ao pagamento de seus credores no processo de recuperação e com a futura lei ele poderá assumir outros compromissos além dos pagamentos e todos estes compromissos devem ser cumpridos para ele ser considerado recuperado.
13. Do descumprimento das obrigações do devedor em recuperação judicial. Atualmente o devedor que deixa de cumprir com suas obrigações pecuniárias no processo de concordata tem, em situações normais, sua falência declarada. Com a nova lei não somente pelo descumprimento de obrigações pecuniárias, mas também pelo descumprimento de outras obrigações essenciais ele terá declarada sua falência.
14. Da falência. Com a atual legislação basta o devedor ser impontual e ser protestado por único credor, independentemente do valor da dívida, para ele ser considerado falido. Com a nova lei existe um crédito mínimo correspondente a 40 ( quarenta ) salários mínimos para as médias e grandes empresas e de 20 ( vinte ) salários mínimos para as microempresas e empresas de pequeno que deve ser atingido para que se possa requerer a falência do devedor, acompanhado de um ou mais títulos devidamente protestados com antecedência de 90 dias anteriores à data do pedido de falência. Além da impontualidade do devedor, existem fatos na lei de falências atualmente que dão ensejo a falência, como por exemplo, o fato de proceder à liquidação desordenada de seus ativos ou lançar mão de meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos. Com a nova lei não somente a impontualidade, como esses fatos que estão previsto no atual artigo 2º da Lei 7661/45 passam somente a presumir sua falência quando ele apresentar um plano de recuperação e não a caracterizá-la.
15. Da nulidade dos atos praticados pelo devedor que prejudicam os credores. A Nova Lei aumenta o prazo que era de 60 para 90 dias do período suspeito, tornando inoponível perante a massa liquidanda certos atos praticados pelo devedor que venham a prejudicar os credores. Este é o efeito real do processo coletivo, fazendo com que o patrimônio global do devedor sirva como garantia para pagamento dos credores.
16. Da responsabilidade penal. A nova lei é mais rigorosa no aspecto penal tipificando novos crimes e aumentando as penas, dando ensejo a prisão preventiva do devedor e ou de seus representantes.
17. Da venda dos bens do devedor falido. Com a nova lei, os bens arrecadados do devedor serão vendidos de forma mais rápida para pagar os credores porque não é necessário esperar a formação do quadro geral de credores para ocorrer a venda.
18. Da indisponibilidade de bens particulares dos réus. A responsabilidade solidária e ilimitada dos controladores e administradores da sociedade limitada, estabelecidas nas respectivas leis, bem como a dos sócios comanditários e do sócio oculto, previstas em lei, poderá ser engajada com a decretação da falência tornando seus bens indisponíveis.
19. Da cessão na empresa. Um novo processo autônomo a recuperação extrajudicial, judicial e a falência nasce na futura lei é o da cessão da empresa. Com a nova lei espera-se que a empresa possa ser vendida sem que o comprador adquira seu passivo tributário, mas para que isso ocorra deverá haver a reforma tributária.
20. O procedimento simplificado. Um procedimento simplificado é criado para atender as microempresas e empresas de pequeno porte, permitindo que estas possam se recuperar dentro do prazo máximo de 4 anos.
Informações Sobre o Autor
Robson Zanetti
Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 150 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante