Princípio da insignificância à luz da justiça militar

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Resumo: É de conhecimento geral que o princípio da insignificância é um tema que causa discussões acerca de sua aplicabilidade ou não, especialmente, na seara da justiça militar. Tal fato justifica-se devido ao alto grau de abstração que gravita em torno da caracterização do instituto, uma vez que não existe método eficaz que seja capaz de aferir com exatidão a sua incidência. Incontestavelmente, faz-se necessário criar parâmetros que sejam eficientes na apuração do referido princípio, a fim de que se evite o seu desuso, ou, até mesmo, venha a causar a sua extinção no mundo jurídico. Dessa maneira, acredita-se que seria possível impedir que processos cheguem aos tribunais para julgamento de crimes que, na maioria dos casos, poderiam ser arquivados, em razão de a lesão ao bem jurídico ser ínfimo. Assim, constata-se que através da aplicação de técnicas explícitas seriam eficazes para se evitar injustiças e preservar princípios básicos que norteiam o ordenamento jurídico.[1]

Sumário: Introdução. 1. Princípio da insignificância. 1.1. Conceito. 1.2. Da existência do Princípio da Insignificância. 2. Características da insignificância. 2.1. Insignificância da conduta e do resultado. 2.2. Distinção do crime de Pequeno Valor. 3. Conflito dos tribunais. 3.1. Posição do Supremo Tribunal Federal 3.2. Posição do Superior Tribunal de Justiça. 3.3. Posição do Superior Tribunal Militar. 4. Hipóteses de aplicação do instituto na caserna. 4.1. Inaplicabilidade do princípio da insignificância 4.2 Aplicabilidade aos Servidores da Pátria. Conclusão. Referências bibliográficas e eletrônicas.

INTRODUÇÃO

A função do Direito Penal num Estado Democrático de Direito conforme o entendimento da doutrina brasileira é a proteção de bens jurídicos fundamentais.[2] Nesse sentido, cumpre perquirir à luz da função do direito penal o princípio da insignificância o qual foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal Y Sistema del Derecho Penal.[3] Segundo os ensinamentos de ROXIN, “uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de direito material, e tampouco pode utilizar-se da denominação de Estado Social um Estado planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito.[4] Cabe ressaltar, ainda, conforme o pensamento de Binding e Jescheck, o Direito Penal, assim, um caráter fragmentário, pois não encerra um sistema exaustivo de proteção aos bens jurídicos, mas apenas elege, de acordo com o critério do “merecimento da pena” determinados pontos essenciais.[5] A aplicação do instituto tem sido alvo de inúmeras discussões tendo em vista a dificuldade de delinear os parâmetros básicos que sejam capazes de nortear a incidência do aludido princípio. Senão, vejamos os ensinamentos de Roxin, “a insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, como, por exemplo, mau-trato não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito”.[6] Isto, obviamente, torna-se mais difícil na seara da justiça militar, pois, as garantias dos valores militares devem ser preservadas a fim de garantir a manutenção da hierarquia e da disciplina que são os pilares basilares de sustentação das Forças Armadas. Assim, o presente artigo tem por objetivo esclarecer os aspectos relevantes do instituto e apontar as características necessárias que possam servir de orientação para a sua aplicabilidade na vida castrense, sem afrontar os valores militares.

1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA                                                       

1.1 Conceito                                                                                               

O conceito do princípio da insignificância ou bagatela não se encontra definido em nossa legislação. Com isso, observa-se que a interpretação doutrinária e jurisprudencial vem balizando as condutas tidas como insignificantes, com o objetivo de respeitar o princípio da intervenção mínima do direito penal.

Na lição de Vico Mañas:

“O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal”.[7]

Segundo Diomar Ackel Filho:

“O princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois como irrelevantes”.[8]

Desse modo, observar-se que a conceituação do instituto está ligada intimamente com o princípio da intervenção mínima do direito penal, visto que este se objetiva a proteger bens jurídicos relevantes.

1.2 Da Existência do Princípio da Insignificância

Data máxima vênia, encontra-se atualmente superada qualquer hipótese de inexistência do princípio da insignificância. Na dicção de Assis Toledo “segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas” [9]

Sob comento, preleciona Maurício Antônio Ribeiro Lopes:

“Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. O bem juridicamente protegido pelo direito penal deve, portanto, ser relevante, ficando afastados aqueles considerados inexpressivos”.[10]

Nesse diapasão, Vico Mañas, esclarece:

“o princípio da insignificância funciona como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com significado sistemático-político-criminal da expressão da regra constitucional do Nullum Crimen Sine Lege que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal”.[11]

Conforme exposto acima, verifica-se que o referido instituto possui existência no mundo jurídico. Assim, pode-se concluir que a sua aplicabilidade torna-se necessário tendo em vista os princípios norteadores do direito penal.

2. CARACTERÍSTICAS DA INSIGNIFICÂNCIA

2.1 Insignificância da conduta e do resultado

O princípio da insignificância deve ser analisado sobre dois aspectos, isto é, observar-se-á o comportamento humano e o resultado produzido. Como por exemplo, no delito de arremesso de projétil (CP, art. 264: “Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar: pena – detenção de 1 a 6 meses”), quem arremessa contra um ônibus em movimento uma bolinha de papel pratica uma conduta absolutamente insignificante; no delito de inundação (CP, art. 254: “Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: pena – reclusão de 3 a 6 anos, no caso de dolo, ou detenção de 6 meses a 2 anos, no caso de culpa”), quem joga um copo d’água numa represa de 10 milhões de litros de água pratica uma conduta absolutamente insignificante. Dessa maneira, verifica-se que o delito praticado é absolutamente insignificante não podendo ser imputado à conduta do agente.

Um outro, exemplo, é o delito de furto (CP, art. 155), quem subtrai uma cebola e uma cabeça de alho, que totaliza R$ 4,00, pratica uma conduta relevante (há desvalor da ação) mas o resultado jurídico (a lesão) é absolutamente insignificante (não há desvalor do resultado). Também nessa hipótese o fato é atípico. Não há incidência do Direito penal. Mas ficaria impune o autor do fato insignificante? Não. Segundo, leciona o professor Luiz Flávio Gomes em artigo publicado, esclarece: “Deve recair sobre ele todas as sanções civis (indenização), trabalhistas (despedida do empregado, quando o caso) etc. O que não se justifica é a aplicação do Direito penal.

Registre-se, ainda, a previsão do Decreto-Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar, no artigo 209 §6º: “No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar”. Nesta hipótese, caberá tão somente a absolvição pelo magistrado.[12]

Não devemos utilizar o canhão para matar um passarinho!”.[13]      

2.2 Distinção do Crime de Pequeno Valor

Em que pese o princípio da insignificância ser de fácil constatação pela aplicação pura e simples da interpretação literal, vejamos o significado de acordo com o dicionário “que não tem valor; reles”. Neste caso, pode-se ter como exemplo, o furto de um clips, uma folha de papel, uma caneta, etc. Entretanto, tal procedimento não parece ser decisivo ou satisfatório para a sua aplicação, especialmente, se o fato ocorre dentro do aquartelamento, pois, inexiste qualquer lei ou regulamento que esclareçam as formas ou condições necessárias que viabilizem a sua aplicabilidade.

Um outro aspecto a ser observado diz respeito ao crime de pequeno valor, uma vez que existe uma valoração do quantum para a sua caracterização. Consoante, artigo publicado em Revista do STM, ano 4, nº 5, de janeiro a junho de 2007, pelo Ministro-presidente Henrique Marini e Souza, do STM – “entende-se pequeno valor que não exceda a 1/10 da quantia mensal do mais alto salário mínimo do País”.[14]

Nesse sentido, elucida o Ministro Felix Fischer, do STJ:

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“… no emprego da insignificância, há que se distinguir entre infração de ínfimo e de pequeno valor. No que se refere à primeira espécie, indiscutível a possibilidade de sua aplicação, uma vez que não há como negar, em face do princípio da fragmentariedade, a desnecessidade de se chamar o Direito Penal a regular o fato ultima ratio. Já com respeito à infração de pequeno valor, aplica-se, eventualmente, a figura do furto privilegiado (art. 155,§2º, do Código Penal”. [15]

Cabe ressaltar, o artigo 240 §1º e §2º, do Código Penal Militar[16]:

“§1º Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela detenção, diminuí-la de 1 (um) a 2/3 (dois terços), ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a 1/10 (um décimo) da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país”.

“§2º A atenuação do parágrafo anterior é igualmente aplicável no caso em que o criminoso, sendo primário, restitui a coisa ao seu dono ou repara o dano causado, antes de instaurada a ação penal”.

Destaca-se, ainda, que o artigo 240, §1º e §2º aplica-se nos casos de apropriação indébita, conforme elencado no artigo 250 do CPM[17].

Vale mencionar, também, o disposto no Artigo 260, caput, do Código Penal Militar, na hipótese de dano atenuado, senão vejamos: “…se o criminoso, sendo primário e a coisa é de valor não excedente a 1/10 (um décimo) do salário mínimo, o juiz pode atenuar a pena ou considerar a infração como disciplinar”.[18] E, ainda, a hipótese de Receptação culposa, elencada no Artigo 255, § único, do Código Penal Militar: “Se o agente é primário e o valor da coisa não é superior a 1/10 (um décimo) do salário mínimo, o juiz pode deixar de aplicar a pena[19].

Logo, percebe-se que essa linha demarcatória do crime de pequeno valor poderá servir como elemento de distinção, já que não se poderá falar em princípio da bagatela quando o valor coincidir com o crime de pequeno valor.

Assim, verifica-se que a existência de limites se torna necessária para que seja possível a aplicação do referido princípio e, ainda, no caso de aplicação na caserna, deve-se atentar para os princípios que regem a vida militar.

3. CONFLITO DOS TRIBUNAIS                                                     

3.1 Posição do Supremo Tribunal Federal

Na lição de Rogério Greco o entendimento do tribunal é pela possibilidade de sua aplicação nos delitos patrimoniais cometido sem violência, consoante se verifica na ementa transcrita:[20]

“Princípio da Insignificância. Identificação dos vetores cuja presença legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal. Conseqüente descaracterização da tipicidade penal, em seu aspecto material. Delito de furto. Condenação imposta a jovem desempregado, com apenas 19 anos de idade. Res furtiva no valor de R$ 25,00 (equivalente a 9,6 % do salário mínimo atualmente em vigor). Doutrina. Considerações em torno da jurisprudência do STF. Pedido deferido. O Princípio da Insignificância qualifica-se como fator de descaracterização da tipicidade penal.[21]

Dessa forma, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal adotou o critério objetivo para possibilitar a aplicação do princípio da insignificância, quando delimitou o valor a ser considerado como insignificante.

3.2 Posição do Superior Tribunal de Justiça

A posição do STJ é que nos casos patrimoniais violentos, existe resistência com relação à aplicação do princípio, como se vê, a seguir:[22]

“Não há como aplicar, aos crimes de roubo, o princípio da insignificância – causa supra legal de exclusão de ilicitude, pois, trata-se de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (patrimônio e integridade física da pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal á sua repressão. Acrescente-se, ademais, que, sob o prisma da tipicidade material, a lesividade ao patrimônio da vítima não foi irrelevante, porquanto, ainda que o valor do bem – uma bicicleta – seja inferior a um salário mínimo, era o seu meio de locomoção urbano”.[23]

Diferentemente do STF, observa-se que o Superior Tribunal de Justiça não considera a aplicação do princípio da bagatela, uma vez que para a caracterização da insignificância, devem ser considerados os aspectos econômicos da vítima, isto é, se o bem lesionado é irrelevante para vítima. Neste caso, constata-se que o tribunal adotou o critério subjetivo para aferição e aplicação do princípio da bagatela.

3.3 Posição do Superior Tribunal Militar        

O entendimento do STM é que não é o valor monetário da res fator decisivo para selar o destino do agente, mas o relevante prejuízo para as Forças Armadas e para a sociedade em geral.

“O “amigo de o alheio militar” não se compara ao ladrão comum. Este, se descuidista, surrupia, conforme lhe favorece a ocasião ou, predeterminado, escala, rompe obstáculo, desprovido de qualquer obrigação que não seja a do seu ato, se descoberto. Aquele, ao se apossar do que não lhe pertence, fere, ao menos, três deveres igualmente importantes: seu dever de ofício, comum a todos os servidores públicos (art. 37 CF); seu dever de lealdade  para com a Pátria e com a sociedade que prometeu defender em juramento solene (art. 32 do Estatuto dos Militares) e; seu dever de lealdade com a Força a que pertence, lastreada na disciplina e na hierarquia (art. 142, CF).[24]

Assim, pode-se verificar que o Superior Tribunal Militar não considera apenas os aspectos econômicos, mas sim os valores militares que estão presentes nas FFAA e que são os pilares de sustentação da instituição.

4. HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO NA CASERNA

4.1 Inaplicabilidade do princípio da insignificância

Não se pode deixar de reconhecer, entretanto, que ao menos em caráter secundário, o Direito Penal tem uma inspiração ética, isto é, objetiva evitar o cometimento de crimes que afetam de forma intolerável os bens jurídicos penalmente tutelados.[25]

Na lição de Fabrini Mirabete:

“Inaplicável o princípio da insignificância ao delito de uso de entorpecentes, tendo em vista tratar-se de crime de perigo presumido ou abstrato, sendo totalmente irrelevante a quantidade de droga apreendida em poder do agente. Precedentes do STJ”.[26]

Na dicção de Welzel essa finalidade ética não é, todavia, um fim em si mesmo, mas a razão da prevenção penal, da tutela da lei penal aos bens jurídicos preeminentes. Considera, ainda, que a missão mais relevante do direito penal é de natureza ético-social em caráter positivo, ao contrário do que ocorre com a finalidade de proteção dos bens jurídicos, predominantemente de caráter negativo.[27]

Um outro exemplo refere-se ao crime de roubo uma vez que este repercute em diversos bens jurídicos protegidos.

Pondera Damásio de Jesus:

“O roubo constitui crime complexo em sentido estrito, uma vez que é constituída de vários tipos penais: furto, ameaça, lesão corporal e constrangimento ilegal (absorvidas as vias de fato). Fusão de várias figuras típicas, o delito complexo constitui unidade jurídica. Na lição de Aldo Moro, citado por José Frederico Marques, ‘a unificação operada dissolve a autonomia das lesões em uma nova e mais compreensiva configuração’ (Aldo Moro, Unitá e pluralitá di Reati, 1951, pág. 249; Frederico Marques, Tratado de Direito Penal, Saraiva, 1956, vol. II, pág. 361, nº 2). Assim, configurando delito único, o crime complexo não ingressa em categoria diversa em relação aos delitos comuns.”.[28]

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A melhor jurisprudência também não tem acatado o princípio da insignificância como hábil a afastar a tipicidade da conduta, quando presente delito complexo, diante da proteção que existe a mais de um bem jurídico.

“No roubo, mais do que o valor do bem subtraído, releva de importância a extrema vilania do agente, o que, por si só, merece a devida reprimenda. Inviável, diante da violência praticada, se exclua o delito sob a invocação da inexistência de prejuízo, ou da aplicação do chamado ‘principio da insignificância’.” [29]

“…no delito de roubo não se pode falar na incidência do princípio da bagatela, para que se possa cuidar dos delitos que o compõem de forma isolada, mas há de se invocar a harmonia que deve imperar no sistema jurídico, tratando os iguais de forma igual. Portanto, se em outros dispositivos legais o regramento do delito complexo se faz de forma una, conservando o crime complexo em sua integridade, também para fins de se afastar a incidência do princípio da bagatela se haverá de tratá-lo como crime único e não como uma espécie jurídica dissecável”.[30]

Na dicção do Ministro-presidente Henrique Marini e Souza:

“… nos casos de lesões corporais (Artigo 209, § 6º, do CPM) envolvendo superior e inferior hierárquico, não importando quem seja o autor ou mesmo em casos de agressões recíprocas. Independentemente da gravidade das lesões, vulnerados estariam valores essenciais à sobrevivência da Forças”[31].

Dessa forma, vislumbra-se que a aplicação da bagatela não está adstrita unicamente ao valor do bem jurídico, devendo-se analisar também se outros bens juridicamente protegidos foram violados.

4.2 Hipóteses de aplicabilidade aos Servidores da Pátria     

A aplicação do princípio da insignificância deverá pautar-se no bom senso e, tendo em vista os deveres do infrator em relação ao serviço, o qual se buscará a preservação dos valores e costumes militares, com intuito de blindar os princípios da hierarquia e da disciplina que são os dois principais pilares das Forças Armadas.

Vale trazer à lume o artigo 14 do Estatuto dos Militares:[32]

§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações, dentro do mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.

§ 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um componentes do organismo.”

O Estatuto dos Militares no artigo 27 e incisos classifica como manifestações essenciais do valor militar, dentre outros, os seguintes: o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e pelo solene juramento de fidelidade à Pátria até com o sacrifício da própria vida; a fé na missão elevada das Forças Armadas; o espírito de corpo; orgulho militar pela organização onde serve e amor incondicional à profissão das armas e o entusiasmo com que é exercida.

O entendimento do Ministro-presidente Henrique Marini e Souza, do Superior Tribunal Militar, considera a possibilidade de haver a aplicação do princípio da bagatela quando a lesão ao bem jurídico ocorrer entre militares do mesmo círculo, conforme se pode observar:

“… quando os envolvidos são do mesmo círculo, em particular quando se trata de soldados que estão prestando o serviço militar obrigatório, no caso de lesões corporais levíssimas, levando-se em conta outros fatores, como a primariedade, o Princípio da Insignificância permite considerar a infração como disciplinar.”[33].

Desse modo, observa-se que é possível a aplicação do referido instituto, desde que não se verifique uma afronta direta a Administração Pública, aos costumes militares, a hierarquia e a disciplina.

O Supremo Tribunal Federal reconhece a aplicabilidade do princípio da insignificância na Justiça Militar, de acordo com o transcrito abaixo:[34]

“… a 1ª turma, por maioria, deferiu habeas corpus impetrado em favor de militar denunciado pela suposta prática do crime de peculato (Código Penal Militar – CPM, art. 303), consistente na subtração de fogão da Fazenda Nacional, não obstante tivesse recolhido ao erário o valor correspondente ao bem. No caso, o paciente, ao dever o imóvel funcional que ocupava, retirara, com autorização verbal de determinado oficial, o fogão como ressarcimento de benfeitorias fizera”.[35]

“… a 1ª turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto por fuzileiro naval denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 240, caput, e seu §6º, inciso I, do CPM, consistentes na subtração de mochila contendo pertences de um soldado (restituídos antes da instauração do inquérito policial militar) e na violação de armário de outro militar para retirar um par de coturnos”.[36]

Depreende-se, assim, que a hierarquia e a disciplina são pilares basilares das FFAA e que a missão imposta constitucionalmente acaba por refletir um maior rigor no cumprimento de seus misteres, visto que atua na defesa da pátria. Caso contrário, não seria possível ter o perfeito funcionamento das atividades castrenses.

Entretanto, tal situação não pode ferir o princípio da intervenção mínima no direito penal. Dessa forma, deve-se fazer a análise adequada a fim de possibilitar a incidência do princípio da insignificância à vida castrense.

CONCLUSÃO

A questão tratada é extremamente controvertida, como se pode verificar até o presente momento, e dada à discussão acentuada pelos tribunais superiores. Observo que a solução mais adequada seria delinear critérios objetivos e subjetivos de valoração para aplicabilidade do princípio da insignificância. A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma, toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar a coexistência que evite a guerra civil. A tipicidade conglobante não é – com a teoria da adequação social da conduta – uma concepção corretiva proveniente da ética social material, é sim uma concepção normativa. Consoante, leciona Cezar Roberto Bitencourt a insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica.

Nesse entendimento, afirma Zaffaroni:

“a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, conseqüentemente, a norma particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível de se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada”. [37]

Desse modo, verifico que a incidência da insignificância deve repercuti em ambos os aspectos, ou seja, tanto objetivo como subjetivo, desde que não se afronte de forma direta as FFAA. No primeiro aspecto, deve-se levar em conta o valor da lesão; no segundo, os valores sociais e sua repercussão interna e externa. Assim, constato que a aplicação do princípio da insignificância na caserna deve ser feita com base nos princípios, costumes e valores militares os quais devem ser resguardados.

Na hipótese de aplicação do princípio da insignificância o Comandante da Organização Militar deve abster-se de analisar a figura do suposto transgressor e verificar se o fato cometido causa repercussão dentro do aquartelamento e se atenta ou não contra a hierarquia e a disciplina. Tal aferição, deve pautar-se de modo a ser evitar que muitos delitos de natureza leve deixem de ser punidos por serem considerados insignificantes. Assim, pode-se inferir que é necessário a análise de aspectos objetivos e subjetivos para a sua incidência, desde que não haja afronta direta aos valores militares.

 

Referências
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LAZZARINI, Álvaro. Coleção RT Mini Códigos. 6ª ed. revista e atualizada e ampliada, São Paulo: RT, 2005.
ZAFFARONI, Eugênio Rául. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997.
VICO MANÃS, Carlos. O Princípio da Insignificância como excludente da tipicidade do direito penal.  São Paulo: Saraiva, 1994.
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TOLEDO, Francisco de Assis. Ilicitude penal e causas de sua exclusão. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
JESCHECK, H. H. Tratado de derecho penal. Trad. Mir Puig e Muñoz Conde, Barcelona, Bosh, 1981.
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BATTAGLINI, Giuli. Direito penal. São Paulo: Saraiva – Edusp, 1973.
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Texto extraído do artigo. O STF e o princípio da insignificância no crime militar de furto: insignificância de suas decisões. Publicado na Revista de Estudos e Informações – Justiça Militar de Minas Gerais, nº 20, de novembro de 2007 – autor Jorge Cesar de Assis.
http://www.tjm.mg.gov.br/downloads/revista/rei_n20.pdf, acessado em 10.02.08, às 19: 40 h.
http://www.mp.mg.gov.br/, acessado em 09.02.08, às 16:00 h.
Notas:
[1] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Direito Penal Militar, da Universidade Gama Filho da Cidade do Rio de Janeiro, como requisito para a obtenção do título de Pós-Graduação em Direito Penal Militar, sob orientação do Professor Claudio Amin Miguel.
[2] Cezar Roberto Bitencourt apud Francisco de Assis Toledo, Princípios básicos de direito penal. 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 3 e 6; Frederico Marques, Tratado de Direito Penal, Campinas, Millenium, 1999, V III, p. 143; Basileu Garcia, Instituições do direito penal, 4ª ed.; São Paulo, Max Limonad, 1976, V I, t. II, p. 406; Damásio E. de Jesus, Direito Penal, Parte Geral, 19ª ed.; São Paulo, Saraiva, 1995, V I, p. 456-457.
[3] Cezar Roberto Bitencourt apud Claus Roxin, Política Criminal Y Sistema del Derecho Penal, Barcelona, Bosh, 1972, p. 53.
[4] Roxin, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
[5] Mirabete, Júlio Fabbrini apud cf. Jescheck, Hans, Heinrich. Tratado de derecho penal: parte general. 3. ed. Barcelona: Bosh, 1981. v.1, p. 73.
[6] Cezar Roberto Bitencourt apud Claus Roxin, Política Criminal, cit., p. 53
[7] Vico Mañas, Carlos. O Princípio da Insignificância no Direito Penal. Artigo extraído da Internet em 12.02.2000, site: http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud4/insign.htm.
[8] Franco, Alberto Silva. in Ackel Filho, Diomar. O Princípio da Insignificância no Direito Penal. Ob. cit., p. 79.
[9] Toledo, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. p.133.
[10] Greco, Rogério apud Lopes, Maurício Antônio Ribeiro. Teoria Constitucional do Direito Penal, p. 324.
[11] Vico Mañas, Carlos. O Princípio da Insignificância como excludente da tipicidade no direito penal, p. 56.
[12] LAZZARINI, Álvaro. Coleção RT Mini Códigos. 6ª ed. revista e atualizada e ampliada, São Paulo: RT, 2005, p.361.
[13] http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3068, acessado em 26/01/08, às 09:52 h
[15] Texto extraído do artigo. O STF e o princípio da insignificância no crime militar de furto: significância das decisões. Publicado na Revista de Estudos e Informações – autor Jorge Cesar de Assis. – STM. Ap. 2005.01.049837-0/RJ. Relator: Marcus Herndl. Brasília, acórdão de 24 de ago. 2005. Diário da Justiça, Brasília, 07 out.2005, grifo nosso.
[16] LAZZARINI, Álvaro. Coleção RT Mini Códigos. 6ª ed. revista e atualizada e ampliada, São Paulo: RT, 2005, p.368, grifo nosso.
[17] Ob. Cit., p. 371.
[18] Idem, p. 373, grifo nosso.
[19] Idem, p. 372, grifo nosso.
[20] Greco, Rogério. Curso de Direito Penal, p. 68.
[21] STF – HC 84412 MC/SP – 2ª turma – Rel. Min. Celso de Mello, publicado no DJ de 19 Nov 2004, p. 00037.
[22] Greco, Rogério. Curso de Direito Penal, p. 68.
[23] HC 37423/DF – Habeas Corpus – 2004/0110246-0, 5ª turma – Rel. Min. Laurita Vaz, publicado no DJ de 14 março de 2005, p. 396.
[24] Ob. Cit., autor Jorge Cesar de Assis.
[25] Fabbrini Mirabete, Júlio apud Zaffaroni, Eugênio Rául. Da tentativa. Bauru: Javol, 1980, p. 31.
[26] RHC 15422/RJ – Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2003/0224006-7 – 5ª turma – Rel. Min. Laurita Vaz, publicado no DJ de 1 de agosto de 2005, p. 472. Greco, Rogério. Curso de Direito Penal, p. 68.
[27] Mirabete, Júlio Fabbrini apud WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general. 11 ed. Santiago: Editora Jurídica de Chile, 1970. p. 13. No mesmo sentido: Battaglini, Giulio. Direito  penal. São Paulo: Saraiva/Edusp, 1973. V.I, p 6-8.
[28] Direito Penal, São Paulo: Saraiva, 1983, v. 2., p. 365. Texto extraído do artigo. Princípio da Insignificância e Delito Complexo. Publicado na Revista do Ministério Público de Minas Gerais – autor Rogério Felipeto. http://www.mp.mg.gov.br/, acessado em 09.02.08, às 16:00 h.
[29] STJ, 6ª T., RESP 74302/SP, rel. Min. Anselmo Santiago, DJ de 20/10/1997, p. 53141, j. de 15/09/1997.
[30] Ob. Cit., autor Rogério Felipeto.
[31] Texto extraído do artigo. Aplicação do princípio da insignificância na Justiça Penal Castrense. Publicado na Revista do Superior Tribunal Militar, ano 4, nº 5, de janeiro a junho de 2007 – autor Ministro-presidente Henrique Marini e Souza, do STM. http://www.stm.gov.br/serv_temporarios/revista_stm/revistastm_2007_n5.pdf, acessado em 10.02.08, às 17:09 h.
[32] LAZZARINI, Álvaro. Coleção RT Mini Códigos. 6ª ed. revista e atualizada e ampliada, São Paulo: RT, 2005, p.281.
[33] Ob. Cit., autor Ministro-presidente Henrique Marini e Souza, do STM, grifo nosso.
[34] Ob. Cit., autor Jorge Cesar de Assis.
[35] STF. HC 87.478-9/PA. Relator: Eros Grau. Brasília, acórdão de 29 ago. 2006. Informativo, Brasília, n. 418, 6-10 mar. 2006.
[36] STF. RHC 89.624-3/RS. Relatora: Carmen Lúcia. Brasília, acórdão de 10 de out. 2006. Informativo, Brasília, n. 444, 9-13 out. 2006.
[37] Bitencourt, Cezar Roberto – Tratado de Direito Penal. p. 27.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Alex Alan Antunes de Abreu

 

Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito Penal Militar, Universidade Gama Filho, Pós-graduado em Direito Trabalhista, Universidade da Cidade do Estado do Rio de Janeiro e Pós-graduado em Direito Público pelo Centro de Estudos Jurídicos do Estado do Rio de Janeiro

 


 

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