Princípio do devido processo legal

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Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar o princípio do Devido Processo Legal e seus principais corolários no âmbito do Direito Processual Civil.

Sumário: 1. A aplicação dos princípios no Direito Processual como garantia de efetividade dos direitos fundamentais; 2. O direito fundamental à Garantia do Devido Processo Legal; 2.1. Devido Processo Legal em sentido material; 2.2. Devido Processo Legal em sentido formal;

1. A aplicação dos princípios no Direito Processual como garantia de efetividade dos direitos fundamentais

Atualmente, os estudiosos e profissionais do Direito estão tendo a oportunidade de vivenciar uma nova forma de conduzir as técnicas de interpretação e argumentação no que tange à Hermenêutica Jurídica. Essa fase é, para alguns autores, denominada de Neoconstitucionalismo, para outros, pós-positivismo e consiste em dar à Constituição força normativa valorizando os princípios nela implícitos e/ou explícitos, bem como, em dar ênfase aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Nesse sentido, Marinoni nos informa que.

“A compreensão da lei a partir da Constituição expressa uma outra configuração do positivismo, que pode ser qualificada de positivismo crítico ou de pós-positivismo, não porque atribui às normas constitucionais o seu fundamento, mas sim porque submete o texto da lei a princípios materiais de justiça e direitos fundamentais, permitindo que seja encontrada uma norma jurídica que revele a adequada conformação da lei”.[1]

Sendo assim, o estudo do Direito Processual está sendo influenciado por essa nova concepção de raciocínio jurídico, permitindo ao processo, a possibilidade de ser examinado sob o prisma dos valores constitucionais, já que, boa parte dos seus princípios encontra-se atualmente consagrados no texto constitucional, com destaque, o capítulo dedicado aos direitos fundamentais.

Ainda seguindo o pensamento de Marinoni, a compreensão e a conformação das regras estão condicionadas pelo valor atribuído à realidade pelos princípios, consoante as possibilidades jurídicas e fáticas, o que implica na compreensão crítica do direito e na responsabilidade de relacionar as normas aos princípios, em busca da melhor interpretação da aplicação das regras ao caso concreto.

Do exposto, podemos observar relevante conformação das leis à Constituição e aos princípios nela elucidados principalmente, na garantia ao exercício dos direitos fundamentais. Utilizando-se das preciosas lições de Fredie Diddier Júnior, um dos maiores processualistas da atualidade, segundo o qual, os direitos fundamentais tem dupla dimensão: de um lado subjetiva, por atribuir posições jurídicas de vantagens a seus titulares e, de outro, objetiva, por traduzir valores básicos e consagrados na ordem jurídica. O autor destaca ainda, que as normas-princípio que consagram direitos fundamentais tem aplicação imediata (art. 5º, §1º, CRFB), obrigando o legislador a criar regras processuais em conformidade com elas e, ainda, adequadas à tutela das situações jurídicas ativas (principalmente os direitos fundamentais).[2]

É importante destacar que, no âmbito das relações jurídicas processuais modernas, devemos considerar os princípios como sendo fomentadores de posições jurídicas razoáveis e proporcionais aos fatos do caso concreto a fim de garantir a efetivação dos direitos fundamentais valorizados na Constituição. No âmbito processual, os princípios tendem a ser consagrados como garantidores dos direitos fundamentais processuais e, por isso, o magistrado deve interpretar esses direitos como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhes o máximo de eficácia. Poderá afastar, aplicado o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental, bem como, levar em consideração, eventuais restrições impostas a um dado direito fundamental a fim de garantir o respeito a outros direitos fundamentais.[3]

2. O direito fundamental à Garantia do Devido Processo Legal

Segundo entendimento da doutrina majoritária, o princípio do devido processo legal, originário da expressão due process of law teve origem no Direito inglês, no texto da Magna Carta de João Sem Terra, publicada em 1215, que em seu artigo 39, apesar de não fazer remissão expressa a este princípio, preocupou-se em exigir um processo como formalidade necessária para imposição de penas.

“Nenhum homem livre será detido ou aprisionado, ou privado de seus direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de algum modo, de sua condição; nem procederemos com força contra ele, ou mandaremos outros fazê-lo, a não ser mediante o legítimo julgamento de seus iguais e de acordo com a lei da terra”. (Magna Carta, 1215)

Do exposto, observamos que era dada ênfase apenas aos aspectos processuais do devido processo legal, para garantir regularidade ao processo judicial, mas, atualmente, é pacífico o entendimento de que a noção do referido princípio busca garantir resultados efetivos ao processo e proteção ao jurisdicionado.

A garantia do devido processo legal está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, LIV o qual reza que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, remetendo-se à garantia expressa das liberdades públicas. Para Fredie Didier, o aludido princípio consiste no postulado fundamental do processo, podendo ser aplicado genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade. Inclusive na formação de leis. [4]

Ainda segundo o eminente processualista, o devido processo legal aplica-se, também, às relações jurídicas privadas, seja na fase pré-contratual, seja na fase executiva, por a Constituição brasileira admitir através de sua “moldura axiológica” a ampla vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nela erigidos, de modo que não só o Estado como toda a sociedade podem ser sujeitos passivos desses direitos. [5]

Impende destacar que o devido processo legal é composto por várias ramificações que buscam garantir às pessoas um procedimento judicial justo e com direito de defesa, estando o magistrado subordinado aos aspectos processuais e materiais deste princípio, conforme será explanado a seguir.

2.1. Devido Processo Legal em sentido material

Abandonando o pressuposto do formalismo aplicado ao âmbito do direito processual civil, a doutrina atual entende que o processo deve guardar correspondência com os postulados da proporcionalidade e razoabilidade, para tanto, subdividiram o principio do devido processo legal em sentidos material e formal.

Os eminentes autores Ada Pellegrini, Cândido Rangel Dinamarco e Carlos Araújo Cintra nos mostra a diferença entre direito processual e direito material, para que possamos melhor compreender a classificação dual do mencionado princípio.

“Chama-se direito processual o complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado. Direito material é o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, penal, administrativo, comercial, trabalhista, tributário, etc.)”.[6]

 Cumpre observar que as decisões judiciais a serem proferidas em processos devem ser formal e substancialmente regulares, razoáveis e corretas, por obrigatoriedade imposta constitucionalmente pelo direito fundamental ao devido processo legal, o qual conforme a classificação acima demonstrada e, ainda, consoante precisos esclarecimentos dos autores mencionados, constitui.

“O conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas, que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.”[7]

Doravante, conforme as lições constitucionais de Dirley da Cunha Júnior, o devido processo legal material ou substantivo (substantive due process of law), impõe a justiça e a razoabilidade das decisões restritivas a direitos. Parte do pressuposto da observância do sentimento de justiça, de equilíbrio, de adequação, de necessidade e proporcionalidade em face do fim que se deseja proteger. [8]

Cumpre salientar que a essência do Direito na atualidade está na correta compreensão do principio da proporcionalidade na defesa dos direitos fundamentais. A máxima da proporcionalidade, como prefere mencionar Robert Alexy, é vista em vários preceitos da Magna Carta, identificando a importância do mencionado princípio para a formação do Estado de Direito.

Humberto Ávila menciona o postulado da proporcionalidade e apresenta uma ordem de vetores a serem analisados na aplicação do mesmo, quais sejam:

¥ Adequação da medida: ela deve promover a finalidade pretendida;

¥  Necessidade da medida; entre todas as medidas adequadas, deve-se escolher aquela que promove a finalidade com o menor custo possível;

¥ Proporcionalidade em sentido estrito: o resultado obtido com a medida adequada e necessária deve justificar a restrição.[9]

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Podemos entender que, os direitos fundamentais podem ser relativizados, mas, não sacrificados, desde que, para atender a uma finalidade pretendida e adequada à harmonização dos conflitos em sociedade, onde o resultado jurídico obtido justifique o sopesamento do direito fundamental. No âmbito do direito processual, alguns dispositivos do Código de Processo Civil destacam possibilidades jurídicas de aplicação da ponderação do postulado da proporcionalidade, que podem ser utilizadas no exercício da atividade jurisdicional, embora eximida de posicionamentos subjetivos e arbitrários, dentre ao quais, podemos mencionar:[10]

“Art. 798 do CPC: Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

Art. 461 do CPC: Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. §5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

Art. 620 do CPC: Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”

Seguindo à explicação da aplicação do postulado da proporcionalidade no Código de Processo Civil, os artigos referidos acima se referem respectivamente à concessão de provimentos liminares e utilização do poder geral de cautela, à utilização do poder geral de efetivação e, à identificação do meio menos gravoso para o executado. Podemos ainda, citar outros dispositivos: identificação do bem impenhorável (arts. 648/649, CPC e Lei Federal 8.009/90); admissibilidade da denunciação da lide com base no inciso III do art. 70; utilização de provas obtidas ilicitamente; decretação de nulidades processuais, etc.[11]

2.2. Devido Processo Legal em sentido formal

O devido processo legal formal ou procedimental (procedural due process of law) se satisfaz com a exigência de abertura de regular processo como condição para restrição de direitos. Essa garantia remonta à Magna Carta inglesa de 1215 (art. 39) que já se preocupava em exigir um processo como formalidade necessária para imposição de penas.[12]

O devido processo legal em sentido formal compreende a forma do processo, ou seja, estabelece as regras de direito a ser processado e a processar, subsumindo-se na obediência às normas previamente estabelecidas por meio de um processo legislativo, desde que, não sejam eivadas de vícios de inconstitucionalidade, pois, a Constituição tem o poder de valorar as regras do ordenamento jurídico, devendo toda a atuação do judiciário estar submetida aos princípios e normas expressos ou implícitos na Carta Mãe, que constitui o fundamento de validade de todo o Direito.

Observamos então que, o devido processo legal formal é um direito fundamental de conteúdo complexo do qual decorre todas as consequências processuais que garantem ao litigante o direito a um processo e a uma sentença justa, por isso, este princípio deve estar conjugado com outros, dele decorrentes, já que, trata-se de uma norma aberta e de conteúdo e entendimento complexo, principalmente pelo disposto no artigo 5, §1º da Constituição Federal:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

Portanto, da garantia ao devido processo legal, decorrem outros direitos, que permitem assegurar às partes litigantes direitos subjetivos que se constituem em condições indispensáveis para o correto e efetivo exercício da jurisdição.

 

Referência bibliográfica
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 21ª. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 26ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Bahia: Jus PODVIM, 2010.
JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11ª ed. Bahia: Jus POVDIM, 2009.
LIMA, Patrícia Carla de Deus. Abuso do Direito e tutela ética do processo. Dissertação de mestrado. Pontífica Universidade Católica do Paraná. Programa de pós graduação em Direito. 2006. Disponível em: http://www.biblioteca.pucpr.brtedetde_arquivos1TDE-2006-03-24T081729Z 296PublicoPatricia%20dto.pdf. Acesso em 14-09-2011.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
Fontes consultadas
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 15-09-2011.
BRASIL, Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm. Acesso em: 15-09-2011.
Material disponibilizado pelo professor Rafael Schwez Kurkowski da matéria Processo Penal I do curso de Direito da Faculdade Pio Décimo, 2º semestre de 2011.
 Material disponibilizado pelo professor Glauber Dantas Rebouças da matéria Processo Civil I do curso de Direito da Faculdade Pio Décimo, 2º semestre de 2011.
 
Notas:
 
[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 53.

[2] JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11ª ed. Bahia: Jus POVDIM, 2009. p. 28.

[3] Idem.

[4] JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11ª ed. Bahia: Jus POVDIM, 2009. p. 29-30.

[5] Idem.

[6] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 26ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 46.

[7] Idem. p. 88.

[8] JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Bahia: Jus PODVIM, 2010. p. 704.

[9] Material disponibilizado pelo professor Rafael Schwez Kurkowski da matéria Processo Penal I do curso de Direito da Faculdade Pio Décimo, 2º semestre de 2011.

[10] Material disponibilizado pelo professor Glauber Dantas Rebouças da matéria Processo Civil I do curso de Direito da Faculdade Pio Décimo, 2º semestre de 2011.

[11] JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11ª ed. Bahia: Jus PODVIM, 2009. p. 38.

[12] JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Bahia: Jus PODVIM, 2010. p. 704.


Informações Sobre o Autor

Viviane Andrade dos Passos

Professora de História com grau de licenciatura plena e pós graduação em História da Cultura Afro-brasileira; Acadêmica de Direito pela Universidade Tiradentes


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