Resumo: O estudo ora elaborado trata-se de um sucinto levantamento acerca da problemática das questões controvérsias à responsabilidade do fornecedor na relação de consumo. Sendo assim o trabalho procura traçar novas linhas a serem seguidas pelos legisladores e pelos operadores do direito a fim de esclarecer de forma objetiva e clara a relação fornecedor x consumidor. Assim vislumbra-se que a responsabilidade do fornecedor não é absoluta desde que preenchidas as formas de exceção desta responsabilidade. Significa dizer, então, que em alguns casos específicos e pré-determinados pela lei consumerista o fornecedor terá sua responsabilidade mitigada ou até mesmo excluída na relação com o consumidor. Ficará demonstrada a diferença entre responsabilidade por fato de serviço e por vicio, atentando quando as suas peculiaridades. Por fim o estudo elenca a posição dos nossos Tribunais, a fim de dirimir os conflitos e celeumas jurídicas quanto ao estudo em questão.
Palavras-chave: Consumidor, Fornecedor, Responsabilidade, Princípios, Aplicabilidade.
Abstract: The study prepared now it is a short survey about the issue of controversy questions the responsibility of the supplier in the consumer relationship. Thus the paper seeks to draw new lines to be followed by legislators and by the right operators in order to clarify objectively and clearly the relationship supplier x consumer. Thus one sees that the supplier's liability is not absolute since filled forms of exception this responsibility. To say, then, that in some specific cases and predetermined by law consumerist the supplier will have its responsibility mitigated or even excluded in the relationship with the consumer. It will be shown the difference between fact of liability for service and addiction, noting when their peculiarities. Finally the study lists the position of our courts in order to settle disputes and legal uproar about the study.
Keywords: Customer, supplier, Responsibility, Principles, Applicability
Sumário: 1. Criação do código de defesa do consumidor, 2. Princípios Constitucionais, 3. Relação de Consumo.
INTRODUÇÃO
Este estudo tem por finalidade discorrer sobre um dos mais notáveis temas que está em destaque no cenário jurídico e social, qual seja a responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor.
Dessa forma, sabemos que as mudanças ocorridas na sociedade ficando acabam por derradeira verdade modificando necessariamente as relações jurídicas existentes, pois se assim não fosse, teríamos um direito estático e sem aplicabilidade. Tal premissa se adequa e traduz na relação consumerista.
Desde a criação, o Código de Defesa do Consumidor tem sido um grande colaborador para a atualização hermenêutica do ordenamento jurídico, e uma referência para todas as áreas do Direito.
O presente trabalho tem por finalidade analisar como se dá o instituto da responsabilidade civil nas relações de consumo, quais foram as mudanças trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078 de 1990 – ao ordenamento jurídico brasileiro e quais são as novas formas de avaliar as relações consumeristas.
Será analisado, ainda, o Direito do Consumidor na Constituição Federal, sua origem, elementos, finalidade, hipóteses em que incidirá a responsabilidade civil e as regras e exceções de aplicação da responsabilidade dentro da relação de consumo.
1. CRIAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Antes ainda de ingressarmos no exame das normas estabelecidas pelo CDC é necessário colocar uma questão preliminar, que deve nortear o trabalho de todos aqueles que pretendem compreendê-la. É preciso que se estabeleça claramente o fato de o CDC ter vida própria, tendo sido criado como subsistema autônomo e vigente dentro do sistema constitucional brasileiro. Além disso, os vários princípios constitucionais que o embasam são elementos vitais ao entendimento de seus ditames.
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor inaugurou um novo modelo jurídico dentro do Sistema Constitucional Brasileiro, ainda pouco explorado pela Teoria do Direito. Em primeiro lugar, a Lei n. 8.078/90 é Código por determinação constitucional (conforme art. 48 do ADCT/CF), o que mostra, desde logo, o primeiro elemento de ligação entre ele e a Carta Magna. Ademais, o CDC é uma lei principiológica, modelo até então inexistente no Sistema Jurídico Nacional.
Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional.
Assim, o Código de Defesa do Consumidor, foi instituído pela Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Em decorrência da produção, o consumo e a contratação massificados, o consumidor passou a ficar em desvantagem diante de um fornecedor fortalecido técnica e economicamente.
Neste sentido que a magnífica professora AMARANTE (1998, p.15-16) discorre que o consumidor “exposto aos fenômenos econômicos, tais como a industrialização, a produção em série e a massificação, assim vitimados pela desigualdade de informações, pela questão dos produtos defeituosos e perigosos, pelos efeitos sobre a vontade e a liberdade, o consumidor acaba lesionado na sua integridade econômica e na sua integridade físico-psíquica, daí emergindo como vigoroso ideal a estabilidade e a segurança, o grande anseio de protegê-lo e colocá-lo em equilíbrio nas relações de consumo”. (AMARANTE, Maria Cecília Nunes. Justiça ou Equidade nas Relações de Consumo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998, 15-16).
Por assim ser notou-se a necessidade social da criação de um direito consumerista, destinado a regular as trocas econômicas massificadas, protegendo a parte vulnerável, qual seja, aquela que adquire produtos ou utiliza serviços.
A Constituição Federal de 1988, vislumbrando tal necessidade fez menção expressa em seu Art. 5º XXXII e Art. 170, V, sobre a proteção ao Consumidor. Anteriormente a supracitada Constituição nenhuma norma constitucional se preocupou em proteger e resguardar a relação de consumo.
Temos, então, a estipulação expressa no art. 5º, XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei a defesa do consumidor”, fator esse que garante sua condição de cláusula pétrea, conforme se depreende da leitura do art. 60, § 4º, IV, do mesmo Diploma legislativo.
Dessa forma, o CDC é entendido e estudado como um microssistema legislativo, pois contem várias regras em um mesmo diploma, visto que possui valores e princípios próprios, de feição multidisciplinar, já que se relaciona com todos os ramos do Direito – material e processual –, "ao mesmo tempo em que atualiza e dá nova roupagem a antigos institutos jurídicos." (FILOMENO, José Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 20.)
Consubstancialmente O CDC está dividido em quatro áreas:
1. Direito Material do Consumo (1º ao 54 do CDC.)
2. Direito Administrativo – com aplicação exclusiva para quem é fornecedor – é uma forma de intervenção estatal (art. 55 ao 60 CDC)
3. Direto Penal – Crimes de consumo – são onze infrações (artigos 61 a 80 do CDC).
4. Direito Processual – regras do processo civil aplicadas à relação de consumo (artigos 81 a 104 do CDC).
Conclui-se assim a enorme importância do CDC e a sua preocupação em tutelar a parte mais fraca da relação consumerista e neste sentido discorre MARQUES (2003, p.53): “O CDC brasileiro concentra-se justamente no sujeito de direitos, visa proteger este sujeito, sistematiza suas normas a partir desta ideia básica de proteção de apenas um sujeito “diferente” da sociedade de consumo: o consumidor. É um Código especial para “desiguais”, para “diferentes” em relações mistas entre um consumidor e um fornecedor”.
2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Inicialmente, antes de adentrar especificamente na seara da responsabilidade civil do fornecedor, faz-se mister tecer algumas considerações acerca dos princípios constitucionais de uma forma ampla que regula a relação consumerista. Vejamos, então:
2.1. Dignidade da pessoa humana.
A dignidade humana é um valor já preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato já de ser pessoa. É o princípio-mor. É o direito humano positivado, logo direito fundamental, que norteia as relações individuais entre pessoas e entre elas e as pessoas jurídicas, inclusive o Estado. Do ponto de vista do homem, a Constituição pode ser resumida à dignidade. No que se refere à ordem econômica, está ela presente; quanto à liberdade, também encontra-se presente tal princípio; e, dentre outros inúmeros exemplos, o princípio também encontra guarida no Código de Defesa do Consumidor, onde constitui-se em seu principal fundamento.
RIZZATO NUNES, ao discorrer sobre o princípio da dignidade humana, explicita que ele é o “mais importante princípio constitucional”, pois “dá a diretriz para a harmonização dos princípios.” E, complementa:
“Agora, realmente é a dignidade que dá o parâmetro para a solução do conflito de princípios; é ela a luz de todo o ordenamento. Tanto no conflito em abstrato de princípios como no caso real, concreto, é a dignidade que dirigirá o intérprete – que terá em mãos o instrumento da proporcionalidade – para a busca da solução. Assim, por exemplo, o princípio da intimidade, vida privada, honra, imagem da pessoa humana, etc. deve ser entendido pelo da dignidade. No conflito entre liberdade de expressão e intimidade é a dignidade que dá a direção para a solução. Na real colisão de honras, é a dignidade que servirá – via proporcionalidade – para sopesar os direitos, limites e interesses postos e gerar a resolução. A isonomia, é verdade, também participará, mas, sem sombra de dúvidas, a luz fundamental, a estrela máxima do universo principiológico, é a dignidade da pessoa humana.”[1]
2.2. Liberdade.
A liberdade aqui tratada está ligada à liberdade de ação, tanto do consumidor, como do fornecedor.
– fornecedor, a garantia de empreender, ou seja, abrir um “negócio”, executar alguma atividade permitida por lei.
– Consumidor = querer + poder.
Confere-se a liberdade de iniciativa a todos aqueles que decidam por vontade própria, tomando seus bens e constituindo-os em capital, ir ao mercado empreender alguma atividade.
Neste sentido, o empreendedor tem a livre escolha de assumir os riscos da atividade empresarial.
Para o consumidor, a liberdade significa que o Estado intervirá nas relações de consumo a fim de propiciar livre negociação no comércio e garantir a proteção devida em razão de sua fraqueza econômica em relação ao fornecedor. A liberdade que o texto lhe garante é objetiva, ou seja, o Estado brasileiro tem entre seus objetivos o de assegurar que a sociedade seja livre. Isso significa que, concretamente, no meio social, dentre as várias ações possíveis, a da pessoa designada como consumidora deve ser livre. A consequência disso é que o Estado deverá intervir quer na produção, quer na distribuição de produtos e serviços, não só para garantir essa liberdade mas também para regular aqueles bens que, essenciais às pessoas, elas não possam adquirir por falta da capacidade de escolha. Explica-se. Primeiramente, como dissemos, o sentido de liberdade da pessoa consumidora, aqui, é o de “ação livre”. Essa ação é livre sempre que a pessoa consegue acionar duas virtudes: querer + poder. Quando a pessoa quer e pode, diz-se, ela é livre; sua ação é livre.
Assim, a regra básica será a da escolha com possibilidade de aquisição: a pessoa quer algo, tem dinheiro ou crédito para adquiri-lo, então é livre para fazê-lo.
Porém nem toda ação é livre. Conforme Rizatto Nunes:
“Contudo, haverá casos em que, justamente por não poder escolher, a ação da pessoa não será livre. E nessa hipótese a solução tem de ser outra. Estamo-nos referindo à necessidade. O conceito é clássico: liberdade é o oposto de necessidade. Nesta não se pode ser livre: ninguém tem ação livre para não comer, não beber, para voar etc. Aplicado o conceito à realidade social, o que se tem é o fato de que o objetivo constitucional da construção de uma sociedade livre significa que, sendo a situação real de necessidade, o Estado pode e deve intervir para garantir a dignidade humana.”[2]
Posteriormente o tema da liberdade envolve a da possível opção do consumidor para adquirir produtos e serviços. Acontece que, é impróprio falar que o consumidor age com “liberdade de escolha”. Necessariamente porque, como ele não tem acesso aos meios de produção, não é ele quem determina o quê nem como algo será produzido e levado ao mercado. As chamadas “escolhas” do consumidor, assim, estão limitadas àquilo que é oferecido. São restritas as chances de ele optar: pode, quando muito, escolher preço mais barato, condições de pagamento melhores etc., mas a restrição é dada pela própria condição material do mercado.
2.3. Isonomia ou igualdade
Com efeito, dispõe o art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”.
É fato conhecido que:
a) o princípio da igualdade ou isonomia é dirigido ao legislador e ao aplicador;
b) a interpretação adequada de tal princípio é tão antiga quanto Aristóteles, que já explicava que seu resultado adequado advinha da fórmula: dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade;
c) essa fórmula, que em abstrato é bastante adequada, é muito difícil de ser aplicada concretamente: a medida da desigualdade não surge tão facilmente. Mas, ainda assim, é determinação obrigatória ao intérprete e a aplicador, que devem seguir todos os esforços possíveis a fim de obter a igualdade como resultado prático de seu mister
Tratar com desigualdade seria discriminar, não manter uma igualização. Mas, como dito, não é tão simples definir quando há e quando não há discriminação.
Ora, isso é bem correto quando verifica-se que em uma sociedade de seres humanos, ninguém é igual ao outro, nem física nem psicologicamente. E quando se observa a balança segurada pela deusa Themis em muitas simbologias do Direito, não se sabe, ao certo, o que ela significa. Então, se desse fato coloca-se dois quilos de uma mesma matéria para pesar, na maioria das vezes os dois pratos da balança ficarão no mesmo nível. Contudo, nem sempre o peso refere-se à quantidade e nisso tornar-se-iam desiguais um quilo de chumbo e um quilo de algodão.
Mas para aferição da adequação ao princípio da igualdade é necessário levar em conta outros aspectos. Todos eles têm de ser avaliados de maneira harmônica: se adotado o critério discriminatório, este tem de estar conectado logicamente com o tratamento jurídico atribuído em face da desigualdade apontada. Além disso, há que existir afinidade entre essa correlação lógica e os valores protegidos pelo ordenamento constitucional. Ou seja, nenhum elemento, isoladamente, poderá ser tido como válido ou inválido para verificação da isonomia. É o conjunto que poderá designar o cumprimento ou não da violação da norma constitucional.
Resumidamente, afere-se a adequação ou não ao princípio da isonomia verificando-se a harmonização dos seguintes elementos:
a) discriminação;
b) correlação lógica da discriminação com o tratamento jurídico atribuído em face da desigualdade;
c) afinidade entre essa correlação e os valores protegidos no ordenamento constitucional.
Disso decorre a necessidade de aplicar-se este princípio com cautela, pois, como o trabalho demonstra, o consumidor é a parte mais fraca na relação de consumo, haja vista que o fornecedor detém o poder econômico.
Verifica-se que o princípio da isonomia pode ser entendido de duas formas: igualdade perante a lei e igualdade na lei. O primeiro concerne ao dever de se aplicar o direito no caso concreto, mesmo se tal aplicação partir de ato discriminatório; o segundo exige que as normas jurídicas não contenham distinções, exceto aquelas autorizadas constitucionalmente.
2.4. Vulnerabilidade e Hipossuficiência.
Trata-se de princípio norteador do direito do consumidor, previsto no artigo 4º, I, do CDC, que reconhece a existência de uma parte vulnerável nas relações abrangidas por este diploma legal.
De acordo com os ensinamentos do Prof. Fernando Gajardoni, vulnerável é a parte mais fraca da relação, sendo que, reconhecidamente aqui, o consumidor é o vulnerável.
Essa constatação se faz em três âmbitos distintos, quais sejam, econômico, técnico e jurídico ou científico, pois, notadamente, o fornecedor é quem detém com superioridade todos esses poderes e conhecimentos, se comparado ao consumidor.
A consequência deste reconhecimento está prevista no artigo, cuja transcrição segue:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…)
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”
É importante, desde logo, distinguir vulnerabilidade de hipossuficiência. A hipossuficiência deve ser aferida pelo juiz no caso concreto e, se existente, poderá fundamentar a inversão do ônus da prova. Já a presunção de vulnerabilidade do consumidor é absoluta. Todo consumidor é vulnerável, por conceito legal. A hipossuficiência, como dissemos, deve ser aferida no caso concreto (o juiz, para deferir a inversão do ônus da prova, poderá analisar a natureza do serviço prestado, o grau de instrução do consumidor, entre outras particularidades). A hipossuficiência diz respeito, nessa perspectiva, ao direito processual, ao passo que a vulnerabilidade diz respeito ao direito material.
Assim, nem todo consumidor é hipossuficiente, embora todos sejam vulneráveis.
2.5. Transparência
O dever de agir com transparência permeia o CDC. A Política Nacional das Relações de Consumo busca, dentre outros objetivos, assegurar a transparência nestas relações (art. 4º).
Conduta transparente é conduta não ardilosa, conduta que não esconde, atrás do aparente, propósitos pouco louváveis. O CDC, prestigiando a boa-fé, exige transparência dos atores do consumo, impondo às partes o dever de lealdade recíproca, a ser concretizada antes, durante e depois da relação contratual.
O STJ recentemente reconheceu que “o direito à informação, abrigado expressamente pelo art. 5º, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do Princípio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC” (STJ, REsp 586.316, Rel. Min. Herman Benjamin, 2a T., DJ 19/03/09).
A transparência veda, entre outras condutas, que o fornecedor se valha de cláusulas dúbias ou contraditórias para excluir direitos do consumidor. As seguradoras de veículos, por exemplo, reiteradamente tentavam se eximir do pagamento das indenizações alegando que os danos pessoais, previstos nos contratos, não compreenderiam os danos morais. A jurisprudência do STJ, porém, nunca aceitou tal tese. Recentemente a matéria foi sumulada: “O contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão”. (STJ, Súmula 402). Além do mais, não podemos esquecer que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (CDC, art. 47). Voltaremos ao ponto mais adiante.
2.6. Informação.
A informação é fundamental no sistema de consumo. Informação falha ou defeituosa gera responsabilidade. A omissão de informação pode caracterizar publicidade enganosa.
Estabelece o CDC que o consumidor tem direito “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (CDC, art. 6º, III). Na mesma linha, o art. 8º – cuidando dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo – obriga “os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”.
2.7. Proteção contra publicidade enganosa ou abusiva.
Segundo o CDC quando a propaganda apresentar um produto ou serviço é preciso que as informações estejam corretas, claras, precisas e em língua portuguesa. Alguns outros dados também devem ser apresentados, como: as características, preço e eventuais riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. O Código ainda determina que toda publicidade deve ser imediatamente identificada como tal pelo consumidor. Além de proibir toda publicidade enganosa ou abusiva.
Temos, assim que a Publicidade enganosa Publicidade enganosa é aquela inteira ou parcialmente falsa. Capaz de induzir o consumidor em erro. Também a que, por omissão, deixar de informar algum dado essencial do produto ou serviço, pois falta informações corretas sobre as características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança do consumidor.
Neste sentido a publicidade enganosa vicia a vontade do consumidor.
E, contrapartida a Publicidade abusiva Já a publicidade abusiva é a discriminatória, pois estimula a violência, explora o medo ou a superstição. Ela não deve desrespeitar valores ambientais ou fazer com que o consumidor se comporte de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança. Consequentemente, é aquela propaganda que afeta: valores essenciais, incitando a violência, induzindo o público a um comportamento prejudicial para si ou sua família.
Temos, assim que a mesma não afronta a veracidade do produto, mas ofende valores sociais outros ou ainda provoca influência comportamental causadora de riscos à saúde ou segurança.
De acordo com o artigo 37, é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva:
"§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço."
A proteção contra a publicidade enganosa e abusiva também é um dos direitos básicos previstos no artigo 6º do CDC:
“Artigo 6º: São direitos básicos do consumidor:
IV: "a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços".
2.8. Direito de revisão.
Na esfera contratual, o CDC inseriu entre nós a regra de que mesmo uma simples onerosidade ao consumidor poderá ensejar a chamada revisão contratual, prevendo também o afastamento de uma cláusula abusiva, onerosa, ambígua ou confusa (artigos 51 e 46) e a interpretação do contrato sempre em benefício do consumidor (artigo 47).
Quanto à revisão judicial do contrato de consumo, ensina José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto que gerou o nosso Código de Defesa do Consumidor que:
"aqui se cuida, em Capítulo especial, de nº VI (Da Proteção Contratual), e expressamente, de amparar o consumidor frente aos contratos, e ainda mais particularmente aos chamados ‘contratos de adesão’, reproduzidos aos milhões, como no caso das obrigações bancárias, por exemplo, e que podem surpreender aquele com cláusulas iníquas e abusivas, dando-se então preponderância à questão de informação prévia sobre o conteúdo de tais cláusulas, fulminando-se, assim, de nulidade, as cláusulas abusivas, elencando o art. 51, dentre outras que possam ocorrer, as mais comuns no mercado de consumo. Além da informação que o contratante-fornecedor deve prestar ao consumidor-contratante potencial (art. 46), prevê-se claramente a interpretação mais favorável ao consumidor, na hipótese de cláusula obscura ou com vários sentidos (art. 47). (…). Fica ainda definitivamente consagrada entre nós a cláusula rebus sic stantibus, implícita em qualquer contrato, sobretudo nos que impuserem ao consumidor obrigações iníquas ou excessivamente onerosas".[3]
Pelo entendimento acima transcrito, a teoria da imprevisão ou cláusula "rebus sic stantibus" foi recepcionada pela Lei Consumerista. Seguindo esse conceito, possível seria a revisão do contrato, desde que presente fato imprevisível que trouxesse ao negócio um desequilíbrio, uma onerosidade excessiva à uma das partes do pacto.
Mas tal entendimento não é pacifico. Há posicionamentos no sentido da necessidade da aplicação da teoria da imprevisão também para a revisão dos chamados contratos de consumo, sinalizando para a necessidade da presença da imprevisiblidade para a discussão posterior das regras dos negócios, entendimento, na sua visão, consagrado no direito comparado. [04] Para esse autor, aliás, a imprevisibilidade deve levar em conta o mercado em si, toda a economia, o que torna a revisão praticamente impossível, já que no mundo globalizado tudo é previsível, principalmente no aspecto econômico.
2.9. Intervenção do Estado
O princípio da intervenção estatal ou, também denominado, da ação governamental está previsto nos artigos 5º, XXXII[1], e 170 da Constituição Federal do Brasil, que determinam que o Estado tem o dever de promover a defesa do consumidor, bem no artigo 4º, II, do Código de Defesa do Consumidor. Com base neste princípio o Estado tem obrigação de atuar nas relações de consumo com a finalidade de proteger a parte mais fraca, a saber, o consumidor. Entretanto, a legislação pátria não indica os limites do poder de atuar do Estado.
Fazer essa delimitação é importante porque não pode o Estado, sob a alegação de que busca a proteção do consumidor, preterir os demais princípios que regulam o ordenamento jurídico, a exemplo da boa-fé, da autonomia da vontade, e da iniciativa privada.
Sobre o tema, Hugo Leonardo Penna Barbosa entende que a participação do Estado é imprescindível para que haja o equilíbrio de condições entre o fornecedor e o consumidor. Para tanto, deve atuar em dois “momentos distintos, inicialmente na elaboração de normas que atendam ao interesse da coletividade e, a posteriori na entrega da efetiva prestação jurisdicional”[4]. Para ele, a obrigação governamental não se trata de intervenção do Estado de forma pura e simples no sentido de inviabilizar a relação entre as partes, mas sim, de operar condições motivadoras do respeito e consideração contratual, tornando equivalentes as posições das partes envolvidas no negócio[5].
Essa limitação reflete de duas formas. Primeiramente vai transparecer quando da edição das normas. O Estado não pode, ao promulgar norma de caráter geral e abstrato, vedar, limitar ou dificultar o desenvolvimento da atividade econômica ou mesmo interferir na livre iniciativa sob o pretexto da proteção do consumidor. O ferir dos direitos dos consumidores não deve ser respeitado, entretanto a promulgação das leis não deve ser um obstáculo ao crescimento das sociedades empresariais.
A limitação do agir do Estado não significa que este vai deixar de atuar, ou mesmo que o consumidor vai ficar desprotegido, mas sim que outros princípios também devem ser observados pelo ente no momento que busca a proteção ou a preservação dos direitos.
3. A RELAÇÃO DE CONSUMO.
Inicialmente, precisamos conceituar e compreender a definição de consumidor e fornecedor, para somente depois entendermos a relação de consumo.
Por assim ser temos que Consumidor pode ser definido da seguinte forma:
– Consumidor propriamente dito (art. 2º CDC): Toda pessoa física ou jurídica que adquire produto ou utiliza serviço como destinatário final.
Temos como elemento:
– elemento subjetivo: pessoa física ou jurídica;
– elemento objetivo: aquisição ou utilização de produtos ou serviços;
– elemento teleológico: destinatário final.
Neste sentido, cabe entendermos o significado da expressão destinatário final. A fim de conceituarmos tal expressão temos duas correntes, sendo elas:
a) corrente finalista (subjetiva) – O consumidor é aquele que retira definitivamente de circulação o produto ou serviço do mercado. Adquire produto ou utiliza serviço para suprir uma necessidade ou satisfação eminentemente pessoal ou privada, e não para o desenvolvimento de uma outra atividade de cunho empresarial.
b) corrente maximalista (objetiva) aquele que retira o produto do mercado, independente da finalidade da aquisição, podendo inclusive haver a intenção de lucro.
c) Teoria Híbrida: STJ e OAB: aplicação do CDC nas relações entre consumidores-empresários e fornecedores, desde que demonstração a vulnerabilidade no caso concreto.
Necessariamente o consumidor pode ser, uma pessoa natural ou jurídica, sem qualquer distinção. Nesta esteira, para que a pessoa jurídica seja considerada como consumidor, mister se faz a demonstração de sua vulnerabilidade e a utilização do produto ou do serviço como destinatário final. A compreensão do vocábulo consumidor, para fins de definição do âmbito de incidência da legislação consumerista, deve partir da expressão destinatário final entendido como aquele destinatário fático e econômico do bem ou do serviço, sem que objetive o incremento ou fomento de outra atividade negocial.
– Consumidor por equiparação (artigo 2º, parágrafo único, artigo 17) as pessoas mesmo não sendo adquirentes diretas do produto ou serviço, utilizam-no, em caráter final, ou a ele se vinculem, que venham a sofrer qualquer dano trazido por “defeito” do serviço ou do produto.
Temos, pois que a Legislação Consumerista, além da figura do consumidor em sentido estrito, consoante definição apresentada pelo artigo 2º do mencionado diploma, identifica o terceiro que não participa diretamente da relação de consumo, isto é, todo aquele que se encontre na condição de consumidor equiparado. Desta feita, a Lei Nº. 8.078/1990 passa a ostentar múltiplos conceitos do consumidor, um geral e três outros por equiparação. Afiguram-se como consumidores a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, consoante dicção do parágrafo único do artigo 2º; todas as vítimas do evento, segundo disposição contida no artigo 17; e, todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas previstas no capítulo V do Código de Defesa do Consumidor, conforme estatui o artigo 29.
Em outras palavras, o sujeito da relação de consumo não precisa necessariamente ser parte contratante, podendo também ser um terceiro vitimado por essa relação, que o direito norte-americano – onde o instituto teve origem – chama de bystander. Desta maneira, em acidente de trânsito envolvendo fornecedor de serviço de transporte, terceiro vitimado em decorrência dessa relação de consumo existente deve ser considerado consumidor por equiparação.
Por conseguinte, o Fornecedor tem por definição toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, tal como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, consoante definição insculpida no caput do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor. “É, em síntese, todo aquele que oferta, a título singular e com caráter profissionalidade – exercício habitual do comércio – produtos e serviços ao mercado de consumo, atendendo, assim, às suas necessidades”5.
Ao traçar os aspectos característicos da figura do fornecedor, alude o legislador ao vocábulo atividade, sendo esta considerando como a prática reiterada de atos de cunho negocial, de maneira organizada e unificada, por um mesmo indivíduo, objetivando um escopo econômico unitário e permanente. Consoante o magistério de Carvalho:
“Essas atividades, assim indicadas no Código, são: produção (atividade que conduz ao produto qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial); montagem (a combinação de peças que, no conjunto, vão formar o produto); criação (desenvolvimento da atividade espiritual ou física do homem que constitui novidade); construção (com ou sem criatividade); transformação (mudança ou alteração de estrutura ou forma de produto já existente em outro); importação e exportação (aquisição de produtos do exterior e venda de produtos para o exterior); distribuição (ato de concretizar a traditio da res); comercialização (prática habitual de atos de comercial); prestação de serviços (aquele que presta serviços a outras entidades)[6].
Ademais, são também considerados fornecedores as pessoas jurídicas de direito público interno, compreendendo-se a administração direta e indireta, bem como os denominados entes despersonalizados. Neste sentido, cuida salientar que “a empresa concessionária de serviço público afigura-se responsável pelos danos causados em razão da suspensão do fornecimento de energia elétrica e pela demora no seu restabelecimento”[7]. Verifica-se, assim, que as concessionárias de serviço público, para incidência das disposições protecionistas em relação ao consumidor contidas no Diploma Consumerista, são consideradas como fornecedores. A responsabilidade civil, por consequência, é objetiva e igualmente tem previsão no art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, somente podendo ser afastada quando comprovado que o defeito inexiste ou que o dano decorreu de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Vencida a etapa de definição de consumidor e fornecedor passamos, então a conceituar Produto.
Neste diapasão, a Legislação Consumerista, apresenta produto como sendo “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”[8]. Nesta esteira, o vocábulo “produto”, a partir de um viés jurídico, assume o sentido econômico, como resultado proveniente de uma produção, isto é, o resultado de algo elaborado por alguém, com o escopo primordial de ser comercializado, satisfazendo, via de consequência, uma necessidade humana. Como bem anota Carvalho, “ao definir produto de forma bem ampla tem-se, para as finalidades do Código do Consumidor, que podem ser objeto de relação de consumo quaisquer bens – corpóreos ou incorpóreos – como também os que venham a ser integrados a outros produtos ou a um imóvel”[9]. Trata-se de definição demasiadamente abrangente, não sendo possível a interpretação restritiva de seu conteúdo, ressalvada a hipótese de se promover a diferenciação da pessoa e do produto. “Constata-se que a Lei Nº. 8.078/1990 utilizou o termo bem, no sentido de ser uma coisa – algo que não é humano -, com interesse econômico e/ou jurídico, construção que é seguida por este autor”[10]
Por fim, temos como definição de serviços qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, compreendendo-se, inclusive, as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, excluindo-se as provenientes das relações de moldura trabalhista. Trata-se, pois, de atividade laborativa, ofertada no mercado de consumo, mediante remuneração. A regra em comento excepciona, dentre as atividades remuneradas, apenas a de natureza trabalhista.
CONCLUSÃO.
Com base em tudo o que foi analisado, observa-se que a Política Nacional das Relações de Consumo tem fundamento na busca pelo equilíbrio entre consumidores e fornecedores e o seu objetivo é assegurar a proteção e a defesa do consumidor, criando diretrizes para a sociedade e para o Poder Público.
Para nortear essa política, seus objetivos e fundamentos, o Código de Defesa do Consumidor formou um sistema de princípios. Estes são conceituados como comportamentos normativos ideais, expressam os valores a serem buscados na interpretação e aplicação das normas que regulamentam as relações de consumo.
Assim o CDC busca proteger o consumidor de modo que a relação consumerista esteja abarcada e protegida pela norma mãe, ou seja, a Constituição Federal. Portanto Dentre os princípios elencados nos inclinamos a reconhecer dois princípios como basilares do direito do consumidor, haja vista sua importância. O primeiro é o da vulnerabilidade, que implica em um tratamento diferenciado no meio jurídico para o consumidor, sendo decorrente deste a maioria dos direitos destinados a estes sujeitos; o segundo princípio, que merece destaque é da dignidade da pessoa humana, que é válido para qualquer área do direito e sem o qual não há o que se falar em justiça.
Mestranda em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília (UNIVEM). Especialista em Direito Do Trabalho e Processo do Trabalho pela Anhanguera e Grandes Transformações Processuais pela UNISUL. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Professora e coordenadora de Curso na Etec Sebastiana Augusta de Moraes – Andradina/SP. Advogada no Município de Mirandópolis/SP
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