Resumo: Este estudo versa sobre os fundamentos constitucionais incidentes sobre as regras de conduta dos servidores públicos, destacando uma síntese dos aspectos conceituais e princípios interpretativos dos princípios constitucionais, bem assim a importância dos fundamentos em estudo. A seguir, é desenvolvida uma análise a respeito de cada um dos princípios constitucionais regentes da função pública expressos na Constituição Brasileira.
Abstract: This essay deals with the constitutional fundamentals that apply to the regulation of public personnel, stressing brief outlines of conceptual aspects and interpretation principles applicable to the constitutional principles under analysis, as well as the importance of such fundaments. Following, an analysis is proceeded of each of the constitutional principles applicable to public personnel expressed in the Brazilian Constitution.
Resumo: 1 Fundamentos constitucionais das regras de conduta. 2 Importância dos princípios. 3 Conceito de princípio. 4 Natureza jurídica dos princípios. 5 Características dos princípios constitucionais. 6 Princípios interpretativos dos princípios constitucionais. 7 Princípios constitucionais da Administração Pública. 7.1O princípio da legalidade. 7.2 O princípio da impessoalidade. 7.3 O princípio da moralidade. 7.4 O princípio da publicidade. 7.5 O princípio da motivação. 7.6 O princípio da eficiência. 8 Considerações finais.
1 Fundamentos constitucionais das regras de conduta
O estudo das regras de conduta dos agentes públicos não pode, depois das duas últimas décadas do século recém-findo, deixar de passar pelo exame dos princípios constitucionais regedores dessa matéria. Pois, segundo Carmen Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 15), a Administração Pública constitucionalizou-se. Os fundamentos de seu regime, salienta, já não se põem na norma infraconstitucional. Repousam, antes, na Constituição, que lhes traça os princípios fundamentais e, inclusive, as regras referentes a alguns comportamentos e decisões considerados pelo constituinte como dotados de magnitude. A esse respeito, Paulo Bonavides (1994, p. 263) lembra que antes dessa era, sob o predomínio juscivilista, os princípios informavam à lei, como fonte secundária de normatividade. Após colocados na esfera constitucional, as posições se invertem: os princípios, em grau de positivação, encabeçam o sistema, guiam e fundamentam todas as demais normas que a ordem jurídica institui.
Entendo, assim, a constitucionalização dos princípios regentes da administração pública como um padrão modelar para a formação de uma consciência social e para a afirmação dos valores neles contidos como imperativo supremo da conduta gestora dos interesses da coletividade.
2 Importância dos princípios
O Direito Público, regente da atuação da Administração do Estado, firmemente se apóia nos princípios, porquanto a vinculação de sua eficácia está inafastavelmente ligada à noção de juridicidade, o que indica a impossibilidade de se admitir a existência de lacunas. Toda e qualquer questão há de sofrer a incidência da positividade, isso é inevitável. À falta de norma expressa para disciplinar a fattispecie, os princípios se apresentam como a válvula de segurança, que garante o reinado absoluto da lei. Sunfeld (1992, p. 140) também assim entende, afirmando que o fato de [o Direito] não estar – e de não poder ser – integralmente codificado, faz com que, no direito público, apresentem-se com muita freqüência as lacunas de lei, sobretudo no atinente às garantias indispensáveis dos indivíduos frente ao exercício do poder político. Em tais situações, completa, os princípios gerais são indispensáveis para o suprimento das lacunas, é dizer, para a revelação das regras que foram omitidas pelo legislador, mas cuja existência é necessária.
Os princípios desempenham funções precisas na interpretação das regras. Uma dessas funções é a de sinalizar a incorreção da interpretação da regra, quando dela derivar contradição, explícita ou velada, com os princípios. Por outro lado, quando a regra admitir logicamente mais de uma interpretação, prevalece a que melhor se afinar com os princípios. Ainda, quando a regra apresentar uma redação tal que resulte mais extensa ou mais restrita que o princípio, justifica-se a interpretação extensiva ou restritiva, respectivamente, para calibrar o alcance da regra com o princípio.
Em suma, não há como se deixar de estudar os caminhos do constitucionalismo hodierno à margem de reflexões fundadas na teoria dos princípios, que se erigem como alicerce e catalisador das suas mais novas progressões teóricas e dogmáticas, como afirmou Ruy Espíndola (1998, p. 72). Couto e Silva (1997, p. 55) ressalta a importância dos princípios, ao afirmar que as outras normas são sempre a eles necessariamente reconduzidas e são eles que orientam a sua interpretação. A relevância dos princípios regentes da Administração Pública em especial reside no fato de que cada vez mais a abrem à fiscalização e ao controle dos particulares, o que amplia a participação dos cidadãos na consecução dos fins do Estado.
Ademais, o princípio básico que fundamenta o regime administrativo contemporâneo não é mais o da mera legalidade administrativa, mas o da juridicidade, pois, afirma Carmen Rocha (1994, p. 15), o Estado Democrático quer-se de Direito Material, e não apenas de Direito Formal, ou Estado de Lei. Por isso, continua, a substituição do Estado Liberal pelo Estado Social não deixou imune às alterações o conceito, características e finalidades da Administração Pública. Social o Estado, a Administração é mais que pública, é igualmente social.
3 Conceito de princípio
Segundo Bonavides (1994, p. 232), no sentido jusnaturalista de Del Vecchio os princípios tinham fundamento no “reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa de idéia que inspira os postulados de justiça”. A essa noção seguiu-se uma noção positivista dominante, que acabou cedendo novamente espaço ao Direito Natural, para encontrar nos princípios normas universais de bem obrar […] constitutivos de um Direito ideal. Passada a concepção positivista, que via os princípios gerais de direito embutidos no próprio direito positivo, adveio a fase que Bonavides chama de pós-positivismo, a partir da segunda metade do séc. XX, em que as Constituições recentes acentuam a hegemonia axiológica dos princípios.
Prefiro ficar com o conceito preciso de Carlos Ari Sunfeld (1992, p. 137), quando escreveu que os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se. Por isso mesmo, Celso Antonio Bandeira de Mello (1992, p. 44) afirmou que os princípios constituem-se no meio de especificar e reger o sistema de uma disciplina jurídica.
Os princípios oferecem-se expressos em textos normativos, ou, por outra, deles são extraídos. Norberto Bobbio (1994, p. 159) ensina:
“Ao lado dos princípios gerais expressos há os não-expressos, ou seja, aqueles que se podem tirar por abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios, ou normas generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema”.
Em se tratando de princípios constitucionais, forçoso é afirmar, com Carmen Rocha (1995, p. 25), que sua natureza é dotada de plena supremacia. Princípios jurídicos constitucionais não se propõem, diz; proclamam-se. Não se cuida de propostas. São opções constituintes projetadas no sistema constitucional expressa ou implicitamente. E são eles as opções identificadoras das raízes do sistema constitucional. Neles estão o espírito e os fins do sistema. Indicam eles – ou, antes, demonstram – a tendência ideológica do sistema jurídico, determinando primária e originariamente a concretização do que eles expressam no conjunto de normas jurídicas.
4 Natureza jurídica dos princípios
Inegavelmente, os princípios constituem-se em verdadeiras normas jurídicas, ensina Bobbio. Para o jusfilósofo italiano (1994, p. 158), os princípios gerais são normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. Ao lembrar que a palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas, põe-se taxativo: para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras.
Sem dúvida, tanto as regras regras como os princípios são efetivamente normas jurídicas, porquanto, segundo defende Alexy (1989, p. 85), ambos se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição. Tem cabimento então asseverar que tanto as regras como os princípios são espécies de normas que se constituem em fundamentos para juízos concretos de dever ser.
É neste sentido que se formou a doutrina pátria, produzida por Eros Grau (1990, p. 76), entre outros. No seu estudo a respeito do tema, o autor gaúcho deixa claro seu entendimento a respeito do caráter normativo dos princípios. Assevera, nessa esteira, que os princípios são norma jurídica, tanto como o são as regras – o que torna a norma jurídica um gênero do qual são espécies os princípios e as regras jurídicas (…).
Não obstante constituírem espécies do mesmo gênero, é preciso ressaltar que há entre as regras e os princípios notável diferença, essencialmente no que respeita ao caráter de maior generalidade dos princípios. Igualmente, é de realçar a observação de que os princípios – de maior relevância jurídica em virtude de sua relevância qualitativa, porquanto as regras contêm determinações de aplicação ao caso concreto e juridicamente possível, ao passo que os princípios são mandamentos de otimização, para usar a expressão de Alexy (1898, p. 86).
Carmen Rocha explica que o regime jurídico administrativo brasileiro de hoje em dia tem natureza constitucional decorrente da sede normativa na qual repousa a principiologia diretora dos comportamentos administrativos. Reporta-se, para assim afirmar, aos princípios enunciados no art. 37 da Constituição da República, que regem a Administração Pública. Na mesma esteira, Ruy Espíndola (1998, p. 75) assevera que não há como se negar ao princípio constitucional a sua natureza de norma, de lei, de preceito jurídico, ainda que com características estruturais e funcionais bem diferentes de outras normas jurídicas, como as regras de direito.
Os princípios encontram força e validez objetiva nas leis das quais podem ser extraídos de um modo retrospectivo. Mas isso não significa que provenham apenas das leis. Ao contrário, os princípios antecedem o direito objetivo e dele são condicionantes. Assim, no dizer de Frias Caballero (1993, p. 27), el legislador nos los crea, simplemente los reconoce, porque el moderno Estado de Derecho tiene detrás de sí un cosmos axiológico en el centro del cual está la dignidad y la libertad del ser humano.
Por estas razões, expressos ou tácitos, os princípios guardam a mesma força normativa. A impositividade e normatividade de que se revestem, são sempre materialmente imperativas, ainda que nem sempre explicitamente estabelecidas, ensina Carmen Rocha (1994, p. 26).
5 Características dos princípios constitucionais
Não é possível examinar as características dos princípios constitucionais na doutrina publicista brasileira sem recorrer ao percuciente trabalho de Carmen Rocha, em seu excelente Princípios constitucionais da Administração Pública. Assim, descrevo a seguir um elenco de características dos princípios constitucionais à luz da classificação por ela produzida.
Segundo a estudiosa mineira (1994, p. 29), os princípios são dotados de generalidade, primariedade e dimensão axiológica. A primeira característica revela que os princípios constitucionais não se apresentam específicos, minudentes, atentando para as hipóteses concretas que incumbem às regulações da positividade ordinária. Tais princípios são primários, e deles decorrem outros princípios, com os quais se integram. Evidenciam sua dimensão axiológica em decorrência do conteúdo ético de que se dotam.
Não obstante caracterizados pela generalidade de seus conteúdos, os princípios constitucionais são objetivos, porque não ferem conteúdos subjetivos ou aleatórios. Sua substância jurídica é própria, impondo-se ao aplicador do Direito explicitá-los, nos limites em que a objetividade autoriza.
Os princípios constitucionais são transcendentes e atuais em seu conteúdos determinantes, ensina Carmen Rocha (1994, p. 38). A transcendência dos princípios constitucionais reside no fato de que superam a elaboração normativa constitucional e formal e medram no ordenamento estatal como a mais vigorosa diretriz política, legislativa, administrativa e jurisdicional. Por outro lado, a atualidade e atualização dos princípios constitucionais impõem-se, porque, sem esta perfeita sincronia entre as bases modelares de um ordenamento jurídico-estatal e o ideário político e jurídico vivenciado em determinado momento pelo povo de um Estado, não há como assegurar a eficácia e a efetividade do sistema normativo, e sem isto não há como garantir a estabilidade e a persistência do próprio Estado. Característica conseqüente àquela antes referida, da atualidade permanente e necessária dos princípios constitucionais, é a polimorfia que se anota nestes. Os princípios constitucionais têm substância política ativa, que os torna passíveis de serem mutáveis para se adaptarem às novas contingências sociais apresentadas e sedimentadas.
Os princípios constitucionais trazem ainda em si as características da vinculabilidade e aderência. São vinculantes e vinculados os princípios constitucionais. Nem seria imaginável ser diversa a sua característica, eis que se veiculam em normas jurídicas, que têm, à sua vez, a qualidade impositiva, coercitiva e insuperável que constitui um dos aspectos distintivos delas ante as demais normas vigentes na sociedade. Ao mesmo tempo, o predicado da aderência que caracteriza os princípios constitucionais impossibilita que qualquer regulamentação jurídica ou qualquer comportamento institucional do Estado ou individual dos membros da sociedade política excepcionem-se das diretrizes vinculantes neles traçadas.
Os princípios constitucionais caracterizam-se por serem informativos de todo o sistema jurídico de um Estado. Base do sistema constitucional, constituem-se em fonte de todas as ordenações jurídicas pertencentes ao mesmo sistema. Além disto, os princípios constitucionais caracterizam-se pela complementaridade, o que significa que são condicionantes uns dos outros. O seu entendimento perfeito é sempre uma inteligência extraída de todos eles, do entrosamento que deles se retire.
Por último, não se pode deixar de ressaltar como característica contemporânea do Direito Constitucional, na matéria especificamente aqui versada, a normatividade jurídica dos princípios constitucionais. Vale dizer, são eles veiculados pelas normas jurídicas fundamentais, em cujo texto se integram, seja expressa, seja implicitamente.
6 Princípios interpretativos dos princípios constitucionais
A interpretação dos princípios enunciados no texto constitucional, seja por verbo expresso, seja por ditado implícito, realiza-se com suporte numa série de princípios, os quais, no dizer de Carmen Rocha (1994, p. 49), evitam o erro de interpretação (que seria, assim, apenas aparente e decorrente, em seu vislumbre, daquele equívoco havido na técnica de interpretação utilizada) entre as normas que veiculem princípios constitucionais.
Ressalta desde logo o princípio da supremacia. Na interpretação constitucional, a natureza suprema dos princípios deve direcionar o intérprete, seja quanto a seus termos, seja, principalmente, quanto às conseqüências que de tal ou qual conclusão possam advir para a inteligência e aplicação do Direito. Nada supera o vigor jurídico dos princípios, e o que neles se retrata revela a verdadeira natureza da Constituição.
Os fins da norma conduzem à interpretação jurídica. O sistema jurídico propõe-se a produzir conseqüências na realidade social. Estas conseqüências, que devem se afinar com o ideal de Justiça material buscado incessantemente pelo grupo político, são vislumbradas e ressaltadas pelo intérprete. No Brasil, a regra do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, está em realce a consagração do princípio da finalidade como instrumento exegético fundamental. Essa norma, que é de sobredireito[1], obriga não somente ao juiz mas a todo intérprete.
A Constituição alberga um conjunto sistêmico de princípios e regras que hão de ser lidos e compreendidos em harmonia um com o outro. A possibilidade de que, no momento da aplicação da Constituição ante o caso concreto, um princípio e uma regra, ou dois ou mais princípios, ou regras, mostrem-se conflitantes, não passa de mera aparência. O que se apresenta ao intérprete não é um conflito de normas ou princípios capaz de romper a integração e a harmonia do conjunto normativo. O que se verifica, em tal situação, é a necessidade de aplicação do princípio da proporcionalidade, para que não se interprete um ou outro princípio ou dispositivo, mas a Constituição, o sistema em sua inteireza. Enfoca-se a proporcionalidade dos valores protegidos pelos princípios constitucionais e daí se esclarece a sua aplicação. Com o concurso desse princípio, tem-se a segurança de que não ocorre a inconstitucionalidade de qualquer princípio ou regra da Constituição.
D’outra banda, há que se buscar a razão do princípio constitucional para que corretamente se o interprete. A razoabilidade como princípio faz com que haja identidade absoluta entre a razão de ser e de aplicar-se o princípio constitucional. Saliento, ainda, que os princípios constitucionais não se exaurem nas normas que os veiculam. Podem repetir-se no sistema, especializando a sua aplicação em diferentes hipóteses de incidência.
7 Princípios constitucionais da Administração Pública
Modernamente não há como se questionar que a função administrativa não se acaba na dinâmica burocrática sublegal. Principalmente, verificou-se que esta não era – não é – uma função apolítica. Por isso, constitucionalizou-se a Administração Pública, porque é essencialmente nela, e não em outras das funções estatais, que o Estado mostra-se liberal ou social, presente ou ausente, eficiente ou ineficiente, ético ou corrupto. Isto é fundamental para os membros de uma sociedade política constituída sob o modelo de Estado. Carmen Rocha (1994, p. 62) é enfática nesse ponto: a Administração Pública apresenta o Estado a seu cidadão todos os dias. O cidadão pode passar a vida sem apresentar-se ao Estado-Juiz; não passa um momento sequer, desde o seu nascimento, sem viver no e com o Estado-Administrador. Então, a relação de administração passa a ser uma interação permanente de administrador e cidadão, o qual, se vier a ser qualificado de administrado para especificação da natureza daquela relação, não verá subconstitucionalizados os direitos que nela devem ser observados, garantindo-se assim sua condição de partícipe político responsável pela coisa pública.
Esta relevância fundamental dos temas da Administração Pública e suas relações com os administrados, cujos direitos estão no cerne de todo o sistema estatal, apresentou o Direito Administrativo à Constituição. Desde as primeiras referências à Administração Pública na Constituição Imperial de 1824 foi crescente a preocupação com a matéria nas Constituições subsequentes. Mas foi na Constituição de 1988 que se retrataram as atividades administrativas a serem desenvolvidas pelo Estado contemporâneo, traduzindo a realidade socioeconômica vigente. Mais ainda, a Carta de 1988 estabeleceu os princípios fundamentais da Administração Pública, fixou regras de atuação em temas específicos e dispôs a respeito do regime de trabalho público.
Em síntese, a Constituição de 1988 estabeleceu o sistema jurídico administrativo brasileiro em seus princípios e subprincípios e em algumas regras, os quais se constituem, no dizer de Hely Meirelles (1994, p. 82), nos fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, nos sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais. Importa, por estas razões, examinar, ainda que a vol d’oiseau, alguns destes princípios, na ótica de especialidade que mais se afeiçoa ao objeto do presente estudo, já que, segundo Ihering preconizou (1986, p. 44), a realização dos princípios de direito público depende da fidelidade dos funcionários no cumprimento dos seus deveres..
7.1 O princípio da legalidade.
O princípio chamado da legalidade erige-se como alicerce do Estado de Direito, conceito que historicamente se formou a partir da consciência de que se faz imprescindível dotar o poder político de limites racionalmente definidos. É o Estado em que se quer a rule of law, not of men[2]. Mas é preciso ter claro que há de ser um Estado de Direito, e não um mero “Estado de Lei”, que seu comportamento é limitado pelo Direito e que seu fim é o ser humano e seus direitos fundamentais. Carmen Rocha (1994, p. 69) prefere chamar o princípio de princípio da juridicidade, para que se o entenda e aplique em sua generalidade e não apenas na sua especificidade formal.
O argumento de Carmen Rocha é dotado de consistência, porque a lei não é a única fonte de Direito, embora a principal, do que se deve extrair que o princípio da legalidade absorve o Direito em sua mais vasta expressão, sem se restringir à lei no seu sentido estritamente formal, mas, ao contrário, à sua expressão ampla de sistema jurídico vigente no Estado. É justamente por isso que não se fala em “Estado de Lei” ou em “Estado de Legalidade”, mas em Estado de Direito, num alcance muito maior do que as outras expressões. O princípio da juridicidade é ao mesmo tempo direito fundamental do indivíduo e dever da Administração Pública. A juridicidade assegurada no capítulo dos Direitos Individuais e Coletivos da Constituição brasileira reflete assim um direito, como um desdobramento da opção constituinte democrática, e o seu fundamento está na liberdade do indivíduo. Tudo o que por lei não é restrito à liberdade individual mantém-se na esfera de escolha ilimitada do titular. Somente a lei formal pode inibir a atuação livre do indivíduo. Ao revés, a “legalidade” determinada no capítulo constitucional da Administração é dever. Mas o fundamento desta “legalidade” administrativa está exatamente na ausência de liberdade da Administração Pública, mais ainda, na pessoa que administra o bem do público[3].
No Direito, arremata Carmen Rocha (1994, p. 105), legalidade e legitimidade têm conceitos próprios e bem definidos. A legalidade refere-se ao exercício do poder, enquanto a legitimidade concerne à qualidade do poder, embora seja certo que esta qualidade se manifesta e se demonstra naquele exercício. A legalidade e a legitimidade reúnem-se para formar a juridicidade democrática.
Está implícito no enunciado deste princípio um outro, o da finalidade. Não se compreende uma lei, não se entende uma norma, sem entender qual o seu objetivo. Donde também não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer de sintonia com o escopo por ela visado. Por isso Celso Antonio Bandeira de Mello (1992, p. 26) afirma que implementar uma regra de Direito não é homenagear exteriormente sua dicção, mas dar satisfação a seus propósitos. Logo, só se cumpre a legalidade quando se atende sua finalidade. Em conseqüência, conclui, a atividade administrativa desencontrada com o fim legal é inválida e denuncia a ocorrência de desvio de poder.
7.2 O princípio da impessoalidade
Como a sobrevivência, a saúde e a eficiência do Estado de Direito dependem, entre outros, do princípio da impessoalidade, este foi erigido, contemporaneamente, em nível constitucional, como se dá no texto da Constituição da República brasileira (art. 37)[4]. Mas sua essência conceitual, como princípio constitucional da Administração Pública, é de uma subespécie do princípio da igualdade, porque todos são iguais perante a lei. Por isso, tem como objeto a neutralidade da atividade administrativa, fixando como única diretriz jurídica válida para os comportamentos estatais o interesse público. À generalidade da lei corresponde a impessoalidade da administração, e é isto o que garante a resistência contra usos e abusos do Poder do Estado por pessoas ou grupos.
A impessoalidade no trato da coisa pública garante exatamente esta qualidade da res gerida pelo Estado: a sua condição de ser pública, de todos, patrimônio de todos voltado à concretização do bem de todos e não de grupos ou de algumas pessoas.
É exatamente a impessoalidade administrativa que expurga, juridicamente, da burocracia o partidarismo, que poderia conduzir a desmandos no desempenho da atividade estatal. Esse princípio condena, assim, o sectarismo, o favorecimento, o nepotismo, a perseguição, as animosidades pessoais, sejam elas políticas ou ideológicas.
Não é demais advertir que a discricionariedade conferida à Administração Pública para inserir na sua conduta de gestão pública um componente deliberativo do agente público pode constituir-se em campo fértil para a ofensa ao princípio da impessoalidade. Ao invés de moldar o comportamento à finalidade de interesse coletivo, ele sente-se tentado a tomar considerações de ordem pessoal, em favor ou em desfavor do administrado. Não obstante, o princípio da impessoalidade há de ser entendido com o tempero de não significar que o agente público deva conduzir-se com total neutralidade. Uma conduta neutra significaria, na lição de Piquemal (1981, p. 210), uma ausência mecânica de reação às componentes da vida, como numa substância química. O indivíduo necessariamente reage às peculiaridades das situações da vida que lhe são antepostas, conduzindo-o obrigatoriamente à formulação de um juízo ideológico. Ora, se a administração pública funciona pela ação de seus agentes[5], é inescapável que sempre haverá no comportamento administrativo um componente reativo aos mais variados estímulos externos. Esse elemento legitima a discricionariedade dos atos de gestão administrativa, permitindo ao agente público escolher o que é mais conveniente e o que é mais oportuno, com foco no interesse público que motivará a decisão.
A impessoalidade, assim, corresponde a uma atitude mais imparcial do que neutra. A imparcialidade, segundo Piquemal (1981, p. 210), é uma atitude consciente e voluntária que consiste em não considerar a personalidade do administrado nem as relações pessoais entre o agente e ele. Por isso, arremata, é evidentemente necessária e constitui uma garantia tanto para o administrado quanto para o agente.
O autor deixa todavia sem resposta a indagação de se as conseqüências da neutralidade e da imparcialidade serão as mesmas, posto que a primeira ocorrerá sempre, por ser intrínseco à idéia de administração que ela deva agir de modo idêntico em relação a todos os cidadãos, sem fazer distinções nem estabelecer preferências em razão de suas opiniões ou crenças. Já a imparcialidade decorre da vontade consciente do agente administrativo, o que significa que pode não se revelar em várias circunstâncias.
Tenho que ambos os componentes concorrem para a sustentação do princípio da impessoalidade, porque a legitimidade da conduta do agente público tem seu principal alicerce na finalidade de interesse público, e não, de modo algum, nas convicções pessoais do agente.
Assim, não importa quais sejam suas valorações individuais, porque não poderão instruir sua discrição, que deve estar inexoravelmente atrelada aos valores sociais proclamados pela coletividade, ou seja, devem estar impregnadas de interesse público. Isso implica que o princípio da impessoalidade deva orientar um comportamento neutro do agente público, i. e., sem distinguir a quem é dirigido, além de imparcial, ou seja, motivado por uma finalidade coletiva e não pelo seu próprio interesse.
Por esses motivos, já não se pode falar em um comportamento administrativo puramente discricionário, no seu sentido originário, ou seja, ante a compreensão de que o agente é o único juiz da oportunidade e da conveniência do ato. Sua ação deve ser, além de impessoal, norteada pelos demais princípios constitucionais, expressos e implícitos, consagrados no texto constitucional. Tomás-Ramón Fernández (1991, p. 103) adverte que los principios y las reglas de ayer ya no pueden seguirse admitiendo como tales, ni pueden por ello erigirse a priori en limitaciones o obstáculos insalvables. A teoria do poder discricionário da administração deve, pois, reconstruir-se, de cima a baixoa partir dos princípios consagrados na Constituição, entre eles o do controle. O controle judicial da discricionariedade não se constitui, portanto, numa negação, nem mesmo numa limitação, da autoridade administrativa, senão que apenas consiste em impor ao comportamento do agente público o respeito aos valores jurídicos substanciais garantidores do Estado de Direito.
7.3 O princípio da moralidade.
Sem dúvida, a década de 90 fez avultar a preocupação com a moralidade pública em níveis antes não vistos no século que recém findou, ou mesmo em qualquer outro. É difícil identificar com precisão as causas que levaram a última década do século XX e do milênio a presenciar este tão intenso questionamento dos padrões morais observados pelas pessoas políticas e pelos seus agentes. Mas já não há dúvida alguma de que esta enorme atenção da sociedade com a questão da moralidade pública avança nos tempos atuais, já se podendo demarcar um nítido período a ser destacado na história do Direito e do Estado, em virtude principalmente do fato de a sociedade não mais se conformar com o vicejo da corrupção no serviço público.
O princípio da moralidade administrativa ostenta uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Novamente, é Carmen Rocha (1994, p. 105) quem observa que os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige, no sistema do Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa. Dworkin (1995, p. 72) considera o princípio de Direito como um padrão a ser observado, não porque defina uma situação econômica, política ou social, sino porque es una exigencia de la justicia, la equidad o alguna outra dimensión de la moral. Hely Meirelles (1994, p. 83) soube sintetizar esses pensamentos em notável dicção:
“Cumprir simplesmente a lei na frieza de seu texto não é o mesmo que atendê-la na sua letra e no seu espírito. A administração, por isso, deve ser orientada pelos princípios do Direito e da moral, para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais.”
Tanto quanto o ato ilegal, a conduta legal da Administração que se mostre pautada pela imoralidade também é inválida. Gordillo (1969, p. 253) emite a esse respeito valiosa contribuição:
“La inmoralidad del objeto también vicia el acto. En esto es pacífica la doctrina, y no parece que sua aceptación dependa de una toma de posición en el problema de si el derecho es o no necesariamente moral, o en que medida lo es, ya que incluso los autores que postulan que puede haber una regla jurídica inmoral pero válida, aclaran de todo que la ley puede incorporar a preceptos morales como parte de las reglas de derecho, en cuyo caso el acto deberá ser moral para ser jurídico.”
A moralidade tem a função de limitar a atividade da Administração. Exige-se, com base nos postulados que a forma, que o atuar dos agentes públicos atenda a uma dupla necessidade: a de justiça para os cidadãos e de eficiência para a própria administração, a fim de que se consagrem os efeitos-fins do ato administrativo voltados para a consecução do bem comum.
O Estado que atua em consonância tão-somente com a mera ordem legal não satisfaz às aspirações da sociedade que lhe deu forma e existência. É preciso mais. Como afirmou o Min. José Augusto Delgado (1995, p. 126), com a precisão de sempre, necessário se torna que a administração da coisa pública obedeça a determinados princípios que conduzam à valorização da dignidade humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma sociedade justa e solidária. Por isso, a gestão estatal deve ser exercida de modo que resultem observados os padrões de conduta considerados relevantes pela comunidade, e que se constituem em lastro da própria existência social. Assim, a observância da moralidade constitui-se num dever do administrador e num direito subjetivo do administrado.
A gestão da coisa pública deve, conseqüentemente, desenvolver-se consciente de que está obrigada a não se afastar dos padrões de conduta que a comunidade, em decorrência do momento histórico vivido, elegeu como relevante para o aperfeiçoamento da existência da vida em comum, assevera o Ministro Delgado (1995, p. 126). Desse pensamento decorre a conclusão de que a moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum, como percebeu Hely Meirelles(1994, p. 84), ao observar que a moralidade administrativa é composta por regras de boa administração que visem precipuamente a atingir o bem comum.
Di Pietro (1991, p. 117) salienta também um aspecto da maior relevância para o presente estudo, no que tange à coercitividade da norma de cunho deontológico e à invalidade da conduta do agente público que a transgride. Salienta a eminente administrativista que a partir da constitucionalização do princípio da moralidade como de observância obrigatória pela Administração Pública e da inserção da lesão à moralidade administrativa como fundamento para a propositura da ação popular, duas importantes conclusões vieram a lume: a primeira é a de que o ato administrativo imoral é tão inválido quanto o ato administrativo ilegal; a segunda é uma conseqüência da primeira, ou seja, é a de que, sendo inválido o ato administrativo imoral pode ser apreciado pelo Poder Judiciário, para fins de decretação de sua invalidade.
O princípio da moralidade administrativa foi formalmente constitucionalizado na Argentina com a reforma de 1994, em que pese se poder extrair de seu texto anterior a presença implícita do princípio.
O art. 36, in fine, da Constituição da Argentina, introduzido pela reforma de 1994, estabelece que el Congreso sancionará una ley sobre ética pública para el ejercicio de la función. Não obstante, a faculdade de legislar a respeito dessa matéria não era estranha ao texto constitucional antes vigente. O enunciado inicial do art. 14 – los derechos se ejercen conforme a las leyes que reglamentan su ejercicio – permitida a regulamentação legislativa tanto da idoneidade, prevista no art. 16 como única condição de admissibilidade ao emprego público, quanto da estabilidade do empregado público, consagrada no art. 14 bis na reforma de 1957, já indicava a presença do princípio. Em ambos os casos a normatização infraconstitucional ficou sujeita a levar em consideração os fins estabelecidos para toda a atuação estatal no Preâmbulo da Constituição, cujo texto carrega forte componente de ética pública. Não obstante, a Procuradoria do Tesouro da Nação Argentina proclamou no Dictámen 0001778, de 30/12/98[6], a importância da constitucionalização do princípio:
“[…]la incorporación a través de la reforma de la Constitución Nacional en el año 1994 del nuevo artículo 36 innova en aspectos muy importantes: el primero, es la consideración de la ética pública como sustento del sistema democrático, que resulta de su inclusión en el mencionado artículo – denominado “Cláusula de Defensa de la Democracia”-; el segundo es que la posibilidad de reglamentar este tema, que hasta entonces era facultativa, se transforma en un mandato al Congreso; y el tercero, es que cambia de atribución concurrente – pues las menciones de los artículos 14 bis y 16 admitían tanto una regulación federal como legislaciones provinciales – a una competencia exclusiva del Gobierno federal, en razón de la mención expresa del Congreso. La Corte Suprema de Justicia de la Nación ha reconocido la vigencia de las exigencias de la ética en el ámbito de la organización administrativa del Estado; en tal sentido ha señalado respecto de los funcionarios publicos la necesidad de no comprometer la moral pública de los cargos, dadas las razones de orden ético que rigen la función pública argentina y la justificación de la imposición de los regímens de incompatibilidades en razones de orden ético, ya que alguns actividades pueden no resultar conciliables con el ejercicio de la función pública”.
7.4 O princípio da publicidade
O exercício ético do poder exige que todas as informações sobre o comportamento público dos agentes sejam oferecidas ao povo. Antes mesmo que alguém possa ocupar a condição de agente público, especialmente nos casos de agentes políticos conduzidos aos cargos por eleição, as informações a serem oferecidas ao povo são imprescindíveis e devem ser honestas. Assim, o princípio da publicidade não assegura apenas o acesso às informações sobre o poder do Estado. Por ele se assegura o conhecimento à verdade na atuação do Estado.
Canotilho (1993, p. 171) vê no princípio da publicidade uma função positiva subjacente aos atos dos poderes públicos, de assegurar o direito à informação da gestão administrativa e a proibição da arcana praxis (política de segredo).
Di Pietro, por sua vez, salienta que o princípio aplica-se ao processo administrativo, porque, sendo pública a atividade da Administração, os processos que ela desenvolve devem estar abertos ao acesso dos interessados. Mas ressalva ser evidente que o direito de acesso ao processo não pode ser exercido abusivamente, sob pena de tumultuar o andamento dos serviços públicos administrativos[7]. Lembra, por fim, que o direito de acesso só pode ser restringido por razões de segurança da sociedade e do Estado, hipótese em que o sigilo deve ser resguardado[8].
O princípio da publicidade tem sido formalmente adotado pelas Constituições provinciais mais modernas da Argentina, como é o caso da Carta de 1997 de Santiago del Estero, em seus arts. 8º e 86. O art. 3º da Constituição de La Rioja, de 1998, estipula que a atividade de todos os órgãos do poder público está sujeita aos princípios republicanos, em particular o da publicidade dos atos. É o caso, também, da Constituição de Chubut, cujo art. 13 dispõe sobre a publicidade dos atos dos poderes públicos, inclusive dos municípios e da administração indireta.
A edição de normas específicas mediante as quais se garanta o direito de acesso à informação estatal tem sido corrente, segundo noticia Caputi (2000, p. 131), em países como a Áustria, Suécia, Inglaterra, Irlanda, Canadá, Nova Zelândia, a África do Sul e os Estados Unidos.
A par da relevância do princípio da publicidade como informador do Direito Administrativo no tocante à função pública, tenho observado o papel preponderante que desempenha na orientação do processo de compra de bens e serviços pelo poder público, ante a transparência que assegura aos atos de execução de recursos do erário.[9]
7.5 O princípio da motivação.
De presença implícita na Constituição brasileira[10], o princípio da motivação do ato administrativo, defendido com ardor por Marcos M. Fernando Pablo (1993, p. 26), pode ser entendido como um subprincípio do princípio da publicidade, porquanto opera como um meio de “democratizar” a Administração, submetendo-a à obrigação de dar conta à coletividade e aos interessados de seus atos.
Segundo a sempre precisa lição de Di Pietro (1996, p. 75), a motivação é formalidade ligada ao princípio da publicidade, mas, também, há que se ter em vista que em face do princípio da legalidade, o motivo, qualquer que seja, há de ser legal. Em seu estudo, Di Pietro ressalta oportuna observação do Ministro Aliomar Baleeiro, marcante do entendimento do STF a respeito da matéria. Disse ele:
“Acho que o ato administrativo necessita sempre de motivação e que, em se tratando mesmo de ato de competência discricionária, isso é indispensável, para que se possa apreciar, num País como o nosso, sujeitos os atos do Executivo ao Poder Judiciário, se houve, ou não, détournement de pouvoir[11].”
Consiste o princípio na obrigatoriedade de o agente público demonstrar formalmente as razões de fato e de direito em que se assenta o ato administrativo exercido, não importando se o mesmo ato é de natureza discricionária ou vinculada, com o que se submete ao controle relativamente à concorrência dos demais princípios informativos da conduta administrativa.
Numa polarização já consagrada pela doutrina, Fernández (1991, p. 106) antepõe o bom e o mau agir da administração a partir do princípio da motivação, ao referir que la motivación de la decisión comienza, pues, por marcar la diferencia entre lo discrecional y lo arbitrario, y ello, porque si no hay motivación que la sostenga, el único apoyo de la decisión será la sola voluntad de quien la adopta, apoyo insuficiente, como es obvio, en un Estado de Derecho en el que no hay margen, por principio, para el poder puramente personal. O que não está motivado, conclui, é ipso facto arbitrário.
É indiscutível, portanto, a relevância do princípio da motivação dos atos administrativos, em que pese não ter sido expressamente contemplado na Constituição, porque é justamente em sua observância que a presença do interesse público como carga teleológica essencial da conduta pode ser verificada.
Ademais, a motivação atribui à conduta administrativa a transparência que permite ao destinatário penetrar em seu interior e compreendê-lo. A compreensão do ato administrativo pelo destinatário será não apenas da legalidade, mas também dos fins que nortearam a sua prática. Tem-se, assim, com a motivação a possibilidade de ver se a conduta do servidor público é legal, se é moral, se atende a uma finalidade de interesse público, e também se é idônea, tanto no seu conteúdo quanto no modo de exercê-la, para atingir a finalidade pretendida. Mais do que isso, a motivação entrega ao administrado e aos demais servidores públicos alcançados pelo ato de cunho hierárquico os meios para, além de compreender a ação administrativa, reconhecerem-na a partir da conscientização de que é boa e a ela exercerem espontânea adesão.
7.6 O princípio da eficiência
Nos últimos anos tem se falado muito no enfraquecimento da estrutura burocrática da Administração Pública devido à corrupção e à incapacidade de prestar um serviço satisfatório à sociedade. Esse componente, aliado a um crescente endividamento externo de alguns países em desenvolvimento, levou seus governantes à adoção de políticas voltadas para a redução da dimensão administrativa interventora[12], minimizando-a pois, para possibilitar uma maior atuação do setor privado em tantas atividades quantas se interessasse[13].
Nada disso se vê acontecer, no entanto. Em que pesem as privatizações de empresas públicas já realizadas e o enxugamento dos quadros de servidores federais, o Estado brasileiro de nossos dias continua lidando com uma parte importante do produto interno bruto e fomenta atividades econômicas e culturais em proporções inéditas. Sua atuação é de execução, de controle, de produzir riqueza e de pulverizá-la para a população, tanto amenizando quanto agravando a estratificação da sociedade em direção a limites extremos de opulência e de miséria[14]. Cada vez mais se constata a figura do dirigismo interventor nas relações econômicas privadas, seja para tributar, seja para controlar a distribuição ou a qualidade, seja para tutela do consumidor.
Está claro, à vista de todos, que o Estado cresce e ao mesmo tempo endivida-se, sem entretanto demonstrar capacidade para tratar adequadamente problemas sociais de vulto, como acentuou Modesto (1995). Não obstante, o Estado constitui-se na única organização capaz de assumir tão extraordinária tarefa quanto é a de operar numa escala capaz de, ainda segundo o professor baiano, conter os interesses privados em limites socialmente razoáveis e apto a intervir intensivamente sobre a coletividade, associando eficiência e eqüidade. Espera-se do Estado que otimize seu agir e conduza aplicadamente a realização dos objetivos almejados pela sociedade[15]. O Estado se vê, assim, diante da reprovação de sua omissão e da exigência de uma conduta resolutiva e de qualidade, por parte de uma comunidade que o quer prestando os serviços públicos de modo célere, simples e efetivo.
Estas exigências ultrapassaram o campo político e o econômico e vieram a interessar ao Direito, reclamando, no dizer de Reale (1994, p. 61), a intervenção do poder para que adquirissem positividade e ingressassem no ordenamento jurídico. Esse fenômeno assumiu relevância, no Brasil, com a edição da Emenda nº 19, de 1998, a qual inseriu no texto do artigo 37 o princípio da eficiência ao lado dos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e publicidade, como informadores da atuação da administração pública. Segundo Medauar (2001, p. 152), agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. Explica que associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência, ressalta, contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções.
Com acerto, Vladimir da Rocha França (2001) observa que a introdução do princípio da eficiência deu-se a partir de um esforço governamental de oferecer respostas às tradicionais acusações dirigidas à administração pública brasileira, tais como corrupção, nepotismo, baixa qualidade dos serviços, indolência dos servidores públicos em decorrência da estabilidade nos cargos, polpudos salários, etc. A pressão exercida pela mídia na última década deflagrou a EC nº 19/98, produzindo o que Marcelo Neves (1994, p. 37) apropriadamente chamou de legislação-álibi, produzida quando o legislador procura atenuar as pressões sociopolíticas ou tenta mostrar sensibilidade diante das necessidades sociais. Não obstante, em vigor a norma, adquire ela força e carga finalística própria, independente da motivação que levou o legislador a editá-la. Com a vigência, o preceito desloca-se do campo puramente político para o jurídico, a partir do que integra-se no sistema normativo, deixando a vontade do seu autor para trás para passar a reger a vontade social, fim essencial do Direito.
Discute-se a respeito de ser o princípio da eficiência novo ou antigo no ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, busca-se apurar se ocorreu em 1998 o reconhecimento pela norma constitucional de um novo valor social, ou se a definição axiológica da eficiência no serviço público vem de outros tempos (Pessoa, 2001). A esse respeito, cumpre salientar em primeiro lugar que a eficiência constitui-se num elemento integrante do próprio poder-dever de agir da administração pública[16] do Estado moderno, pós-Revolução Francesa de 1789. Moreira Neto (1976, p. 337) diz que essa atribuição estatal exige esforço e vigilância constantes para manter a eficiência no máximo grau possível, posto que o Estado de direito, depois Estado social, e agora Estado democrático de Direito, está obrigado a justificar os recursos que extrai da sociedade apresentando resultados socialmente relevantes. Viceja de longa data, assim, a obrigatoriedade de “boa administração” preconizada pela doutrina européia[17], o que identifica a eficiência pelo menos como um princípio implícito de regência da administração pública. Tendo em vista que a estrutura e a organização de um estado constituem-se em matéria de competência precípua das constituições, não se tem dúvida de estar diante da eficiência como um princípio constitucional que sempre se encontrou presente na forma implícita nos textos constitucionais.
Bem antes do advento da EC nº 19/98, Hely Meirelles (1994, p. 90) já preconizava que o dever de eficiência é o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.
Antes ainda da Constituição de 1988, o Decreto-lei nº 200, de 1967, que traduziu a reforma administrativa promovida pelos governos militares nos anos 60 e 70, introduziu a noção de controle da ação administrativa por resultados, como inovação ao método tradicional de controle por procedimentos[18].
A Constituição brasileira de 1988, ora de forma explícita, ora de forma implícita, já referia a exigência de eficiência como uma obrigação constitucional da administração pública em diversas normas. No art. 74, II, a Constituição dispõe que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: (…) II- comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado. Além de assim dispor, define que, constatada alguma irregularidade nos aspectos controlados, devem os responsáveis comunicá-la imediatamente o Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária (art. 74, § 1º). Tem-se assim, com Modesto (2001), que a eficácia e a eficiência são qualidades do agir administrativo avaliadas obrigatoriamente no controle jurídico da atividade de todo órgão da administração direta e das entidades da administração indireta, em qualquer dos poderes e, em caso de irregularidade, sujeitam os responsáveis a sanções jurídicas, são obrigações jurídicas, imposições constitucionais, exigências gerais vinculantes para o administrador público.
Além disto, questiona Modesto (2001), sem pressupor implícita a obrigação constitucional de assegurar a eficiência na gestão pública, como entender a autorização constitucional dada ao Tribunal de Contas para avaliar a “legitimidade e economicidade” da atuação administrativa em geral, ao lado do controle de “legalidade”, na cabeça do art. 70 da Constituição Federal? Observe-se que os Tribunais de Contas estão constitucionalmente autorizados a realizar “auditorias operacionais”, distintas das auditorias contábil, financeira e patrimonial, pelo art. 71, inciso VII, da Constituição, perante os órgãos e entidades da administração pública, o que não teria sentido se o administrador fosse livre para ser eficiente ou ineficiente, sem que a ineficiência importasse em violação do Direito.
Por último, de forma explícita, o texto original da Constituição de 1988, no § 7º do art. 144, dispõe que a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. Seria razoável entender que apenas os serviços de segurança pública sujeitam-se a obrigação constitucional de organização adequada e atuação eficiente? De outra parte, a obrigação de prestar serviço adequado, exigida no art. 175 da Constituição, porventura deve ser interpretada como dirigida apenas aos concessionários e permissionários de serviço público privados? A toda evidência, têm-se presentes nessa regra enunciados principiais aplicáveis a todo o ordenamento.
Estas observações indicativas da presença do princípio da eficiência no texto de 1988 levaram alguns autores a duvidar da relevância da inserção taxativa pela Emenda Constitucional nº 19. Nesse pensar, questionam se dessa inclusão no ordenamento se deveria extrair a compreensão de que antes de 1998 não estava a Administração Pública obrigada a maximizar sua atuação com vistas à otimização dos resultados alcançados na gestão do Estado. Por essa razão, deveria necessariamente decorrer a conclusão de que a inclusão do verbete “eficiência” no texto do art. 37 da Constituição seria desnecessária e redundante. Modesto (2001) lança discussão se a imposição legal da eficiência produzirá ou não efeitos imediatos. Figueiredo (2001, p. 60) chega a afirmar que tais mudanças, na verdade, redundaram em muito pouco de substancialmente novo.
Sem embargo dos que entenderam pelo exagero normativo, a questão parece ser outra. O que se pode inferir da inclusão expressa do princípio é que se antes da Emenda, para atender aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade, a eficiência tivesse de ser sacrificada, era obrigação do administrador fazê-lo. Com a inclusão, tanto a exegese constitucional quanto a produção e a interpretação da positividade infraconstitucional ficam sujeitas a uma aplicação equilibrada e harmônica dos cinco princípios, que passam a ser lidos desde um mesmo patamar de regência.
Soma-se a esses argumentos a constatação de que o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, que antes não permeava pelo componente da eficiência, ou seja, da capacidade do ato de alcançar por completo objetivos compatíveis com o interesse público em jogo, com a EC nº 19/98, passa a dispor de suporte constitucional à invasão do mérito. Antes, a ação administrativa tinha que se revelar ilegal ou ímproba para merecer a intervenção do controle administrativo externo ou judiciário em defesa do interesse individual ou coletivo vitimado. A ação lenta, desidiosa, medíocre na sua execução, era insuscetível de correção pelos instrumentos legais. Não mais[19].
Com a eficiência equiparada por força constitucional à legalidade, v. g., fica o agente público obrigado a atuar como gerente, como empresário, buscando extrair de seus recursos disponíveis o máximo do que deles pode ser obtido. E isso implica, segundo Salomão (1998), a necessidade de treinamento nas artes gerenciais, comportamentais, ferramentas e sistemas da qualidade, na focalização do cliente, na identificação e gestão de seus processos, fornecedores e insumos, enfim, é toda uma necessidade de aprendizado das técnicas e do linguajar “qualitês”.
Mais do que atribuir à eficiência um status concorrente aos demais princípios regentes da atuação administrativa, a sua inclusão nesse elenco constitucional estimulou tanto o administrador público quanto o legislador a reagir com o escopo de traduzir maior efetividade ao arcabouço conceitual do novel princípio expresso. Por outro lado, o desenvolvimento deste estudo indica que o dever de eficiência atribuído ao servidor público assumiu uma nova caracterização com a EC nº 19/98. O tradicional dever de executar suficientemente as atribuições do cargo ou emprego, que historicamente responde pela mediocridade e pela lentidão dos serviços públicos, dá lugar à possibilidade de uma resposta do Direito à expectativa cada vez maior e mais impaciente de regulação da atuação estatal de tal modo que a torne célere, simples e efetiva.
Desde uma ótica de tutela do interesse social de satisfação dos cidadãos, salientada por Pinheiro (2001), percebe-se que, com a inclusão do dever de eficiência entre os princípios constitucionais aplicáveis às atividades da Administração Pública, pretendeu-se tornar induvidoso que a atuação do administrador, além de ater-se a parâmetros de presteza, perfeição e rendimento, deverá se fazer nos exatos limites da lei, sempre voltada para o alcance de uma finalidade pública com respeito aos parâmetros morais válidos e socialmente aceitáveis. Isso dar-se-á mediante a adoção de procedimentos transparentes e acessíveis ao público em geral. Significa dizer que não bastará apenas atuar dentro da legalidade, mas que ter-se-á, ainda, necessariamente, que visar a resultados positivos para o serviço público e ao atendimento satisfatório, tempestivo e eficaz das necessidades coletivas.
Mesmo que seja possível, portanto, desenvolver um exercício dialético em torno da desnecessidade de uma constitucionalização expressa do princípio da eficiência, tenho o entendimento de que se trata de uma resposta oportuna aos anseios da sociedade por medidas destinadas a promover a qualificação da atuação do Estado. Subscrevo por inteiro as palavras de Juarez Freitas (1999, p. 86), quando, enfático, diz que nosso País insiste em praticar, em todas as searas, desperdícios ignominiosos de recursos escassos. Não raro, continua o mestre gaúcho, prioridades não são cumpridas. Outras tantas vezes, pontes restam inconclusas, enquanto se principiam outras questionáveis. Traçados de estradas são feitos em desacordo com técnicas básicas de engenharia. Mais adiante, escolas são abandonadas e, ao lado, inauguram-se novas. Hospitais são sucateados, mas não se iniciam outros, que acabam por não serem concluídos. Materiais são desperdiçados acintosamente. Corroboram a denúncia de Freitas as espantosas constatações recentemente divulgadas pelo Tribunal de Contas da União, ao examinar as obras civis contratadas pelos três Poderes da União[20]. Não é à toa, por outro lado, que se diz que o Brasil é o “país das filas”, expressão que denuncia o perverso tratamento dispensado aos cidadãos, principalmente nos balcões dos órgãos previdenciários e nas portas dos hospitais públicos.
Assim, apesar de a EC nº 19/98 ter sido proposta ao Congresso Nacional para se constituir em mais um instrumento redutor da participação do Estado na ordem social, em boa hora o ordenamento constitucional passou a declarar à Nação que a eficiência tornou-se um princípio a ser observado no mesmo plano que a legalidade e a moralidade administrativas. Não basta ao Estado livrar-se da corrupção, deve livrar-se também do emperramento que agrava o sacrifício imposto à população para financiar o funcionamento de um aparelho administrativo que não cumpre os objetivos institucionais a que está obrigado.
A aplicação do princípio constitucional expresso da eficiência à função pública brasileira já tem produzido alguns efeitos diretos e imediatos no exame dos deveres dos servidores públicos, o que enseja uma análise mais detalhada da eficiência como dever funcional do servidor público. Resta ver se tais repercussões podem ser consideradas positivas, pois a inovação introduzida no texto constitucional não representa garantia por si só, como bem asseverou Nóbrega[21], de que doravante se terá uma solução para a propalada ineficiência administrativa do Serviço Público. O eminente professor da Fundação Getúlio Vargas justifica seu ponto de vista lembrando que o Dec.-lei nº 200, de 1967, no seu entender um repositório eficiente e inovador de instrumentos que se prestam à realização de uma boa administração, não chegou a proporcionar os resultados desejados.
8 Considerações finais
A entidade formada como Estado assume uma personalidade que se torna titular de direitos e obrigações e, diante dessa presença no mundo jurídico, recruta uma quantidade de cidadãos que coloca a serviço de seus fins. Forma-se assim um mecanismo hierárquico em que se estabelecem diferentes níveis de poder faz surgirem desde logo dois grandes grupos de agentes públicos. No topo da escala hierárquica situam-se aqueles dotados de poder decisório, os quais, numa democracia, ocupam os postos de mando a partir de eleição ou de designação por outro detentor de poder estatal. Esses são os agentes políticos. Divididos em várias escalas situam-se os agentes públicos que dão efetiva execução às atribuições do Estado. Esses são os servidores públicos, de cujo código deontológico me ocupo neste trabalho. O conjunto das atribuições do Estado, sua organização e a consequente escala hierárquica que se forma para constituir a Administração Pública são legitimados pela Constituição, lei maior que reflete os valores sociais mais relevantes de um grupo social num dado momento histórico. A Constituição desempenha a função orgânica de estabelecer as diretrizes básicas de todo o sistema jurídico regente do grupo social que a proclamou.
No primeiro contato com as relações entre o Estado e os indivíduos que lhe prestam serviços, observei que houve contínua evolução nos últimos dois séculos. A partir da época em que o servidor público estava submetido às regras do Direito Privado até nossos dias, passando por fases intermediárias, chegou-se à consolidação de um regime jurídico próprio da função pública. Esse regime varia de país para país e nas diferentes esferas de poder de um mesmo país, principalmente o que tange à questão da separação do servidor de suas funções. Enquanto nos regimes contratuais a separação sem motivo justo resulta no direito a indenização, nos regimes legais a garantia de estabilidade no exercício da função veda a hipótese de separação, assegurando ao servidor a reintegração, caso ocorra unilateral e injustificadamente por parte do superior hierárquico. Diferem os dois sistemas, também, no que respeita aos direitos previdenciários, pois, em regra, no regime contratual o servidor está protegido pelo sistema previdenciário comum a todos os trabalhadores do setor privado, enquanto nos sistemas legais a garantia do sustento do servidor e de sua família na velhice está tutelada por um sistema especial que assegura a manutenção do mesmo padrão remuneratório percebido quando em atividade.
A despeito dessas distinções, observa-se que os servidores públicos, não importa a natureza jurídica de suas relações de trabalho, estão sujeitos ao um conjunto de regras de forte composição ética destinadas a regular seu comportamento de cidadãos diferentes que são dos cidadãos comuns. A legitimação atribuída pela Constituição ao Estado constitui-se, por outro lado, em fundamento para que os princípios constitucionais se imponham como substância fundante e integradora das normas de conduta dos servidores públicos. Dos princípios que instruem a supremacia constitucional garantidora da ordem social destacam-se os da legalidade, impessoalidade, moralidade, motivação e, mais posteriormente à edição constitucional originária, o princípio da eficiência.
A mais recente constitucionalização desse último princípio foi tecida em torno agitação que se presencia em vários pontos do mundo a respeito da ética pública. A sociedade, percebe-se claramente, já não estava suportando a desonestidade e a ineficiência estatais, diante do que, com todo acerto, via nesses dois males as causas principais para ter chegado ao final do segundo milênio da era cristã sob atuações administrativas virtualmente incapazes de cumprir os objetivos que se constituem na razão de existir da Administração Pública. Essa comoção social, em boa parte impulsionada pelos meios de comunicação, pressiona os agentes políticos a oferecerem respostas. Em uma atitude apenas reativa dos governos, têm sido editados leis e regulamentos regentes de normas de fundo ético, voltados mais para o combate à corrupção e à improbidade administrativas, além de planos e programas de modernização administrativa, voltados para a prossecução de uma atuação administrativa mais eficiente, assim entendida a gestão dos interesses públicos capaz de atingir os resultados mais satisfatórios no menor lapso de tempo e ao menor custo possíveis.
À luz da conjuntura social em que o princípio da eficiência constitucionalizou-se, os demais princípios constitucionais regentes da Administração Pública passaram a ser aplicados harmonicamente com o da eficiência. Significa dizer que noções valorativas como as da legalidade e da moralidade passaram a se integrar à de eficiência, o que me permite afirmar que a ação administrativa ineficiente tornou-se, ao mesmo tempo, ilegal e imoral.
Artículo 26
Informações Sobre o Autor
Sérgio Amaral Campello
Doutor em Direito, advogado, professor aposentado da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, professor da Faculdade Anhanguera do Rio Grande