Entender os princípios consagrados pelo Código de Defesa do Consumidor é um dos pontos de partida para uma boa compreensão do sistema protetivo dos vulneráveis[1] negociais.
É de se frisar que todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente. Isso ocorre porque processualmente o consumidor pode ou não possuir meios de obtenção de prova cabal.
Afinal o CDC adotou um sistema aberto de proteção baseado em conceitos legais indeterminados e ainda em construções vagas que possibilitam a melhor adequação aos casos concretos.
Realizando a confrontação principiológica entre o CDC e o Código Civil percebemos que muitos de seus conceitos encontram raízes na Lei 8.078/1990. E devido à aproximação entre o C.C. de 2002 e o CDC, a professora Cláudia Lima Marques, a partir da lição de Erik Jayme propõe diálogos das fontes onde se dá prevalência a coerência de complementariedade e de subsidiariedade.
No plano conceitual os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.
Enfim os princípios são regras de conduta que norteiam o juiz na interpretação da norma, do ato ou negócio jurídico. Os princípios são vetores axiológicos e ideológicos e como regras estáticas que carecem de concreção. E tem como função primordial auxiliar o julgador no preenchimento de lacunas. Também são aplicáveis de forma subsidiária e possuem incidência imediata.
Os princípios podem ser extraídos nos arts. 1º, 4º e 6º do CDC e, ainda existem os princípios implícitos, como é o caso do princípio de boa-fé objetiva[2] e ainda a função social dos contratos.
O art. 1º do CDC acena com o princípio do protecionismo do consumidor por isto o CDC estabelece normas de ordem pública e de interesse social.
Sempre lembrando que a proteção dos consumidores representa um dos fundamentos da ordem econômica brasileira. Por ser de ordem pública, a normatização do CDC, veio a Lei 12.291/2010 determinar como obrigatória a exibição de um exemplar do CDC em todos os estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços do país, sob pena de multa no valor de R$ 1.064,10 (hum mil e sessenta e quatro reais e dez centavos).
O princípio do protecionismo do consumidor[3] impõe que as regras do CDC não podem ser afastadas nem mesmo por convenção das partes, sob pena de nulidade absoluta.
Aliás, o art. 51, inciso XV do CDC segundo o qual são nulas de pleno direito as cláusulas abusivas que estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor. A segunda consequência é que caberá a intervenção do Ministério Público em questões envolvendo problemas de consumo.
O art. 82, inciso II do CPC enuncia que compete ao MP intervir nas ações em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte, o que é justamente o caso de demandas de consumo.
A terceira consequência que toda a prestação constante no CDC deve ser conhecida de ofício pelo juiz, caso de nulidade eventual cláusula abusiva.
A vulnerabilidade do consumidor segundo o art. 4º do CDC e de acordo com a realidade da sociedade de consumo, não há como afastar, tal posição desfavorável, principalmente se forem consideradas as revoluções pelas quais passaram as relações jurídicas e comerciais nas últimas décadas.
As desigualdades oriundas do liberalismo que não encontram resposta cabal para a solução de problemas decorrentes da crise de relacionamento e de lesionamentos que sofrem os consumidores. Por isso, a necessidade de elaboração de lei protetiva própria, no caso a Lei 8.078/90.
A vulnerabilidade é mais que um estado da pessoa, inerente de risco ou sinal de confrontação excessiva de interesses identificados no mercado. A vulnerabilidade é resultante de presunção iure et iure, não aceitando declinação de prova em contrário, sob nenhuma hipótese.
A vulnerabilidade é conceito diverso da hipossuficiência[4]. Todo consumidor é vulnerável, mas nem sempre é hipossuficiente. A vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo e não um elemento pressuposto, em regra. O elemento pressuposto é a condição de consumidor.
Para a vulnerabilidade pouco importa a situação política social, econômica ou financeira da pessoa, bastando a condição de consumidor conforme o enquadramento do arts. 2ª e 3º do CDC.
O princípio da hipossuficiência do consumidor esculpido no art. 6º, inciso VIII da Lei 8.078/90 é condição fática e não jurídica diante do caso concreto. Pode ser técnica, pelo desconhecimento em relação ao produto ou serviço adquirido, sendo perceptível na maioria dos casos. Leva em consideração a situação socioeconômica do consumidor perante o fornecedor.
Também se caracteriza quando há a situação jurídica em que o consumidor é impedir de conseguir prova[5] que se tornaria indispensável para responsabilizar o fornecedor causador de dano verificado.
A hipossuficiência é um plus, um algo a mais que traz ao consumidor, mais um benefício qual seja a possibilidade de pleitear no campo judicial, a inversão do ônus da prova, conforme estatui o art. 6º, VIII do CDC.
Conforme posicionamento dominante na doutrina e na jurisprudência, notadamente o STF, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor é regra de julgamento. A doutrina começou a desenvolver uma teoria a chamada teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova ou das cargas probatórias dinâmicas para flexibilizar a distribuição do ônus da prova de acordo com as peculiaridades do caso concreto.
E tal redistribuição do ônus da prova se justifica plenamente pela perspectiva constitucional do processo, tendo em vista os princípios basilares da ampla defesa, da cooperação e da igualdade entre os litigantes.
A referida teoria fora delineada e sistematizada na Argentina pelos estudos de Jorge W.Peryano no final do século XX. O relevante nessa teoria é saber quem tem maior facilidade de produção daquela prova[6], de forma a esclarecer os fatos controvertidos e ter uma solução justa no caso concreto.
A matéria é deveras controvertida e tem como pano de fundo o debate acerca da natureza jurídica do ônus da prova, ou seja, se ele deve ser compreendido como regra de julgamento para o juiz ou regra para as partes.
É que, uma vez reputado apenas como regra de julgamento[7], da qual se vale o julgador no momento da decisão, diante da ausência de prova quanto a fato relevante e da impossibilidade de pronunciamento non liquet, para proferir a sentença em desfavor da parte que deveria produzir a prova e não o fez, será admitida a distribuição dinâmica apenas nesse momento.
Em contrapartida, considerando-se o ônus da prova também como regra de conduta, que orienta a atividade das partes no processo durante a instrução, indispensável será o pronunciamento do magistrado quanto à repartição do encargo probatório de antemão, logo na abertura da fase instrutória, a fim de que os litigantes estejam previamente cientes da sua responsabilidade e dos riscos que poderão ser suportados por cada qual.
Princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, inciso III do CDC) tem sua real importância por ser um dos princípios basilares da Política Nacional das Relações de Consumo e busca a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilizando com a proteção do consumidor com a necessidade do desenvolvimento econômico e tecnológico.
Assim a boa-fé contratual prevista no Código Civil relaciona-se com o art. 4º, inciso III do CDC confirmada pelo Enunciado 27 do CJF que informa: “na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema e fatores metajurídicos”.
Assim o enunciado reconhece o imperioso diálogo existente entre as duas leis numa feliz conexão legislativa. Como é sabido, a boa-fé objetiva representa uma evolução do conceito que saiu do plano psicológico ou intencional (o da boa-fé subjetiva) para o plano concreto da atuação humana (boa-fé objetiva).
Cumpre assinalar que foi com o jusnaturalismo e toda a influência católica e cristã que a boa-fé ganhou uma nova faceta relacionada com a conduta dos negociantes sendo chamada de boa-fé é uma regra histórica de comportamento. Então partiu da subjetivação para a objetivação sendo consolidado pelas codificações privadas europeias.
E o Enunciado 26 do Conselho de Justiça Federal aponta que a boa-fé vem a ser exigência de um comportamento de lealdade dos participantes negociais em todas as fases do negócio.
A boa-fé objetiva gera os deveres anexos ou laterais de conduta que são inerentes a qualquer negócio, sem a necessidade de previsão no instrumento. Entre estes deveres merece maior destaque: o dever de cuidado, o dever de informar, o dever de respeito, o dever de lealdade, o dever de probidade e o dever de informar, o dever de transparência, o de agir honestamente e com razoabilidade.
Convém destacar igualmente que o princípio da boa-fé objetiva possui três funções básicas, a saber: a) servir de fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual (função criadora); b) constituir causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo (função limitadora); c) ser utilizada na concreção e interpretação dos contratos (função interpretativa).
Afinal, a boa-fé se traduz em ser cooperação e respeito, é conduta esperada e leal e tutela todas as relações sociais. Traz a noção de equilíbrio negocial.
O art. 9º do CDC valoriza a boa-fé objetiva ao prever o dever do prestador de serviços ou fornecedor de informar ao consumidor quanto ao perigo ou nocividade do produto ou serviço que coloca no mercado, visando a proteção da sua saúde e da sua segurança.
É curial importância frisar a existência da responsabilidade objetiva prevista nos artigos 12, 14 e 18 do CDC que traz as consequências decorrentes do desrespeito do dever, havendo ampliação de responsabilidade inclusive pela informação mal prestada.
Em relação aos meios de oferta, o CDC consagra normas conforme o seu art. 31 que impõe a necessidade de informações precisas quanto à essência, quantidade, qualidade do produto ou serviço.
Também há a proibição da publicidade simulada, abusiva e enganosa[8] conforme os arts. 36 e 37 do CDC.
No art. 39 do CDC estabelece o conceito de abuso de direito como precursor da ilicitude de situações, com a penalização civil de condutas que não obedecem à boa-fé objetiva.
Ainda os Enunciados 25 e 170 do CTF aprovados nas Jornadas de Direito Civil estabelecendo que o juiz deve aplicar e as partes devem respeitar a boa-fé objetiva nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.
O princípio da transparência ou da confiança previsto no art. 4º, caput e art. 6º, III do CDC que consolida a tutela da informação. No mundo contemporâneo os juristas observaram o déficit de informação do Direito Privado e ainda, o ato poder da publicidade principalmente nos meios midiáticos.
A informação no âmbito jurídico se desdobra no dever de informar e o direito de ser informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o produto ou serviço e, o segundo, com o consumidor vulnerável.
O amparo da informação consta no caput do art. 4º do CDC que possibilita a aproximação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor.
Com isso, há regras específicas para disciplinar publicidade[9] nos arts. 30 e 28 do CDC. Cabendo o cumprimento forçado do meio de oferta, por meio de tutela processual específica, nos termos dos arts. 35 e 84 do CDC.
O princípio da função social do contrato e o CDC representam prova inconteste de que não se pode mais aceitar o contrato regido pela autonomia de vontade ilimitada e com sua força obrigatória (pacta sunt servanda).
A sociedade sob o domínio do capital deve rever os contratos notadamente os contratos de consumo. A mitigação da obrigatoriedade da convenção principalmente na hipótese em que o negócio jurídico celebrado encerra uma injustiça.
A relativização do pacta sunt servanda é trazida pela função social do contrato. O principal objetivo da função social dos contratos é tentar equilibrar uma situação onde em geral o consumidor sempre foi vítima das abusividades.
É principio contratual de ordem pública conforme estatui o art. 2.035, parágrafo único, do Código Civil de 2002, pelo qual o contrato deve ser necessariamente interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade.
Está expresso no art. 421 do C.C. e valoriza a finalidade coletiva dos contratos representando uma nítida limitação ao exercício da autonomia privado no campo contratual.
No CDC o princípio da função social é implícito mesmo sendo aplicável na revisão dos contratos de consumo fundada na teoria da base do negócio jurídico (Larenz) e da culpa in contrahendo[10] (Ihering).
A função social do contrato constitui um regramento que tem tanto eficácia interna, ou seja, entre os contratantes quanto à eficácia externa (que vai além dos contratantes).
Aprovou-se o Enunciado 21 do CJF que estabelece que a função social do contrato que representa uma exceção do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, possibilitando a tutela externa do crédito, ou seja, a eficácia do contrato perante terceiros.
Exemplo desta aplicação é a jurisprudência do STJ que tem entendido que a vítima de um acidente de trânsito pode demandar diretamente a seguradora do culpado, mesmo não havendo uma relação contratual de fato entre eles. (Vide: STJ, Resp 444716/BA, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11/05/2004, DJ 31/05/2004, p.300).
Nessa decisão se reconhece que a função social dos contratos está estribada no princípio da solidariedade social, conforme o art. 3º, I da CF/1988, ampliando-se as responsabilidades, o que gera o dever de reparar por parte da seguradora, mesmo não tendo contrato assinado e firmado, formalmente com a vítima do acidente.
O CDC inseriu a regra de que mesmo uma simples onerosidade excessiva ao consumidor, decorrente de fato superveniente, poderá ensejar a chamada revisão contratual (art. 6º, V do CDC).
É preciso conectar a eficácia interna da função social dos contratos com a conservação dos negócios jurídicos, sendo a extinção contratual tida como última medida.
Como tendência em prol da conservação contratual nos socorre a teoria de adimplemento substancial[11] ou substancial performance amplamente admitida pela doutrina e jurisprudência.
O Enunciado 261 do CJF aduz que: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.
Pela teoria do adimplemento substancial em hipótese em que a obrigação tiver sido quase toda cumprida, sendo a mora insignificante, não caberá a extinção do negócio, mas apenas outros efeitos jurídicos visando sempre à manutenção da avença. (Vide STJ Ag. Rg. 607.406/RS, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 25/3/2003, DJ 05/5/2003, p. 310, RiNDJ 43/122).
Todo o contrato deve ser, regra geral, mantido e conservado, sendo admitida a sua resolução ou revisão somente quando no mundo fático, de modo a tornar insuportável a manutenção do relacionamento negocial.
A conservação contratual pode ser vista em razão do art. 51, §2º do CDC que estabelece explícita vedação de nulidade automática de todo o negócio jurídico pela presença de cláusula abusiva. Pois a nulidade da cláusula abusiva não invalida o contrato exceto quando de sua ausência decorrer um ônus excessivo a qualquer das partes.
Decretando-se a nulidade da cláusula desproporcional, mas mantendo-se todo o resto do negócio jurídico. A parte inútil do negócio geralmente prejudica a parte útil do negócio.
O princípio da equivalência negocial[12] previsto no art. 6º, inciso II do CDC. Por esse princípio é garantida a igualdade de condições no momento da contratação ou de aperfeiçoamento da relação jurídica patrimonial. Reserva-se um tratamento isonômico a todos os consumidores.
Com o advento do CDC, leciona Cláudia Lima Marques, o contrato passa a ter equilíbrio, conteúdo ou equidade mais controlado, valorizando-se o seu sinalagma. Segundo Gernhuber, o sinalagma é elemento imanente e estrutural dos contratos, é a dependência genética, condicionada e funcional de pelo menos duas prestações correspectivas, é o nexo final oriundo da vontade das partes, é moldado pela lei.
Lembremos que sinalagma não significa apenas a bilateralidade mas, sim um modelo de organização de relações privadas. O papel preponderante sobre a vontade das partes, a impor uma maior boa-fé nas relações de mercado, conduz o ordenamento jurídico a controlar mais efetivamente este sinalagma, e por consequência, o equilíbrio contratual.
Mas entre os consumidores podemos identificar os hipervulneráveis tais como idosos, portadores de necessidades especiais, crianças e adolescentes e outros que merecem redobrada proteção.
Pelo princípio da equivalência negocial, assegura-se ao consumidor o direito de conhecer o produto ou o serviço que está adquirindo de acordo com a ideia de plena liberdade de escolha e do devedor anexo de informar.
O Decreto 4.680/2003 que regulamenta o direito à informação, prevendo o seu art. 1º, o dever dos fornecedores de informar quanto os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano o animal que contenham organismos geneticamente modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis.
O art. 10 do CDC veda a colocação de produto ou serviço que ofereça alto grau de nocividade à saúde, à segurança.
E, nesse caso, há o dever geral de vigilância e informação que atinge inclusive também a fase pós-contratual, ou seja, um momento posterior ao aperfeiçoamento do contrato.
E, para algumas situações, os artigos 81 e 82 do CDC ainda preveem a possibilidade de defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos, o que faz ser possível a proteção coletiva dos consumidores.
O princípio da reparação integral dos danos é previsto no art. 6º, inciso VI do CDC e também assegura aos consumidores as efetivas prevenção e reparação de todos os danos suportados, sejam eles materiais ou morais, individuais, coletivos ou difusos. Também faz jus aos lucros cessantes.
O dano moral coletivo é modalidade de dano que atinge ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis. Em sede jurisprudencial superior o principal julgado que admitiu a reparação dos danos morais coletivos foi exarado pela Terceira Turma do STJ no famoso caso das pílulas de farinha[13].
O referido tribunal decidiu por indenizar as mulheres que tomaram as referidas pílulas e vieram a engravidar, o que não estava planejado. A indenização foi em face da Schering do Brasil, que fornecia o anticoncepcional chamado de Microvlar, presente na decisão numa apurada análise de extensão do dano em relação às consumidoras. (Vide STJ, Resp 866.636/SP, 3ªT., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29/11/2007, DJ 06/12/2007, p.312).
Podemos deduzir três conclusões em face do retromencionado julgado, a saber: a primeira é que o PROCON como entidade de defesa dos consumidores, com legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos com clara repercussão social.
A segunda conclusão é no sentido de que os danos morais podem ser coletivos e não só individuais, o que é claro, pela leitura do art. 6º, inciso VI do CDC.
A terceira e derradeira conclusão e que as mulheres que engravidaram sofreram lesão à personalidade diante de uma situação não esperada ou não planejada.
Obviamente não é o nascimento do filho que causa dano moral, mas a frustração de uma opção pessoal. Sobre o dano difuso este pode ser visualizado como dano social principalmente pela diminuição de qualidade de vida.
Constata-se que tais prejuízos podem gerar repercussões gerais ou morais, o que os diferencia dos danos morais coletivos, pois os últimos são apenas extrapatrimoniais.
Os danos sociais são danos difusos e atingem pessoas indeterminadas ou indetermináveis, conforme os termos do art. 81, parágrafo único do CDC. Devendo, ser instituído um fundo de proteção para indenizar de acordo com os direitos atingidos, ou mesmo para instituição de caridade, a critério do juiz.
Evidenciando a reparação de danos difusos e sociais temos o caso de sistema de loterias chamado TOTO BOLA[14] que gerou danos à sociedade. Uma vez fixada a indenização, os valores foram revertidos a favor do fundo gaúcho de proteção de consumidores (in TJRS – Recurso Cível -71001281054 – 1ª Turma Recursal Cível. Rel. Des. Torres Hermann – j.12.07.2007).
Com intuito didático, resumiremos que os danos morais coletivos atingem vários direitos da personalidade; direitos individuais homogêneos ou coletivos em sentido stricto C(ocorrem vítimas determinadas ou determináveis). Neste caso, a indenização é destinada para as próprias vítimas.
Danos sociais ou difusos que causam rebaixamento no nível de vida da coletividade. As vítimas são indeterminadas e, a indenização é dirigida para um fundo de proteção ou instituição de caridade.
A perda de uma chance[15] está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, como expõem os doutrinadores, essa chance deve ser séria e real.
Buscando critérios objetivos para a aplicação da teoria, Sérgio Savi leciona que a perda da chance[16] estará caracterizada quando a probabilidade da oportunidade for superior a cinquenta por cento.
Para bem ilustrar a prática, o TJRS já responsabilizou um hospital por morte de recém-nascido havendo a perda de chance de viver (TJRS, Processo 70013036678, Caxias do Sul, 10ª Cam. Cível, Juiz Rel. Luiz Ary Vessini de Lima, J. 22/12/2005).
Cogita-se também em perda de chance de cura do paciente, pelo emprego de uma técnica malsucedida pelo profissional da área de saúde. (In: TJPR, Apelação Cível, 0604589-4, Londrina, 10ª Cam. Cível, Rel. Juiz Convocado Vitor Roberto Silva, DJPR 25/3/2010, p. 204).
Noutra ocasião, o tribunal gaúcho responsabilizou um curso preparatório para concursos públicos que assumiu o compromisso de transportar o aluno até o local da prova. Porém, houve atraso no transporte, o que gerou a perda da chance de disputa em concurso público, exsurgindo o dever de indenizar. (TJRS, Processo 7100 0889238, Cruz Alta, Segunda Turma Recursal Cível, Juiz Rel. Clóvis Moacyr Mattana Ramos, j. 07.06.2006).
Depois que superada a análise dos danos reparáveis na órbita das relações de consumo, o princípio da reparação integral de danos gera a responsabilidade objetiva de fornecedores e prestadores como regra das relações de consumo.
Tal responsabilidade independentemente de culpa visa à facilitação das demandas em prol dos consumidores, representando um aspecto material do acesso à justiça. E tanto para o consumidor padrão e o para o consumidor bystander (por equiparação).
Outro aspecto relevante é que havendo mais de um autor da ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos provocados e previstos nas normas do CDC (art. 7º do CDC).
O CDC adotou também o princípio da segurança que juntamente com a responsabilidade objetiva dos fornecedores e prestadores, afastando-se a necessidade de prova do elemento culpa.
Enfim, atualmente CDC festeja seus vinte e quatro anos de promulgação e teve grande impacto pois mudou o mercado brasileiro trazendo novo patamar de boa-fé e qualidade das relações privadas no Brasil, especialmente na proteção dos mais vulneráveis nas relações econômicas.
E os princípios vieram dinamizar essa proteção ao consumidor, elevando a qualidade da prestação de serviços e fornecimento de mercadorias principalmente em face da pluralidade de leis que é um dos maiores desafios para o aplicador de direito no mundo contemporâneo.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.