Princípios jurídicos orientadores das licitações sustentáveis: uma análise conceitual

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Resumo: Este artigo objetiva a discussão acerca dos Princípios Jurídicos que lastreiam e orientam o instituto jurídico-ambiental da Licitação Sustentável, importante instrumento do Estado no seu dever de preservação ambiental, mormente em decorrência da ascendência global de mudanças de concepções e idealizações de mecanismos ambientalmente adequados e aptos a possibilitar um desenvolvimento econômico-social sustentável. Para tanto, utilizando-se de uma pesquisa bibliográfica, será realizada uma abordagem acerca da previsão constitucional do dever estatal preservacionista. Também serão trazidas questões sobre licitações, contratos públicos e licitações sustentáveis. E, por fim, serão abordados, em uma análise conceitual, os princípios jurídicos administrativos e, notadamente, os postulados ambientais aplicáveis às Licitações Sustentáveis.

Palavras-chave: Princípios jurídicos. Licitações sustentáveis. Desenvolvimento sustentável.

Resumen: Este artículo se centra en la discusión de los principios jurídicos que nortean y guian el instituto jurídico-ambiental de Licitaciones Sostenibles, importante instrumento estatal en su deber de preservación del medio ambiente, principalmente como resultado de la ascendencia global de cambios de conceptos e idealizaciones de mecanismos apropiados para el medio ambiente y capaz de proporcionar un desarrollo socio-económico sostenible. Con este fin, mediante una investigación bibliográfica, se llevará a cabo un enfoque sobre el deber constitucional preservacionista. También se harán presentes discusiones sobre licitaciones, contratos públicos y licitaciones sostenibles. Y, finalmente, se abordarán en un análisis conceptual, los principios administrativos y legales, en particular, los princípios ambientales aplicables a licitaciones sostenibles.

Palabras clave: Principios jurídicos. Licitaciones sostenibles. Desarollo sostenible.

Sumário: Introdução. 1. Dever constitucional do Estado de preservação do meio ambiente. 2. Licitação sustentável e sua definição. 3. Conceituação de princípios jurídicos. 4. Princípios da Administração Pública 4.1. Supremacia do Interesse Público. 4.2. Expressos na Constituição Federal. a) Legalidade. b) Impessoalidade. c) Moralidade. d) Publicidade. e) Eficiência. 4.3. Específicos da Licitação. a) Igualdade. b) Vinculação ao Instrumento Convocatório. c) Julgamento objetivo. 5.  Princípios Ambientais. 5.1. Desenvolvimento sustentável. 5.2. Precaução e Prevenção. 5.3. Poluidor pagador. 5.4. Acesso equitativo aos recursos naturais ou solidariedade intergeracional. 5.5. Ubiquidade. 5.6. Vedação ao retrocesso ecológico. Considerações finais. Referências.

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo discutir o tema dos Princípios Jurídicos, notadamente os de natureza ambiental, que lastreiam e são aplicáveis ao instituto jurídico da Licitação Sustentável.

Essa matéria se utiliza de fundamentos tanto do Direito Ambiental, como do Direito Administrativo, tendo sido priorizados, durante a pesquisa e exposição, os temas jurídico-ambientais.

Com efeito, em meio à realidade de mudanças de pensamentos e atitudes, de uma maneira e abrangência global, muito em virtude de modificações e tragédias naturais cada vez mais frequentes, o tema do desenvolvimento sustentável apresenta-se como “assunto chave”, sendo imperiosa uma conduta estatal ativa para adaptar-se a essas novas concepções, utilizando-se de medidas ambientalmente corretas, como as Licitações Sustentáveis.

Deste modo, optou-se por trazer, de imediato, um debate sobre o dever expressamente previsto na nossa atual Carta Magna, qual seja o de preservação do meio ambiente, pertencente precipuamente ao Estado (este, entendido em seu sentido amplo). 

Em seguida, expõe-se sobre a Licitação Sustentável, trazendo a sua definição jurídica e uma breve reflexão sobre a sua importância como instrumento para auxiliar o Estado no cumprimento do seu dever de preservação ambiental.

Por fim, será realizada uma definição dos princípios jurídicos, sua natureza normativa, e a sua função e importância para os ordenamentos jurídicos, adentrando-se no sistema jurídico brasileiro, a fim de apresentarmos uma análise conceitual dos postulados administrativos expressos no caput do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil; dos que fundamentam especificamente as licitações públicas; e, principalmente, um debate acerca das concepções e conceitos dos princípios ambientais.

1. Dever constitucional do Estado de preservação do meio ambiente

Ao nos debruçarmos sobre a vasta Doutrina ambientalista pátria, aquilatamos, de forma uníssona, que a nossa atual Constituição da República foi a primeira Constituição Brasileira em que a expressão “meio ambiente” foi mencionada (MACHADO, 2011, p.132).

Com efeito, a Lei Maior de 1988, em seu art. 225, caput, é previu expressa e sem distinções, o direito de todos a um meio ambiente equilibrado e o especial dever da coletividade, e principalmente do Estado (entendido em sentido amplo), em defendê-lo e preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações.

O supracitado artigo, em seu parágrafo único, estabelece determinadas obrigações do Estado para assegurar a efetivação do dever geral de preservação ambiental, introduzindo no cenário normativo inúmeros instrumentos através dos quais o Poder Público passou a poder se utilizar para desempenhar sua obrigação para com o meio ambiente, dentre eles: a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais; a definição de espaços territoriais e seus componentes, em todas as unidades da Federação, a serem especialmente protegidos; a exigência de prévio estudo de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente degradante do meio ambiente; o controle da produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida etc. (incisos I a VII).

O Estado possui, nesse diapasão, um dever distinto, justamente por ser dele a responsabilidade de atender os anseios gerais da sociedade, em busca do “bem comum”, devendo, portanto, agir de maneira ativa na proteção do meio ambiente, almejando e observando o desenvolvimento sustentável, assim como municiando meios e instrumentos idôneos para que a sociedade também detenha habilidades de exercer sua concorrente obrigação constitucional.

Impende salientar que os constituintes, não obstante terem adotado a nomenclatura “Poder Público” no artigo 225, CRFB/88, não expressaram nenhuma separação no que tange à atuação e responsabilidade conjugada dos três Poderes Republicanos, sendo, destarte, todos eles igual e concorrentemente obrigados a agir na defesa e preservação ambiental, atuando de forma harmônica e independente entre si.

Nesse diapasão, como importante instrumento estatal na preservação do meio ambiente, podemos e devemos mencionar a Licitação Sustentável, que se encontra estreitamente lastreada por inúmeros princípios ambientais, administrativos e constitucionais, os quais se afiguram como o objeto central do presente trabalho.

2. Licitação Sustentável e sua definição

É imperioso que se traga uma definição objetiva do que vem a ser uma Licitação Sustentável, a qual é entendida como o procedimento licitatório[1] que adéqua as necessidades da Administração Pública a um consumo pautado no postulado do desenvolvimento com sustentabilidade. Pode ser denominada, ainda, de “licitação verde”, “ecoaquisição”, “licitação positiva”, “licitação ambientalmente amigável” etc.

O Estado, ao optar por tal procedimento nas licitações e contratações de bens, serviços e obras que diuturnamente realiza, passa a valorizar os custos efetivos que avaliam condições de longo prazo, almejando trazer benefícios conjuntos à sociedade e à economia e, além disso, logrará reduzir os danos ao meio ambiente (STROPPA, 2009, p. 17).   

Esse ainda recente instituto jurídico reflete o reconhecimento de que o Estado, na grande maioria dos casos, é o maior consumidor do mercado nacional – tanto pela contratação de serviços, quanto pelas compras de mercadorias – podendo, portanto, através da adoção de licitações sustentáveis, incentivar uma postura ambientalmente correta dos próprios particulares que pretendem celebrar um contrato administrativo.

Por consequência lógica, tais empresas terão, irremediavelmente, de se adequar às exigências estatais, caso desejem contratar com a esfera pública.

Rosa Maria Meneguzzi, ao analisar as impressões de governos e estudiosos europeus acerca dessa espécie de procedimento licitatório, nos ensina que:

“[…] a licitação sustentável seria também uma solução para integrar considerações ambientais e sociais em todos os estágios do processo da compra e contratação dos agentes públicos (de governo) com o objetivo de reduzir impactos à saúde humana, ao meio ambiente e aos direitos humanos. A licitação sustentável permitiria o atendimento das necessidades específicas dos consumidores finais por meio da compra do produto que oferece o maior número de benefícios para o meio ambiente e à sociedade”.  (MENEGUZZI, 2011, p. 22).

Deste modo, pode-se ainda aduzir que o surgimento dessa nova concepção de licitação se fundamenta, na verdade, no aparecimento de uma nova visão da arraigada e limitada ideia de que a Administração pública deve adotar o procedimento licitatório apenas como mecanismo para efetuar a contratação dos melhores serviços e bens unicamente pelos menores preços.

A partir disso, passaremos a construir um entendimento conceitual acerca dos princípios jurídicos que orientam a aplicação e a própria razão de existir das Licitações Sustentáveis.  

3. Conceituação de Princípios Jurídicos

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Paulo Bonavides, invocando o pensamento de Betti, afirma que os princípios eram entendidos como “os valores dos critérios diretivos para interpretação e dos critérios programáticos para o progresso da legislação” (BETTI, 1990, p. 847 apud BONAVIDES, 2005, p. 271) demonstrando-se assim, a visualização do princípio apenas como mero direcionador interpretativo das normas, sendo desconsiderada até então, sua natureza normativa.

Todavia, essa concepção de princípios se transformou impulsionada pelo italiano Crisafulli, a partir de quem se passou a entender e classificar tais preceitos como possuidores de conteúdo normativo e, por conseguinte, de imperatividade. 

Nessa esteira, salientando a importância dos princípios na ordem jurídica, assim instrui Ruy Samuel Espíndola:

“Atualmente, entende-se que os princípios estão inclusos tanto no conceito de lei quanto no de princípios gerais do Direito. Assim, os princípios jurídicos podem estar expressos ou implícitos na ordem jurídica, respectivamente (Eros Grau e Norberto Bobbio). Essa tendência tem sido chamada de pós-positivista. Seus postulados vão muito além: entendem os princípios como normas jurídicas vinculantes, dotados de efetiva juridicidade, como quaisquer outros preceitos encontráveis na ordem jurídica; consideram as normas de direito como gênero, do qual os princípios se as regras são espécies jurídicas”. (ESPÍNDOLA, 2002, p. 34).

A partir disto, podemos definir princípios como normas alicerçadoras e norteadoras das regras legais, não possuindo mandamento ou proibição específica, mas quedando-se longe da abstração, no que se refere à imperiosidade de sua observância e respeito. Portanto, possuem caráter de inerência e imprescindibilidade em todo ordenamento jurídico.

Deste modo, a presença dos princípios nos discursos normativos é extremamente salutar. Isto justamente pelo fato de eles difundirem lucidez e claridade nas interpretações e nos entendimentos das questões jurídicas em que se depara qualquer administrador ou julgador.

Com efeito, cada ramo do direito, ou até cada instituto jurídico possui princípios que lhe conferem fundamento e direção, apresentando inconteste natureza e valor normativos.

Neste trabalho serão estudados aqueles princípios que estruturam o Direito Administrativo e o Direito Ambiental e que possuem estreita relação com o tema das compras públicas sustentáveis como instrumento do Estado no seu dever de preservação do meio ambiente, sendo tal encargo estabelecido, primordialmente, no artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil[2].

Deste modo, optou-se por dividir a análise principiológica em: princípios da administração pública, primeiramente o da Supremacia do Interesse Público e em seguida aqueles expressos no caput do art. 37, da CRFB; os atinentes às licitações públicas; e, por fim, e entendidos como o lastro principal das Licitações Sustentáveis, os princípios jurídicos ambientais.

4. Princípios da Administração Pública

4.1. Supremacia do Interesse Público

Também é denominado de princípio da finalidade pública, e exige que toda e qualquer atividade executada pela Administração seja voltada ao interesse da coletividade, estando este último em posição de prioridade e superioridade em relação aos interesses estritamente individuais e particulares.

Este princípio, conjuntamente com o da Legalidade, é consagrado pela doutrina pátria especializada como sendo a diretriz básica de toda a Administração Pública, sendo ambos essenciais, justamente porque, a partir deles, é que se constroem todos os demais (DI PIETRO, 2005, p. 67).

4.2. Expressos na Constituição Federal

É importante ressaltar que, diante das questões a serem estudadas, nenhum destes princípios – previstos de forma expressa no caput do art. 37[3] da nossa Carta Magna – poderá ser omitido, dado a sua essencialidade e inconteste relevância à matéria.

a) Legalidade

Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina que o princípio da Legalidade “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas”. (MELLO, p. 57/58, 1989 apud CARVALHO FILHO, 2007, p. 17).

Vale dizer que a sua importância é reconhecida, muito em parte, por haver surgido contemporaneamente ao Estado de Direito, entendendo-se este como o Estado que deve respeitar as próprias leis que edita.

Ademais, o postulado da Legalidade constitui uma das mais importantes garantias de reverência aos direitos dos indivíduos, visto que, atua tanto como definidor de tais direitos, quanto limitador das atividades administrativas que possam incidir na restrição ou malferimento daqueles.

b) Impessoalidade

O princípio ou regra da impessoalidade da Administração Pública apresenta características oriundas dos princípios da isonomia e da finalidade, haja vista que busca ao mesmo tempo: a igualdade com a qual a Administração deve tratar os administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica, e o enfoque exclusivo das condutas da Administração no interesse público, em detrimento do interesse privado.

c) Moralidade

O princípio da moralidade exige que o administrador público atue sempre com a observância de preceitos éticos, instrumentalizados pela honestidade. Contudo, tal conduta não pode limitar-se a existir somente nas relações entre a Administração e os administrados em geral. É imprescindível que a moralidade administrativa se faça presente também na relação interna entre a Administração e seus agentes públicos.

Ressalte-se que, não obstante a independência de cada princípio disposto no art. 37, da CRFB, o princípio da moralidade normalmente encontra-se associado ao da legalidade. É inegável que ambos estejam interligados, mormente por serem precedentes lógicos da atuação de todo administrador público. Entretanto, não pode aquele ser tido como mero integrante desse, pois tal entendimento retiraria a autonomia do postulado em questão, o qual é, em si, a definição de interesse público.

d) Publicidade

No que tange a este postulado, faz-se mister a transcrição do elucidativo ensinamento de Hely Lopes Meirelles, in verbis:

“A publicidade, como princípio da administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamento das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isto é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, e dele pode obter certidão ou fotocópia autenticada para os fins constitucionais” (MEIRELLES, 2006, p. 95).

Portanto, o princípio da publicidade é mais uma garantia aos administrados de poderem ter seus direitos preservados, em razão de estarem cientes e, com isso, seguros acerca dos métodos, razões e finalidades da atuação administrativa.

e) Eficiência

O preceito em análise foi acrescentado à redação original do art. 37, da CRFB, por meio da Emenda Constitucional nº19/98 e se traduz na imposição a todo agente público para que realize seus encargos funcionais com presteza, requinte e rendimento, a fim de que se evite ou reduza, por conseguinte, prejuízos ao Erário e retardamentos ou delongas nos trâmites processuais e procedimentais.

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Em verdade, o princípio da eficiência é, por si só, intrínseco ao próprio amparo do interesse da coletividade:

“Não basta atuar de maneira conforme a lei. Não faz sentido emperrar a administração para dar estrito cumprimento à literalidade da lei. Agora é preciso mais: a administração deve buscar a forma mais eficiente de cumprir a lei, deve buscar, entre as soluções teoricamente possíveis, aquela que, diante das circunstâncias do caso concreto, permita atingir os resultados necessários à satisfação do interesse público”. (DALLARI; FERRAZ, 2000, p.77-78).

Neste diapasão, é imperioso advertir que a inclusão desse princípio denota, em verdade, a insatisfação da sociedade em relação à sua impotência para afrontar o fornecimento dos serviços públicos, os quais – dada a ausência de qualidade e deficiência na prestação – já acarretaram incontáveis danos à coletividade.

4.3. Específicos da Licitação

a) Igualdade

Denominado também, de forma mais completa, como o princípio da igualdade de condições entre os licitantes, este postulado visa a garantir o tratamento isonômico no âmbito do procedimento licitatório, sem que a nenhum concorrente seja ofertada vantagem ou benefício não extensivos aos demais.

Contudo, é preciso advertir que a lei admite que o administrador, ao expor as regras do procedimento, estabeleça alguns requisitos ou exigências para o certame, baseando-se nos motivos ensejadores da licitação, bem como na oportunidade e conveniência administrativa, sem, todavia, favorecer qualquer participante.

Desta maneira, doutrina-se que a vedação legal e principiológica se refere à adoção de exigência desnecessária ou inadequada, “[…] cuja previsão seja orientada não a selecionar a proposta mais vantajosa, mas a beneficiar alguns particulares. Se a restrição for necessária para atender ao interesse coletivo, nenhuma irregularidade existirá em sua previsão”. (JUSTEN FILHO, 2009, p. 80).

b) Vinculação ao Instrumento Convocatório

Este preceito tem seu sentido explicitado no art. 41 da Lei de Licitações e Contratos Públicos (Lei nº 8.666/1993), segundo o qual: “A administração não pode descumprir as normas e condições do edital, a qual se acha estritamente vinculada”. Ademais, também é mencionado no art. 3º do mesmo diploma legal, estando ao lado dos demais preceitos principiológicos:

“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”.

Igualmente, o princípio da vinculação tem extrema importância, justamente por que objetiva impedir alterações dos critérios de julgamento, assim como conferir a certeza e segurança aos interessados da Administração participantes da licitação pública. Por consequência, logra-se evitar também qualquer malferimento à moralidade administrativa, à impessoalidade e à legalidade.

c) Julgamento objetivo

O princípio do julgamento objetivo revela-se como a impossibilidade de serem adotados critérios subjetivos ou personalistas e muito menos estranhos ao instrumento convocatório.

Outrossim, o conceito legal deste preceito é encontrado expressamente no art. 45 da Lei nº 8.666/93:

“Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a comissão de licitação ou responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle”.

Além disso, vale aduzir que tal objetividade não se resume ao julgamento final, mas também abrange a todas as fases em que exista espécie de julgamento ou de escolha, acarretando a obrigação para a Administração de que seus atos nunca podem ser definidos por subjetivismo ou favorecimento pessoal.

5.  Princípios Ambientais

5.1. Desenvolvimento sustentável

O princípio do desenvolvimento sustentável surgiu, segundo Maria Luiza Machado Granziera, no início da década de 70, idealizado por uma equipe de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachussetts, a qual produziu e enviou ao Clube de Roma, em 1974, um relatório denominado The limits to growth, mais conhecido como Relatório Meadows (GRANZIERA, 2009, p. 54).

Entretanto, a estruturação de um conceito para a ideia do desenvolvimento sustentável somente se originou no Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), vinculada à ONU – documento intitulado “Nosso Futuro Comum”, publicado em 1987, sendo aquele definido como: "o atendimento das necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades" (CMMAD, 1988).

Este princípio é a constatação da esgotabilidade dos recursos ambientais, fazendo-se imprescindível, a partir disso, que as atividades econômicas passem a se desenvolver em observância de tal situação.

Ademais, pretende-se, com isso, uma coexistência harmônica entre a economia e o meio ambiente, de modo que este pensamento não tem o condão de extinguir o impulso ao desenvolvimento, porém estimular e forçar que este aconteça de forma sustentável e projetada.

Com efeito, observa-se que, em razão de tal postulado, o Poder Público – que tem como precípuo objetivo, o bem comum – adquiriu o dever de atuar na defesa do meio ambiente, tanto na sua esfera administrativa, quanto na legislativa e na judicial. O que se tem, na realidade, é a obrigatoriedade – e não a faculdade – de agir comissivamente em prol das questões ambientais.

É muito importante asseverar que, segundo lucidamente pontuado por Frederico Amado:

“O Princípio do Desenvolvimento Sustentável não possui apenas uma vertente econômico-ambiental, mas também tem uma acepção social, consistente na justa repartição das riquezas do mundo, pois inexiste qualquer razoabilidade em se determinar a alguém que preserve os recursos naturais sem previamente disponibilizar as mínimas condições de dignidade humana”. (AMADO, 2012, P. 59).

Nesse contexto, o Estado deve adotar um papel de caráter intervencionista e ativo, através do qual, tanto em procedimentos decisórios individuais, quanto no desenvolvimento de políticas e medidas públicas, lhe é imperioso buscar e assegurar o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico-social e a preservação ambiental.

5.2. Precaução e Prevenção

Ambos os princípios serão estudados juntos, porém não podem ser confundidos ou considerados como um só. O princípio da precaução foi disposto na Declaração do Rio de Janeiro, em seu Princípio 15, da seguinte forma:

“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

Cumpre salientar que a Declaração do Rio de 1992 representa uma espécie de compromisso mundial ético, não possuindo, em verdade, natureza jurídica de tratado internacional, assim como a Declaração da ONU de 1948.   

Por sua vez, o postulado da prevenção teve seu sentido definido no Princípio 8º, do mesmo documento internacional, in verbis:

“Para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualidade de vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo e promover políticas demográficas adequadas”.

A partir das definições supracitadas, é possível estabelecer uma distinção entre ambos os preceitos, onde se tem, primeiramente, que o princípio da precaução implica na exigência de uma conduta protetiva contra um perigo ambiental abstrato, especificamente, em relação a atividades que possuem efeitos prejudiciais verossímeis de serem produzidos, mas que ainda são indeterminados pela ciência.

Por sua vez, o princípio da prevenção trata do perigo já identificado e conhecido pela ciência, a qual já possuem elementos e dados exatos acerca da conduta ou ato danoso que se almeja pôr em prática.

Destarte, os dois postulados são, em verdade, mecanismos para a gestão de riscos ambientais de forma antecipatória, inibitória e cautelar, afastando-se do arraigado comportamento estatal de adoção de políticas e medidas de caráter meramente repressivo e mediador.

A partir disso, pode-se aduzir que ao adquirir bens sustentáveis, o Poder Público passa a atuar de forma positiva para a preservação e proteção ambiental, utilizando-se de um pensamento preventivo e inibitório. Agindo diferente disto, a Administração Pública viola até mesmo a eficiência administrativa já tratada anteriormente. Neste sentido é o ensinamento de Paulo Affonso Leme Machado:

“Deixa de buscar eficiência a Administração Pública que, não procurando prever danos para o ser humano e o meio ambiente, omite-se no exigir e no praticar medidas de precaução, ocasionando prejuízos, pelos quais será corresponsável”. (MACHADO, 2002, p. 68).

5.3. Poluidor pagador

Este princípio impõe que o poluidor, ou agressor do meio ambiente, arque com os custos atinentes às medidas de reparação dos danos que causar, assim como os gastos com prevenção e luta contra a poluição. Desta forma, possui em si, duas perspectivas: uma de caráter preventivo, por meio da qual se intenta evitar o dano ambiental e, a outra, eminentemente repressiva, onde se exige a reparação do dano, caso este ocorra.

Sua conceituação foi dada pela Comunidade Econômica Europeia:

“[…] as pessoas naturais ou jurídicas, sejam regidas pelo direito público ou pelo direito privado, devem pagar os custos das medidas que sejam necessárias para eliminar a contaminação ou para reduzi-la ao limite fixado pelos padrões ou medidas equivalentes que assegurem a qualidade de vida, inclusive os fixados pelo Poder Público competente”. (FIORILLO, 2003, p. 28).

Nessa esteira, cumpre salientar que sem a responsabilização dos poluidores pelos danos que estes possam causar ao meio ambiente, qualquer ação de intervenção obrigatória ou preventiva seria ineficaz.

Com efeito, nos dizeres de Veridiana Bertogna, “a atuação estatal positiva e preventiva de riscos ambientais no mercado econômico, somente pode ser aquela no sentido da aquisição de bens e serviços sustentáveis”, haja vista que “o agir estatal, sem a atuação preventiva para evitar danos ambientais, implica na sua responsabilização e na aplicação de tais princípios” (BERTOGNA, 2011, p. 98).

5.4. Acesso equitativo aos recursos naturais ou solidariedade intergeracional

O aludido postulado consiste em valorizar a racionalidade da exploração dos recursos ambientais, visando a garantir, justamente, o acesso a estes por todos da coletividade, inclusive pelas futuras gerações.

Assemelha-se, inegavelmente, ao princípio do desenvolvimento sustentável, anteriormente tratado, todavia, possui o diferencial de garantir a universalidade e a equidade no acesso aos recursos naturais.

Tem-se ainda mais claro com o disposto no texto constitucional, em seu art. 225, acima já citado, que o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, sendo este expressamente classificado como bem de uso comum do povo.

Por sua vez, a Declaração de Estocolmo de 1972, em seu Princípio 5, determina que:

“Os recursos não renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que não haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam partilhadas a toda a humanidade”.

5.5. Ubiquidade

Fiorillo atribui uma definição a tal princípio, “litteris”:

“Este princípio vem evidenciar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação, sobre qualquer tema, atividade, obra etc. tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque, na medida em que possui com ponto cardeal de tutela constitucional a vida e qualidade de vida, tudo que se pretende fazer, criar, ou desenvolver deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para saber se há ou não a possibilidade de que o meio ambiente seja degradado”. (FIORILLO, 2003, p. 42/43).

Portanto, para toda e qualquer atividade a ser realizada pela coletividade e, principalmente, pelo Estado, deve ser levada em consideração os aspectos de possíveis degradações ambientais.

5.6. Vedação ao retrocesso ecológico

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial nº 302.906, de 26/08/2010, de relatoria do Ministro [ambientalista] Hermam Benjamin, reconheceu expressamente a existência desse princípio jurídico ambiental:

“[…]11. O exercício do ius variandi, para flexibilizar restrições urbanístico-ambientais contratuais, haverá de respeitar o ato jurídico perfeito e o licenciamento do empreendimento, pressuposto geral que, no Direito Urbanístico, como no Direito Ambiental, é decorrência da crescente escassez de espaços verdes e dilapidação da qualidade de vida nas cidades. Por isso mesmo, submete-se ao princípio da não-regressão (ou, por outra terminologia, princípio da proibição de retrocesso), garantia de que os avanços urbanístico-ambientais conquistados no passado não serão diluídos, destruídos ou negados pela geração atual ou pelas seguintes…”. (BRASIL, STJ, RE 302.906/SP, Relator Hermam Benjamin, 2010).

Com isso, aquilata-se que esse postulado é claramente destinado ao Poder Legislativo, pelo que se visa a impedir a condenável regressão de patamares e limites legais de proteção, preservação e defesa do meio ambiente, com exceção, saliente-se, da ocorrência de situações temporárias de calamidade, o que flexionaria a sua integral observância.

Considerações Finais

Decerto que a mentalidade jurídico-ambiental da sociedade global, nas últimas décadas, tem apresentado uma grande e positiva transformação, no sentido de, cada vez mais, inserir em seus diversos ordenamentos jurídicos, normas que exijam, incentivem e proporcionem o desenvolvimento sustentável e, por consequência, a própria preservação e proteção do meio ambiente.

A nossa Constituição Federal de 1988 se apresentou inovadora ao inserir em diversos momentos de seu texto, dispositivos que explicitam o dever de preservação ambiental do Estado, assim como da própria coletividade.

Nessa esteira, com base em tais inovações constitucionais, é que se fez possível, desde então, a edição de inúmeras leis objetivando um avanço ainda maior na proteção do meio ambiente, em suas variadas formas, e, principalmente, com a participação ativa do Poder Público em seu próprio cotidiano administrativo, como, por exemplo, com a realização de licitações ambientalmente adequadas, isto é, sustentáveis.

Deste modo, é possível reconhecer a instrumentalidade que as Licitações Sustentáveis possuem no dever constitucional do Estado de preservação ambiental.

Outrossim, tem-se como inequívoca e patente a importância dos princípios jurídicos (constitucionais, administrativos e, mormente, ambientais) para a estruturação dessas mudanças jurídico-normativas, por serem tais postulados verdadeiras normas direcionadoras das leis e dos atos administrativos que compõem um ordenamento jurídico.

Com efeito, por ser um instituto jurídico híbrido, que permeia áreas do Direito Ambiental e Administrativo, a Licitação Sustentável é orientada por postulados constitucionais, administrativos e ambientais diversos, os quais se relacionam para o propósito do desenvolvimento sustentável, porém, ao mesmo tempo, assegurando diversos valores jurídicos, dentre os quais, o direito a igualdade perante a Administração Pública, a um meio ambiente equilibrado, à segurança jurídica, à soberania do interesse público etc.

Com isso, após a análise dos princípios jurídicos relacionados com as licitações sustentáveis, tem-se como evidente a influência de cada um deles, notadamente os de caráter ambiental, sobre esse instituto jurídico estatal. É perfeitamente possível afirmar-se, inclusive, que o próprio surgimento das compras e obras públicas sustentáveis advém da observância e entendimento, pelo Estado, dos conceitos e funções normativas apresentadas por esses princípios.

 

Referências
AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. 3. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.
BERTOGNA, Veridiana. Princípios constitucionais ambientais aplicáveis às licitações sustentáveis. In: SANTOS, Murillo Giordan; BARKI, Teresa Villac Pinheiro (Coord). Licitações e contratações públicas sustentáveis. Belo Horizonte: Fórum, 2011
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17. ed. atual. São Paulo: Malheiros 2005.
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Notas:
[1] Procedimento administrativo necessariamente vinculado, através do qual um ente da Administração Pública – e os que estão sob o seu controle – selecionam e aceitam propostas, de acordo com a vantajosidade que ofereçam ao interesse público, podendo estas ser apresentadas por todos os interessados, obrigatoriamente aquiescentes e sujeitos às condições do instrumento convocatório.

[2] Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[3] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte […].


Informações Sobre o Autor

Raphael Leal Roldão Lima

Graduado em Direito – Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Pós-graduando em Direito Processual Civil – Universidade Salvador (UNIFACS); Professor e Consultor em educação jurídica (RECRIAR); Advogado atuante nas áreas de Direito Ambiental, Administrativo e Empresarial


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