Princípios tributários afeitos à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas

Resumo: O presente artigo científico tem como tema os princípios tributários que norteariam a eventual instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil. O objetivo do estudo é analisar quais são esses princípios e de forma eles balizariam a criação deste imposto. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica que teve importantes contribuições de autores como MELLO (1991), ATALIBA (2003) e MOTA (2010) entre outros. Procurou-se também enfatizar a importância de o legislador observar os preceitos dos princípios tributários relacionados ao IGF quando da sua instituição, a fim de integrá-lo de maneira plena ao ordenamento jurídico. Concluiu-se que se ao instituir o IGF o legislador fugir dos preceitos dos princípios tributários relacionados a este tributo, poderá incorrer em vícios irreversíveis capazes de extinguir a validade, vigência, aplicabilidade deste imposto. 

Palavras-chave: Princípios. Grandes fortunas. Tributo.

Abstract: The present scientific article has as its theme the tributary principles that would guide the eventual imposition of the Tax on Great Fortunes in Brazil. The purpose of the study is to analyze what these principles are and how they would guide the creation of this tax. For this, a bibliographic research was carried out that had important contributions of authors such as MELLO (1991), ATALIBA (2003) and MOTA (2010) among others. It was also tried to emphasize the importance of the legislator to observe the precepts of the tributary principles related to the IGF when of its institution, in order to integrate it of full way to the legal order. It was concluded that when the IGF is instituted when the legislator evades the principles of the tax principles related to this tax, it may incur irreversible defects capable of extinguishing the validity, validity and applicability of this tax.Keywords: Principles. Great fortunes. Tribute.

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Sumário: Introdução. 1.1 Princípios tributários. 1.2 Princípio da Legalidade Tributária. 1.2.1 Exceções ao princípio da legalidade tributária. 1.3 Princípio da Isonomia. 1.3.1 Isonomia e capacidade contributiva. 1.4 Princípio da irretroatividade tributária. 1.5 Princípio da anterioridade do exercício financeiro. 1.5.1 Exceções à anterioridade do exercício financeiro. 1.5.2 Princípio da anterioridade nonagesimal ou noventena. 1.5.2.1 Exceções à noventena. 1.6 Princípio do não confisco. 1.7 Princípio da uniformidade geográfica dos tributos federais. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente estudo tem como tema a análise de, eventualmente, quais seriam os princípios tributários a serem observados pelo legislador infraconstitucional quando da instituição dos Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto no inciso VII do art. 153, da CRFB/88.

A observância dos princípios tributários, sejam eles constitucionais ou infraconstitucionais, quando da instituição de qualquer tributo é indispensável, pois, além de promoverem a integração da nova figura jurídica ao ordenamento, figura como meio para aferir sua adequação ao sistema jurídico no qual foi inserido.

O IGF apresenta peculiaridades e especificidades que o diferem dos demais tributos, mas isso não afasta o fato de sua instituição ser balizada pelos princípios tributários, sob pena de ser declarada sua inconstitucionalidade.

No presente estudo, teve-se em mente a busca pela elucidação de um tema pouco tratado pela doutrina em geral. Outrossim, objetivou-se encontrar quais seriam os princípios tributários que seriam de observância obrigatória na instituição do IGF.

1 Princípios tributários

O Antes de serem citados e esclarecidos os referidos princípios do direito tributário relacionados à instituição do IGF, faz-se necessário salientar, incialmente, o conceito de princípio. A definição que melhor se aplica ao âmbito jurídico é trazida por Mello (1991), nestes termos:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”

Os princípios caracterizam-se por serem a base sobre a qual um sistema jurídico é alicerçado. Ademais, segundo assevera Tavares (2001), os princípios, tanto os tributários quanto os demais, exercem tal função sobre determinado ordenamento jurídico que acabam por transformá-lo num verdadeiro sistema, conferindo-lhe harmonia.

Pode-se dizer que princípios são as bases sobre as quais se fundam o ordenamento jurídico. Nas palavras de Ataliba (2007), princípios são diretrizes orientadoras a serem seguidas por todos, a saber: […] “Os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda sociedade e obrigatoriamente devem ser perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).” […].

A função precípua dos princípios é, portanto, informar a linha de interpretação de certo dispositivo normativo, a fim de que seja manifestada a verdadeira vontade do legislador. Na seara tributária, estes atuam limitando o poder de tributar do Estado quando do exercício de sua soberania.

Destarte, cumpre salientar que o Estado soberano, ao instituir um tributo, atinge o patrimônio do contribuinte por meio de uma relação jurídica firmada na anuência dos particulares que cedem limitadamente parte de sua soberania financeira em favor da coletividade.

Consoante ensinamentos de Sabbag (2012), o Estado, para prover serviços básicos de boa qualidade, necessita recolher recursos materiais para financiar ações destinadas a satisfazer as necessidades da população.

Em análise mais relacionada ao tema ora abordado, Moraes (1997) assevera sobre os princípios afeitos ao Direito Tributário, in verbis:

“Os princípios aplicados à tributação são numerosos. Alguns são de índole constitucional, outros não; alguns são expressos, outros implícitos; alguns são gerais, outros específicos; alguns de conteúdo político-jurídico, outros de conteúdo econômico-jurídico; alguns para todo o Direito, outros somente para o direito tributário.”

No que se refere ao IGF, Mota (2010) afirma que o sistema jurídico-tributário nacional deve observar mais especificamente os princípios da legalidade tributária, isonomia (ou igualdade formal tributária), da capacidade contributiva, da anterioridade (ou irretroatividade tributária), da vedação ao confisco, da uniformidade dos tributos federais, sem prejuízo da obediência aos demais princípios.

Isto posto, tem-se que, em caso de uma eventual instituição do IGF no Brasil, deve observar estritamente os princípios constitucionais tributários. Ademais, cumpre salientar que, não obstante a observação obrigatória dos princípios já mencionados, deve o legislador infraconstitucional estar atento ao sistema jurídico brasileiro, haja vista sua característica unitária. Tal fato se justifica no dever de criação de figuras compatíveis e harmônicas entre si.

1.2 Princípio da Legalidade Tributária

Segundo o artigo 3º do CTN, tributos são prestações compulsórias que têm sua criação vinculada à lei. Ademais, o art. 150, inciso I, da própria CRFB/88 proíbe os entes da federação a cobrança ou a majoração de tributos sem que a lei assim o estabeleça.

Nas palavras de Alexandre (2010), deve-se nominar a obediência de matérias específicas à normatização pela lei de “princípio da reserva legal”, ao passo que, enquanto a submissão da gênese de quaisquer compulsões ao domínio da lei seria, na verdade, consequência do “princípio da legalidade”. Na visão do autor, seria correto denominar o princípio tributário contido no art. 150, I, da Lei Maior de reserva legal.

Por se tratar de um ato invasivo do Estado, a criação dos tributos foi limitada pelo legislador a ter sua gênese através de lei em sentido estrito. Tal fato se justifica, pois, no fato de a lei ser a expressão da vontade do cidadão consubstanciada através da democracia indireta, é dizer, da atividade legiferante dos representantes da população nas casas legislativas.

Segundo Sabbag (2012), via de regra, o tipo normativo adequado para instituir tributo é a lei ordinária sendo, portanto, competência de sua elaboração o Poder Legislativo, não cabendo ao Poder Executivo versar sobre o assunto. Ademais, consoante o autor, há casos onde não será possível a instituição de tributo por meio de lei ordinária, in verbis:

“Entretanto, existem tributos federais que, mesmo obedecendo ao princípio da legalidade, devem ser criados por meio de lei complementar: Imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII, CF); Empréstimos Compulsórios (art. 148, CF); Impostos Residuais (art. 154, I, CF) e as contribuições social-previdenciárias novas ou residuais (art. 195 §4º, CF c/c art. 154, I, CF)”.

O art. 150, I, da CF utiliza-se da palavra “exigir” no sentido da exação a ser exercida pelo ente tributante. Outrossim, para Alexandre (2010), o dispositivo impõe que o tributo só pode ter sua criação, majoração e redução atrelada a uma lei de igual hierarquia àquela que foi responsável pela sua gênese.

Destarte, o legislador infraconstitucional não se limitou aos casos supracitados. O CTN traz uma enumeração taxativa de matérias obedientes à reserva legal em seu artigo 97, a saber:

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“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.”

 Supremo Tribunal Federal firmou entendimento  no sentido de que as matérias não constantes no art. 97 do CTN estão afastadas do princípio da legalidade. Ademais, o § 2° traz em seu bojo outra vedação ao princípio, qual seja, a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. A fixação do prazo para o recolhimento do tributo firmou-se como exceção criada pela jurisprudência do STF.

A Emenda Constitucional 32, de 2001, alterou o art. 62 da Constituição Federal e trouxe nova redação no que tange à possibilidade de majoração de tributos por meio de medida provisória. Sobre o tema, assevera Bernardi (2007):

“Não obstante a estrita legalidade, a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, alterando a redação do artigo 62 da Constituição Federal, trouxe a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória, espécie normativa que não é lei, na acepção estrita do termo, uma vez que não resulta do trabalho do Poder Legislativo – que, em nosso País, tem a função típica de estabelecer regras de conduta gerais e abstratas – mas é editada pelo Presidente da República, irradiando efeitos tão logo seja publicada no órgão da Imprensa Oficial.”

Destarte, insta ressaltar que a utilização de medida provisória é meio excepcional e só deve ser utilizada somente em casos de urgência e relevante valor social. Ademais, o texto constitucional trouxe em seus arts. 146, 148 e 154 os casos em que caberá a utilização de lei complementar para instituir e, em alguns casos, dispor sobre as matérias tributárias.

O inciso VII do art. 153, da CRFB/88 destinou a competência legislativa tributária à União para a instituição do IGF, nos termos de lei complementar. Outrossim, o legislador infraconstitucional vinculado a esta espécie normativa, sob pena de inconstitucionalidade formal.

Segundo Moraes (2005), no que tange ao aspecto formal, a lei complementar caracteriza-se pela observância ao procedimento especial, sendo votada e aprovada pela maioria absoluta, é dizer, foi atingido o quorum de mais da metade de representantes no Congresso Nacional. Sob o prisma material, a lei complementar tem por escopo complementar algumas normas constitucionais que requerem regulamentação para produzirem efeitos.

No Brasil, como regra, a regulamentação dos tributos, sejam eles federais, estaduais ou municipais, dá-se por meio de lei ordinária, mas há casos em que o legislador constitucional determinou a utilização de lei complementar. Sobre o tema, assevera Amaro (2008):

“A lei exigida pela Constituição Federal para a criação do tributo é, como regra, a lei ordinária, por exceção, para alguns tributos, a Constituição requer lei complementar. Nesses casos em que a lei complementar exerce essa atribuição excepcional de instituir tributo, terá o nome, mas não a natureza de lei complementar.”

À luz do que dispõe inc. III, ‘a, do art. 146 da CRFB/88, cabe à lei complementar a […] “definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” […]. No que se refere ao IGF, Carraza (2008) ensina que a lei complementar apenas norteará a sua criação, a saber:

“A União, por meio de lei ordinária, poderá instituir o imposto sobre grandes fortunas (ou sobre ele dispor). A lei complementar apenas irá definir as diretrizes básicas que nortearão a criação deste imposto (que, a nosso ver, é um imposto sobre patrimônio). […] Não será, porém, a lei complementar que instituirá, in abstracto, este imposto.”

Há divergência doutrinária sobre a figura normativa adequada à instituição do IGF, pois há quem entenda que somente a lei complementar deve institui-lo, ou seja, definir todos os seus contornos, como hipótese de incidência, base de cálculo e os contribuintes. Nesse sentido, dispõe Paulsen (2009):

“A referência aos termos de lei complementar no próprio inciso em que previsto o Imposto sobre Grandes Fortunas vem exigir este veículo legislativo para a instituição, propriamente do tributo, ou seja, para definir todos os aspectos da norma tributária impositiva”

Nota-se que há na doutrina divergência sobre a utilização de lei ordinária como instrumento hábil para regulamentar a instituição do IGF. Ademais, cumpre ressaltar que o STF adotou entendimento  que não há hierarquia entre as normas, é dizer, não há que se falar em superioridade de lei complementar em face de uma lei ordinária, isso porque a matéria abordada por cada tipo normativo é diferente.

Portanto, conclui-se que, embora haja divergência doutrinária sobre os instrumentos normativos a serem utilizados na instituição do IGF, não há que se falar em eventual inconstitucionalidade de lei ordinária que, in abstracto, instituir o imposto em comento, desde que sejam respeitadas as matérias afeitas a cada tipo normativo.

1.2.1 Exceções ao princípio da legalidade tributária

Conforme assevera Carrazza (2006), as exceções ao princípio da legalidade tributária estão, costumeiramente, relacionados aos tributos afeitos ao comércio (II, IE, IPI e IOF). Ademais, a existência dessa excepcionalidade tem sua razão de ser nas funções eminentemente econômicas que estes impostos exercem na economia.

A CRFB88 trouxe em seu bojo algumas exceções ao princípio da legalidade tributária. Tem-se como primeiro caso o dispõe o art. 153, § 1 que faculta ao poder executivo promover alterações nas alíquotas sobre o II, IE, IPI e do IOF. Tal faculdade visa dar proteção à indústria nacional, pois precisam de maior celeridade em seu processo normativo. Entretanto, o decreto de que trata o referido artigo só produz efeitos nas condições e limites estabelecidos em lei.

Estabelece o art. 177, § 4, I, b do texto constitucional que pode o executivo reduzir ou restabelecer as alíquotas da contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE), relacionados às atividades de importação e comércio de petróleo e seus derivados, gás e seus derivados e álcool combustível. Nesse caso, segundo Sabbag (2012), o Poder Executivo poderá promover a referida alteração por instrumento próprio, qual seja, decreto presidencial.

Tem-se no art. 155, IV a permissão do legislador constituinte para os estados e o Distrito Federal poderem definir as alíquotas do ICMS monofásico incidente sobre combustíveis. Ressalta Alexandre (2010) que o comando legal utiliza-se da palavra “definir” e, portanto, pressupõe-se um concessão maior de poder aos estados e DF. Para tanto, deve o ente tributante utilizar-se do ato normativo correto, qual seja, convênio do CONFAZ.

Conforme já mencionado anteriormente os casos elencados taxativamente no art. 97 do CTN não estão afeitos ao princípio da legalidade tributária.

1.3 Princípio da Isonomia

Não se pode falar no princípio da isonomia sem antes citar as palavras de Barbosa (2005):

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”

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Para Alexandre (2010), possui duas acepções, quais sejam, horizontal e vertical. A primeira está relacionada às pessoas que estão no mesmo nível, ou seja, na mesma situação e, consequentemente, devem ter tratamento igual. A segunda refere-se aos casos em que se têm as mesmas pessoas em situações distintas e, portanto, devem ser diferenciadas na medida de suas disparidades.

Com efeito, a CRFB /1988 dispõe em seu art. 150, II, a saber:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”;

Segundo Alexandre (2010), no referido artigo, tratou-se do sentido horizontal da isonomia, mas a deixou implícito que os contribuintes em situação desigual devem ser tratados de maneira diferente (sentido vertical). Ademais, consoante Harada (2012), a redação detalhada do dispositivo não permite que o princípio da isonomia tributária seja contornado por meio de rótulos dados aos títulos ou direitos e rendimentos, assim como impede a diferenciação do contribuinte em virtude de sua profissão ou função.

Como exemplo, pode-se citar as diferenciações de alíquotas que, além dos rendimentos, preveem a dedução dos gastos com educação, saúde e número de dependentes.

Pelo exposto, nota-se de maneira inequívoca a relação entre a instituição do IGF e a aplicação real do princípio da isonomia tributária, é dizer, ao instituir um imposto incidente sobre as grandes quantidades de patrimônio estar-se-ia tratando os desiguais na justa medida de sua desigualdade.

1.3.1 Isonomia e capacidade contributiva

Intrinsecamente ligado ao princípio da isonomia tem-se o princípio da capacidade contributiva. Segundo Carraza (2006), o critério fundamental para se obter um efetivo tratamento diferenciado entre os contribuintes é, de fato, sua capacidade contributiva. Ademais, trata-se da aplicação máxima da igualdade real, pois este princípio conduz o legislador no momento da graduação dos tributos a, sempre quando possível, considerar a condição econômica do contribuinte.

A capacidade contributiva é de tal sorte importante que o legislador constitucional o estabeleceu de maneira taxativa no bojo da CRFB/88, qual seja, o art. 145, § 1°, nestes termos:

“Art. 145. (…)

§ 1° Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Conforme dispõe Alexandre (2010), ainda que a CRFB/88 preveja a aplicação da capacidade contributiva somente para os impostos, é assente na jurisprudência do STF o entendimento que não há impedimento da sua aplicação as demais espécies tributárias.

No julgamento do RE 423.768 (informativo 433 do STF), o relator Ministro Marco Aurélio ressaltou a importância social do §1° do art. 145, a saber:

“O § 1.° do art. 145 possui cunho social da maior valia, tendo como objetivo único, sem limitação do alcance do que nele está contido, o estabelecimento de uma gradação que promova justiça tributária, onerando os que tenham maior capacidade para pagamento do imposto”.

Dessa forma, é inegável a importância da consideração por parte do Estado, quando da elaboração de suas normas tributárias, da capacidade contributiva de seus subordinados. A inobservância desse quesito poderia caracterizar a instituição de impostos de caráter confiscatório.

No que se refere ao IGF, este princípio guarda estrita relação e efeito praticamente vinculante para o legislador infraconstitucional. É necessário observar a função social do tributo, a busca pelo alcance da justiça fiscal e a redução das desigualdades regionais e sociais, mas, quando da regulamentação deste imposto, caso o legislador se esquecer de considerar a capacidade contributiva do contribuinte restaria configurado não só uma violação do direito à propriedade, mas também patente excesso ao poder de tributar do Estado.

1.4 Princípio da irretroatividade tributária

A CRFB/88 em seu art. 150, III, a’ traz esculpido o princípio da irretroatividade tributária ao vedar a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os tenha instituído ou aumentado.

Não se deve confundir, entretanto, o significado do termo “vigência” utilizado na referida norma constitucional com “eficácia”, pois estas expressões embora parecidas, possuem significados distintos. Nas palavras de Balleiro (2005), a saber:

“O termo vigência deve ser articulado ao princípio da anterioridade, uma vez que, no Direito tributário, uma lei pode estar vigente, mas ter sua eficácia por ele inibida (o que acontecia usualmente, quando existente, entre nós, o princípio da autorização orçamentária)”

Para Alexandre (2010), o legislador constituinte foi bem claro na sua intenção de impedir a cobrança de tributos em relação a fatos geradores passados com duas disposições, quais sejam: a) vedar a tributação de fatos que, no momento de sua incidência, não estavam efeitos à cobrança; e b) garantir que tributação ocorrida seja definitiva, não sendo alvo de majoração posterior.

Cabe lembrar que, para Alexandre (2010), o princípio da irretroatividade não comporta qualquer exceção. Entretanto, o referido princípio não possui incompatibilidade com a possibilidade de leis com efeito retroativo, tais quais as expressamente interpretativas e as que versem sobre infrações e sejam mais benéficas para os infratores.

A seu turno, assim como qualquer figura tributária, o IGF, em caso de sua regulamentação, não poderá atingir os contribuintes com efeitos retroativos.

1.5 Princípio da anterioridade do exercício financeiro

O art. 150, III, b, da CRFB/88 veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei responsável por sua instituição ou aumento. Destarte, observa-se que o referido dispositivo fala em publicação e não data da vigência – como esculpido no princípio da irretroatividade.

O princípio da anterioridade do exercício financeiro é aplicado exclusivamente no direito tributário, pois sua projeção ocorre somente na seara da tributação. Nas palavras de Silva Neto (2004):

“[…]com efeito, enquanto para os demais ramos do Direito a pura vigência de seus textos de lei já os torna factivelmente exigíveis, pois aptos à produção de efeitos a partir de referida vigência, as normas jurídicas tributárias, que criem ou majorem, para fins de cumprimento ao princípio em tela, não exigem previsão sobre aquele momento, mas quanto ao de vincular ou de incidir sobre os casos concretos.”

Alexandre (2010) preleciona que a existência deste princípio está afeita à proteção do contribuinte e, portanto, qualquer modificação benéfica a este possui aplicação imediata. Para o STF, embora este posicionamento receba críticas, a antecipação da cobrança não agrava a situação do contribuinte e, consequentemente, não precisa obedecer ao princípio em tela.

Dessa forma, conforme ensinamentos de Amaro (2001), a CRFB/88 determina ao ente tributante que ao promulgar a lei que crie ou aumente o tributo seja anterior ao exercício financeiro em que haja a cobrança do tributo. Ademais, há casos onde deve ser respeitado o período mínimo de noventa dias entre a data da publicação da lei que o instituiu ou majorou e a data em que se passa a aplicá-la.

1.5.1 Exceções à anterioridade do exercício financeiro

A CRFB/88 trouxe em seu bojo exceções ao princípio da anterioridade no seu art. 150, § 1º, quais sejam, Imposto de importação, Imposto de exportação, Imposto sobre produtos industrializados e Imposto sobre operações financeiras. Ademais, são outras exceções ao princípio: Impostos extraordinários de guerra, Empréstimos compulsórios, Contribuições para o Financiamento da Seguridade Social.

Há ainda que se falar das exceções parciais, Imposto sobre a circulação de bens e serviços incidente monofasicamente sobre os combustíveis e a Contribuição de intervenção no domínio econômico.

1.5.2 Princípio da anterioridade nonagesimal ou noventena

A obediência a prazo mínimo de noventa dias entre a data de publicação de uma norma que majorasse ou criasse um tributo tinha sua aplicação restrita às contribuições para o financiamento da seguridade social, conforme o art. 195, § 6°, da CRFB/88.

Destarte, conforme lembra Alexandre (2010), com a advento da Emenda Constitucional 42/2003, acrescentou-se ao art. 150 o inciso III que, segundo o autor supra, assemelha-se ao disposto para as contribuições para a seguridade social.

Quis o legislador com a criação da EC 42/2003, em homenagem ao princípio da não surpresa, os princípios da anterioridade do exercício e da noventena passaram a ter sua aplicação, via de regra, cumulativamente exigíveis. Nos ensinamentos de Carraza (2004):

“O princípio da anterioridade, exigindo que a lei tributária, para incidir, seja conhecida pelo menos noventa dias antes do término do exercício financeiro da ocorrência fato imponível, permite que os contribuintes saibam o que os aguarda, no campo da tributação, e, bem por isso, confiem no Estado Fiscal.”

Insta ressaltar que a existência do princípio da anterioridade nonagesimal não exclui a aplicação do princípio da anterioridade do exercício financeiro. Sobre o tema ensina Moraes (2006):

“[…] princípio da anterioridade mitigada ou nonagesimal não exclui a incidência do tradicional princípio da anterioridade, determinando o art. 150, III, c, que ambos sejam aplicados conjuntamente, ou seja, em regra, os tributos somente poderão ser cobrados no próximo exercício financeiro de sua instituição ou majoração, e, no mínimo, após 90 dias da data em que haja sido publicada a lei, evitando-se, assim, desagradáveis surpresas ao contribuinte nos últimos dias do ano”.

Portanto, em resumo, o princípio da noventena significa que a instituição ou majoração de um tributo somente poderá se dar após a observância de, no mínimo, noventa dias da data da publicação da lei majoradora/instituidora e porquanto já tenha dado início ao exercício subsequente.

1.5.2.1 Exceções à noventena

A CRFB/88 traz em seu bojo, no § 1.° do art. 150, os casos em que não é aplicado o princípio da noventena, quais sejam, Imposto de importação, Imposto de exportação e Imposto sobre operações financeiras, impostos extraordinários de guerra, Empréstimos compulsórios (nos casos de guerra externa ou sua eminência  e calamidade pública), Imposto de renda, Base de cálculo do IPTU e Base de cálculo do IPVA.

Com efeito, pode-se notar que o princípio da noventena e da anterioridade nem sempre são aplicados de forma conjunta, subsistindo, por vezes, casos em que apenas um deles é aplicado.

No que se refere às contribuições para a seguridade social, pode-se afirmar que estas estão afeitas à aplicação da anterioridade nonagesimal, conforme disposto no art. 195, § 6° da CRFB/88. Em que pese o referido art. 195 usar a expressão “modificado”, como assevera Alexandre (2010), o STF possui entendimento firmado no sentido de a expressão “modificado” deve ser observado como “aumentado”.

Por fim, após análise das ponderações acima delineadas, tem-se que a instituição do IGF deverá obedecer tanto a anterioridade quanto a anterioridade nonagesimal, não comportando esta figura tributária qualquer exceção a estes princípios.

1.6 Princípio do não confisco

O legislador constitucional trouxe no art. 150, inciso IV, o Princípio do Não-Confisco Tributário, nestes termos: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]; IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.”

Nas palavras de Silva (2000), trata-se do princípio da proporcionalidade com razoabilidade na seara da sistemática tributária. Outrossim, Machado (2001) trouxe à baila a síntese conceitual do referido princípio, qual seja […] "tributo com efeito de confisco é tributo que, por excessivamente oneroso, seja sentido como penalidade." […].

 Não se pode englobar no entendimento deste princípio apenas aqueles tributos com caráter confiscatório, conforme preleciona Horvath (2002). Ademais, segundo o referido doutrinador, toda forma de tributação que possa trazer prejuízos abusivos à renda e ao patrimônio do contribuinte ou iniba de maneira excessiva o seu consumo pode ser considerada com efeito de confisco. Nesse sentido, preleciona Silva (2001), in verbis:

“[…] a proteção constitucional da propriedade privada é imprescindível a uma política de engrandecimento e desenvolvimento econômico e social, sendo devida sua compatibilização e preservação em face da tributação. Caso o Estado não garantisse a propriedade não seria mais do que uma teoria. Além disso, o Estado jamais poderia cumprir suas funções, dentre as quais manter a ordem interna e o respeito ao direito de propriedade, sem transferência de recursos aos cofres públicos. Reside nesse ponto o paradoxal equilíbrio: a tributação não deve evitar o direito de propriedade, mas é indispensável para que o Estado proveja e garanta a sua proteção”.

     Com efeito, o STF julgou se a aferição de confiscatoriedade deve ser em relação a um tributo determinado ou a toda carga tributária na ADI2010/DF. Na visão do Pretório Excelso, o efeito de confisco deve ser avaliado observando-se toda carga tributária, tendo-se em mente a capacidade econômico-contributiva do contribuinte de suportar a totalidade de tributos a serem pagos, durante determinado período, à mesma entidade estatal.

O pagamento de tributos constitui uma limitação à liberdade individual ao patrimônio, por isso é necessário que as diretrizes limitativas ao poder de tributar devem estar afeitas a um controle, a fim de que a exação tributária não se torne abusiva. Nesse sentido, discorre Amaro (2001), a saber:

“[…] o princípio da vedação de tributo confiscatório não é um preceito matemático; é um critério informador da atividade do legislador e é, além disso, preceito dirigido ao intérprete e ao julgador, que, à vista das características da situação concreta, verificarão se um determinado tributo invade ou não o território do confisco.”

O controle do efeito confiscatório dos tributos é realizado de diferentes maneiras, de acordo com atuação específica de cada poder. Dispõe Antinarelli (2010) que a verificação da regularidade da atividade tributária ocorre no âmbito do Poder Legislativo, através do controle de constitucionalidade das leis pelos tribunais. No Executivo, dá-se pela verificação da validade do ato administrativo, ainda pelos tribunais. De sorte, no Judiciário, que deve sempre pautar suas decisões na proporcionalidade, necessidade, adequação e conformidade, através do meio incidental.

Isto posto, embora o alvo objeto da exação do IGF seja vultuoso, vê-se que este imposto não pode representar uma ameaça ao patrimônio do contribuinte ao ponto de confiscar seus bens. Um dos objetivos do IGF é reduzir a concentração de renda, não onerar o grande patrimônio chegando a torná-lo pequeno. Recomenda-se prudência ao legislador quando da regulamentação do IGF, a fim de que tal fato não ocorra.

1.7 Princípio da uniformidade geográfica dos tributos federais

O princípio da uniformidade geográfica dos tributos federais, na verdade, deriva do princípio da uniformidade tributária, sendo este gênero e aquele espécie. Quis o legislador constituinte originário, segundo Oliveira (2010), além de cumprir o princípio da isonomia, fortalecer o pacto federativo. Outrossim, dispõe o inciso I, do art. 151, da CRFB/88, in verbis

“Art. 151. É vedado à União:

I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o Território Nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País;”

Como pode-se observar, com o intuito de promover a unidade do território da República Federativa do Brasil, este dispositivo constitucional proíbe a União de instituir um tributo que não incida de maneira uniforme em todo território nacional. Há, contudo, ressalvas acerca da parte final da norma constitucional em comento, no que se refere aos incentivos fiscais destinados à promoção do equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país. Nesse sentido, assevera Souza (1998 apud Morais, 2014):

“[…] o dispositivo não permite o estabelecimento de regimes tributários diversos entre as várias regiões. Consente apenas que para algumas delas, em virtude de suas características, possa haver incentivos. Note-se que tal figura supõe uma política de fomento, em que se exigem de seu destinatário certas ações. Diferenças tributárias sem que se verifique o fomento, mesmo que referidas a regiões menos favorecidas, são inconstitucionais.”

Consoante esclarecimento de Oliveira (2010), o legislador constitucional não estava alheio à materialização da igualdade real ao fazer a ressalva da possibilidade dos incentivos fiscais, pois há regiões que são esporadicamente assoladas por condições climáticas adversas ou, ainda, são historicamente conhecidas por conterem bolsões de pobreza e exclusão social. Outrossim, dispõe o autor, a saber:

“[…] a possibilidade de concessão de incentivos e benefícios fiscais não é uma exceção ao princípio da isonomia, mas o seu cumprimento como instrumento para atingir a igualdade social e econômica de todas as regiões do país.[…]

Assim, os benefícios fiscais dirigidos às regiões norte e nordeste, sobretudo para aquelas áreas de difícil acesso ou de seca, são atos admitidos pelo ordenamento jurídico e necessários a atingir o ideal de justiça e igualdade real, exemplo disto é a área de livre comércio de Manaus – Zona Franca de Manaus.”

Destarte, nota-se que a instituição do IGF está diretamente relacionada a este princípio, pois seria inconcebível um imposto tido por ser um possível instrumento para o alcance da justiça social incidir de maneira desigual no território brasileiro. Tal fato inegavelmente produziria ainda mais desigualdades sociais, sem prejuízo do patente desrespeito ao texto constitucional.

Conclusão

Por fim, ante ao exposto neste artigo, observa-se que deve o legislador infraconstitucional estar atento aos princípios tributários afeitos à instituição do IGF, sob risco de declaração de inconstitucionalidade da lei que o instituir, vez que aqueles se caracterizam não só como balizas ao processo de criação e elaboração das normas, mas também como meios de integração das normas ao ordenamento jurídico.

 

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Informações Sobre o Autor

Matheus Martins Souto

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – MG e pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes


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