1. CAMPO INTRODUTÓRIO
Na feitura do presente artigo, diversamente, resultado de labores acadêmicos e de esquemas e anotações de presença em aula da Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal na Instituição de Ensino “Dámasio de Jesus”.
Destina-se o presente artigo a servir aos operadores do direito, aos estudantes, aos professores e à comunidade jurídica, como instrumento de debate e pesquisa e objeto facilitador no estudo do instituto desenhado.
Da presente leitura não pretendemos ser ignorantes ao ponto de nos atrevermos a pensar que esgotaremos o tema, no entanto, entendemos que estamos inserindo na comunidade jurídica um texto interessante de cunho estritamente acadêmico.
O legislador pátrio inseriu no ordenamento jurídico o comando infraconstitucional nº 12.403/11, alterando, significamente, o nosso Código de Processo Penal, frente às prisões cautelares, entretanto, a Lei foi omissa quanto à matéria, omissão esta bastante criticada por penalistas e demais juristas brasileiros.
Em razão da objetividade do presente artigo, enfrentaremos agora o debate acerca do instituto da detração penal, que nada mais é do que a possibilidade de diminuição (cálculo de liquidação) do período imposto como pena em sentença condenatória transitada em julgado, em razão do tempo em que o acusado permanecera encarcerado na fase processual e pré-processual, incluindo-se agora além da já inserida medida de segurança, agora as medidas cautelares previstas no Título IX, do CPP.
2. O INSTITUTO DA DETRAÇÃO PENAL
Detração advém do verbo detrair, que é significa diminuir, abater, descontar. Com maestria Nucci nosso líder e professor na especialização, define: “é a contagem no tempo da pena privativa de liberdade e da medida de segurança do período em que ficou detido o condenado em prisão provisória, no Brasil ou no exterior, de prisão administrativa ou mesmo de internação em hospital de custódia e tratamento. Ex.: se o sentenciado foi preso provisoriamente e ficou detido por um ano até a condenação transitar em julgado, sendo apenado a seis anos de reclusão, cumprirá somente mais cinco.” (Código Penal Comentado, 2009,São Paulo, RT, p. 359).
Com efeito, o instituto da detração penal, comando normativo estatuído no art.42, do CPB é uma das formas mais marcantes de utilização de equilíbrio, possibilitando que o condenado penalmente não se sujeite ao bis in idem, ao permitir a contagem do tempo de prisão provisória no montante da pena privativa da liberdade ou medida de segurança a ser cumprida.
Na visão do doutrinador Gustavo Diniz Junqueira, em sua obra Elementos do Direito – Direito Penal – 6ª edição, Premier, 2007, São Paulo, pág.142, revela: “Detração é desconto. Detração penal é o cômputo na pena privativa de liberdade do tempo de prisão provisória, prisão administrativa ou internação provisória. Detração e pena restritiva de direitos: prevalece atualmente que é possível a detração no caso de pena restritiva de direitos, descontando-se do prazo de pena a cumprir a prisão processual. No caso de pena restritiva de direitos imensurável (prestação pecuniária), o juiz deve reduzir a pena valendo-se da equidade”.
No ensinamento do doutrinador René Dotti: ”Consiste a detração no abatimento na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, do tempo em que o sentenciado sofreu prisão provisória, prisão administrativa ou internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou mesmo em outro estabelecimento similar”. (Curso de Direito Penal : parte geral. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 604).
Vale observar o magistério do mestre Bittencourt: “Através da detração penal permite-se descontar, na pena ou na medida de segurança, o tempo de prisão ou de internação que o condenado cumpriu antes da condenação”. (Tratado de Direito Penal. parte geral. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Vol. 1. P. 440).
Em nosso ordenamento jurídico a liberdade do individuo é regra, o cárcere é exceção, por isso fazemos questão de debater o comentário, pois se o cidadão no curso de um processo penal em seu desfavor tem imposto pelo Estado-Juiz, medida que reduza a sua liberdade, mesmo que prevista em Lei, tem ele indubitavelmente sua liberdade suprida, diminuída, parcialmente comprometida, dando com isso a possibilidade de detração penal pela medida cautelar imposta no que tange a sua liberdade.
Da leitura do texto legal, verificamos que com exceção da fiança, todas as medidas elencadas no Capítulo V, precisamente, nos incisos de I a IX, do art. 319 do CPP, são extremamente comprometedoras à liberdade do acusado, restringindo sobremaneira sua liberdade plena. É necessário que os magistrados ao imporem ao acusado as restrições emanadas pelos dispositivos encontrados na novatio legis observem, caso a caso, a necessidade ou não de tais restrições parciais à liberdade, para não passarem a ser a regra e não a exceção.
3. PRISÃO EM FLAGRANTE E MEDIDAS CAUTELARES
O comando da prisão em flagrante não é mais um comando de prisão cautelar, podemos classificá-la com outro nome, ou seja, não mais como cautelar, pois a sua natureza, nada mais é que um comando que a Carta Maior adotou e recepcionou, entretanto, no prazo de entrega da nota de culpa (24h), o Estado-Juiz deverá convertê-la em prisão preventiva (quando há viabilidade e estiverem presentes os requisitos estatuídos pelos artigos 312 e 313 do CPB) ou deverá aplicar as medidas cautelares (o comando normativo estatuído no art.319 do CPP). Caso adverso, a prisão será considerada ilegal (art.310, II, do CPP).
No campo doutrinário, leciona, em consonância com o novel entendimento da boa doutrina, Luiz Flávio Gomes, em sua obra Prisão e Medidas Cautelares, revela: “A prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar porque não tem o escopo de tutelar o processo ou o seu resultado final, sim, ela se destina a colocar o preso à disposição do juiz para que tome as providências cabíveis […] a prisão em flagrante somente subsiste como prisão cautelar enquanto o magistrado não se manifesta sobre ela. A partir da manifestação judicial o título de prisão em flagrante desaparece e se houver necessidade do autuado permanecer preso deverá o juiz convertê-la em prisão preventiva, fundamentadamente”. (Prisão e medidas cautelares, 2011, p. 90, 132- 133).
É digno de registro salientar que, em homenagem ao principio da homogeneidade das medidas cautelares, se o resultado final do processo não permitir pena de prisão, durante a instrução processual penal, não fará sentido manter o réu preso (art. 282, §6º, do CPP).
Impende enfatizar ainda, homenageando por ora o princípio constitucional do contraditório, quando o magistrado aplicar as medidas elencadas no dispositivo do art. 319 do CPP, deverá, necessariamente, abrir vistas a defesa técnica do acusado para esta se manifestar acerca da decisão desfavorável ao seu cliente, sob pena de ofensa ao já mencionado princípio maior consagrado (observar art. 282, § 3º, do CPP).
As concepções de similaridade com a pena de prisão, em relação às medidas cautelares que subtraem parcialmente a liberdade dos acusados ou réus, impõem um dever estatal de permitir ao segregado/apenado a possibilidade de diminuição das medidas impostas no período processual que delimitaram seu direito de ir e vir sem restrição, como os demais cidadãos, ou seja, o estado de inocência não foi respeitado, se for imposto no período processual à delimitação do direito pleno a liberdade.
Discorrendo sobre o tema o nosso sábio professor na pós-graduação em direito penal Fernando Capez, estudioso reconhecido, assevera que no caso de prisão cautelar caberia detração, não entendendo o mesmo no caso das medidas cautelares, senão vejamos: “Cabe detração penal nas medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP, como se fossem modalidades de prisão provisória? A resposta, a princípio, é não”. (Prisão preventiva, medidas cautelares e detração penal, Fernando Capez, site: www.fernandocapez.com.br, acesso em 23/05/2012).
Com o devido respeito, não entendemos ser a melhor posição, enveredamos no sentido de que cabe a detração penal no caso de terem sido cumpridas as medidas cautelares durante a fase processual ou pré-processual.
O pensamento do mestre Fernando Capez, é um pouco divergente, pois tem visão diferente em relação às penas restritivas de direitos, senão vejamos: “Como nosso Código Penal somente fala em detração na hipótese de pena privativa de liberdade, a interpretação literal do texto poderia levar à conclusão de que o benefício não deveria ser estendido à pena restritiva de direitos. Deve-se considerar, no entanto, que, se a lei admite o desconto do tempo de prisão provisória para a pena privativa de liberdade, beneficiando quem não fez jus à substituição por penalidade mais branda, refugiaria ao bom senso impedi-lo nas hipóteses em que o condenado merece tratamento legal mais tênue, por ter satisfeito todas as exigências de ordem objetiva e subjetiva. Quando se mantém alguém preso durante o processo, para ao final, aplicar-lhe pena não privativa de liberdade, como ainda maior razão não deve ser desprezado o tempo de encarceramento cautelar. Além disso, a pena restritiva de direitos substitui a privativa de liberdade pelo mesmo tempo de sua duração (Código Penal, art. 55), tratando-se de simples forma alternativa de cumprimento da sanção penal, pelo mesmo período. Assim, deve ser admitida a detração”.
Suponhamos que um réu seja absolvido, no entanto, este tenha cumprido durante o período de cinco anos, medidas cautelares impostas pelo Estado-Juiz, não seria razoável que tal indivíduo (inocente), não tivesse direito a indenização pelo Estado, pela restrição sofrida em sua liberdade de locomoção (dentre outras).
De outra banda, vale ressaltar, que no caso de prisão cautelar no caso concreto acima narrado, aquele réu absolvido, teria direito a tal indenização.
Agregue-se que não estamos aqui discorrendo sobre a tal das “cartas de crédito ou contas corrente”, definidas, respectivamente, pelos insignes juristas Luiz Régis Prado e Damásio de Jesus, que nada mais são do que a impossibilidade de detração penal, no caso de tal réu absolvido, ter direito a detração em crimes praticados após o período em que se deu o crime e que resultou em prisão cautelar injusta, ou seja, processos que não tramitaram simultaneamente.
Roberto Delmanto Júnior, outro grande professor da nossa pós-graduação, com grande pertinência, em sua obra Código Penal Anotado, Renovar, 6ª edição, p.83, revela que: “Restrições ao direito de locomoção: Sendo impostas ao acusado severas restrições ao direito de locomoção, antes da decisão condenatória, há de efetuar-se a detração desse lapso temporal, como forma razoável de compensação em face dos gravames consequentes do castigo antecipado” (STJ, RT 732/574).
André Estefan, coordenador da nossa pós-graduação, com maestria leciona em sua obra Direito Penal – Parte Geral, Editora Saraiva, 2010, p.315: “Excepcionalmente, a jurisprudência tem admitido detração com tempo de prisão civil, muito embora a lei não a preveja, desde que haja nexo entre o fato que ensejou a prisão civil e a condenação criminal (ex: prisão civil do devedor de alimentos e processo-crime por abandono material).”
Todavia, para reforçar o nosso entendimento vale a pena lembrarmos que no caso da prisão domiciliar (art. 317 do CPP), esta é admitida e possível na fase processual e, prontamente, pode ser interpretada como passível de detração penal, de acordo com o comando previsto no art.42 do CPB, ou seja, se houver tal medida deverá ser computada como forma de cálculo para abatimento do período de execução da pena imposta, após a condenação.
Não podíamos deixar de registrar a lição do professor Pierpaolo Cruz Bottini, em seu artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 223, que diz: “Da mesma forma, o Código Penal português prevê o desconto total do tempo de pena de prisão caso o réu tenha sofrido, no curso do processo, detenção, prisão preventiva, ou obrigação de permanência na habitação (art.80º, 1, grifos nossos). Também o Código Penal espanhol estabelece que se abonarán, en su totalidad, para el cumplimiento de la pena impuesta, las privaciones de derechos acordadas cautelarmente (seccion 6ª, art.58, 2) e que cuando las medidas cautelares sufridas y la pena impuesta sean de distinta naturaleza, el Juez o Tribunal ordenará que se tenga por ejecutada la pena impuesta en aquella parte que estime compensada (art.59, sem grifos)”.
4. CONCLUSÃO
Defendemos que haja concessão da detração penal, nos casos em que o condenado tenha cumprido medidas cautelares previstas no art.319 do Código de Processo Penal. Se o legislador não proibiu, entendemos que na omissão, esta deverá ser suprida com o emprego de analogia in bonam partem.
Por derradeiro, fica clara a possibilidade de detração, em razão do réu ter sua liberdade limitada e reduzida por intervenção do Estado, antes do julgamento e trânsito em julgado da sentença condenatória, eis que seria injusto, que o tempo em que ficou em cautelar, seja na prisão domiciliar, seja no monitoramento eletrônico, não fosse descontado, visto que não importa a natureza da restrição, não importando, necessariamente, se tal medida seja distinta da prisão física, já que comprometeu seu status libertatis.
Para que haja equidade precisa ser descontado o tempo em que o condenado teve tolhida a sua liberdade na fase processual, senão podemos recair no bis in idem.
Vale lembrar, que se encontra em tramitação no Congresso Nacional o (PLS 156), que prevê em seu texto a alteração do CPP, incluindo-se a computação da prisão domiciliar, na hipótese de fixação inicial do regime aberto na sentença (art.607) e que no caso das medidas cautelares seja computado o tempo de duração das medidas, quando houver a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Informações Sobre o Autor
Devis Klinger Menezes
Graduado em Ciências Jurídicas – Seune/ Especialista em Direito Administrativo – Universidade Cândido Mendes/ Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal – IES Damásio de Jesus