Procedimento processual no usucapião de bem móvel

I –
Introdução

É
escasso, na doutrina pátria, os autores que se aprofundaram ao estudo do
procedimento do usucapião de bem móvel, haja visto o
caráter extraordinário e inusitado.

Contudo,
já é farto as doutrinas que se aprofundaram no usucapião
de bem imóvel, e aqueles que ao tentaram examinar os dois, sempre discorrem
muito mais sobre os bens imóveis do que os móveis, obviamente pelo fato de que
no imóvel, o valor do bem é muito superior ao do móvel e seu processamento vem
instruído nos art. 941 e seguintes do Código de Processo Civil.

Entretanto,
o objeto de estudo é o procedimento do usucapião de
bem móvel e vamos concentrar nossos esforços para esclarecer algumas dúvidas
que pairam sobre este procedimento.

II
– Do Procedimento

Com
relação ao procedimento processual, paira dúvidas em relação ao procedimento
que se deve adotar. Procedimento Ordinário, Sumário ou a possibilidade de se
processar o usucapião no Juizado Especial Cível.

Quanto
ao Procedimento Ordinário ou Sumário, não há mistério. Opera-se pelo valor do
bem móvel. Se o valor do bem não ultrapassar o valor de 20 salários mínimos,
aplica-se o Procedimento Sumário(CPC, art. 275, I), se
exceder este valor, aplica-se o Procedimento Ordinário, sempre se respeitando o
foro competente(art. 94 e seguintes do Código de Processo Civil).

No
Procedimento junto ao Juizado Especial Cível, primeiramente, o bem não se pode
ultrapassar o valor de 20 salários mínimos. Mas seu processamento esbarra junto
à esta lei especial, uma vez que não se admite a
citação por edital(art. 18, §2º da Lei n.º 9.099/95) do(s) réu(s) e do(s)
terceiro(s) interessado(s) que não puderem ser individualizados ou não tiverem
endereço certo. Porém, não se vê empecilho algum, no seu processamento junto ao
Juizado se o(s) réu(s) e ou terceiro(s) interessado(s) tiverem endereço certo,
sempre respeitando, no entanto, o foro competente(art.
4º e seguintes da Lei n.º 9.099/95).

O
usucapião
de bem móvel se assemelha ao de bem imóvel, no que tange à citação do(s)
terceiro(s) interessado(s). No usucapião de bem imóvel
é necessário que se faça a citação da pessoa em que o nome se encontra
registrado junto ao Registro de Imóveis e dos confrontantes do imóvel. No usucapião de bem móvel é necessário também a citação da
pessoa que era proprietária do bem, bem como os anteriores proprietários (os
mais antigos), este(s) como terceiro(s) interessado(s).

Quando
não se tem conhecimento ou não se possa localizar, nem a pessoa que era
proprietária do bem, nem os anteriores proprietários, far-se-á
a citação por edital.

Conclui-se
então, que para o processamento junto ao Juizado Especial Cível, sempre será
necessário individualizar o réu e os terceiro(s) interessado(s).

III – Da
Intervenção do Ministério Público

No
meu humilde ponto de vista, não existe necessidade da intervenção do Ministério
Público nas ações de usucapião de bem móvel.

Em
primeiro lugar, não está incluído nos incisos do art. 82 do Código de Processo
Civil, a necessidade da sua intervenção, uma vez que tal artigo tem
interpretação taxativa.

Em
segundo lugar, não se aplica também o art. 83 e seus incisos do Código de
Processo Civil, uma vez que o art. 944 do mesmo diploma legal apenas se refere ao usucapião de terras particulares, não podendo, porém,
fazer a sua aplicação subsidiária ao usucapião de bem móvel, uma vez que mesmo
que parecidos os procedimentos, o usucapião de bem móvel não tem procedimento
específico junto ao Código de Processo Civil.

IV – Dos
Requisitos

ORLANDO
GOMES, ao discorrer sobre o usucapião, aponta uma
série de requisitos necessários para a sua ocorrência, classificando-os em: pessoais,
reais
e formais.(Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 10ª ed.,
2ª tiragem. 1991, p.154).

São
os requisitos pessoais “as exigências em relação à pessoa do possuidor que
quer adquirir a coisa por usucapião e do proprietário que, em conseqüência, vem
a perdê-la”.
Deve o adquirente, portanto, ser capaz e ter qualidade para
adquirir por este modo.

Requisitos
reais. “Concernem às coisas e direitos suscetíveis de serem usucapidos”.
Bens públicos, por exemplo, não podem ser adquiridos por usucapião.

Requisitos
formais. “Compreendem os elementos característicos do instituto, que lhe dão
fisionomia própria”
. No caso em apreço (usucapião de coisa móvel), os
requisitos formais são os seguintes: a) posse, a qual deve ser exercida
com animus domini,
mansa e pacificamente, contínua e publicamente; b) o lapso de tempo1.

V – Do Usucapião de Automóvel

Existem
particularidades a serem esclarecidas ao usucapir um automóvel. A primeira é
com relação da existência posse, boa-fé e justo título2 (documento de propriedade), requisito que
está implícito no art. 618 do Código Civil, pois o
art. 619 do mesmo diploma legal, descreve que poderá usucapir o bem móvel
independente de título ou boa-fé.

Então
a dúvida paira; deve-se usucapir o automóvel com três ou com cinco anos. É de
se analisar as circunstâncias que levaram a necessidade de usucapir o
automóvel.

Daremos
um exemplo prático. Fulano adquire um automóvel, vai ao Detran para proceder a transferência. Neste momento, não se constatou nenhuma
irregularidade com o veículo. Fulano adquiriu o título(documento)
de propriedade e mantém consigo, com animus
domini
, a posse do automóvel pelo período de três
anos com boa-fé e justo título e ao vendê-lo a Beltrano, o Detran constata
irregularidade na numeração do chassi. O Detran informará a Delegacia de
Polícia, que após a realização da perícia, tentará localizar o verdadeiro
proprietário. Fulano poderá usucapir o automóvel, regulariza-lo
junto ao Detran e vendê-lo sem problema algum, pois os requisitos necessários
foram atendidos, o período exigido pela lei foi cumprido e não houve oposição
por nenhuma pessoa durante este tempo.

Outro
exemplo. Fulano adquire um automóvel. Não o transfere junto ao Detran e possui
com animus domini,
pelo período de cinco anos. O carro é produto de furto ou de roubo. Não
existe problema algum, pois o art. 619 do Código Civil diz que Fulano poderá
usucapir o bem móvel independente de título e boa-fé.

Neste
sentido citamos a jurisprudência pátria:

USUCAPIÃO
DE COISA MÓVEL – Automóvel furtado. Reconhece-se usucapião
extraordinário pela posse superior a cinco anos, mesmo que o primeiro
adquirente conhecesse o vitium furti.
“O ladrão pode usucapir; o terceiro usucape, de
boa ou má-fé, a coisa furtada” (Pontes de Miranda). Sentença confirmada.
(TARS – AC 190.012.799 – 4ª C – Rel. Ernani Graeff –
J. 17.05.1990) (RJ 160/90). 3

Tirando-se
por norte tais parâmetros, é evidente que se admite que o ladrão pode adquirir por usucapião o bem móvel furtado ou roubado.

É
de se ressaltar que no usucapião de automóvel, obrigatório
se faz, certidão do histórico do automóvel usucapiendo,
que deve ser providenciado junto ao Detran, para que se possa localizar o
possível proprietário, bem como o(s) terceiro(s) interessado(s).

 

Notas

1 Extraído de Sentença proferida na Ação de
Usucapião de Coisa Móvel(Autos n.º 309/00), onde tem
por requerente Salvino Camilo Monteiro, prolatada
pelo Meritíssimo Juiz Doutor Horácio Ribas Teixeira, titular da 2ª Vara Cível
da Comarca de Umuarama, Estado do Paraná.

2 RODRIGUES, Silvio – Direito Civil Volume 5 –
Direito das Coisas, São Paulo, Editora Saraiva, 24ª ed., 1997, p.187.

3 Jurisprudência n.º 202028,
obtida junto ao CD ROM Juris Síntese.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Augusto Felix Ribas

 

Advogado militante

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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