Resumo: Diante do atual debate acerca do Direito Administrativo Constitucional e ainda da função pública, já é hora de (re) examinarmos os conceitos e procedimentos que são adotados pela Administração Pública para externar o poder disciplinar, mormente a fomentação de comissões de processos por encomenda, ainda muito comum em órgãos cuja relação dos servidores é de “compadrio” e não de profissionalismo, que açambarca todos os princípios constitucionais e administrativos. O presente artigo pretende dar uma luz aos servidores, membros de comissão de processo, autoridades administrativas e advogados militantes na área, de modo a auxiliá-los na condução e reconstrução do processo administrativo disciplinar. Assim, abordaremos alguns tópicos de suma importância para o direito administrativo disciplinar de forma a dar uma noção do que representa o processo disciplinar na Administração Pública.
Palavras-chave: Processo administrativo disciplinar. Servidor público. Administração pública. Comissão de Processo.
Abstract: There is a debate about the Constitutional Administrative Law and about the public service nowadays, so it is time to examine the concepts and procedures which are adopted by the administration and its disciplinary powers, especially the fostering of fake committee process to serve only to the administrators in order to punish those who he wants to, that is very common in public administration which is against all law principles. This article aims to shed some light to the public servants, members of committee proceedings, administrative authorities and lawyers who work in the area, in order to assist them in conducting and reconstruction of administrative disciplinary proceedings. Thus, we discuss some topics of paramount importance to the administrative law discipline to give a sense of what is the disciplinary process in the Public Administration.
Keywords: Administrative disciplinary proceedings. Public servant. Public administration. Commitee Process.
Sumário: 1. Introdução; 2. Poder disciplinar; 3. Processo administrativo disciplinar e sindicância administrativa no âmbito da administração pública; 4. Autoridade competente para instaurar sindicância apuratória, acusatória ou processo disciplinar administrativo em desfavor de servidores públicos efetivos, requisitados, cedidos, prestadores de serviços, empregados de empresa concessionária e servidores públicos removidos por permuta dentro do mesmo quadro da administração; 5. Crimes cometidos por servidores fora da administração pública e sem relação com o cargo público; 6. Sindicância patrimonial; 7. Conclusão; 8. Referência bibliográfica
INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é um marco histórico para todo povo brasileiro e açambarcou todo o ordenamento jurídico de modo a produzir alterações profundas. O princípio basilar da Constituição é o da dignidade da pessoa humana seguido por vários outros que com este se conforma. Esse princípio, como os demais, tem uma carga normativa tal como as demais regras constitucionais, por isso, verifica-se uma mudança abismal entre a CR/88 e as anteriores. Naturalmente, em razão da nova ordem constitucional, o Direito Administrativo como um todo (inclua-se aí, sem sombra de dúvida, o Direito Administrativo Disciplinar) sofreu uma mudança fenomenal de paradigma, tal como a observância do devido processo legal, com seus consectários lógicos, os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Assim, o tema proposto trata-se da análise de alguns aspectos jurídicos do processo administrativo disciplinar referente à observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Constata-se a existência de inúmeros processos administrativos instaurados sem que haja preocupação com a descrição dos fatos certos imputados ao acusado, subtraindo-lhe o seu direito inalienável de se defender de fatos fundados e não meras acusações infundadas.
Deve-se levar em consideração que o acusado já há muito tempo deixou de ser objeto do processo para ser sujeito do processo.
Por fim, diante do atual debate acerca do Direito Administrativo Constitucional e ainda da função pública, já é hora de (re) examinarmos os conceitos e procedimentos que são adotados pela Administração Pública para externar o poder disciplinar, mormente a fomentação de comissões de processos por encomenda, ainda muito comum em órgãos cuja relação dos servidores é de “compadrio” e não de profissionalismo, que açambarca todos os princípios constitucionais e administrativos.
Por conseguinte, o presente artigo pretende dar uma luz aos servidores, membros de comissão de processo, autoridades administrativas e advogados militantes na área, de modo a auxiliá-los na condução e reconstrução do processo administrativo disciplinar.
Assim, abordaremos alguns tópicos de suma importância para o direito administrativo disciplinar, a saber: Poder disciplinar; Processo administrativo disciplinar e sindicância administrativa no âmbito da Administração Pública; Autoridade competente para instaurar sindicância apuratória, acusatória ou processo disciplinar administrativo em desfavor de servidores públicos efetivos, requisitados, cedidos, prestadores de serviços, empregados de empresa concessionária e servidores públicos removidos por permuta dentro do mesmo quadro da Administração; Crimes cometidos por servidores fora da Administração Pública e sem relação com o cargo público; Sindicância patrimonial.
Por fim, é mister asseverar que são temas altamente complexos que merecem uma reflexão mais profunda pelos operadores do direito.
2. PODER DISCIPLINAR
O poder disciplinar liga-se ao poder hierárquico,[1] mas com este não se confunde. O poder disciplinar é atividade administrativa regulada pelo Direito Administrativo e segue normas de processo administrativo. O seu objetivo é a punição de condutas previstas como ilícitos administrativos constantes das leis administrativas (no âmbito federal – lei nº 8.112/1990) para preservar a ordem, imagem do órgão, o erário, a moralidade e o bom andamento do serviço público.
O poder disciplinar não é discricionário, pois as punições têm previsão legal e devem obedecer ao princípio da proporcionalidade. Tem autonomia em relação ao Direito Penal e Civil, não constituindo bis in idem a punição pelo mesmo ato na seara administrativa, penal e civil.
O dever de obediência do servidor/empregado está limitado pela forma e conteúdo da matéria, podendo recusar-se, legitimamente, em alguns casos, ao cumprimento de uma ordem, sendo esta ilícita, ilegal, de execução extraordinariamente difícil, que provoque humilhação ou o diminua moralmente, coloque-o em grave risco ou fuja à natureza do trabalho para o qual prestou concurso.
Apenas como exemplo, é de se afirmar que quem cumpre regularmente um dever não pode ao mesmo tempo praticar um ilícito, pois não há contradições na lei. Isso pressupõe no executor um funcionário ou agente público que age por ordem legal. Portanto, não há crime se um Oficial de Justiça, cumprindo um mandado de despejo expedido por autoridade judicial, adentrar o domicílio do cidadão.[2] Na esteira desse raciocínio, o servidor que cumpre ordens diretas ou genéricas de seu superior hierárquico, que é agente competente para o ato, não contraria a norma que dispõe sobre suas atribuições.
Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meireles:[3]
“[…] No tocante a essa questão a doutrina não é uniforme, mas o nosso sistema constitucional , com o declarar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II), torna claro que o subordinado não pode ser compelido, pelo superior, a praticar ato evidentemente ilegal. O respeito hierárquico não vai ao ponto de suprimir, no subalterno, o senso do legal e do ilegal, do lícito e do ilícito, do Bem e do Mal. Permite-lhe raciocinar e usar de iniciativa no tocante ao desempenho de suas atribuições, e nos restritos limites de sua competência. Daí não lhe ser lícito discutir ou deixar de cumprir ordens senão quando se apresentarem manifestamente ilegais. Somente as que se evidenciarem, ao senso comum, contrárias ou sem base na lei é que permitem ao subalterno recusar-lhes cumprimento. […]”
Ainda acentua o referido autor:[4]
“[…] A submissão hierárquica retira do inferior a atuação política, isto é, despe o subordinado da ação de comando, permitindo-lhe, tão-somente, agir no estrito âmbito de suas atribuições específicas. Ao Chefe do órgão executivo é que incumbe tomar as resoluções políticas, no sentido da escolha do objeto, dos meios e da oportunidade mais convenientes à consecução dos fins governamentais, que devem tender sempre para o bem comum.
Poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições e a de rever os atos inferiores.
Dar ordens é determinar, especificamente, ao subordinado os atos a praticar ou a conduta a segui em caso concreto. Daí decorre o dever de obediência.
Fiscalizar é vigilar permanentemente os atos praticados pelos subordinados, com o intuito de mantê-los dentro dos padrões legais regulamentares instituídos para cada atividades administrativa.
Delegar é conferir a outrem atribuições que originariamente competiam ao delegante. […]”
Logo, o não cumprimento de ordens da chefia, ou mesmo ao se insurgir contra suas atribuições, estaria dando azo à indisciplina, a qual é punida pelo diploma disciplinar.[5]
Portanto, a punição de um servidor público decorre diretamente do poder disciplinar que sustenta a hierarquia.
Esclarece-nos Maria Silva Zanella Di Pietro, verbis:[6]
“[…] No que diz respeito aos servidores públicos, o poder disciplinar é uma decorrência da hierarquia; mesmo no Poder Judiciário e no Ministério Público, onde não há hierarquia quanto ao exercício de suas funções institucionais, ela existe quanto ao aspecto funcional da relação de trabalho, ficando os seus membros sujeitos à disciplina interna da instituição. […]”
Frise-se que os cargos de confiança e de comissão destinam-se, apenas, às atribuições de direção, chefia e assessoramento (art. 37, inciso V, da Constituição da República); portanto, a função de chefia imuniza o campo de atuação do subordinado na medida em que ao chefe cabe ordenar, controlar e fiscalizar as tarefas do primeiro.
Por conseguinte, as competências públicas são outorgadas a um agente para atingir uma finalidade que se traduz, ao final, no cumprimento de um interesse público. Eis a lição do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, verbis:[7]
“[…] Então, posto que as competências lhes são outorgadas única e exclusivamente para atender à finalidade em vista da qual foram instituídas, ou seja, para cumprir o interesse público que preside sua instituição, resulta que se lhes propõe uma situação de dever: o de prover àquele interesse.
[…] Destarte, ditos poderes têm caráter meramente instrumental; são meios à falta dos quais restaria impossível, para o sujeito, desempenhar-se do dever de cumprir o interesse público, que é, a final, o próprio objetivo visado e a razão mesma pela qual foi investido os poderes atribuídos. O que a ordem jurídica pretende, então, não é que um dado sujeito desfrute de um poder, mas que possa realizar uma certa finalidade, proposta a ele como encargo do qual tem de se desincumbir. Como, para fazê-lo, é imprescindível que desfrute de poderes, estes são outorgados sob signo assinalado. Então, o poder, na competência, é a vicissitude de um dever. Por isto é que é necessário colocar em realce a idéia de dever – e não a de poder –, já que este último tem caráter meramente ancilar; prestante para realizar-se o fim a que se destinam as competências: satisfazer interesses (consagrados em lei) públicos, ou seja, interesses dos cidadãos considerados “enquanto conjunto”, em perspectiva coletiva, é dizer, como Sociedade. […]”
E acrescente-se que interesse público é definido pelo ordenamento jurídico, não pelo plexo de ideias sociopolíticas que possam beneficiar a sociedade:[8]
“[…] Com efeito, a estrutura do conceito de interesse público responde a uma categoria lógico-jurídica, que reclama tal identificação. Inversamente, a individualização dos múltiplos interesses públicos responde a conceitos jurídicos-positivos.
Esclarecemos o alcance desta afirmativa. Uma coisa é a estrutura do interesse público, e outra é a inclusão e o próprio delineamento, no sistema normativo, de tal ou qual interesse que, perante este mesmo sistema, será reconhecido como dispondo desta qualidade. Vale dizer: não é de interesse público a norma, medida ou providência que tal ou qual pessoa ou grupo de pessoas estimem que deva sê-lo – por mais bem fundadas que estas opiniões o sejam do ponto de vista político ou sociológico –, mas aquele interesse que como tal haja sido qualificado em dado sistema normativo.
Com efeito, dita qualificação quem a faz é a Constituição e, a partir dela, o Estado, primeiramente através dos órgãos legislativos, e depois por via dos órgãos administrativos, nos caos e limites da discricionariedade que a lei lhes haja conferido. […]”.
Assim, as ordens dadas pelos superiores hierárquicos estão amparadas pelo poder hierárquico. Eis a lição do pranteado Hely Lopes Meirelles ao definir o poder hierárquico:[9]
“[…] O poder hierárquico tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública. Ordena as atividades da Administração, repartindo e escalonando as funções entre os agentes do Poder, de modo que cada um possa exercer eficientemente seu encargo; coordena, entrosando as funções no sentido de obter o funcionamento harmônico de todos os serviços a cargo do mesmo órgão; controla, velando pelo cumprimento da lei e das instruções e acompanhando a conduta e o rendimento de cada servidor; corrige os erros administrativos, pela ação revisora dos superiores sobre os atos dos inferiores. Desse modo, a hierarquia atua como instrumento de organização e aperfeiçoamento do serviço e age como meio de responsabilização dos agentes administrativos, impondo-lhes o dever de obediência.
[…] Pela hierarquia se impõe ao subalterno a estrita obediência das ordens e instruções legais superiores e se define a responsabilidade de cada um. As determinações superiores devem ser cumpridas fielmente, sem ampliação ou restrição, a menos que sejam manifestamente ilegais. No tocante a essa questão a doutrina não é uniforme, mas o nosso sistema constitucional , com o declarar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II), torna claro que o subordinado não pode ser compelido, pelo superior, a praticar ato evidentemente ilegal. O respeito hierárquico não vai ao ponto de suprimir, no subalterno, o senso do legal e do ilegal, do lícito e do ilícito, do Bem e do Mal. Permite-lhe raciocinar e usar de iniciativa no tocante ao desempenho de suas atribuições, e nos restritos limites de sua competência. Daí não lhe ser lícito discutir ou deixar de cumprir ordens senão quando se apresentarem manifestamente ilegais. Somente as que se evidenciarem, ao senso comum, contrárias ou sem base na lei é que permitem ao subalterno recusar-lhes cumprimento.
A apreciação da conveniência e da oportunidade das determinações superiores refoge das atribuições meramente administrativas e, por isso, escapa da órbita de ação dos subalternos. Descumprindo-as ou retardando-as na execução, poderá o servidor relapso incorrer não só em falta disciplinar como, também, em crime funcional (prevaricação), previsto e definido no art. 319 do CP.
A submissão hierárquica retira do inferior a atuação política, isto é, despe o subordinado da ação de comando, permitindo-lhe, tão-somente, agir no estrito âmbito de suas atribuições específicas. […]
[…] Do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições e a de rever os atos dos inferiores. […]” (grifamos)
Por fim, impende salientar que o poder disciplinar visa manter a regularidade do serviço público para que o órgão possa atingir sua finalidade.
3. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A apuração de responsabilidade de servidor público, quando já estão estampados a materialidade e os indícios de autoria, pode ocorrer através de sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar – PAD; esta é a dicção do art. 143, da lei nº 8.112/1990, in verbis:
“Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.
Igualmente, o art. 148 estabelece que a infração disciplinar praticada tem de ter correlação com as atribuições do cargo ou o servidor tem de estar no exercício de suas atribuições, in verbis:
“Art. 148 O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido”. (grifo nosso)
Por outro lado, a sindicância investigativa é, também, procedimento que visa apurar a ocorrência de materialidade e indícios de autoria do ilícito administrativo, ou seja, instaura-se a sindicância para verificar se realmente ocorreram fatos ilícitos e quem, supostamente, os praticou, para, então, instaurar o processo administrativo disciplinar. É essa outra modalidade de sindicância.
O art. 145 do mesmo diploma legal prevê duas modalidades de sindicância: a investigativa, apuratória ou preparatória; e a acusatória. Eis o art. 145:
“Art. 145. Da sindicância poderá resultar:
I – arquivamento do processo;
II – aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias;
III – instauração de processo disciplinar.”
A sindicância investigatória, apuratória ou preparatória, assemelha-se ao inquérito policial, por ser essencialmente inquisitório. Isso quer dizer que não há contraditório, tendo em vista que a comissão de sindicância investigativa apura a ocorrência de materialidade e indícios de autoria. Ora, vê-se que somente são necessários materialidade e indícios de autoria para que um servidor venha a sofrer uma ingerência em sua vida profissional com instauração de uma sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar.
Assim, caso não se chegue à conclusão sobre a existência de materialidade e indícios de autoria, deve-se arquivar o processo (inciso I, art. 145) e podem ser feitas recomendações para melhorar o serviço.
Nesse passo, não se pode afirmar que a autoridade administrativa é obrigada a instaurar sindicância investigativa sempre que tiver ciência de irregularidades. Com efeito, se a materialidade e os indícios de autoria já estão estampados, pode-se instaurar o processo administrativo disciplinar diretamente, passando ao largo pela sindicância investigatória. Essa é a dicção do art. 145 daquele diploma legal. Repise-se não há dever legal de abertura de sindicância investigativa caso haja a materialidade do ilícito e os indícios de autoria, que já apontam um servidor como suposto culpado. Entretanto, é sempre aconselhável instaurar a sindicância investigatória se houver dúvida quanto à autoria, porque se determinado servidor for acusado injustamente, a autoridade administrativa e a comissão processante podem responder civil e penalmente.
Seguindo, o inciso II do art. 145, também prevê sindicância acusatória, outra modalidade de sindicância; no entanto, nesse processo, devem ser obrigatoriamente observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que pode culminar com aplicação de penalidade. O contraditório se alcança quando o acusado toma conhecimento de que foi instaurado processo contra si, bem ainda que tenha vista de todo documento juntado no processo. Isso em linhas gerais, pois esse princípio pode atingir conotações mais amplas, como o direito de ação. Já a ampla defesa implica em colocar à disposição do acusado todos os meios para que ele possa se defender durante o processo, bem ainda recorrer de uma eventual decisão desfavorável a ele.
Desse modo, é regra comezinha do Direito Constitucional que ninguém pode ser processado sem observância do devido processo legal, tendo como corolários os princípios do contraditório e da ampla defesa, conforme mencionados.
Já o inciso III, do art. 145, deve ser lido em consonância com o inciso II do mesmo artigo. O disposto no inciso III prevê a instauração de abertura de processo administrativo disciplinar quando se vislumbrar que a punibilidade não será a de advertência ou suspensão de até 30 dias, bem ainda há comprovação imediata da materialidade e indícios de autoria.
Também, o art. 146 do mesmo diploma prevê explicitamente a abertura de processo disciplinar, in verbis:
“Art. 146. Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar”.
Se se analisar literalmente o art. 145 e 146 da lei nº 8.112/1990, pode-se concluir equivocadamente que a autoridade administrativa apenas poderá instaurar a sindicância acusatória na ocorrência de fatos que venham a ensejar a punibilidade, prevista no inciso II do art. 145, mas a interpretação que há de ser feita, in casu, é a sistemática.
Com efeito, a punibilidade, na sindicância acusatória, restringe-se à advertência ou suspensão de até trinta dias. Porém, isso não implica em afirmar que não se pode instaurar processo disciplinar administrativo para apurar responsabilidades que ensejem as sanções previstas no inciso II do art. 145. É certo que na sindicância acusatória não pode resultar punição além da prevista no inciso II do art. 145, pelo fato de que o prazo previsto para sua instrução é apenas de trinta dias, prorrogáveis por mais trinta. Entendeu o legislador que tal prazo seria suficiente para apurar responsabilidade de menor potencial ofensivo à Administração, cujas penas não ultrapassem da simples advertência a uma suspensão de até 30 dias.
Todavia, o processo administrativo disciplinar, cujo prazo para apuração é de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, é mais amplo, portanto, pode servir para apuração de responsabilidade de servidor, cuja punibilidade pode resultar em advertência ou suspensão, (e também demissão) não importando aqui o quantum.
Não se poderia deixar de abrir um parêntese para trazer a lume que a comissão de processo disciplinar também pode proceder a investigações e diligências para elucidar os fatos trazidos na Portaria, embora essa investigação sempre necessitará da observância do contraditório e da ampla defesa, diferentemente da investigação realizada na sindicância investigatória que dispensa a observância desses princípios. No moderno Direito Processual Penal, aplicado subsidiariamente ao Direito Administrativo, quando se trata de punição de servidores públicos, deve-se buscar a verdade real. Acerca da prova, Nestor Távora preleciona:[10]
“O princípio da liberdade probatória não é absoluto. O intuito da busca da verdade real e a amplitude da produção probatória, fazendo-se aproveitar outros meios de prova que não os disciplinados no CPP, encontram limites. A Carta Magna, no seu art. 5º, inciso LVI, traz o principal obstáculo, consagrando a inadmissibilidade, no processo, “das provas obtidas por meios ilícitos.”
Com efeito, está superada a dicotomia verdade formal e verdade material. Somente existe uma verdade, que é a processual. Ela É o grau máximo de probabilidade objetiva sobre os fatos apurados e discutidos no processo. Esse é o compromisso do processo penal e civil, e por extensão o processo administrativo. No processo civil, o juiz pode determinar a produção de provas, de ofício, nos termos do art. 130, 339 e 1107 do Código de Processo Penal. A comissão tem poderes semelhantes no processo administrativo disciplinar.
Desse modo, os poderes instrutórios da comissão são amplos, o que se justifica em razão do conceito de interesse público do Direito Administrativo.
Assim, a comissão de processo disciplinar pode e deve realizar investigações e diligências, desde que seja observado o princípio do contraditório. Sua inobservância causaria nulidade absoluta ao processo.
No entanto, existe um marco temporal para a realização das referidas investigações e diligências, que é a indiciação, pois esse é o momento em que a comissão analisa a prova produzida nos autos e fixa os pontos controvertidos, culminando por indiciar o acusado ou não.
A lei nº 8.112/1990, em seu art. 155, é clara ao tratar do tema. Eis o seu teor:
“Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos”.
Portanto, não há necessidade de instauração de sindicância investigatória antes do processo administrativo disciplinar se já existentes a materialidade e indícios de autoria.
4. AUTORIDADE COMPETENTE PARA INSTAURAR SINDICÂNCIA APURATÓRIA, ACUSATÓRIA OU PROCESSO DISCIPLINAR ADMINISTRATIVO EM DESFAVOR DE SERVIDORES PÚBLICOS EFETIVOS, REQUISITADOS, CEDIDOS, PRESTADORES DE SERVIÇOS, EMPREGADOS DE EMPRESA CONCESSIONÁRIA E SERVIDORES PÚBLICOS REMOVIDOS POR PERMUTA DENTRO DO MESMO QUADRO DA ADMINISTRAÇÃO
Indubitavelmente, a autoridade instauradora do processo apenas é competente para julgar servidores públicos efetivos do órgão que dirige, à luz do art. 14 c/c o art. 143 da lei nº 8.112/1990. No entanto, não há óbice jurídico para que promova apuração de servidores cedidos/requisitados, mediante sindicância investigatória/apuratória, como prevê o art. 143 c/c 145 do diploma legal já citado.
Com certeza, ofenderia o princípio da separação dos poderes, do devido processo legal, previsto na Constituição da República, uma autoridade federal julgar servidor público estadual, municipal ou mesmo uma autoridade de um Tribunal processar e julgar servidor de outro Tribunal. Haveria verdadeira quebra da autonomia dos entes federados.
O servidor do Executivo estadual ou municipal, quando requisitado ou cedido a outro órgão, não pode ser punido pela autoridade administrativa do órgão ao qual foi cedido, tendo em vista que falece a essa autoridade competência para tal. Isso também ocorre com os servidores federais da secretaria de um Tribunal Regional Eleitoral de um Estado que realizam permuta com outros servidores de secretaria de Tribunal Regional Eleitoral de outro Estado. Tal assertiva vale também para os Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Federais, etc., pois a autoridade de cada um desses Tribunais tem autonomia para processar e julgar seus servidores.
Pode ocorrer que o órgão cedente delegue[11] competência para que a autoridade do órgão cedido processe o servidor cedido/requisitado, mas isso não implica em afirmar que a mesma autoridade possa aplicar pena, pois o julgamento é competência indelegável.
Nesse passo, a lei nº 9.784/1999 dispõe da delegação de competência, ressalvando que certos atos são indelegáveis, dentre eles o de julgamento, in verbis:
“Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I – a edição de atos de caráter normativo;
II – a decisão de recursos administrativos;
III – as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.
§ 1o O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.
§ 2o O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.
§ 3o As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado”.
José dos Santos Carvalho Filho assim discorre sobre a delegação de competência:
“Em algumas circunstâncias, pode a norma autorizar que um agente transfira a outro, normalmente de plano hierárquico inferior, funções que originariamente lhe são atribuídas. É o fenômeno da delegação de competência. Para que ocorra é mister que haja norma expressa autorizadora, normalmente de lei. Na esfera federal, dispõe o art. 12 do Decreto-lei n. 200, de 25/2/1967 (o estatuto da reforma administrativa federal), que é possível a prática da delegação de competência, mas seu parágrafo único ressalva que “o ato de delegação indicará com precisão a autoridade delegante, a autoridade delegada e as atribuições objeto de delegação.”
A lei pode, por outro lado, impedir que algumas funções sejam objeto de delegação. São funções indelegáveis, que, se transferidas, acarretam a invalidade não só do ato de transferência, como dos praticados em virtude da indevida delegação. É o caso, por exemplo, da Lei n. 9.784, de 29/1/1999, que regula o processo administrativo na Administração Federal, pela qual é vedada a delegação quando se trata de atos de caráter normativo, de decisão de recurso administrativo ou quando as matérias são da competência exclusiva do órgão ou da autoridade.
Observe-se, todavia, que o ato de delegação não retira a competência da autoridade delegante, que continua competente cumulativamente com a autoridade delegada, conforme bem assinala MARCEL CAETANO”.[12]
A despeito da competência para julgar os “homens”, tal regra já se fazia viger no mundo jurídico desde do ano de 1215, quando da edição da Carta Magna por João Sem Terra, Rei da Inglaterra. A Carta Magna, redigida em latim bárbaro, assinada em 15 de junho de 1215 perante o alto clero e os barões do reino, dispunha sobre as liberdades ou concórdia entre o Rei João e os Barões para outorga das liberdades da Igreja e do Rei inglês – Magna Carta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae. O documento, inclusive, foi escrito em latim para nenhum inglês comum ler, e apenas foi traduzido para o inglês no século XIV.
A referida “Grande Carta” (Magna Carta, em latim) previa várias garantias aos jurisdicionados e, dentre elas, na seção 29, a garantia de que todo cidadão inglês seria julgado pelos seus pares e com a lei do país, in verbis:[13][14]
“[…] Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país. (tradução livre nossa) (grifamos)
[…]Texto no original em Latim
Nullus liber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nec super cum ibimus, nec super cum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terre.
Em Inglês – traduzido do Latim para o inglês no século XIV
No freeman shall be arrested or imprisoned or disseised or outlawed or exiled or in any other way harmed. Nor will we [the king] proceed against him, or send others to do so, except according to the lawful sentence of his peers and according to the Common Law.”
O julgamento pelos seus pares é garantia constitucional nos casos de crimes dolosos contra a vida, os quais são julgados no Tribunal do Júri, com juízes leigos, ou seja, jurados, e um juiz togado, que somente profere sentença. O julgamento é feito pelos jurados, que condenam ou absolvem o acusado.
Tal regra vale também para as competências para julgamento dos ilícitos administrativos. Os administrados somente podem ser processados e julgados pelos seus pares. Isso quer dizer que somente a autoridade superior hierarquicamente ao administrado pode instaurar processo em seu desfavor. Essa é a regra no Direito Administrativo, de que somente o “par” daquele servidor é que tem competência para processá-lo e julgá-lo.
Assim, autoridade administrativa de um órgão não pode julgar o servidor público que pertence à outra esfera do poder, de outro órgão, ou seja, autoridade administrativa do Poder Executivo estadual julgar servidor público do Poder Executivo federal ou Poder Judiciário e assim por diante. O próprio ordenamento jurídico veda que isso aconteça, basta uma leitura na Constituição que se verá que a separação dos Poderes é princípio consagrado expressamente. Portanto, uma autoridade não pode invadir a competência de outra por expressa vedação da Constituição, bem ainda das leis infraconstitucionais, inclusive já citadas alhures.
A respeito da competência, Lúcia Valle Figueiredo faz as seguintes ilações:[15]
“Juiz natural ou administrador competente
O primeiro princípio processual que podemos inferir como pertinente ao devido processo legal – e este é constitucional – é o do juiz natural.
O que é juiz natural? É o juiz competente, o juiz que tenha competência antes do fato acontecido; não o juiz designado para determinada controvérsia. Então, juiz natural é o juiz competente para o feito. Consequentemente, também não pode haver administrador denominado ad hoc, ou órgão colegiado post facto.
Isso visa exatamente à segurança jurídica: o juiz natural, o juiz competente, deve ser aquele já designado pela norma legal, ou, como afirmamos, o administrador anteriormente já com competência para tal.
A competência deve preexistir ao fato, e não ser atribuída apenas para dada situação. Faça-se ressalva, é claro, da mudança legal de competência para situações em geral, e não para a específica. Ou, ainda, a comissões que tenha de ser formadas para situações singulares.
E só existe Estado de Direito – e aí lembramos o Prof. Geraldo Ataliba -, só existe República, quando existe juiz natural para julgar as controvérsias.
Ainda algumas garantias, necessárias ao devido processo legal e consagrada na Constituição, jamais poderiam ser suprimidas, como, por exemplo, o poder cautelar do juiz, como também do administrador, nos processos, como, v.g., para o afastamento compulsório enquanto durar o processo disciplinar.”
Frise-se que a doutrina majoritária se refere ao juiz natural quando da composição de comissão processante, ou seja, as comissões devem ser previamente designadas. Não podem ser escolhidos servidores para compor comissão após a prática do ilícito administrativo, pois estar-se-ia violando o princípio do juiz natural.
A autoridade de um órgão tem competência para instaurar sindicância investigativa/apuratória de modo a averiguar a ocorrência de ilícito administrativo (materialidade e indícios de autoria), por ventura, praticado por servidor requisitado ou cedido, pois há previsão legal para essa atribuição. Entretanto, não se pode avançar além daí, sob pena de afrontar o princípio do devido processo legal, como exemplo, autoridade administrativa instaurar processo administrativo disciplinar, que pressupõe materialidade e autoria reconhecidas contra servidor que não pertença ao órgão que dirige.
A previsão do art. 143, da lei nº 8.112/1990, é clara ao preceituar que a autoridade administrativa pode instaurar sindicância ou processo administrativo, no entanto, o §3º do mesmo diploma condiciona a sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar em desfavor de servidores requisitados, cedidos e/ou permutados à delegação para tal, ou seja, sem que haja delegação não é possível uma autoridade administrativa processar servidores que estejam na situação acima mencionada. Frise-se que, mesmo que haja delegação para a autoridade instaurar processo disciplinar em desfavor desses servidores, o julgamento sempre será da autoridade do órgão ao qual o servidor está vinculado juridicamente, no caso, órgão cedente.
Eis o teor do art. 143, caput, e § 3º, da lei acima mencionada:
“Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
§ 3o A apuração de que trata o caput, por solicitação da autoridade a que se refere, poderá ser promovida por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregularidade, mediante competência específica para tal finalidade, delegada em caráter permanente ou temporário pelo Presidente da República, pelos presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, no âmbito do respectivo Poder, órgão ou entidade, preservadas as competências para o julgamento que se seguir à apuração. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)” (grifamos)
Também, o art. 149 consigna regra de competência, dispondo que a autoridade deve observar o disposto no §3º do art. 143, a saber:
“Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.” (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
O art. 149 determina que a autoridade que designar comissão processante deve observar o disposto no §3º, do art. 143, ou seja, apenas por delegação expressa de competência, a comissão pode ser designada pelo chefe de um poder para apurar fatos imputados ao servidor pertencente a outro poder. Inexistente essa delegação, a autoridade nada poderá fazer, apenas deve comunicar à autoridade do Poder (órgão) a que pertencer o servidor.
E, ainda, o art. 141 do mesmo diploma trata da aplicação de penalidades, in verbis:
“Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas:
I – pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade;
II – pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspensão superior a 30 (trinta) dias;
III – pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias;
IV – pela autoridade que houver feito a nomeação, quando se tratar de destituição de cargo em comissão.
A lei nº 9.784/1999 também dispõe sobre a delegação, senão vejamos:
Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.
Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I – a edição de atos de caráter normativo;
II – a decisão de recursos administrativos;
III – as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.”
O servidor, para sofrer a reprimenda administrativa, deve ser vinculado ao órgão, como preceitua o inciso I, do art. 141. Tal vinculação decorre de lei, sendo certo que essa vinculação expressa no ato de nomeação e posse do servidor público.
Urge seja ressaltado que não será qualquer autoridade administrativa que poderá exercer esse poder. Estabelece a lei nº 8.112/90, no seu art. 141, já citado, que as penalidades serão aplicadas pelas seguintes autoridades:
“Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas:
I – pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade;
II – pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspensão superior a 30 (trinta) dias;
III – pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias;
IV – pela autoridade que houver feito a nomeação, quando se tratar de destituição de cargo em comissão.”
O legislador buscou repartir a competência para a imposição das penas pelos diversos graus de hierarquia funcional, na conformidade com a importância (ou a graduação) das infrações cometidas pelos servidores. Desse modo, o sistema de aplicação de penalidades, em consonância com o dispositivo citado, é decrescente, pois objetiva, sobretudo, impedir que autoridades situadas em grau inferior na hierarquia funcional, que detêm competência para punir o servidor com advertência/suspensão, por exemplo, usando do poder disciplinar para punir, resolvam punir com a pena de demissão servidores suscetíveis de sofrerem a reprimenda apenas por autoridade de hierarquia superior.
De qualquer forma, o §3º reserva o julgamento daqueles servidores requisitados, cedidos ou que realizaram permutas entre órgãos com mesmo quadro, v.g., servidores de diversos Tribunais Regionais Eleitorais, à autoridade do órgão a que pertencer os referidos servidores.
Nem poderia ser diferente, pois como a autoridade de órgão federal poderia aplicar pena a um servidor estadual ou municipal e executá-la? Tenha como exemplo, um servidor estadual punido com a pena de demissão, cujo ato de demissão somente pode ser assinado pelo Governador do Estado, sendo certo que qualquer outra autoridade seria incompetente para assinar esse ato, que sequer teria alguma eficácia jurídica.
O ato administrativo realizado por autoridade que não detém competência para tal é nulo de pleno direito. O mesmo pode-se dizer a respeito das penas de advertência e suspensão, sem falar nos descontos pecuniários na folha de pagamento do servidor.
A autoridade administrativa do órgão cedido somente está autorizada a apurar os ilícitos e remeter os autos para a autoridade do órgão a que o servidor pertencer para que, a seu juízo, instaure sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar. Não se pode perder de vista que esse ato é discricionário, na medida em que se a autoridade do órgão cedente entender que os fatos não constituem ilícitos administrativos, simplesmente poderá determinar o arquivamento dos autos, sem que nada possa fazer a autoridade administrativa do órgão cedido.
Apenas para exemplificar, somente o Governador do Estado de Minas Gerais pode prover os cargos públicos estaduais, bem ainda demitir servidores, a teor da lei nº 869/1952, in verbis:
“Art. 11 – Compete ao Governador do Estado prover, na forma da lei e com as ressalvas estatuídas na Constituição, os cargos públicos estaduais.
Art. 12 – Os cargos públicos são providos por:
I – Nomeação;
II – Promoção;
III – Transferência;
IV – Reintegração;
V – Readmissão;
VI – Reversão;
VII – Aproveitamento.
Art. 244 – São penas disciplinares:
I – Repreensão;
II – Multa;
III – Suspensão;
IV – Destituição de função;
V – Demissão;
VI – Demissão a bem do serviço público.
Art. 252 – Para aplicação das penas do art. 244 são competentes:
I – o chefe do Governo, nos casos de demissão;
II – os Secretários de Estado e Diretores de Departamentos diretamente subordinados ao Governador do Estado, nos casos de suspensão por mais de trinta dias;
III – os chefes de Departamentos, nos casos de repreensão e suspensão até trinta dias.
Parágrafo único – A aplicação da pena de destituição de função caberá à autoridade que houver feito a designação.” (Vide § 1º do art. 4º e art. 29 da Constituição do Estado de Minas Gerais.)
Por tais motivos, não pode a autoridade administrativa de órgão federal julgar servidores do Estado ou mesmo do Município, ou vice-versa. Mesmo dentro da mesma estrutura governamental, as competências são divididas. Assim, a imposição de pena de demissão, por exemplo, a servidor público pertencente ao Executivo federal deve ser ato do Presidente da República e não do Ministro Chefe do Ministério responsável pelo órgão ao qual o servidor foi designado. O mesmo vale para os diversos Tribunais de Justiça Estadual e Tribunais Regionais Federais, do Trabalho, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Outrossim, não há embasamento legal para que um órgão público instaure processo administrativo disciplinar em desfavor de empregados de prestadoras de serviços, pois nesse caso, o regime desses empregados é celetista, ou seja, está de acordo com a Consolidação da Leis Trabalhistas – CLT. Pode-se, no máximo, instaurar uma sindicância investigatória. Deve-se, nesse caso, encaminhar o empregado à prestadora de serviços para ser substituído. Tal sindicância é importante na medida em que poderá ser utilizada pelo empregador para fundamentar a dispensa do empregado por justa causa.
Outra indagação é se seria possível um juiz presidir um processo administrativo disciplinar. Entendemos que não. A comissão processante deve ser composta por servidores efetivos, nos termos do art. 149 da lei nº 8.112/1990:
“Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no
§ 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.” (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
Ora, juiz é considerado membro do Poder Judiciário (art. 1º, da lei complementar n. 35/1979) e não servidor público no sentido que a lei quis imprimir no art. 149 citado acima. Desse modo, entendemos que processo administrativo disciplinar presidido por juiz é nulo de pleno direito, pois afronta os princípios do devido processo legal.
Há pelo menos um precedente do Superior Tribunal de Justiça que anula o processo administrativo disciplinar em desfavor de tabelião, conduzido por um juiz de Direito, que é o Recurso ordinário em mandado de segurança n. 15328.[16]
Por outro lado, a autoridade administrativa pode designar servidor de outro órgão para integrar comissão de processo. Por exemplo, comissão disciplinar designada pela autoridade administrativa do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais pode ter como membro servidor do Tribunal Regional Federal de 1º Região. Há precedente do Superior Tribunal de Justiça, como se vê do julgamento MS 6881 / DF MANDADO DE SEGURANÇA 2000/0029039-4.[17]
Deve-se atentar que para instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de servidor que, em tese, praticou uma ilicitude administrativa capitulada no art. 132 da lei nº 8.112/1990, que enseja a sanção de demissão, tem de haver delegação expressa (por Resolução, Portaria, etc.). Todavia, o julgamento sempre será da autoridade que detém a competência para realizar o ato de demissão.
5. CRIMES COMETIDOS POR SERVIDORES FORA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SEM RELAÇÃO COM O CARGO PÚBLICO
O servidor público somente responde por atos praticados em decorrência do exercício do cargo ou que tenha alguma relação com o cargo. Essa regra está claramente disposta no art. 148 da lei 8.112/1990, in verbis:
“Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.”
Pode-se tomar como exemplo o servidor público que comete o crime de pedofilia, homicídio, etc. Se tais crimes não tiverem relação com o exercício do cargo, o servidor não poder responder processo administrativo disciplinar. Todavia, a autoridade pode instaurar sindicância para investigar se o eventual cometimento do crime tem ou não relação com o cargo que o servidor exerce.
Deve-se anotar que há diversos doutrinadores que defendem a responsabilização do servidor por atos cometidos na vida privada, como exemplo, pedofilia, corrupção, etc. O fato é que somente os estatutos dos policiais civis e militares, bem ainda a Lei da Magistratura – LOMAN – preveem a punição de servidores por condutas criminosas praticadas na vida particular. O certo é que segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o servidor público federal responde somente nos termos do art. 148, acima transcrito.
Não se pretende adentrar nessa questão, no entanto, deve-se repensar a responsabilidade do servidor público inclusive por atos praticados na vida civil, pois alguns desses atos atingem diretamente o órgão no qual exercem seu ofício. Já há timidamente literatura jurídica que defende a punição do servidor público que tenha cometido algum crime que não no exercício das funções públicas, mas que, de alguma forma, atingiu a imagem do órgão público.
6. SINDICÂNCIA PATRIMONIAL
A sindicância patrimonial é um instrumento muito útil para reprimir enriquecimento ilícito do servidor público. É usado no Poder Executivo. Infelizmente, nunca se ouviu falar da utilização desse instrumento no Poder Judiciário, exceto pelo Conselho Nacional de Justiça, mais recentemente, em 2011/2012. Todavia, as ações do CNJ para coarctar enriquecimento ilícito está sub judice no Supremo Tribunal Federal, que deve decidir os limites da atuação do aludido Conselho, no primeiro semestre de 2012.
Essa modalidade de sindicância não está prevista na lei 8.112/1990. Todavia, o art. 13 da lei nº 8.429/1992 (lei que trata da improbidade administrativa) passou a obrigar os agentes públicos a apresentar declaração de bens e valores no órgão a que está vinculado. Diz o art. 13 da citada lei:
“Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente. (Regulamento)
§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.
§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.
§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.
§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo.”
Assim, no âmbito do Poder Executivo federal foi editado o Decreto n. 5.483, de 30 de junho de 2005, publicado no Diário Oficial da União – DOU – em 01/07/2005 – para regulamentar o art. 13 da referida lei.
O aludido Decreto prevê instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do agente que se negar a entregar no órgão a declaração de bens, ou aquele que apresentar declaração falsa, por força do art. 5º daquele diploma, que estabelece:
“Art. 5o Será instaurado processo administrativo disciplinar contra o agente público que se recusar a apresentar declaração dos bens e valores na data própria, ou que a prestar falsa, ficando sujeito à penalidade prevista no § 3o do art. 13 da Lei no 8.429, de 1992”.
A sindicância patrimonial será sempre instaurada quando a Administração Pública verificar a evolução do patrimônio do agente público em dissonância com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio. Dos arts. 7º ao 9º do Decreto 5.483/2005 são estabelecidas as situações em que deve ser instaurada a aludida sindicância:
“Art. 7o A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na forma prevista na Lei no 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei no 8.730, de 10 de novembro de 1993.
Parágrafo único. Verificada a incompatibilidade patrimonial, na forma estabelecida no caput, a Controladoria-Geral da União instaurará procedimento de sindicância patrimonial ou requisitará sua instauração ao órgão ou entidade competente.
Art. 8o Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9o da Lei no 8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.
Parágrafo único. A sindicância patrimonial de que trata este artigo será instaurada, mediante portaria, pela autoridade competente ou pela Controladoria-Geral da União.
Art. 9o A sindicância patrimonial constituir-se-á em procedimento sigiloso e meramente investigatório, não tendo caráter punitivo.
§ 1o O procedimento de sindicância patrimonial será conduzido por comissão composta por dois ou mais servidores ou empregados efetivos de órgãos ou entidades da administração federal”.
Por sua vez, o art. 9º, inciso VII da lei nº 8.429/1992 dispõe sobre o enriquecimento ilícito do agente público em razão da utilização do cargo público para tal fim. Cito o artigo:
“Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.”
O inciso VII da referida lei preleciona que o patrimônio do agente público deve guardar simetria com os seus ganhos no serviço público, veja-se:
“VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;”
Portanto, a Administração tem o poder-dever de verificar por sindicância patrimonial indícios de enriquecimento ilícito do agente público, nos termos do art. 8º do Decreto 5.483/2005, a saber:
“Art. 8o Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9o da Lei no 8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.”
Nesse caso, inverte-se o ônus da prova em se tratando de aumento patrimonial do agente público, pois este terá de provar que seu patrimônio aumentou sem aproveitamento do cargo público.
Outro instrumento que também pode ser utilizado é o pedido de informações e/ou documentos na Receita Federal do Brasil, desde que haja decisão judicial autorizando. O art. 3º da Poder Executivo federal n. 105/2001 estabelece que a comissão de processo poderá solicitar ao juiz informações e documentos sigilosos para apurar responsabilidade de servidor, in verbis:
“Art. 3o Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.
§ 1o Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.”
Em face do Poder Executivo Federal n. 105/2001, foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal a ADIN 2390/2001, questionando os dispositivos referentes ao acesso de certos órgãos às informações e documentos sigilosos das operações de instituições financeiras, sem ordem judicial, bem ainda o Decreto n. 3.724, que regulamenta o art. 6º da referida Lei. De toda forma, ainda está pendente de julgamento a referida ADIN. Eis os dispositivos questionados: art.1º, §4º; art.5º; art.6º e seu § único da Poder Executivo federal n. 105, de 10 de janeiro de 2001 e contra a totalidade do Decreto nº 3724, de 10 de janeiro de 2001. (regulamenta o art. 6 º da Poder Executivo federal nº 105/2001).
De qualquer forma, o art. 3º, 1º não é objeto da ADIN pelo simples motivo de que ali é necessária ordem judicial para quebrar o sigilo do servidor público. Como se verifica, essa lei é um importante instrumento para ser utilizado pela comissão de processo não só no caso de sindicância patrimonial, mas em todo processo administrativo disciplinar no qual haja indícios de enriquecimento ilícito e desvio de dinheiro público pelo servidor público.
7. CONCLUSÃO
O processo administrativo disciplinar como instrumento de apuração de ilícitos administrativos deveria ser suficiente para resolver as várias irregularidades e desvios de conduta que ocorrem na Administração Pública. Todavia, nem o PAD nem a Sindicância Acusatória são instrumentos eficazes quando se trata de apurar ilícitos administrativos que são verdadeiros crimes, tais como corrupção passiva, crimes contra administração, tráfico de influência, desvio de dinheiro público. Nota-se que na maioria das vezes, os membros das comissões não têm condições técnicas e nem psicológicas para condução de um processo disciplinar. Outrossim, as autoridades administrativas sequer sabem instaurar uma portaria de forma a abarcar os ilícitos em tese perpetrados pelo servidor público.
Os problemas não param por aí. Hoje, no Brasil, os servidores com desvio de conduta grave, que resvalam em crimes, são investigados pela Polícia e denunciados pelo Ministério Público e, somente, a partir dessas investigações é que a Administração Pública age, sendo certo que na quase totalidade dos casos utilizando-se de prova emprestada.
A investigação no âmbito da administração pública ainda está muito aquém do esperado e do que é necessário para evitar a criminalidade que se instalou nos órgãos públicos. E o que se dizer da condução dos processos disciplinares?
De toda forma, os legisladores têm de começar a pensar em delinear um novo modelo de processo disciplinar no sentido de dar maiores poderes para as comissões de processo e, ainda, repensar o modelo de que dispõe a administração para apuração dos ilícitos administrativos. Não seria hora de se pensar em criar um Conselho Nacional da Administração – CNA nos mesmos moldes do Conselho Nacional de Justiça, do Ministério Público?
Por fim, a sociedade não deve desanimar, pois o Brasil há de encontrar um caminho para evitar a corrupção que se instalou no país e punir os maus servidores públicos e, também, agentes públicos.
Informações Sobre o Autor
Reginaldo Gonçalves Gomes
Mestre em Direito pela Universidade de Itaúna; Pós-graduado em Ciências Penais pela Fundação Ministério Público de Minas Gerais e Pós-graduado em Processo: Grandes Transformações pela Universidade de Santa Catarina – Unisul em parceria com o curso LFG; Pós-graduação em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera em parceria com o curso LFG; Membro de diversas comissões de processo administrativo disciplinar, Cargo efetivo de Analista Judiciário e Cargo comissionado de Assessor Jurídico dos Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais