Processo judicial eletrônico: Aspectos gerais e ações iniciais

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Resumo: O presente estudo tem como objetivo apresentar o panorama de gradativa informatização do processo judicial no Brasil a partir da utilização aleatória de novas tecnologias, até chegar-se à previsão legal de um modelo abrangente de processo eletrônico. Objetiva também abordar aspectos gerais da Lei nº 11.419/06, sua correlação com os princípios que regem o processo, bem como destacar as principais ações iniciadas pelos tribunais, orientadas e supervisionadas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ -, na busca da regulamentação e implantação de um processo e de procedimentos totalmente eletrônicos.


Sumário: 1 Introdução; 2 Informatização judicial no Brasil: Emenda Constitucional nº 45/2004; 3 O processo eletrônico: aspectos gerais e ações iniciais; 4 Dos programas e softwares: Processo Judicial Digital – Projudi; 5 Conclusão; Referências.


1 Introdução


Para o jurisdicionado, a longa duração dos processos implica ineficácia e inutilidade do provimento judicial. Essa morosidade compromete não só a efetivação do direito buscado, no âmbito da lide, mas também abala a credibilidade do Poder Judiciário, perante a sociedade, para solução dos litígios, dado o sentimento geral de denegação da justiça e de restrição do acesso à jurisdição.


No intuito de mudar esse quadro, a Emenda Constitucional nº 45, que entrou em vigor em 31 de dezembro de 2004, alterou o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CR/88 -, fazendo constar que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.


Essa modificação do texto constitucional atendeu à reclamação da comunidade jurídica por um processo mais célere e eficaz, no sentido de viabilizar o efetivo cumprimento das decisões judiciais e a satisfação dos direitos subjetivos.


Alexandre Freitas Câmara, lecionando sobre o princípio do devido processo legal, afirma que


“A garantia de acesso à ordem jurídica justa, assim, deve ser entendida como a garantia de que todos os titulares de posições jurídicas de vantagem possam ver prestada a tutela jurisdicional, devendo esta ser prestada de modo eficaz, a fim de se garantir que a já referida tutela seja capaz de efetivamente proteger as posições de vantagem mencionadas” (CÂMARA, 2007, p. 36).


Entre as diversas alterações promovidas pela referida Emenda, sob o título de Reforma do Judiciário, a transição do modelo convencional de processo judicial, em meio físico, para o modelo eletrônico foi uma das ações pensadas para proporcionar maior celeridade e economia processual, assim como ampliação do acesso à jurisdição.


De fato, um dos fatores que contribuem para a morosidade dos processos é o modelo atual de gestão judicial, que, segundo descreve Pierpaolo Cruz Bottini, em “A Reforma do Judiciário: aspectos relevantes”, “padece da falta de modernização, informatização e racionalidade.” (BOTTINI, 2006, p. 221).


A solução desse entrave está inserida na “terceira onda renovatória” proposta por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na obra “Acesso à justiça”, na qual esses juristas apontam os mecanismos necessários à facilitação do acesso à jurisdição.


A primeira “onda” de mudança diria respeito à garantia de assistência judiciária; a segunda, à proteção dos interesses metaindividuais, coletivos e difusos. Já a terceira “onda” se relacionaria à ampliação e facilitação do “acesso à justiça”, por meio de um movimento de reforma dos procedimentos processuais e da estrutura dos órgãos judicantes.


Entre as muitas propostas e fundamentos de alteração da legislação processual civil – algumas já consolidadas -, têm-se a diminuição do número de recursos, a criação de juizados especiais para causas de menor valor financeiro, a redução dos custos do processo, a redução do seu tempo de duração e a garantia de tratamento isonômico entre as partes.


É neste cenário de busca de ampliação do acesso à jurisdição que se inserem a informatização judicial e a instituição de um processo eletrônico, como instrumentos de uma gigantesca reforma do Poder Judiciário.


A importância da mencionada correlação já foi apontada por José Carlos de Araújo Almeida Filho (2008, p.17), em sua obra dedicada à informatização do Judiciário. Segundo esse autor, considerando-se a necessidade de realização de reformas processuais e procedimentais, pode-se concluir que a implantação do processo eletrônico corresponde à idéia de ampliação do acesso à jurisdição.


Não se quer, na verdade, criar um novo processo judicial, mas apenas informatizá-lo e desburocratizar o trâmite processual, mediante a utilização de recursos tecnológicos e de informática.


Enfim, trata-se de uma reformulação das rotinas processuais e internas, com vistas à desmaterialização dos atos processuais e à racionalização dos procedimentos, bem como à otimização da prestação jurisdicional e dos serviços judiciários, conferindo-se concretude aos princípios da celeridade processual, da economicidade e da instrumentalidade e ao direito fundamental à efetividade, a partir do abandono de formalidades arcaicas na tramitação do processo.


No item “Razões da crise”, Pierpaolo Cruz Bottini revela o caminho para a reforma da gestão judicial, ressaltando:


“Sabe-se que parte significativa da demora no andamento dos processos não decorre do tempo que o mesmo passa nas mãos dos advogados para recorrer, nem nas mãos do magistrado para decidir (mais uma vez, excetuados os casos teratológicos), mas do tempo que os autos aguardam diligências, ofícios ou um andamento burocrático específico. É nesses pontos de estrangulamento que deve atuar uma reforma de gestão da Justiça, utilizando os instrumentos tecnológicos disponíveis para conferir maior rapidez à sua superação.” (ob. cit., p. 221)


Espera-se, portanto, que essa nova forma de trabalho proporcione não somente celeridade processual, mas também redução de custos, maior acessibilidade e publicidade e, ainda – questão de suma importância na atualidade -, a possibilidade de contribuir significativamente para a preservação do meio ambiente, na medida em que se dispensa o meio físico e os materiais utilizados para a formalização de atos.


Para tanto, editou-se, posteriormente à EC nº 45, a Lei nº 11.419, de 19 dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial a partir da digitalização de documentos e da dispensa do uso do papel, do arquivamento e do manuseio virtual dos autos, bem como do acesso e da transmissão de dados, da prática de atos processuais e da prestação de serviços judiciários por meio eletrônico, através da rede mundial de computadores – internet.


O presente estudo tem como objetivo apresentar o panorama de gradativa informatização do processo judicial no Brasil a partir da utilização aleatória de novas tecnologias, até chegar-se à previsão legal de um modelo abrangente de processo eletrônico.


Objetiva também abordar aspectos gerais da Lei nº 11.419/06, sua correlação com os princípios que regem o processo, bem como destacar as principais ações iniciadas pelos tribunais, orientadas e supervisionadas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ -, na busca da regulamentação e implantação de um processo e de procedimentos totalmente eletrônicos.


2 Informatização judicial no Brasil: Emenda Constitucional nº 45/2004


Desenvolver-se-á, neste tópico, escorço histórico da modernização judicial, em que serão apresentadas as diversas previsões legislativas e administrativas anteriores de informatização do processo, culminando, por fim, na criação do processo eletrônico.


Inicialmente, cabe ressaltar que a agilização do trâmite processual e a celeridade na prestação jurisdicional sempre foram fontes de preocupação do legislador e do operador do direito.


No art. 125, II, do Código de Processo Civil – CPC -, já se determinara a rápida solução do litígio; e outros dispositivos desse Código, como os que preveem o procedimento sumário e a tutela antecipada, procuram acelerar a solução da lide.


Em que pese a diversidade de previsões e inovações normativas sobre o dever de celeridade na tramitação dos processos, o processo judicial brasileiro sempre foi marcado por excessiva morosidade que, muitas vezes, acabava por inviabilizar a efetivação da decisão judicial.


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Em razão disso, foram várias as iniciativas legais de incorporação gradativa de novas tecnologias para a prática dos atos processuais, que representaram verdadeiros marcos no processo de informatização dos serviços judiciários.


Primeiramente, cabe reportar-se à Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, que regulamenta o protesto de títulos e outros documentos de dívida e que, no parágrafo único de seu artigo 8º, permite o apontamento de protesto de duplicatas mercantis por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados.


A Lei nº 9.800, de 26 de maio de 1999, denominada Lei do Fax, por sua vez, permitiu às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens do tipo fac-símile ou outro similar para o encaminhamento de petições escritas, sem, contudo, afastar a necessidade de apresentação dos originais em juízo e sua autuação no processo físico, a fim de comprovar a sua autenticidade.


Já a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, que tratou da instituição dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal, permitiu o uso do meio eletrônico no recebimento de petições.


Importante avanço foi o trazido pelo Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005, que, regulamentando a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, – que instituiu o pregão no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – permitiu essa modalidade de licitação na forma eletrônica, mediante lances realizados na rede mundial de comunicação, para aquisição de bens e serviços comuns.


De forma mais ampla e abrangente, a EC nº 45/2004 introduziu, no título “Dos Direitos Fundamentais”, a garantia à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.


Esse acréscimo trazido pela Emenda significou a consagração constitucional do princípio da celeridade processual e a sua elevação a direito e garantia fundamental, fundamentos de várias legislações posteriores.


Nesse sentido, a Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, trouxe modificações ao art. 154, parágrafo único do CPC, permitindo aos tribunais a comunicação dos atos judiciais mediante certificação digital.


Vê-se que se tratava de legislações esparsas, que permitiam o uso de recursos tecnológicos e de informática nos tribunais; todavia, como bem ressalta Leonardo Greco, até então não havia ocorrido uma “mudança radical do modus operandi do processo ou do sistema normativo processual” (GRECO, 2001, p. 12).


Foi com a Lei nº 11.419/06, originária do Projeto de Lei nº 5.828/01, apresentado como anteprojeto pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe -, que se pretendeu dar um grande passo na informatização do processo e na positivação do direito constitucional a um processo célere, introduzido pela EC nº 45/2004.


A referida lei previu a implantação de um processo judicial totalmente virtual, desde a petição inicial até o provimento jurisdicional, inclusive com a comunicação eletrônica dos atos processuais.


Para Daniel do Amaral Arbix, com a criação de um processo eletrônico, “procurou-se substituir a fragmentação de instrumentos tecnológicos então observada por um orientação abrangente e dinâmica do uso de ferramentas como a Internet e a digitalização.” (ARBIX, 2009, p. 321).


De fato, a informática tornou-se, hoje, instrumento indispensável à informação e comunicação, e as reformulações estruturais do Poder Judiciário exigem, primordialmente, a informatização do processo judicial e das rotinas administrativas.


 Seria inconcebível que o Poder Judiciário se mantivesse à margem da onda tecnológica e da revolução da informação que se operaram nas sociedades a partir da ampliação do acesso a dados e serviços por meio da rede mundial de computadores e do estabelecimento de uma nova forma de situar-se e movimentar-se no mundo, o que levou a uma mudança nas relações institucionais com o público externo e na forma de atuação dos operadores com o processo.


Nehemias Gueiros Júnior (2004), no artigo “Mundo jurídico quer acompanhar celeridade digital”, destaca que os recursos tecnológicos, como aqueles que permitem o armazenamento, a manipulação, a transmissão e a recepção de informações viabilizadas pelo código binário dos computadores através da internet consistiram em um marco para a humanidade, pois permitiram a administração de dados e informações por pessoas comuns e fora do ambiente acadêmico e científico.


Luiz Flávio Gomes (2004), no artigo intitulado “Judiciário não pode resistir aos avanços tecnológicos”, discorrendo sobre a importância da era digital, defende que não há como evitar que os recursos tecnológicos e informáticos sejam ampla e eticamente utilizados pelo Poder Judiciário, desde que tomadas as devidas cautelas e preservados os direitos e garantias fundamentais – particularmente os dos acusados – no campo do direito processual penal.


Esse pensamento foi de suma importância para se alcançarem grandes outras conquistas no terreno da informatização dos procedimentos processuais.


É o caso da Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009, que autorizou a realização de interrogatório e de outros atos no processo penal por meio da videoconferência.


Importa ressaltar que a própria jurisprudência andou à frente do tempo e do legislador. Diante da renovação tecnológica a que se assistia, os tribunais pátrios passaram a expedir normas administrativas autorizadoras do uso de recursos tecnológicos e informáticos em seus procedimentos.


A Resolução nº 16, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, e o Provimento 02, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, permitiram, já nos anos de 1993 e 1996, respectivamente, a apresentação de peças processuais por meio do aparelho de fac-símile, condicionando a validade dessas, nessa altura, à apresentação dos documentos originais.


A Resolução nº 287 do Supremo Tribunal Federal – STF -, de 14 de abril de 2004, permitiu a prática de atos processuais por e-mail, sejam esses petições ou documentos. Já a Resolução nº 13 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de 11 de março de 2004, foi mais adiante, autorizando a implantação do processo eletrônico nos juizados especiais e limitando, em seu artigo 2º, a partir de sua implantação, o ingresso e a postulação apenas pelo meio eletrônico.


Outras regulamentações surgiram no âmbito do Superior Tribunal de Justiça – STJ – e da Justiça Federal, como a Resolução nº 397, de 18 de outubro de 2004, do Conselho da Justiça Federal – CJF -, que autoriza a utilização de certificação digital; o Ato Normativo nº 34, do STJ, de 2 de março de 2005, que institui o fornecimento on line de certidão de andamento processual; o Ato Normativo nº 88, do STJ, de 14 de junho de 2002, criando a Revista Eletrônica da Jurisprudência; o Ato Normativo nº 267 do STJ, de 8 de setembro de 2004, que valida como documento oficial as decisões monocráticas disponíveis na página específica de seu o site.


O Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG -, por sua vez, mediante o Ofício-Circular nº 24/2005, da Corregedoria-Geral de Justiça, e, após Convênio de Cooperação Técnico-Institucional celebrado entre o Superior Tribunal de Justiça, o Conselho da Justiça Federal e o Banco Central do Brasil, para fins de acesso ao Sistema BACEN-JUD, autorizou os juízes a proceder à penhora on line, ou seja, a proceder ao bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros por meio de um comando eletrônico, pela internet, e mediante senha criptografada, em substituição do meio físico de intimação – o ofício.


3 O processo eletrônico: aspectos gerais e ações iniciais


Serão abordados sucintamente aspectos gerais da Lei nº 11.419/06, mais atinentes às ações iniciais já implantadas ou em fase adiantada de estudo e planejamento pelos tribunais, sob a orientação do CNJ, sem a pretensão de aprofundar-se, portanto, em aspectos eminentemente processuais da lei, uma vez que esses não guardam correspondência com a especialização cursada.


Nesse contexto, o Capítulo I da Lei nº 11.419/06 diz respeito à informatização do processo judicial; o Capítulo II fixa as regras pertinentes à forma de comunicação dos atos, e o Capítulo III aborda a forma do processo eletrônico. Por fim, tem-se o Capítulo IV, que traz alterações em dispositivos do Código de Processo Civil.


No Capítulo I da lei em análise, destaca-se a descrição legal de alguns termos técnicos da área de informática.


A partir da idealização de um processo eletrônico, com a utilização de ferramentas de informática, foi inevitável a incorporação ao mundo jurídico e ao texto legal de termos técnicos afetos a esse ramo, como “meio eletrônico”, “transmissão eletrônica” e “assinatura eletrônica”.


Em que pese a tecnicidade das expressões mencionadas, essa nova linguagem, certamente, não escapará à compreensão do usuário, seja ele membro, servidor ou jurisdicionado, haja vista que a utilização da informática vem-se incorporando naturalmente à vida cotidiana, por demonstrar ser instrumento indiscutivelmente vantajoso sob o ponto de vista da produção, do tempo e do custo.


Vantagens como a agilidade, a publicidade, a comodidade e a acessibilidade vêm proporcionando inigualável facilitação das rotinas de trabalho, otimizando a informação e a comunicação institucional, assim como a prestação de serviços para a sociedade, ensejando o afastamento de qualquer resistência infundada.


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Daniel do Amaral Arbix (2009) ressalta que são expressivos os ganhos em acesso à jurisdição e em concretização do princípio constitucional da celeridade que o processo eletrônico propiciará, a partir da postulação em juízo, por meio eletrônico, e da facilitação da consulta pública de informações judiciárias.


É prudente buscar, constantemente, adaptação à nova forma de trabalho, uma vez que os recursos tecnológicos e informáticos têm sido cada vez mais utilizados pelas grandes organizações, alterando em velocidade desafiadora e, muitas vezes, a todo custo, as rotinas de trabalho.


Impende ressaltar que não só o Poder Judiciário, mas também todos os demais órgãos da Administração Pública – estejam ou não ligados à atividade judicante – necessitarão de reformular-se estruturalmente para integrarem a rede de comunicação e serviços que se firmará com a implantação do processo judicial eletrônico, para garantir o pleno exercício da cidadania consubstanciada no direito de acesso à jurisdição.


Renato Campos Pinto De Vitto e André Luis Machado de Castro, em artigo intitulado “A Defensoria Pública como instrumento de consolidação da democracia”, ressaltam a necessidade de reestruturação dos órgãos da Administração Pública, decorrente da informatização do Poder Judiciário:


“Não se olvide a necessidade premente da informatização da Defensoria Pública, fator de reconhecida importância na agilização e organização do serviço, bem como de redução de custos a médio e longo prazos. As reformulações na Justiça já apontam para uma crescente informatização dos processos judiciais e, dado o abismo hoje existente entre a estrutura do Poder Judiciário e da Defensoria Pública, esse salto tecnológico poderá ter o deletério efeito de exclusão em relação aos assistidos da Defensoria Pública, caso a instituição que promove sua defesa não esteja equipada para acompanhar esse avanço.” (DE VITTO; DE CASTRO, 2006, p. 237)


Sob o ponto de vista dos profissionais da advocacia, a resistência ou a indiferença às mudanças acarretará uma defasagem tecnológica que constituirá uma grande barreira ao desempenho do exercício profissional e comprometerá a atividade jurídica e a permanência competidora no mercado de trabalho.


Internamente aos órgãos judiciários, será necessária a adoção de políticas de treinamento e reciclagem de servidores, de modo que esses se conscientizem das mudanças estruturais vindouras e se capacitem para a operação adequada e eficiente do novo sistema, em ambiente virtual.


Outro ponto importante da Lei nº 11.419/06 quanto à forma dos atos praticados em meio digital é a necessidade de criação de uma assinatura eletrônica e da implantação de ferramentas de proteção suficientes para evitar a alteração, adulteração e violação de documentos eletrônicos, com o fim de assegurar-lhes autenticidade, segurança e credibilidade na prática dos atos e serviços virtuais.


Esses mecanismos são importantes para concretizar o princípio do devido processo legal. O processo eletrônico, no entendimento de Edilberto Barbosa Clementino (2007, p.144), deverá obedecer às mesmas formalidades essenciais do processo judicial convencional, de modo a observar o procedimento legalmente previsto para a apuração da verdade e realizar os princípios do contraditório e da ampla defesa.


Para cumprir o requisito da validade do documento eletrônico, a Lei nº 11.419/06 possibilita a identificação dos signatários de atos processuais através da assinatura eletrônica, mediante cadastramento pessoal no próprio órgão judicial. Caso não se utilize o sistema particular de cada tribunal, essa Lei permite a prática de atos processuais por meio de assinatura digital “baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada”, segundo dispõe o seu artigo 1º, § 2º, III, “a”.


No Brasil, a Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de2001, criou um sistema de certificação digital chamado Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, a ICP-Brasil. Esse sistema atribui validade jurídica plena a documentos eletrônicos produzidos segundo suas disposições, e sua autenticidade e integridade são oponíveis a qualquer pessoa.


A exigência de identificação pessoal do interessado perante o tribunal, no entanto, deve ser repensada ou interpretada de forma mais prática, haja vista que a obrigatoriedade de cadastramento do advogado, pessoalmente, em cada tribunal em que atue, acarretará grandes ônus e transtornos. O ideal seria a criação de um cadastro único nacional para utilização em todos os tribunais.


Quanto ao Capítulo II da Lei nº 11.419/06, este trouxe um grande avanço no campo da comunicação e publicação dos atos oficiais, administrativos e judiciais.


Segundo o artigo 4º dessa Lei, os tribunais ficam autorizados a criar Diário de Justiça eletrônico, disponibilizado em seu site, substituindo a publicação oficial – antes feita em meio físico -, para a publicação de atos judiciais, administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como de comunicações em geral. Cabe ressaltar que o seu artigo 6º excetuou da publicação por meio eletrônico as citações e intimações pessoais a serem realizadas no processo penal e infracional.


No Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG -, por exemplo, o modelo eletrônico de intimação foi adotado a partir de 31 de maio de 2008, após disciplinamento interno pela Portaria Conjunta nº 119, de 2008, substituindo-se integralmente o jornal em papel.


Essa Portaria dispõe que os documentos objeto da publicação pelo Diário Eletrônico sejam previamente armazenados em meio eletrônico, mediante emprego de recursos criptográficos definidos e fixados em Certificado de Segurança da Informação Eletrônica, expedido por Autoridade Certificadora integrada à ICP-Brasil, destinados à cifragem e ao impedimento de alteração dos conteúdos, conferindo-se à publicação autenticidade, integridade e validade jurídica.


Os artigos seguintes da Lei nº 11.419/06 tratam da forma das intimações, citações, cartas precatórias, rogatórias e de ordem.


Com a implantação do processo eletrônico, as intimações serão feitas por meio eletrônico, em portal do órgão judiciário, segundo dispõe o artigo 5º dessa Lei. As citações também poderão ser eletrônicas, inclusive quando for parte passiva a Fazenda Pública, exceto aquelas relativas aos direitos processuais criminais e infracionais, conforme estabelece o artigo 6º. Já o artigo 7º prevê que “as cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas, preferencialmente, por meio eletrônico.”


A utilização do meio eletrônico nas comunicações judiciais faz cumprir o princípio da oralidade na medida em que reduz o número de documentos escritos; além disso, assegura a conservação da prova oral, mediante o arquivamento digital.


Entende-se, todavia, que as cartas rogatórias serão expedidas em papel ainda por muito tempo, haja vista a ausência de legislação, em muitos países, sobre a implantação de um processo eletrônico, bem como de convênios e tratados internacionais para a sua viabilização, impossibilitando, portanto, a interação entre os órgãos judiciários em um futuro próximo.


Quanto à forma do processo eletrônico, a Lei nº 11.419/06 permitiu aos tribunais manter autos total ou parcialmente digitais, de forma que se verifica que a Lei não pretendeu extirpar totalmente os autos em papel. Assim é que o § 5º de seu artigo 11 prevê a possibilidade de arquivamento físico, custodiado na secretaria do juízo, de documentos cujo estado de conservação ou o grande volume não viabilize a sua digitalização e juntada nos autos eletronicamente gerados, sendo devolvidos à parte após o trânsito em julgado da decisão.


Ressalte-se que, ante a realidade orçamentária atual dos tribunais, seria prudente também a digitalização apenas dos processos judiciais distribuídos a partir da implantação do processo eletrônico, permanecendo em papel os processos anteriores. Isso porque a digitalização integral dos autos em tramitação acarretará um grande ônus para os tribunais – dada a estrutura física e logística que o procedimento exige – e, principalmente, para os profissionais atuantes em tais processos, seja em termos financeiros, seja quanto ao prazo de adaptação ao uso do novo sistema de processamento.


Ademais, em que pese a importância incontestável desse grande avanço que será o processo eletrônico, a sua implantação deve ser feita com cautela, com avaliação constante das funcionalidades do sistema, procedendo-se aos ajustes necessários para garantir a sua eficiência e evitar mudanças que sacrifiquem as relevantes conquistas já auferidas pelo cidadão, em nível constitucional e processual.


Merece destaque ainda, nesse capítulo, o artigo 10 da Lei em análise, que dispõe sobre a distribuição e juntada de petições iniciais, contestações, recursos e petições em geral. Segundo o referido dispositivo, essas funções “podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem a necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial.” Ou seja, os tribunais ficarão dispensados das funções de distribuição e juntada de petições, pois a atuação será automática, mediante fornecimento de recibo eletrônico de protocolo.


Da mesma forma, o próprio advogado é quem fará a juntada do documento protocolado na pasta específica do processo, sem a intervenção do serventuário.


Para Daniel do Amaral Arbix, essas inovações tecnológicas possibilitam que os órgãos judiciários “redimensionem, quantitativa e qualitativamente, os recursos humanos, orçamentários, financeiros e logísticos necessários para o aprimoramento da prestação jurisdicional.” (ARBIX, 2001, p. 332).


Em longo prazo, ter-se-á, portanto, uma redução das rotinas de trabalho nos tribunais, bem como do tempo gasto para a execução de algumas delas, exigindo-se um número menor de servidores para o encaminhamento dos atos processuais, a partir de agora gradativamente informatizadas, proporcionando a racionalização no uso dos recursos públicos.


Outra questão de extrema relevância no momento atual da humanidade é o ganho ecológico. Isso, porque o processo eletrônico proporcionará a diminuição radical do uso do papel, impressoras, tintas e tantos outros materiais, contribuindo para a preservação do meio ambiente.


Segundo dados do site Consultor Jurídico, o Judiciário brasileiro gasta 46 milhões de quilos de papel por ano – o equivalente a 690 mil árvores ou 400 hectares de desmatamento e 1,5 milhão de metros cúbicos de água, e apenas o Supremo Tribunal Federal movimentou, no ano de 2006, mais de 680 toneladas de papel.


O Juiz de Direito Renato Luiz Faraco, no lançamento do Curso de Capacitação no Sistema CNJ – Processo Judicial Digital – Projudi -, em 15 de junho de 2009, ministrado pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes do TJMG, destacou que, com a utilização do processo eletrônico na Comarca de Belo Horizonte, “houve uma economia de cerca de 60 mil capas, 120 mil grampos e três milhões de folhas de papel.”


4 Dos programas e softwares: Projudi


O artigo 14 da Lei nº 11.419/06 estabelece a preferência pelo uso de programas com códigos abertos, acessíveis a todos por meio da rede mundial de computadores; e recomenda, ainda, a padronização dos sistemas a serem desenvolvidos pelos tribunais para o processamento em meio eletrônico do processo judicial.


Nesse aspecto, o Conselho Nacional de Justiça disponibilizou para os tribunais do País um software de tramitação, armazenamento e manipulação de processos em meio digital, denominado Projudi, que reproduz todo o procedimento judicial em meio eletrônico.


Em Minas Gerais, o sistema foi implantado, inicialmente, como projeto piloto nos Juizados Especiais, a partir de agosto de 2007, estendendo-se gradativamente para as Turmas Recursais Cíveis, chegando, posteriormente, na Justiça Comum de 1ª Instância, na Vara de Registros Públicos.


Em 29 de dezembro de 2009, foi disponibilizada a versão 1.10 do sistema, que trouxe novas melhorias. Ele foi aperfeiçoado, de modo que o manuseio de suas ferramentas e o acesso às informações sejam feitos por meio de ícones.


 Além dessa melhoria, foi aperfeiçoado o sistema de pesquisa, que passou a ser fonética; ampliou-se a comunicação com sistemas eletrônicos de outros órgãos, permitindo o acesso, por exemplo, à base de dados da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – e o envio de recurso extraordinário eletrônico ao Supremo Tribunal Federal – STF -, através do WebService.


Segundo Declieux Dantas, Diretor do Departamento da Tecnologia da Informação do CNJ,


“A ferramenta permite gerenciar e controlar os trâmites de processos judiciais nos tribunais de forma eletrônica, reduzindo tempo e custos. O sistema é um dos passos para a completa informatização da Justiça brasileira, reduzindo a burocracia dos atos processuais e permitindo o acesso imediato aos processos”.


Cabe destacar a contribuição do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no cenário nacional de informatização do processo. Esse órgão foi escolhido para utilizar a nova versão do Projudi como projeto piloto para teste de suas funcionalidades; projeto que, depois, será expandido para os demais tribunais do País.


Impende também ressaltar a importância, neste momento, de um esforço conjunto entre os tribunais e do CNJ na busca de um sistema único, padronizado, que viabilize futuramente a prestação eficiente dos serviços judiciários.


Para tanto, faz-se necessária, primordialmente, a padronização das rotinas processuais de cada tribunal, de forma a permitir a construção de um sistema de informática que atenda a todas as realidades e permita o diálogo a e interoperabilidade entre entrâncias, instâncias e órgãos do Poder Judiciário.


Nesse sentido, em 24 de novembro de 2009, o CNJ editou a Resolução nº 99, segundo a qual, até 31 de março de 2010, os tribunais deverão apresentar um Planejamento Estratégico de Tecnologia da Informação e Comunicação.


A exigência de um planejamento de tecnologia da informação e comunicação tem como objetivos a promoção da interação e troca de experiências de tecnologia entre os tribunais – no âmbito nacional e internacional – e o desenvolvimento de sistemas interoperáveis, ou seja, que permitam a comunicação entre si de modo harmônico, a partir da observância de um conjunto mínimo de especificações técnicas.


Ações conjuntas que facilitem o intercâmbio de conhecimentos, tecnologias e soluções, assim como de interação de sistemas, serão extremamente importantes para a unificação dos trâmites em todos os tribunais e para a agilização dos processos.


Nesse aspecto, os Tribunais de Justiça de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul firmaram, em 18 de janeiro de 2010, o Termo de Cooperação Tecnológica nº 002/2010. O objetivo do referido termo é a cooperação e o intercâmbio de inteligência entre os tribunais nas áreas área da Tecnologia da Informação, nas atividades de desenvolvimento de sistemas, de ambiente operacional e de comunicação de dados.


Quanto a esta última, cumpre ressaltar que o Conselho Nacional de Justiça determinou aos tribunais a implantação de sistema de malote eletrônico até março de 2010, recomendando o Sistema Hermes, desenvolvido pela Secretaria de Informática do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, ficando a critério dos tribunais o desenvolvimento de outros sistemas, desde que compatíveis entre si.


O sistema permitirá a comunicação eletrônica entre os tribunais mediante o envio de um grande volume de documentos pela internet. Proporcionará também a simplificação e a agilidade na comunicação dos atos processuais e administrativos, contribuindo para acabar com o trânsito de documentos em papel e apresentando, portanto, economia e segurança na tramitação dos processos.


Para avaliação do sistema Projudi nos tribunais, foi editada, ainda, pela Presidência do CNJ a Portaria nº 570, de 24 de junho de 2009, que institui o Comitê Gestor do Processo Judicial Digital. Seus integrantes serão responsáveis pelo acompanhamento do sistema pelos tribunais, pelo incentivo à celebração de convênios para utilização da tecnologia WebService e pelo recebimento de dúvidas e sugestões dos órgãos do Poder Judiciário.


Entre os objetivos da implementação de um planejamento estratégico está também a promoção da cidadania, a partir da disponibilização dos sistemas e serviços a todos os cidadãos.


Cabe ressaltar a importância de o Judiciário disponibilizar, em suas dependências, computadores para o livre acesso de toda pessoa interessada em realizar consulta da movimentação processual, digitalização de documentos e utilização de serviços.


Isso, porque, mesmo diante dos avanços tecnológicos de nossa época, não se pode ignorar a ocorrência, em nossa sociedade, de uma situação de exclusão digital, decorrente da hipossuficiência econômica, que, na verdade, revela um conceito mais abrangente – o de exclusão social.


A exclusão digital revela que apenas um grupo de pessoas tem acesso aos recursos de informática e tecnológicos e, portanto, às informações e serviços acessíveis por meio deles. Tal fato, no âmbito do Judiciário, vai de encontro ao princípio da publicidade e do direito de acesso à jurisdição.


Assim, conforme pondera Edilberto Barbosa Clementino (2007, p.141), como a lei estabelece a obrigatoriedade de utilização do meio eletrônico para ajuizamento e processamento de ações, é necessário que se adotem políticas públicas de inclusão digital, de modo que o cidadão tenha condições de se inserir nesse novo modelo de administração pública.


Por outro lado, a realização do princípio da publicidade deve ser plena, para permitir o amplo acesso a informações e serviços, assim como para permitir a consulta aos autos virtuais por todos os usuários, e não apenas às partes e ao Ministério Público, conforme dispõe o artigo 12 da Lei nº 11.419/06.


A limitação seria um retrocesso – atentatório ao princípio da publicidade e ao exercício da cidadania -, haja vista que, no processo judicial convencional, é permitida aos autos físicos a consulta por todos os interessados, salvo nos casos de segredo de justiça e interesse público.


Afinal, por meio do acesso aos autos, o cidadão realiza o objetivo primordial do princípio da publicidade, qual seja, o de fiscalizar a adequação da atuação dos magistrados, do Ministério Público e dos defensores, e do conteúdo de seus atos.


Vladimir Aras, referindo-se a Rui Barbosa, avalia que,


“Se estivesse vivo e conhecesse a internet, o grande jurista teria dito que a rede mundial de computadores – que criou um “local” privilegiado de discussão, interação e busca chamado ciberespaço, é que doravante desempenhará o papel de “olhos e ouvidos” da Nação sobre as ações e práticas dos governos”. (ARAS, 2004, P. 122)


É de se entender, diante do exposto, que os tribunais devam permitir o acesso pleno ao processo e a serviços, ressalvados, obviamente, os casos de sigilo obrigatório, seja através de assinatura digital fornecida por eles próprios (o que daria, inclusive, maior concretude ao princípio da igualdade, já que não há custo financeiro neste modelo de assinatura), seja através da certificação por autoridade certificadora; mas, principalmente, por meio da disponibilização de conteúdo em portal eletrônico, aberto a consultas públicas.


5 Conclusão


Hodiernamente, a administração pública, em razão da velocidade e do volume crescente das informações, exige a informatização de seus serviços e rotinas processuais. No Judiciário, essa informatização é medida imperativa para concretizar o princípio da celeridade processual e permitir a ampliação do acesso à jurisdição.


Em que pese significar um grande avanço na prestação dos serviços públicos, há de se reconhecer a complexidade na implantação de um processo totalmente digitalizado. É certo que não se podem perder de vista as dificuldades e entraves na implantação e no uso de um procedimento virtual frente à realidade de cada tribunal, seja em nível administrativo-operacional, econômico ou jurídico.


Tal empreitada exige cautela por parte do Poder Judiciário na implementação dos sistemas eletrônicos de processamento e de certificação digital, com vistas à eficiência e segurança dos serviços, bem como para a preservação dos princípios e garantias fundamentais que norteiam esse processo e permitem a realização de um Estado Democrático de Direito.


 


Referências

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Informações Sobre o Autor

Fernanda Dias Soares

Técnica Judiciária do TJMG e aluna do curso de Pós- Graduação especialidade Poder Judiciário realizado pela PUC/MG e EJEF/TJMG


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