Resumo: Reconhecendo a inexistência de uniformização do procedimento adotado pela Administração Pública Federal para aplicação das penalidades previstas em Contratos Administrativos, este artigo propõe um fluxograma a ser seguido, delimitando e sistematizando as fases do Processo Punitivo. Para tanto, iniciará com uma sucinta explanação acerca do Devido Processo Legal, postulado de fundamental observância pela Administração Pública, bem como sobre os demais princípios e regras que devem ser observados para a legítima aplicação de penalidades contratuais. Após, tendo por base os dados coletados em detalhada pesquisa realizada em diversos bancos de dados, tais como: manuais de órgãos de controle, legislação e doutrina, recomendará a adoção de um fluxograma para apuração de infrações e aplicação de penalidades nos contratos administrativos em âmbito federal, de forma a uniformizar o procedimento a ser adotado.
Palavras-chave: Contrato Administrativo. Processo Administrativo Disciplinar. Penalidades Contratuais.
Abstract: Recognizing the lack of standardization of procedure adopted by the Federal Public Administration to the penalties provided in Administrative Contracts, this paper proposes a flowchart to be followed, defining and systematizing phases of Punitive Process. To do so, start with a brief explanation about the due process of law, respect for fundamental postulate of Public Administration, as well as the other principles and rules that must be observed for the legitimate application of contractual penalties. After, based on data collected in detailed survey conducted in several databases, such as manuals control agencies, law and doctrine, recommend the adoption of a flowchart for finding violations and impose penalties in administrative contracts under federal, in order to standardize the procedure to be adopted.
Keywords: Administrative Contract. Administrative Disciplinary Process. Contractual penalties.
Introdução
Para o desempenho de sua função de tutelar e perseguir o interesse público, a Administração Pública se mune de poderes administrativos, dentre os quais se destaca o poder disciplinar, que, como bem leciona Marcelo Caetano, tem sua “origem e razão de ser no interesse e na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público”.[1] Trata-se, portanto, de poder de supremacia especial, em que o Estado exerce sua prerrogativa em relação àqueles que mantêm um vínculo com a Administração por relações de qualquer natureza.
Muito se costuma associar o exercício do poder disciplinar à aplicação de penalidades a servidores públicos. Entendemos que essa é uma forma limitada de conceber tal instituto, que pode incidir sobre qualquer particular que mantenha alguma relação jurídica especial com a Administração, seja por meio de vínculo estatutário ou celetista, seja por meio de contrato administrativo, por exemplo.
Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles definiu o poder disciplinar como a: “(…) faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento a que se passam a integrar definitiva ou transitoriamente”[2]
Muito embora Hely Lopes Meirelles tenha falado em “faculdade de punir”, entendemos que tal expressão não deve ser compreendida em seu sentido literal, sob pena de subvertemos a lógica inerente aos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, pedras de toque do Direito Administrativo[3].
Neste contexto, ao falarmos em poder disciplinar estamos nos referindo a um poder-dever da Administração Pública e não a uma faculdade. Ou seja, as infrações cometidas são de obrigatória apuração por parte da Administração Pública, que deve instaurar o devido processo administrativo para, em se verificando a ocorrência de ilicitudes, aplicar a correspondente sanção.
No que se refere especificamente aos contratos administrativos, muito embora haja inicialmente uma relação de coordenação entre os contraentes, aplicando-se precipuamente as regras de direito privado, não podemos afastar totalmente a aplicação do direito público, muito pelo contrário. Mesmo no contexto contratual, a Administração mantém algumas prerrogativas, podendo sujeitar o particular ao seu poder de império.
Essas prerrogativas contratuais da Administração Pública configuram as chamadas cláusulas exorbitantes, as quais sujeitam o contratado à aplicação das penalidades contratualmente previstas, de forma a garantir que o interesse público não esteja à mercê dos interesses particulares.
Neste sentido, leciona Lucas Rocha Furtado que “os contratos administrativos têm como sua maior particularidade a busca constante pela realização do interesse público. Isto faz com que as partes do contrato administrativo (Administração contratante e terceiro contratado) não sejam colocadas em situação de igualdade. O contrato somente vincula as partes se elas concordarem com a sua celebração. Se não houver a concordância do particular, o contrato administrativo não o obriga. Porém, uma vez firmado o acordo, em nome da supremacia do interesse público, são conferidas à Administração Pública prerrogativas que lhe colocam em patamar diferenciado, de superioridade em face do particular que com ela contrata. Essa supremacia irá manifestar-se por meio de determinadas cláusulas contratuais denominadas “cláusulas exorbitantes”. Essa terminologia decorre do simples fato de que elas extrapolam as regras do Direito privado e conferem poderes exorbitantes à Administração contratante em face do particular contratado (grifos nossos).”[4]
Uma das principais cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos consiste, portanto, na prerrogativa de aplicar sanções aos fornecedores, ou seja, de exercer o poder disciplinar perante o particular contratado.
A disciplina legal do exercício de tal prerrogativa encontra-se, precipuamente, na Lei n° 8.666/93[5], bem como na Lei nº 10.520/2002.[6] Contudo, os referidos diplomas legais foram bastante sucintos e genéricos ao disporem sobre o rito apuratório necessário à aplicação das sanções administrativas. Basicamente, conforme se depreende do § 2º, do art. 86 c/c caput, do art. 87 e §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.666/93[7], impôs-se a necessidade de instauração do devido processo administrativo, garantindo-se prévia defesa e acesso a recursos administrativos.
Por essa razão, inexiste uniformização do procedimento adotado pela Administração para aplicação das penalidades contratualmente previstas. A supramencionada legislação, bem como a própria Constituição Federal e até mesmo a Lei nº 9.784/99, que regulamenta o processo administrativo em âmbito federal, trazem apenas balizas a serem observadas pela Administração, não descendo, contudo, aos detalhes procedimentais, que ficam a cargo da práxis administrativa, de alguns manuais fornecidos pelos órgãos de controle e da parca doutrina desenvolvida sobre o tema.
Feitos os necessários esclarecimentos iniciais, realizaremos uma sucinta explanação acerca do Devido Processo Legal, postulado de fundamental observância pela Administração Pública, bem como sobre os demais princípios e regras que devem ser observados para a legítima aplicação de penalidades contratuais.
Por fim, tendo por base os dados coletados em detalhada pesquisa realizada em diversos bancos de dados, tais como: manuais de órgãos de controle, legislação e doutrina, recomendaremos a adoção de um fluxograma para apuração de infrações e aplicação de penalidades nos contratos administrativos em âmbito federal, de forma a uniformizar o procedimento a ser adotado. Com isso, pretende-se evitar demandas judiciais que culminem com a anulação dos atos praticados, trazendo diversos prejuízos ao interesse público e, porque não dizer, à própria imagem da Administração Pública.
Este tipo de proposta, que objetiva a prevenção de danos ao interesse público, num verdadeiro assessoramento dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, representa uma das principais atribuições constitucionais da Advocacia Geral da União, que se estabelece como verdadeira função essencial à justiça, possibilitando tanto a concretização de políticas públicas quanto a efetivação dos direitos fundamentais do cidadão.
O princípio do devido processo legal, previsto pelo art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, é considerado preceito fundamental do processo, seja administrativo, seja judicial. Trata-se de garantia fundamental da pessoa humana, limitadora, portanto, do arbítrio estatal, representando um dos principais baluartes do Estado Constitucional de Direito.
Sobre o conteúdo do princípio, esclarecem Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que “o conteúdo desse princípio significa, para o autor, poder alegar e provar os fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência e o conteúdo do processo e poder fazer-se ouvir. (…) Em outras palavras, não se pode economizar, minimizar a participação do litigante no processo, porque isso contraria o comando emergente da norma comentada. O órgão julgador deve dar a mais ampla possibilidade de o litigante manifestar-se no processo e, se tiver de decidir sob o fundamento de fato ou de direito não alegado pelas partes, ainda que a matéria seja de ordem pública, deve ouvir previamente as partes, sob pena de nulidade da sentença.”[8]
Contudo, o devido processo legal não se reduz aos aspectos formais de um processo ordenado, como comumente ressaltado pelos teóricos mais clássicos. Hodiernamente, preceitos constitucionais passam a incidir mais diretamente sobre o processo, que termina por ser compreendido também em seu sentido substancial, significando uma legítima limitação ao poder estatal, fundamentada na razoabilidade e proporcionalidade, a fim de realizar a justiça.
Nesse sentido, a garantia do devido processo legal possui dupla dimensão: a procedimental e a substantiva, sendo ambas de observância obrigatória pela Administração Pública, sobretudo quando no exercício do poder de polícia e do poder disciplinar, cujos atos incidem sobre a esfera de direitos e liberdades do cidadão.
O devido processo legal procedimental possui como corolários os princípios do contraditório e da ampla defesa, que também se impõem a toda atividade processual, inclusive no âmbito administrativo. Apesar de serem princípios complementares, podemos distinguir o contraditório da ampla defesa. Vejamos.
O princípio do contraditório, em linhas gerais, garante a oportunidade de tomar conhecimento e, querendo, contrapor-se ao que contra si for alegado. Vicente Greco Filho sintetiza o princípio da seguinte forma: “O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável.” [9]
A ampla defesa, por sua vez, significa permitir a utilização de todos os meios de defesa admissíveis em direito para provar o que foi alegado, sendo também imprescindível a sua adoção em todos os procedimentos que possam ensejar aplicação de qualquer tipo de penalidade.
No que se refere à aplicação de penalidades à empresa por descumprimento de cláusula contratual ou por inexecução de contrato administrativo, o respeito ao contraditório e a ampla defesa decorre não apenas da previsão constitucional, mas também do disposto pela Lei nº 8.666/93.[10]
Apesar da referida lei mencionar apenas a necessidade de “defesa prévia” ou “defesa do interessado” para imposição de sanção nas hipóteses de inexecução contratual, nos parece evidente que todos os demais princípios que informam o devido processo legal devem ser respeitados, sob pena de nulidade.
Nesse sentido, Fábio Pallaretti Calcini afirma que: “Assim, para que se atenda ao previsto no art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal, em caso de aplicação de sanção administrativa, por inexecução, parcial ou total, do contrato administrativo, forçosa a realização de um devido processo legal, ou melhor, de um “regular processo administrativo”, de conformidade com o art. 86, da Lei nº 8.666/93, não bastando uma singela “prévia defesa” disposta no art. 87. (…) Em tais condições, cumpre ao Administrador Público, quando da imposição de sanção por inexecução, total ou parcial, do contrato administrativo (art. 87), garantir ao administrado um regular processo administrativo (art. 86), não bastando uma mera prévia defesa. Consequentemente, há de se conceder efetivo contraditório e ampla defesa, com a produção probatória e interposição de recurso, tudo na estrita e fiel observância do devido processo legal, inscrito no art. 5º, inc. LIV e LV, da Constituição Federal. ”[11]
Outra questão cercada de polêmicas, mas que nos parece de fácil solução, diz respeito à necessidade de defesa anterior à decisão que aplica penalidade ao contratado. Em nosso entender, tal exigência não é suprimida pela oportunidade de recurso administrativo, isto porque, em seu sentido substancial, as garantias do contraditório e da ampla defesa estão intrinsecamente relacionadas ao direito de participar da própria formação do convencimento do julgador, de maneira a possibilitar uma construção dialética da decisão administrativa.
A exigência de defesa prévia encontra albergue, inclusive, em previsão expressa no inciso III, do Art. 3º, da Lei de Processo Administrativo Federal, que se aplica supletivamente aos processos que objetivam verificar a ocorrência de infração contratual. [12]
Sobre a necessidade de que seja oportunizada manifestação prévia ao ato administrativo decisório, Marçal Justen Filho afirma que “a conjugação dessas regras impede que a Administração produza atos ou provas relevantes sem a participação do particular. Não existe apenas o direito de recorrer contra a decisão desfavorável. A intervenção do particular não se faz apenas a posteriori. Sempre que uma futura decisão puder afetar os interesses de um sujeito específico, a Administração deverá previamente ouvi-lo e convidá-lo a participar da colheita de provas. Essa participação não será passiva nem restritiva. O particular poderá especificar provas (ainda quando sejam colhidas através da autoridade administrativa), assim como indicar assistentes técnicos, formular quesitos e acompanhar depoimentos etc.”[13]
Também esse é o entendimento da nossa Corte Suprema, que ressalta a impossibilidade de confusão entre recurso administrativo e defesa prévia, afirmando que “a oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso”.[14]
Sendo assim, os procedimentos que apliquem penalidades à contratada em inobservância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, não oportunizando defesa prévia, são nulos de pleno direito, pois eivados por vício insanável. Nesse sentido, leciona Anadricea Vicente de Almeida: “Com efeito, tamanha é a importância conferida no nosso sistema jurídico-constitucional ao mandamento do contraditório e da ampla defesa que a sua omissão no procedimento acarreta vício que não poderá ser sanado. Dessa forma, se, no procedimento de revogação ou de anulação, de rescisão e sancionatório, a Administração não conceder, previamente, prazo para que o(s) licitante(s) ou o(s) contratado(s) se manifestem, estará maculado de vício tal procedimento, não só por infringência à norma da Lei, mas por afronta a princípios constitucionais.[15]”
Em síntese, o desrespeito aos corolários do devido processo legal se afigura como hipótese clara de nulidade absoluta do processo. Dito de outra forma, trata-se de vício que macula todo o procedimento, gerando nulidade de todos os atos subsequentes, não podendo ser convalidados em nenhuma hipótese, sendo tal nulidade oponível em qualquer fase do processo e mesmo após a sua conclusão, em razão de sua gravidade.
Como já afirmamos anteriormente, não existe, nos diplomas legais que regulamentam as contratações administrativas em âmbito federal, um detalhamento do rito processual para aplicação das sanções por descumprimento de cláusulas contratuais inexistindo também uniformização do procedimento a ser adotado. Existindo apenas algumas iniciativas específicas de órgãos e entidades federais para regular internamente tal procedimento.
Sendo assim, após longa pesquisa doutrinária e jurisprudencial, e com base nos corolários do devido processo legal, a proposta deste artigo é a de delinear as fases e etapas que deveriam compor o processo administrativo sancionatório contratual, de forma a possibilitar uma futura uniformização do procedimento.
Para fins didáticos, dividimos o processo em quatro fases: Instrutória, Julgamento, Recursal e Executória. Cada uma dessas fases, subdividimos em algumas etapas de forma a construir um fluxograma para os procedimentos de sanção contratual, nos seguintes termos:
a. “Fase de Instrução:
i. A suposta ocorrência de infração contratual;
ii. Ciência da infração pela administração, formalizada nos autos pelo fiscal ou pelo gestor;
iii. Notificação da contratada para apresentação de defesa prévia;
iv. Produção de provas, caso necessário;
v. Relatório de Conclusão da Instrução;
b. Fase de julgamento:
i. Julgamento;
ii. Em caso de dúvidas jurídicas, encaminhamento à Assessoria Jurídica;
iii. Notificação do julgamento;
c. Fase Recursal:
i. Recebimento do Recurso e juízo de retratação;
ii. Caso não haja retratação, julgamento pela autoridade administrativa hierarquicamente superior;
iii. Em caso de dúvidas jurídicas, encaminhamento ao órgão de Assessoria Jurídica;
iv. Notificação da decisão administrativa;
d. Fase Executória:
i. Registro da penalidade no SICAF e publicação no DOU (se for o caso);
ii. Encaminhamento ao órgão de Assessoria Jurídica, nos casos de danos ao patrimônio público;
iii. Encaminhamento de cópia ao Ministério Público Federal, quando houver indícios da prática de crime contra Administração Pública;
iv. Arquivamento.”
Vejamos com detalhes cada uma dessas fases e etapas.
2.1 Fase Inicial – Instrução Processual
A suposta ocorrência da infração é pressuposto fático indispensável para a instauração do processo administrativo sancionatório contratual, podendo ser entendida, em linhas gerais, como o descumprimento de cláusulas contratuais. O contrato, como sabemos, faz lei entre as partes, devendo ser rigorosa a observância de todas as suas cláusulas, tanto por parte da Administração, quanto por parte da empresa. Dessa forma, o desrespeito a quaisquer das cláusulas contratuais pela empresa contratada, enseja sua responsabilização nos termos e limites previstos pelo contrato e pela lei.
A possível prática da infração, contudo, deve ser materializada no processo, sendo imprescindível que seja dada ciência à Administração dos atos supostamente praticados em desconformidade com o contrato. Tal ciência normalmente se dá por meio de relatório do fiscal do contrato ou do gestor do contrato, muito embora possa ocorrer por outros meios, pois, nos termos do art. 67 da Lei n. 8.666/93, a execução do contrato deve ser fiscalizada por um representante da administração especialmente designado, que anotará todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato em livro próprio.
Como se sabe, o fiscal do contrato, o servidor ou a comissão tem o dever de conferir se o objeto entregue corresponde realmente ao que foi licitado, tanto no que diz respeito às especificações técnicas quanto aos quantitativos a serem recebidos. Nesse caso, estando o objeto em desacordo com as condições pré-estabelecidas pelo edital ou contrato, o servidor ou comissão deve rejeitá-lo, notificando o contratado para que promova a reparação, correção, substituição ou a entrega imediata do objeto contratado, atendendo ao disposto no artigo 69[16] da Lei 8.666/93.
Caso o contratado não repare, corrija ou substitua o objeto, adequando-o ao contratualmente previsto, o fiscal do contrato, ou o servidor (ou comissão) responsável pelo recebimento tem o dever de comunicar o descumprimento de cláusula contratual ao ordenador de despesas. Entendemos que tal comunicação deva ser realizada mediante parecer fundamentado, no qual conste:
i. “A descrição dos fatos ocorridos;
ii. As inconsistências entre o que estava contratado e o que efetivamente foi realizado ou entregue;
iii. Informações sobre as tentativas de solucionar o problema;
iv. Todos os documentos necessários à comprovação dos fatos narrados.”
Após tomar ciência da infração, seja por meio do supramencionado parecer, seja por qualquer outro meio, a Administração deve instruir o processo com todos os elementos de prova que possuir, de forma a verificar o tipo de infração cometida e os prejuízos causados ao interesse público.
Neste contexto, surge a seguinte dúvida: é necessário instaurar processo sancionador autônomo ou a instrução processual pode ocorrer nos autos do próprio certame licitatório? Quanto a esse aspecto, entendemos pela legitimidade de uma ou de outra alternativa, podendo tanto ser instaurado um processo autônomo quanto dar continuidade à apuração da possível infração contratual nos autos do procedimento licitatório.
Embora as duas formas sejam válidas, acreditamos ser preferível a instrução nos próprios autos do certame licitatório, tanto por uma questão de economia processual, pois o novo processo deverá ser instruído com cópia de todos os documentos necessários à caracterização e comprovação da infração cometida, quanto para dar mais segurança ao procedimento, uma vez que a instrução defeituosa gera nulidade do processo e, por consequência, da penalidade aplicada.
Contudo, uma vez que se decida instaurar procedimento autônomo, este deve conter, necessariamente:
i. “O número do processo administrativo original;
ii. Os dispositivos legais e contratuais que supostamente foram infringidos;
iii. A designação da Comissão de Servidores que irá conduzir o procedimento;
iv. O prazo para conclusão dos trabalhos da comissão;”
Uma vez instruído o processo, a etapa seguinte consiste na notificação da contratada para apresentação de sua defesa prévia. Tal notificação pode ser enviada pelo correio, com Aviso de Recebimento, ou entregue ao fornecedor mediante recibo.
Caso o contratado tenha mudado de endereço ou se recuse a receber a notificação, esta deve ser publicada no Diário Oficial, quando começará a contar o prazo para apresentação da defesa, nos termos do art. 87, da Lei nº 8.666/93:
“Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (…)
§ 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
§ 3º A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.”
Dessa forma, antes da efetiva aplicação das penalidades, a Administração deverá conceder um prazo de cinco dias úteis, em se tratando das sanções previstas nos incisos I, II e III; e de dez dias úteis, no caso da sanção do inciso IV. É o que determina os §§ 2º e 3º do art. 87.
Como já afirmado, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, corolários do Devido Processo Legal, não se pode iniciar o processo administrativo sancionador aplicando-se a penalidade para depois abrir prazo para defesa ou recurso. Aplicação de penalidade sem prévia defesa é caso de nulidade absoluta do processo. Neste sentido, Parecer nº 179/2012/GAB/CGMADM/PFE-INSS/PGF/AGU: “Da concepção de ampla defesa é indissociável a ideia de defesa prévia. Não há como ser ampla se for posterior, pois após a condenação não mais há oportunidade de defesa, senão ataque ao ato sancionador em impugnação com pedido de reversão de pena. Da mesma forma como recurso não pode ser prévio porque depende de uma decisão a se impugnar, a defesa não pode ser ampla se tardia, não há plenitude de defesa se o processo inicia com o acusado condenado.”
Também não existe normatização no que se refere ao servidor competente para remeter a notificação à empresa que, supostamente, tenha praticado infração contratual. Neste contexto, não tendo a entidade regulamentação interna sobre o tema, sugerimos a aplicação analógica do Regimento Interno do INSS, que neste tocante afirma ser a competência do chefe da seção de logística, licitações, contratos e engenharia da unidade. Colacionamos:
“Regimento Interno do INSS:
Art. 169. À Seção de Logística, Licitações e Contratos e Engenharia da Gerência-Executiva compete:
XVII – receber, selecionar, classificar, registrar, controlar e expedir correspondências, expedientes, processos e demais documentos; (…)”
Sobre o conteúdo dessa notificação, é imprescindível a presença de alguns elementos, quais sejam:
i. "Descrição clara e completa do fato imputado à empresa;
ii. Cláusula do edital, da lei ou do contrato, em tese, violada, ensejadora da aplicação de penalidade (s);
iii. Finalidade da notificação: abertura de prazo para defesa prévia e dispositivo legal (art. 87, § 2º, da Lei nº 8.666/93);
iv. Informação sobre o acesso aos autos e sobre o local para protocolo da defesa;
v. A possiblidade de o intimado atender à notificação pessoalmente ou de se fazer representar;
vi. É imprescindível que o contratado seja cientificado da intenção de rescisão, se houver;
vii. A continuidade do processo independentemente da efetiva manifestação.”
O termo inicial para contagem do prazo para apresentação da defesa prévia se conta da intimação e não com a juntada do AR positivo, sendo de 5 (cinco) dias, nos casos de aplicação das sanções de multa, advertência, suspensão temporária ou impedimento de licitar, e de 10 (dez) dias caso haja possibilidade de aplicação da sanção de declaração de idoneidade conforme o art. 87, § 3º, da Lei nº 8.666/93.
Caso a defesa seja intempestiva (apresentada fora do prazo), contudo, entendemos que a Administração deve consignar nos autos a intempestividade, mas mesmo assim analisar os argumentos apresentados pela contratada, como medida de precaução, pois a revelia não impede o Poder Judiciário de anular a decisão administrativa, caso entenda que houve violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Uma vez regularmente notificada, a contratada tem o direito a produzir provas e pode requerer prazo para tanto, pois não é possível o exercício do contraditório com a limitação da ampla defesa. Neste sentido, a Lei nº 9.784/99:
“Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.
Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei.
Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias.
Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.”
No que se refere à previsão de realização de perícias pela Administração, temos duas hipóteses:
i. “O processo ter sido inaugurado com diligência/perícia realizada unilateralmente pela Administração e haver impugnação e pedido de nova diligência/perícia na defesa prévia. Nesta hipótese o ente público deverá proceder a suas custas nova diligência/perícia para oportunizar o contraditório, pois a sua realização é tanto interesse da Administração quanto da contratada.
ii. Já quando a perícia for meio de prova unicamente da contratada: NÃO há obrigação do ente público deferir/realizar a perícia ou custeá-la, pois a aplicação da Lei nº 9.784/99 é subsidiária em relação aos contratos administrativos. Chega-se a essa conclusão através de uma interpretação sistemática do direito administrativo, uma vez que a Lei nº 9.784/99 prevê uma relação entre administrado e Administração (relação vertical – prevalência da Administração sobre o administrado), ao passo que, no contrato administrativo, há uma relação entre contratante e contratada (relação horizontal – em pé de igualdade). Além disso, a própria Lei nº 8.666/93 prevê o pagamento de “emolumentos devidos” até para obtenção de cópias dos autos (art. 63), devendo tal dispositivo ser interpretado extensivamente para abarcar também as diligências que sejam meio de prova unicamente da contratada.”
Importante ressaltar, ainda, que o indeferimento de perícia solicitada pela contratada, como todo ato administrativo, deve ser motivado, sob pena de nulidade.
Após concluída a instrução, havendo ou não efetiva apresentação de defesa prévia pela contratada, caberá ao servidor ou comissão designada para apuração da infração elaborar Relatório de Conclusão da Instrução, que dê suporte à autoridade competente para decisão, analisando os fatos apurados, confrontando-os tanto com as alegações da empresa, quando houver, quanto com as regras legais, editalícias e contratuais aplicáveis ao caso.
A exigência do referido relatório se faz presente na legislação do Estado de Sergipe, um dos poucos a uniformizar o procedimento de aplicação de sanções contratuais, por meio do Decreto Estadual nº 24.912/07, o qual dispõe:
“Art. 18. Finda a instrução, seguir-se-á o relatório, peça informativa e opinativa, que deverá conter o resumo do procedimento, sendo acrescido de proposta fundamentada de decisão.
Parágrafo único. O relatório deverá ser apresentado pela Comissão à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis a contar do término da instrução.”
Entendemos acertada a previsão do Decreto Sergipano, por considerar imprescindível a elaboração de Relatório pelo servidor ou comissão responsável pela apuração da suposta infração, de forma a subsidiar a decisão do gestor. Ninguém melhor que a própria equipe responsável pela fiscalização do contrato e pela apuração das infrações cometidas, para analisar as razões apresentadas pela empresa, de forma a confrontá-las com a realidade.
Vamos tomar como exemplo a infração mais comum no âmbito dos contratos de obras públicas, qual seja: o atraso na entrega do objeto licitado. Pois bem, uma vez notificada, a empresa poderá alegar que o atraso se deu em razão de situações excepcionais, tais como: intenso período de chuvas, ausência de algum material específico no Estado, mudanças no projeto básico ou executivo, dentre tantas outras.
Percebe-se que o gestor muitas vezes não tem conhecimento do que de fato ocorre nos canteiros de obra, tornando-se imprescindível, portanto, que seja elaborado o referido relatório, que deverá dialogar com cada um dos argumentos trazidos pela empresa, informando se corresponde ou não à realidade vivenciada na execução daquele contrato.
Voltando ao exemplo acima, caso a defesa alegue a incidência de fortes chuvas que impediram a conclusão da obra no prazo avençado, o relatório deve enfrentar o argumento dizendo se este procede ou não, ou seja, deve afirmar de forma peremptória se as chuvas foram fator decisivo para o atraso, ou se este ocorreu por desídia da empresa.
Após devidamente instruído, o processo deve ser encaminhado à autoridade competente para julgamento.
2.2. Segunda Fase – Julgamento
No que concerne à competência para o julgamento do processo sancionador, regra geral, essa recai sobre a mesma autoridade que assinou o contrato, a qual analisará o processo administrativo, podendo concordar ou não com o Relatório de Conclusão da Instrução.
Caso não concorde com o relatório, a autoridade competente deverá fundamentar sua decisão, com a indicação dos pressupostos de fato e de direito que a fundamentam, em respeito ao princípio da motivação (art. 2º, VII, da Lei nº 9.784/99).
Vindo a concordar com o relatório, a autoridade julgadora poderá se utilizar da técnica de “declaração de concordância”, prevista no art. 50, § 1º, da Lei nº 9.784/99:
“Art. 50. (…)
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.”
Nesse sentido, caso a autoridade queira fazer uso da técnica de declaração de concordância, a decisão deve conter redação expressa no seguinte sentido: “Acolho o Relatório nº XXX/XXX (fls. xx/xx), cujos fundamentos passam a integrar essa decisão por força do art. 50, §1º, da Lei nº 9.784/99”.
Insta destacar, ainda, que a dosimetria da pena também deve ser motivada. Assim, por exemplo, o administrador deve explicitar as razões que o levaram a aplicar a penalidade de multa e não de advertência. Também os prazos para aplicação da penalidade de suspensão temporária de participação em licitação e para o impedimento de contratar com a Administração devem ser motivados. Dito de outra forma, a autoridade julgadora deve justificar porque aplicou suspensão pelo prazo de 2 (dois) anos e não de 6 (seis) meses, 1 (um) ano ou 1 (um) ano e 6 (seis) meses. Para tanto, devem ser fixados critérios objetivos pelo julgador para realização da proporcional dosimetria.
No que se refere à necessidade de parecer jurídico, entendemos que este não se configura como peça obrigatória do processo sancionador, em razão da ausência de previsão legal. Em recente julgado, o Supremo Tribunal Federal distinguiu três espécies de pareceres jurídicos, quais sejam:
“(i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer;(iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídico deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir (…) – MS 24.631, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 9-8-2007, Plenário, DJ de 1º-2-2008.”
Dentro das categorias apresentadas pelo ministro relator Joaquim Barbosa, os Pareceres que não decorram de exigência legal são peças facultativas, cabendo ao gestor, no caso de dúvidas sobre aplicação da lei, remeter os autos à análise da Assessoria Jurídica.
Como não há exigência legal de emissão de Parecer nos casos de aplicação de penalidades contratuais a empresas, entendemos que não é obrigatória a análise da Assessoria Jurídica do órgão ou entidade. Contudo, havendo dúvida jurídica, o procedimento deve ser encaminhado ao órgão consultivo.
Por oportuno, ressalta-se que o Parecer Jurídico, caso emitido, servirá apenas de supedâneo para a tomada de decisão da autoridade julgadora, que não se exime de expressar de forma clara e fundamentada a sua decisão de mérito sobre a aplicação ou não da penalidade. Dito de outra forma, tal parecer analisará apenas a questão da legalidade do procedimento, não podendo substituir o administrador em sua decisão de mérito quanto à aplicação ou não da penalidade, bem como quanto à dosimetria da pena a ser aplicada, desde que respeitada a proporcionalidade.
Mesmo não sendo peça obrigatória, caso a autoridade administrativa prefira se cercar de maior segurança em seu processo de decisão, sugerimos que os procedimentos que entendam pela rescisão contratual, bem como ensejem aplicação de penalidades mais gravosas (multa, suspensão ou impedimento), sejam encaminhados para análise da legalidade do procedimento disciplinar. Sendo dispensável o encaminhamento à assessoria jurídica, contudo, nos casos de aplicação da advertência, por se configurar em penalidade mais branda.
Tal medida, possibilitaria maior correção dos processos de aplicação de penalidade, evitando possíveis declarações de nulidade pelo judiciário, ante o questionamento pelas empresas sancionadas.
Com ou sem parecer jurídico, a decisão deve ser proferida em prazo razoável, devendo a autoridade competente notificar a empresa do julgamento realizado. A notificação deverá conter, necessariamente:
i. “O resultado do julgamento, podendo, inclusive, copiar o dispositivo da decisão (“Ante o exposto, conheço da defesa e julgo-a (im) procedente, aplicando à empresa … a penalidade de …);
ii. Cópia da decisão (caso tenha sido usada a “técnica de concordância”, deve ser encaminhada cópia da manifestação referida);
iii. prazo para recurso – 5 dias úteis – e dispositivo legal (art. 109, “f”, da Lei nº 8.666/93);
iv. informação sobre o acesso aos autos e sobre o local para protocolo do recurso.”
Os recursos contra a decisão que aplica a penalidade contratual são regulados pelo art. 109 da Lei nº 8.666/93, podendo assim ser sistematizados:
i. Recurso Hierárquico da decisão que aplica as penas de advertência, suspensão temporária e multa (art. 109, I), com prazo de 5 (cinco) dias úteis para sua apresentação;
ii. Representação, também no prazo de 5 dias úteis, nas hipóteses em que não couber o recurso hierárquico (art. 109, II);
iii. Reconsideração, no prazo de 10 dias úteis, de decisão de Ministro de Estado, Secretário Estadual ou Municipal, que declare inidoneidade da empresa.”
Sobre o termo inicial e final do prazo para apresentação de recurso, o art. 110, da Lei nº 8.666/93 prevê que “na contagem dos prazos estabelecidos nesta Lei, excluir-se-á o dia do início e incluir-se-á o do vencimento, e considerar-se-ão os dias consecutivos, exceto quando for explicitamente disposto em contrário”.
O recurso, então, deve ser encaminhado à autoridade que proferiu a decisão, que poderá reconsiderá-la, acolhendo as razões apresentadas pela empresa, ou manter a decisão. Dito de outra forma, após o recebimento do recurso, a autoridade julgadora deverá analisar as razões encaminhadas pela contratada, podendo se retratar da decisão anterior ou mantê-la pelos próprios fundamentos.
Entendemos que, em observância ao princípio da motivação, a autoridade julgadora deve expressar de forma clara o seu juízo sobre a possibilidade de retratação. Assim, caso decida por reconsiderar seu julgamento, seja para diminuir, seja para extinguir a penalidade aplicada, faz-se imprescindível motivar a decisão, fundamentando-a nos elementos de fato e de direito apresentados pela recorrente.
Outrossim, decidindo-se por não reconsiderar a decisão tomada, sugerimos que o faça expressamente, sendo possível a utilização de fórmulas semelhantes às utilizadas pelos magistrados, no âmbito do processo judicial, tal como: “não havendo inovação fática, mantenho a decisão pelos próprios fundamentos”.
Não havendo reforma da decisão, o processo deve ser encaminhado à autoridade administrativa hierarquicamente superior para julgamento do recurso, no termos do art. 109, § 4o::
“O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, ou, nesse mesmo prazo, fazê-lo subir, devidamente informado, devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade.”
No que se refere à autoridade competente para o julgamento do recurso, entendemos que o procedimento não deve correr “intramuros”, devendo a instância recursal ser de fora da entidade aplicadora da sanção.
Na fase recursal, entendemos ser possível a juntada de novos documentos, em razão do previsto pelo art. 60, da Lei nº 9.784/99 (“no qual o recorrente deverá expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes.”), sob pena de macularmos o princípio da ampla defesa.
No que se refere aos efeitos do recurso, o art. 109, § 2º, Lei nº 8.666/93 prevê que:“(…) podendo a autoridade competente, motivadamente e presentes razões de interesse público, atribuir ao recurso interposto eficácia suspensiva aos demais recursos.”).
Previsão semelhante foi prevista pelo art. 61 da Lei nº 9.784/99:
“Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.
Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.”
Percebe-se, portanto, que a regra geral é a de que o recurso possua apenas efeito devolutivo, ou seja, o de devolver a causa ao mesmo julgador ou à autoridade superior para examinar a decisão questionada, dando-se plena eficácia à decisão.
Contudo, havendo razões de interesse público ou receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá dar efeito suspensivo ao recurso, prolongando o estado de ineficácia da decisão. Dito de outra forma, nessas situações, enquanto não for julgado o recurso, a decisão impugnada não produzirá qualquer efeito.
Ao receber o recurso, a autoridade competente, caso não exerça o juízo de retratação, deverá expressar de forma clara se o recebe apenas no efeito devolutivo, dando aplicação imediata à decisão impugnada, ou também no efeito suspensivo, nos casos de receio e prejuízo de difícil ou incerta reparação à empresa penalizada.
No que se refere ao julgamento do recurso, vejamos o que dispõe a Lei nº 9.784/99:
“Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.
Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.”
Como se depreende dos dispositivos supracitados, cabe à autoridade competente empreender verdadeiro reexame da questão recorrida, em decorrência do já mencionado efeito devolutivo do recurso. Em tal reexame poderá haver confirmação, modificação, anulação ou, até mesmo, revogação, total ou parcial da decisão recorrida.
Importa ressaltar que é possível, inclusive, que haja o agravamento da penalidade aplicada à empresa, caso se verifique que a infração cometida merece ser repreendida com maior rigidez. Nesse caso, será imprescindível a notificação do recorrente para que exerça novamente o contraditório e a ampla defesa antes da decisão, sob pena de nulidade.
Caso haja dúvida jurídica quando da análise pela autoridade julgadora, o procedimento pode ser encaminhado ao órgão de assessoria jurídica por meio de despacho, no qual seja especificado o objeto da consulta, fazendo-se menção aos dispositivos legais envolvidos bem como às interpretações legais divergentes existentes no âmbito da administração que justifiquem a existência da dúvida. Conforme já afirmado, o Parecer Jurídico analisará apenas a questão da legalidade do procedimento, não podendo substituir o administrador em sua tomada de decisão quanto à aplicação ou não da penalidade, bem como quanto à dosimetria da pena a ser aplicada, desde que respeitada a proporcionalidade.
Após o julgamento do recurso, a empresa deve ser novamente notificada, devendo tal notificação conter:
i. “resultado do julgamento. Pode copiar o dispositivo da decisão (“Ante o exposto, conheço o recurso e nego-lhe provimento (ou dou-lhe provimento);
ii. cópia decisão (se for usada “técnica de concordância” cópia da decisão referida também deverá constar).”
Ressalta-se, ainda, que não é cabível representação (art. 109, II, da Lei nº 8.666/93) contra a decisão recursal. Não existe, portanto, direito a uma terceira instância recursal na esfera administrativa. O pedido de reconsideração, previsto pelo art. 109, III, da Lei n. 8.666/93, é cabível somente contra a declaração de inidoneidade (art. 87, IV).
Por fim, uma vez notificada a empresa, registra-se a penalidade no SICAF (se for o caso) e arquiva-se o processo, neste sentido:
“Art. 38. O órgão ou entidade integrante do SISG, ou que aderiu ao SIASG, responsável pela aplicação de sanção administrativa, prevista na legislação de licitações e contratos, deverá registrar a ocorrência no SICAF. (IN SLTI/MPOG nº 02/2010).”
No que se refere à publicação da Decisão, deve-se observar o disposto pela Lei n 8.666/93:
“Art. 109. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:
I – recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, nos casos de:
a) habilitação ou inabilitação do licitante;
b) julgamento das propostas;
c) anulação ou revogação da licitação;
d) indeferimento do pedido de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento;
e) rescisão do contrato, a que se refere o inciso I do art. 79 desta Lei;
f) aplicação das penas de advertência, suspensão temporária ou de multa; (…)
§ 1o A intimação dos atos referidos no inciso I, alíneas "a", "b", "c" e "e", deste artigo, excluídos os relativos à advertência e multa de mora, e no inciso III, será feita mediante publicação na imprensa oficial, (…)”
Sendo assim, apenas a notificação dos atos correspondentes à pena de suspensão temporária e à declaração de inidoneidade será feita mediante publicação na imprensa oficial.
Outrossim, caso se decida também por rescindir o contrato, a publicação de tal ato é obrigatória, caso contrário, o contrato ainda continuará juridicamente produzindo efeitos.
Como, além das penalidades administrativas cabíveis, o contratado fica sujeito, ainda, às demais sanções civis e penais previstas em lei, o procedimento deve ser remetido ao Órgão Jurídico, nos casos de danos ao patrimônio público, ou mesmo para a cobrança da multa não paga espontaneamente, e ao Ministério Público Federal, quando houver indícios da prática de crime contra Administração Pública.
Por fim, é válido ressaltar que os Processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Em sumária conclusão, entendemos que medidas de uniformização de procedimentos no âmbito da Administração Pública é medida de extrema relevância para o desenvolvimento de suas atividades, sobretudo nos casos de processos administrativos punitivos, pois estes incidem sobre direitos e garantias fundamentais, restringindo-os.
Sendo assim, a adoção de um fluxograma para apuração de infrações e aplicação de penalidades nos contratos administrativos em âmbito federal, de forma a uniformizar o procedimento a ser adotado, evitaria demandas judiciais que culminassem com a anulação dos atos praticados, o que traria prejuízos tanto para Administração Pública quanto para os administrados.
Informações Sobre o Autor
Chiara Michelle Ramos Moura da Silva
Mestre em Direito pela UFPE; Procuradora Federal no exercício da chefia da PF/IFRR; Coordenadora da Escola da AGU-RR; Coordenadora de Matéria Administrativa da PF/RR; Professora da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual e do Foco Concursos