Ementa: Proposta de criação de Programa de Demissão Voluntária para empregados de empresas públicas em liquidação. Viabilidade. Economicidade da medida. Implicações jurídicas. Posição do Tribunal Superior do Trabalho.
RELATÓRIO
1. Trata-se de estudo desenvolvido pelo Liquidante de empresa pública em liquidação do Estado de Goiás, acerca da viabilidade de rescisão dos contratos de trabalho dos empregados públicos originariamente contratados por empresas em liquidação que, em decorrência do fenômeno da sucessão trabalhista (art. 10 e 448 da CLT), passaram a compor os quadros de autarquias do Estado de Goiás.
2. No Ofício nº 371/07-SG-CL, informa o Liquidante que o Sindicato dos Trabalhadores XXX formulou consulta ao Ministério Público Federal com o fito de saber quais os direitos dos empregados de determinada empresa pública em liquidação do Estado de Goiás foram abrigados pela autarquia estadual XX, considerando que tal Agência enquadrou tais servidores em Plano de Cargos e Salários transitório.
3. Temendo reivindicações futuras decorrentes de tal medida, o Sr. Liquidante sugere, no documento de fls. 04/05, a rescisão dos contratos dos referidos empregados públicos celetistas mediante programa de demissão voluntária.
4. Apresenta, por derradeiro, como fundamentos para tal proposta, a redução de despesas com pessoal e com demandas trabalhistas, colimando adequação à Lei de Responsabilidade Fiscal e diminuição de condenações judiciais emanadas de dissídios coletivos de trabalho, incorporação de benefícios etc..
5. É o relatório, passo à análise do pedido.
FUNDAMENTAÇÃO.
6. O Programa de Demissão Voluntária (PDV) se consubstancia como um mecanismo de incentivo financeiro dado pelo empregador a seus empregados, com objetivo de incentivar pedidos de resilição contratual pelos obreiros.
7. Os PDVs são, portanto, instrumento de enxugamento de pessoal, que decorrem da falta de interesse do empregador na manutenção de determinada mão-de-obra, e que visam desencadear pedidos de demissão mediante pagamento de uma indenização baseada no tempo de serviço do trabalhador, vale dizer, em troca do pedido de dispensa voluntária do obreiro, este é compensado monetariamente, segundo o período de labor já prestado ao empregador.
8. Inicialmente, é importante assinalar que o empregado não é obrigado a aderir ao PDV estabelecido pelo empregador. Compete, portanto, ao obreiro, após seu juízo de conveniência, decidir se postula ou não seu pedido de demissão.
9. Pois bem. Impende notar que doutrina e jurisprudência se digladiam acerca das extensão e das conseqüências da adesão ao PDV. O Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, editou orientação jurisprudencial nº. 270, firmando posição no sentido “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo“.
10. A confusão exsurge, sobretudo, da cizânia existente sobre a segunda parte do enunciado da OJ, porquanto equipara as rescisões por PDV às demissões sem justa causa, cuja quitação vem sendo restringida pelo Súmula 330:
“A quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas.
I – A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, conseqüentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que estas constem desse recibo.
II – Quanto a direitos que deveriam ter sido satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho, a quitação é válida em relação ao período expressamente consignado no recibo de quitação.”
11. O ordenamento juslaboral vigente na atualidade impõe, como requisito de eficácia da dissolução voluntária do contrato de trabalho por tempo indeterminado, a homologação do instrumento rescisório por órgãos competentes a prestarem assistência ao empregado.
11. Submetido a tal procedimento, consuma-se a quitação dos valores discriminados no documento, prevendo-se, ainda, a eficácia liberatória das parcelas nele consignadas, em favor do empregador.
12. Presume-se, pois, a veracidade das informações contidas no termo rescisório, dando-se plena quitação às parcelas e valores nele discriminados. É o que dispõe o § 2º do art. 477 da CLT, que exige, para tanto, que o documento especifique a natureza e o valor de cada parcela paga. Tal medida compartilha do mesmo desiderato da vedação ao salário complessivo (Súmula nº. 91, TST) no curso da relação de emprego, qual seja, a possibilidade de se aferir, detalhadamente, o adimplemento das parcelas a que faz jus o empregado.
13. No que concerne à amplitude que se deve empregar ao termo quitação referido na súmula, a posição sedimentada é que esta incide sobre as parcelas e não somente sobre os valores.
14. Quanto à expressão “eficácia liberatória”, o primeiro inciso do entendimento sumulado explicita que não só as parcelas não discriminadas como também os seus reflexos poderão ser pleiteados judicialmente, mesmo que estes recaiam sobre parcelas indicadas no termo rescisório homologado.
15. É o caso, por exemplo, de reconhecimento judicial do direito ao obreiro de perceber adicional noturno após a extinção do contrato. Faz jus o obreiro ao pagamento dos reflexos desta parcela sobre outras de natureza rescisória (13º salário proporcional, férias proporcionais + 1/3, FGTS + 40%), mesmo que já quitadas por decorrência da homologação.
16. O inciso segundo, por sua vez, enuncia que não se concebe a quitação sobre todas as parcelas indiscriminadamente, nem, tampouco, exclui as parcelas que se referem à fluência do contrato de trabalho. A quitação às parcelas é adstrita, portanto, àquelas descritas no recibo, mas no que tange às decorrentes da vigência do contrato de trabalho, o seu alcance é limitado ao período mencionado expressamente no documento. Portanto, ao se fazer constar horas extras no termo rescisório homologado, não significa dizer que a mesma foi quitada em relação a todo o contrato de trabalho, mas tão-só quanto ao interregno indicado, não se aplicando a eficácia liberatória sobre a parcela.
17. Nesta senda, a eficácia liberatória seria a abstenção de responsabilidade do empregador (liberação) sobre as parcelas quitadas, quais sejam, aquelas discriminadas no termo rescisório, como efeito decorrente da homologação (eficácia).
18. Pois bem. Parte considerável da doutrina e jurisprudência tem entendido que empregado que opta por aderir ao PDV deve receber, além das parcelas rescisórias, indenização liberal do empregador. Neste sentido, vejamos jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho:
19. A indenização decorrente do PDV deve, portanto, conglobar em seus valores: 1) a compensação pelo o período futuro a que o obreiro está dispondo, vale dizer, o tempo de trabalho a que está renunciando em face da demissão voluntária, bem como 2) abranger as parcelas decorrentes da própria cessação do contrato de trabalho. Quanto ao primeiro valor, opera-se, pois, verdadeira transação, porquanto presente a incerteza (res dubia) no pertinente a determinados direitos ou obrigações patrimoniais, com a extinção das mesmas mediante concessões recíprocas. Por sua vez, o pagamento das verbas rescisórias destina-se ao adimplemento de parcelas que emanam, ipso facto, do próprio pedido de demissão do obreiro.
20. Destarte, ab initio, nos parece equivocado o cálculo feito na sugestão de fls. 04/05, porquanto contabiliza, para efeito de valor pago a título de PDV, apenas as verbas rescisórias de cada obreiro. Desta forma, não nos parece crível que os ex-empregados das empresas públicas em liquidação irão aquiescer em dispor do emprego que ocupam nas agências/autarquias sucessoras, em função do simples pagamento de verbas rescisórias que, frise-se, decorreria de “pedido de demissão” e não da vantajosa forma de dispensa “sem justa causa”.
21. Frise-se também, por pertinente, que o pagamento indenizatório e das verbas rescisórias mediante PDV não implica numa “blindagem” contra futuras demandas objetivando outros pedidos decorrentes da relação de emprego, v.g., indenizações por danos matérias e morais por acidente do trabalho, horas extras, adicionais de insalubridade e periculosidade e conseqüentes reflexos nas parcelas salariais etc.. (cf. exposto no item 19 deste parecer).
22. Aliás, neste sentido, há, atualmente, no Brasil, uma pletora interminável de demandas trabalhistas em que, empregados que aderiam pregressamente a PDVs, formulam pretensões não agasalhadas pela transação extrajudicial operada. O resultado de tais reclamatórias tem sido único: a condenação do empregador ao pagamento de tais parcelas, senão vejamos:
23. E o cenário para o empregador não poderia ser pior, vez que, invariavelmente, os pretórios trabalhistas não só reconhecem o direito do pólo obreiro a tais parcelas, como afastam possível compensação entre o valor indenizatório anteriormente pago e aquelas adquiridas no “curso da relação de emprego”, vale dizer, o empregador não pode abater o valor indenizatório pago ao ensejo do PDV com parcelas de índole empregatícia (v.g. horas extras). Com a palavra o TST:
25. É flagrante, pois, o desestímulo aos empregadores na adoção de programas de demissão voluntária, pois, em vista do que vem decidindo o Tribunal Superior do Trabalho, são diminutas suas vantagens.
26. Nestes termos, a transação extrajudicial operada entre empregado e empregador, por força de adesão ao PDV, não importa em “pá de cal” nas discussões de tal vínculo laboral, como se levianamente se poderia crer. Vale dizer, o trabalhador que adere a programa de demissão voluntária pode, com base no principio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88), ajuizar reclamação trabalhista visando à satisfação de quaisquer direitos ou diferenças que entender devidas, malgrado tenha recebido os benefícios do PDV sob o compromisso de nada mais exigir do empregador.
27. Pode, em suma, postular “parcelas não consignadas no recibo de quitação e seus reflexos em outras parcelas, ainda que estas constem desse recibo” (s. 331, I do TST). Pode vindicar direitos que “deveriam ter sido satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho” e que não foram abrangidos pelo período “expressamente consignado no recibo de quitação” (art. 331, II do TST).
28. Consigne-se, ainda, que nos termos em que a sugestão de valores indenizatórios de fls. 04/05 foi formulada, vale dizer, indenização calculada sobre o “valor estimado das verbas rescisórias” (cf. item 24), o obreiro pode, ainda, ajuizar reclamatória invocando que a transação perpetrada padece de nulidade, porquanto desproporcional, pelo que pleiteia o acréscimo do valor pago.
29. Portanto, a nosso juízo, o próprio instituto do Programa de Demissão Voluntário não é atraente do ponto de vista financeiro e jurídico. Isto porque, tal sistema de incentivo à demissão voluntária não atinge seu escopo, qual seja, diminuir despesas de pessoal do empregador, mas sim, ao revés, consubstancia em verdadeira armadilha ao pólo patronal que, em razão sobretudo do entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (s. 331 c/c Oj 270 da Sdi-1), ingressa num verdadeiro cipoal dispendioso de reclamatórias trabalhistas movidas pelos seus ex-empregados, com rediscussão de direitos e valores que supostamente deveriam estar acobertados pela transação operada pela adesão ao PDV.
CONCLUSÃO
30. Ante o exposto, entendo não ser vantajosa que a sugestão (fls. 04/05) de implantação de Programa de Demissão Voluntária –PDV aos empregados públicos originariamente contratados por empresas em liquidação que, em decorrência do fenômeno da sucessão trabalhista (art. 10 e 448 da CLT), passaram a compor os quadros de autarquias estaduais, nos termos da fundamentação supra.
É o parecer, s.m.j.
Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG
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