1. Introdução
A cada vez que é lançado um novo projeto, tendente a buscar diminuição de tempo na tramitação dos processos judiciais, nós, Operadores do Direito, temos o dever de ombrear tais idéias eis que, a final, servirão para abreviar a entrega da Prestação Jurisdicional aos nossos clientes.
Por outro lado, é cediço que nosso Judiciário enfrenta, nos dias atuais, severas críticas em razão dessa mesma tentativa de celeridade eis que, a cada dia, estão sendo proferidas Sentenças repletas de inconsistências, tanto jurídicas quanto fáticas. Afinal, não vamos nos enganar, o instituto do ‘copia e cola’ também está ativo no âmbito do Estado Juiz.
Por conta disso, não raras as decisões que, invariavelmente, são enfrentadas mediante Embargos Declaratórios, haja vista apresentarem-se completamente despidas dos necessários caracteres indispensáveis à compreensão ou, até mesmo, ao salutar exercício do constitucional direito à ampla defesa e ao contraditório.
Decisões conflitantes entre a fundamentação e o dispositivo, decisões obscuras quanto à própria fundamentação ou, até mesmo, sem essa, impedem, sim, que as partes intentem levar suas razões às Cortes Superiores.
Aliás, o permissivo da Lei nº 9.099/95, tem orientado os Juízes Recursais a serem tão sucintos em suas fundamentações que, alguns, até esquecem de fazê-las, especialmente quando reformam a Sentença de Primeiro Grau.
E nós, advogados militantes, temos que conviver com essas idiossincrasias, tentando contorná-las de forma a não prejudicar o direito de nossos clientes e, ainda, manter a certeza de que o Poder Judiciário deve, afinal, ser maior do que os seres humanos que o compõe.
Exatamente por isso é que, então, vale discorrer sobre o atual projeto lançado pelo Programa de Educação e Proteção Ambiental e Responsabilidade Social do T.J.R.S. (ECOJUS) e pelo Núcleo de Inovação Judiciária da Escola Superior da Magistratura, com aprovação do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça.
O Projeto ‘Petição 10, Sentença 10’, pretende que os Operadores do Direito (Advogados, Magistrados e Promotores de Justiça), limitem suas petições e sentenças ao máximo de dez laudas.
Mas, surge então o questionamento: a diminuição do número de páginas, nos trabalhos jurídicos, não irá reduzir, também, a qualidade deles?
Forçoso discorrer sobre o tema.
2. A construção jurídica nas petições iniciais
É cediço, para os Operadores do Direito, que ao buscar a Tutela Jurisdicional na defesa ou materialização de um direito ferido, forçoso se faz a exposição dos fatos e, com base neles, a demonstração do direito o qual, a final, pretenda ver abrigado pela Sentença.
Todavia, não basta apenas isso, eis que na grande maioria das vezes o bem jurídico disputado não encontra uma lógica fórmula legal, essa traduzida pelas normas jurídicas ordenadamente postas na legislação vigente, situação que conduz à necessidade de enquadramento dos fatos concretos às normas, positivadas ou consuetudinárias.
Então, resta aos Operadores do Direito, especialmente os Advogados, a necessária construção jurídica, onde deverão demonstrar aos Magistrados que os fatos narrados podem sim subsumirem-se à determinada norma ou normas, apontando assim para a possibilidade de Tutela Jurisdicional.
Segundo Amaral Santos apud Humberto Theodoro Jr.[1]:
“[…] petição inicial e sentença são os atos extremos do processo. Aquela determina o conteúdo desta. Sententia debet esse libello conformis. Aquela, o ato mais importante da parte, que reclama a tutela jurídica do juiz; esta, o ato mais importante do juiz, a entregar a prestação jurisdicional que lhe é exigida.”
Ora, se ambas as peças são, invariavelmente, as mais importantes do processo, logicamente que deverão conter todos os elementos necessários, visando assim o deslinde do caso.
O já referido Humberto Theodoro Júnior assevera que a Petição Inicial é o veículo de manifestação formal da demanda “[…] que revela ao juiz a lide e contém o pedido de providência jurisdicional, frente ao réu, que o autor julga necessária para compor o litígio.”[2]
Assim, deverá a Exordial trazer ao Estado Juiz todos os elementos fáticos, bem como sua adequação (ou a pretendida adequação) à norma jurídica, construção pretoriana ou doutrinária, apontando ao final, os pedidos que pretende ver tutelados e materializados.
Quanto à Sentença, especialmente no que diz respeito à parte de motivação, considerada pela Doutrina como segunda etapa da decisão, cumpre trazer o ensinamento de José Frederico Marques:
“[…] o magistrado, examinando as questões de fato e de direito, constrói as bases lógicas da parte decisória da sentença. Trata-se de operação delicada e complexa em que o juiz fixa as premissas da decisão após laborioso exame das alegações relevantes que as partes formularam, bem como do enquadramento do litígio nas normas legais aplicáveis.”[3].
Assim, é nessa parte do decisum que o Juiz, ao por fim à lide, deverá trazer todos os elementos que o levaram ao convencimento por aquela decisão.
Ora, é inegável que, hoje em dia, existem inúmeros casos cujos fundamentos fáticos são, se não exatamente iguais, extremamente semelhantes entre si. Especialmente quando se trata de direitos dos consumidores. O exemplo mais claro são as ações indenizatórias motivadas por indevidas inscrições negativas em bancos de dados de restrição creditícia.
Tais casos, amiúde, são ajuizados perante os Juizados Especiais Cíveis, estaduais ou federais, sendo certo que as petições iniciais, tanto quanto as sentenças, trazem argumentos e enquadramento legal tão semelhantes que poderíamos dizer serem formulárias.
Para tanto, aliás, surgiu em boa hora o artigo 46, da Lei dos Juizados Especiais, que orienta para uma fundamentação sucinta nas Sentenças. Do mesmo modo, também, o artigo 38, do referido Diploma Legal, dispensando o relatório.
Mas, cabe sempre frisar, em nenhum caso é dispensado o lançamento dos elementos de convicção do juiz, especialmente quando o julgamento no Segundo Grau de Recurso modificar a Sentença a quo.
Vale dizer: o Juiz deverá, sempre, demonstrar as razões pelas quais decidiu desta ou daquela forma, embora, em alguns casos (p.e. nos casos de infortunística), não esteja adstrito aos fundamentos das pretensões deduzidas pelas partes. É a aplicação dos Princípios ‘Narra mihi factum dabo tibi jus’ e ‘Jura, novit Curia’, que permitem ao Juiz adequar o pedido da parte ao direito pretendido, ante os fatos narrados, sem que isso importe em julgamento extra-petita.
A par de tudo isso, todavia, milita em favor da parte postulante, e tal sempre deverá ser homenageado, o direito constitucional plasmado no artigo 5º, inciso XXXV, o qual determina ao Poder Judiciário o dever de examinar qualquer lesão ou ameaça a direito.
Por conta de tal norma, cabe aos Operadores do Direito, sempre, buscarem a melhor forma de demonstração do direito de seu cliente, inclusive inovando em matéria jurídica, perseguindo assim construções pretorianas com base nas fontes alimentadoras do Direito: Norma, Costumes e Doutrina.
Então, resta ainda a pergunta: a limitação do número de páginas, tanto na Petição Inicial quanto na Sentença, estará a contribuir para a construção do Direito?
Cabe seguir o estudo.
3. A melhor demonstração do direito
Como já referido anteriormente, a discussão de uma tese, tanto quanto uma monografia, não pode ficar adstrita a tal limitação de páginas que possa resultar em perda de qualidade ou, ainda, que corra o risco de não ser bem entendida pelo destinatário, ou seja, o Estado Juiz.
Embora, normalmente e no meio acadêmico, não haja uma quantidade pré-estabelecida de páginas, é cediço que a discussão monográfica deve conter tantas laudas quanto bastem para esclarecer o destinatário, de tal sorte que, ao final da leitura, ele tenha elementos suficientes para exercer um juízo de valor sobre o assunto.
Do mesmo modo, claro, deve agir o Operador do Direito quando defende sua tese em Juízo.
Mas, diferentemente de um ensaio monográfico, onde as questões invariavelmente são empíricas, no que diz respeito à busca da Tutela Jurisdicional, o caso é concreto e os fatos postos perante o Estado Juiz, narrados na Petição Inicial, dizem com a busca da materialização do direito, ou seja, não há espaço para reconsiderações, mormente em face dos estatutos de preclusão, prescrição, decadência, etc.
Logo, caso o Advogado deixe de mencionar esse ou aquele fundamento, bem assim releve a brevíssimos parágrafos as razões de fato que deverão sustentar o direito de seu Cliente, não mais poderá fazê-lo no curso do processo, após a citação da parte contrária, sob pena de inovação e ofensa à estabilidade processual.
Nesse passo, cumpre discorrer que a exposição de teses, então, deve atender a uma estrutura escrita tal que, com toda a certeza, aponte a adequação dos fatos narrados ao direito posto no Ordenamento Jurídico.
E tal estrutura, claro, deve conter os argumentos, as citações doutrinárias, as jurisprudenciais e as legislativas.
Todos esses elementos farão parte da Petição Inicial.
Obrigatoriamente.
E não só da Exordial.
A Sentença também deverá conter aqueles elementos indispensáveis para sua validade, como já referido anteriormente.
Afinal, quando cabível, é dela que a parte descontente irá recorrer o que, evidentemente, somente poderá ser feito caso tais elementos de composição estejam presentes e bem demonstrados. Tanto assim que, quando não atendidos ou ausentes, surge para a parte o direito a interposição de Embargos Declaratórios (artigo 535, C.P.C.).
Infelizmente, o que a prática tem constatado é a crescente necessidade de tal expediente, o que certamente não contribui para a eternamente perseguida celeridade processual.
Assim, também se torna imprescindível que as Sentenças contenham tantas laudas quanto necessárias para a entrega efetiva da Prestação Jurisdicional, sem que induzam a provocação de quaisquer outros incidentes, como os Embargos Declaratórios.
Logo, certo é que a limitação ao número de laudas poderá, invariavelmente, conduzir também à perda de qualidade no trabalho do Juiz.
4. O fator humano
A par de tudo quanto acima foi exposto, resta indubitável que a limitação ao número de páginas, tanto no que diz respeito à Petição Inicial, quanto à Sentença, poderá sim contribuir para a melhoria na qualidade de vida, a diminuição do impacto ambiental causado pela utilização do papel, tinta, energia elétrica, etc.
Porém, há outros fatores que devem ser levados em conta.
O principal deles é com certeza o fator humano.
Certo é que o Projeto em análise não é obrigatório ou, ainda, não é vinculante. A princípio.
Como tudo em Direito, o costume faz a norma.
A adesão ao Projeto, com o tempo, irá inferir nas pessoas certa aversão às petições extensas, mesmo que essas tragam ao Judiciário a defesa de teses.
Ora, e não vamos aqui dar azo à hipocrisia, quando são ajuizadas ações consideradas repetitivas (p.e. indenizatórias por indevida inscrição nos órgãos de restrição ao crédito), a ferramenta ‘copiar/colar’ atua tão fortemente que, até nas Sentenças, os Magistrados (ou seus assessores) cometem enganos, ‘colando’ partes de outras decisões sem, contudo, corresponderem ao caso concreto sub exame.
Certo é que, nesses casos, as Petições Iniciais ficam tão extensas a ponto de gerar no Julgador a vontade de ‘pular’ aquelas partes que entende como repetitivas… E esse é o fator humano que irá, ao final, impor que todas as Petições Iniciais sejam limitadas a dez laudas.
Claro, fosse nosso sistema processual como é o norte-americano, mencionado no sítio do Projeto como ‘Curiosidades’, a limitação de páginas e a necessária concisão jamais seriam óbices à construção do Direito.
É que, lá, todas as questões, inclusive as cíveis e desde o Primeiro Grau, são expostas oralmente, em franco debate e perante um corpo de jurados composto para tal, proporcionando assim que novas teses sejam livremente apreciadas e julgadas de acordo.
Aqui, esse tipo de sustentação oral somente é possível perante o Tribunal de Apelação, ou seja, no Segundo Grau de Jurisdição, quando já vencida a matéria e esgotada a fase de instrução.
Vale dizer: a concisão das petições norte-americanas em nada guarda semelhança com a proposta lançada no Projeto em debate.
5. Conclusão
Assim, ainda que o fator humano concorra para o entendimento de que a limitação deva ser obrigatória, necessário sempre ter presente a proposta e o fundamento do Projeto eis que, segundo os idealizadores, não pretendem “[…] simplificar o que é complexo, mas não complicar o que pode ser exposto em poucas páginas.”[4].
Então, caso o bem jurídico que pretende ver tutelado possa ser exposto ao Estado Juiz em algumas poucas páginas, salutar será, a bem da celeridade processual e na defesa do meio ambiente, exercitar a concisão, através da objetividade e da clareza.
Todavia, em sendo complexa a questão, far-se-á necessário pedir vênia à tão festejada proposta para, enfim, deduzir em Juízo aquilo que o ser humano guarda como mais sagrado: seu direito de ser ouvido pelo Poder Judiciário, eis que não está ali apenas para gastar o tempo, está ali sim para buscar a Tutela Jurisdicional, defendendo ou requerendo um bem jurídico.
Mas essa questão pedagógica não pode ser interiorizada apenas na Petição Inicial.
A concisão, no que diz respeito às Sentenças, também não pode servir de desculpas para, então, liberar as peças decisórias daquilo que, a toda prova, representa a materialização das pretensões das partes, ou seja, o relatório (quando exigido), a fundamentação e o dispositivo deverão, sim, ser tão extensos quanto for a matéria examinada, sem deixar dúvidas ou obscuridades.
Do contrário, a celeridade processual também sofrerá refreios, eis que nesses casos, far-se-ão necessários os Embargos Declaratórios.
Dessarte, antes de festejar qualquer adesão ao Projeto ‘Petição 10, Sentença 10’, devemos sim pôr a mão na consciência para, assim o fazendo, buscar no Poder Judiciário, não apenas maior celeridade, menor complexidade ou, ainda, menos trânsito de papéis, é necessário sim aprimorar a atuação, tanto de Advogados quanto de Juízes, diminuindo falhas e corrigindo excessos.
Somente assim a Prestação Jurisdicional poderá alcançar, com toda sua pujança, a verdadeira Justiça que se espera.
[1] Theodor Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 326
Informações Sobre o Autor
Paulo Ricardo Fernandes Corrêa
Advogado, sócio do escritório Corrêa & Nogueira, Advogados