Prolegômenos sobre a tendência de vinculação das decisões administrativas no Brasil à luz da normatização recente

Resumo: Analisa o despertar de uma tendência de uniformização e vinculação de decisões emanadas por órgãos administrativos colegiados superiores, notadamente o Conselho de Recurso da Previdência Social (CRPS), no âmbito do Sistema Nacional da Seguridade Social, e, no âmbito do Ministério da Fazenda, dos Conselhos de Contribuintes (CC) e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).


1. INTRODUÇÃO.


O advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 (EC nº 45/2004) trouxe inúmeras alterações em nossa Carta Magna, notadamente, relativo ao Judiciário brasileiro. Críticas e elogios à parte, referida norma introduziu, entre outros dispositivos, o art. 103-A e parágrafos em nosso ordenamento jurídico instituindo a súmula vinculante.


Por esse dispositivo legal, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir da data de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, na três esferas de governo, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.


Lima, Marques e Aguiar (2007:2) conceituam súmula como sendo uma “síntese dos julgamentos tomados em dado sentido pelos membros de um determinado tribunal, condensados em enunciados aprovados pela maioria absoluta de seus membros. Em outras palavras, significa o conjunto de enunciados que sufragam idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório”.


Antes da “reforma do judiciário”, as súmulas editadas, notadamente pelo STF, não possuíam caráter vinculante, muito embora servissem de base para as demais instâncias e orientação para quase a unanimidade dos julgados sobre a respectiva matéria.


Assim, desde a publicação da EC nº 45/2004, os enunciados contidos nas súmulas do STF possuem caráter normativo:


“Dessa forma, na atual configuração, não poderão tais entes [do Poder Judiciário] afastar-se da proposição contida na súmula, a qual, embora limitada em seu objeto e no grau de generalidade e abstração, possui evidente caráter normativo, tanto que, nos termos do parágrafo 3º do próprio art. 103-A da Constituição Republicana, o desvio da orientação preconizada na súmula desafiará o manejo de reclamação perante a Corte Suprema, a qual poderá, se for o caso, cassar a decisão proferida ou anular o ato administrativo”. (LIMA, MARQUES E AGUIAR, Loc. Cit.)


A súmula vinculante tem, pois, como objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, a cerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processo sobre questões idênticas (§1º do art. 103-A).  Ou seja, sua finalidade é uniformidade de julgados sobre determinada matéria, promovendo a celeridade e segurança da prestação jurisdicional e o desafogamento da justiça brasileira.


Por se tratar de dispositivo constitucional de relevância, a súmula vinculante tem considerável espaço na mídia, revistas e livros especializados em direito, bem como, nas discussões jurisprudenciais.


No entanto, observa-se no Brasil uma singela tendência de tornar vinculante as decisões dos órgãos colegiados superiores da administração pública. Porém, o estudo sobre esse fenômeno ainda não possui aprofundamento bibliográfico. É sobre essa tendência que iremos traçar breves comentários.


2. DECISÕES ADMINISTRATIVAS VINCULADAS – A FIXAÇÃO DE UMA NOVA TENDÊNCIA.


Sem prejuízo das demais legislações pertinentes ao assunto deste artigo, tratar-se-á aqui de dispositivos legais referentes ao processo de vinculação das decisões administrativas, face as recentes normas, emitidas pelos seguintes órgãos colegiados: Conselho de Recurso da Previdência Social (CRPS), no âmbito do Sistema Nacional da Seguridade Social, e, no âmbito do Ministério da Fazenda, dos Conselhos de Contribuintes (CC) e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).


2.1. CONSELHO DE RECURSO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (CRPS).


O art. 126 da Lei 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social – com a redação dada pela Lei nº 9.528/97-, versa que das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos processos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes da Seguridade Social caberá recurso para o Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS).[1]


O Decreto nº 3.048/99, que aprova o Regulamento da Previdência Social, dispõe, em sua redação original, que o CRPS, colegiado integrante da estrutura do Ministério da Previdência e Assistência Social, é órgão de controle jurisdicional das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social, nos processos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes da seguridade social (art. 303).


O referido Conselho de Recursos é formado por Juntas de Recursos, Câmaras de Julgamento e Conselho Pleno. Àquelas competem o julgamento em 1ª e 2ª instâncias, respectivamente, e, esse, “previa” a competência para uniformizar a jurisprudência previdenciária através de enunciados.


Em maio de 1999, tanto a Seguridade Social quanto os segurados, possuíam um eficaz instrumento de celeridade processual, cujas características se assemelham à súmula vinculante, isto é: emanados por órgãos colegiados superiores, caráter vinculativo das decisões e aprovada pela maioria dos membros colegiados.


No entanto, sucessivos decretos modificaram a composição e a competência do CRPS[2]. Inclusive, o inciso III do § 1º do art. 303, relativo à uniformização jurisprudencial previdenciária através de enunciados, foi revogado pelo Decreto nº 3.668/00, por isso destacamos a palavra “previa”.


Em outras palavras, o segurado (ou dependente) voltaria a amargar os percalços da excessiva burocratização e percorrer as inúmeras instâncias do processo administrativo previdenciário junto ao Sistema Nacional de Seguridade Social.


Felizmente, o Decreto nº 4.729/03 incluiu o inciso IV ao § 1º do art. 303, restabelecendo ao Conselho Pleno do CRPS a competência para uniformizar a jurisprudência previdenciária através de enunciados, podendo ter outras definidas no Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social.


Atualmente, o CRPS[3] é composto por vinte e nove Juntas de Recursos[4], seis Câmaras de Julgamento[5] e Conselho Pleno[6]. As Juntas e as Câmaras possuem a competência para julgar os processos em 1ª e 2ª instâncias, respectivamente, e o Pleno, como visto acima, a competência para uniformizar a jurisprudência previdenciária através de enunciados.


2.1.1. O procedimento de uniformização da jurisprudência.


Apesar da introdução do inciso IV ao § 1º do art. 303 do Decreto nº 3.048/99, referente à uniformização, não existia no âmbito do Conselho de Recurso, normas que disciplinassem a tramitação dos respectivos enunciados.


A partir da Portaria MPS nº 88/04[7], de 24 de janeiro de 2004, especialmente os artigos 62, 63 e 64, é que houve condições de materializar o caráter normativo vinculante dos enunciados do Conselho Pleno do CRPS. A Portaria nº 88/04 foi revogada pela Portaria nº 323, de 27 de agosto de 2007. Agora o procedimento de uniformização segue os dispositivos dessa nova portaria.


Por sua vez, a Portaria nº 323/07 ratificou, em seu art. 15, I, a competência do Conselho Pleno em uniformizar, em tese, a jurisprudência administrativa previdenciária, mediante emissão de enunciados.


O § 1º do art. 15 de referida Portaria é taxativo: “Os enunciados do Conselho Pleno tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos julgadores do CRPS, sendo vedado a estes decidir casos concretos em sentido diverso”.


O art. 62 da citada Portaria informa que a uniformização, em tese, da jurisprudência administrativa previdenciária poderá ser suscitada para encerrar divergência jurisprudencial administrativa ou para consolidar jurisprudência reiterada no âmbito do CRPS, mediante a edição de enunciados.


Seu § 1º versa que a uniformização em tese poderá ser provocada pelo Presidente do CRPS, pela Coordenação de Gestão Técnica, pela Divisão de Assuntos Jurídicos, por qualquer dos Presidentes das Câmaras de Julgamento ou, exclusivamente em matéria de alçada, por solicitação de Presidente de Juntas de Recursos, mediante a prévia apresentação de estudo fundamentado sobre a matéria a ser uniformizada, no qual deverá ser demonstrada a existência de relevante divergência jurisprudencial ou de jurisprudência convergente reiterada.


Já o art. 63 daquela Portaria informa que a emissão de enunciados, em qualquer hipótese, dependerá da aprovação da maioria simples dos membros do Conselho Pleno e vincula, quanto à interpretação do direito, todos os Conselheiros do CRPS. A interpretação dada pelo enunciado não se aplica aos casos definitivamente julgados no âmbito administrativo, não servindo como fundamento para a revisão destes, isto é, o enunciado possui efeito ex nunc.


O § 2º desse dispositivo alerta que o enunciado poderá ser revogado ou ter sua redação alterada, por maioria simples, mediante provocação das autoridades de que trata o § 1º do art. 62, sempre precedido de estudo fundamentado, nos casos em que esteja desatualizado em relação à legislação previdenciária ou quando sobrevier parecer normativo ministerial, aprovado pelo Ministro de Estado, nos termos da Lei Complementar nº 73/93, que lhe prejudique ou retire a validade ou eficácia.


Quanto ao pedido de uniformização, o art. 64 discrimina que “quando a decisão da Câmara de Julgamento do CRPS, em matéria de direito, for divergente da proferida por outra unidade julgadora em sede de recurso especial, a parte poderá requerer ao Presidente da Câmara de Julgamento, fundamentadamente, que a jurisprudência seja uniformizada pelo Conselho Pleno”.


O § 1º do art. 64 prescreve que a supracitada divergência deverá ser demonstrada mediante indicação do acórdão divergente, proferido nos últimos cinco anos, por outra composição de julgamento da mesma Câmara ou de outra Câmara, ou, ainda, por resolução do Conselho Pleno.


Reconhecida em sede de cognição sumária a existência da divergência pelo Presidente da Câmara, o processo será encaminhado ao Presidente do Conselho Pleno para que o pedido seja distribuído ao relator da matéria.


Do indeferimento liminar do pedido de uniformização, decidido pela Presidência da Câmara de Julgamento, caberá recurso ao Presidente do CRPS, no prazo de trinta dias.


O pedido de uniformização poderá ser formulado pela parte uma única vez, tratando-se do mesmo caso concreto ou da mesma matéria examinada em tese, à luz do mesmo acórdão ou resolução indicados como paradigma.


O Conselho Pleno poderá pronunciar-se pelo não conhecimento do pedido de uniformização ou pelo seu conhecimento e seguintes conclusões:


– decisão válida somente para o caso concreto, mediante edição de Resolução; e


– emissão de enunciado, com força normativa vinculante, quando a solução da divergência for considerada juridicamente relevante e com abrangência a um quantitativo expressivo de casos em situação idêntica, observadas as disposições do art. 63 (supra).


Proferido o julgamento, caso haja deliberação para edição de enunciado, o Conselheiro responsável pelo voto vencedor deverá redigir o projeto de enunciado, a ser aprovado na mesma sessão ou na sessão ordinária seguinte.


O pronunciamento do Conselho Pleno, nos casos de uniformização de jurisprudência, poderá ser adiado, uma única vez, para a sessão seguinte a pedido de, no mínimo, três membros presentes. O pedido de adiamento não impedirá que votem os Conselheiros que se julguem habilitados a fazê-lo.


Os Conselheiros que tenham participado do julgamento na Câmara do CRPS não estão impedidos de julgar o pedido de uniformização no Conselho Pleno.


Desta forma, vimos em linhas gerais a uniformização das decisões administrativas em sede do Conselho de Recurso da Previdência Social e a respectiva vinculação normativa. Agora, analisaremos esse fenômeno no âmbito do Ministério da Justiça, notadamente nos Conselhos de Contribuíntes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais, órgãos colegiados competente para o julgamento em 1ª e 2ª instâncias respectivamente, objetivando identificar pontos convergentes entre os procedimentos, a fim de que tracemos um perfil do instituto tema deste artigo.


CONSELHOS DE CONTRIBUÍNTES (CC) E CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS (CSRF).


Os Conselhos de Contribuintes (CC) e a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) são órgãos colegiados judicantes integrantes da estrutura do Ministério da Fazenda, cujos Regimentos Internos se encontram nos anexos I e II, respectivamente, da Portaria MF nº. 147/2007[8].


2.2.1. Decisões Vinculadas dos Conselhos de Contribuintes.


Conforme o art. 1º de seu Regimento Interno, integram os Conselhos de Contribuintes o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Conselhos que têm por finalidade julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observadas suas competências e dentro dos limites de sua alçada.


Cada CC é composto permanentemente por Secretaria-Executiva, Câmaras e Conselho Pleno. Às Secretarias-Executivas compete o apoio administrativo das atividades do Conselho; às Câmaras o julgamento de recursos de ofício ou voluntário de decisão de primeira instância, conforme os arts. 20 a 23 do seu Regimento Interno (RI). Já, a cada um dos Conselhos Plenos, compete aprovar súmula de jurisprudência do Conselho; e deliberar sobre outros assuntos de interesse do Conselho, que não sejam da competência do Presidente do respectivo Conselho (art. 19, I e II).


O caráter normativo da súmula é taxativamente discriminado no art. 53 do RI, assim considerado:


“Art. 53. As decisões unânimes, reiteradas e uniformes dos Conselhos serão consubstanciadas em súmula, de aplicação obrigatória pelo respectivo Conselho.


§ 1º A súmula será publicada no Diário Oficial da União, entrando em vigor na data de sua publicação.


§ 2º Será indeferido pelo Presidente da Câmara, ou por proposta do relator e despacho do Presidente, o recurso que contrarie súmula em vigor, quando não houver outra matéria objeto do recurso.”


Prima facie, observa-se que o 1º, 2º e 3º Conselhos possuem competência para editarem suas respectivas súmulas, vinculando as decisões proferidas nas respectivas turmas.


O procedimento para a uniformização de jurisprudência se encontra nos artigos 53, 54 e 55 do Regimento Interno dos Conselhos dos Contribuintes.


Pelo art. 54, a condensação da jurisprudência predominante dos Conselhos de Contribuintes em súmula será de iniciativa de qualquer conselheiro, dos Presidentes dos Conselhos de Contribuintes, do Procurador- Geral da Fazenda Nacional ou do Secretário-Geral da Receita Federal do Brasil e depende cumulativamente:


– de proposta dirigida ao Presidente do respectivo Conselho, indicando o enunciado, instruída com pelo menos cinco decisões unânimes, proferidas cada uma em mês diferente, e que não contrariem a jurisprudência da instância especial;


– de parecer da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB);


– de parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN);


– após o parecer da PGFN;


– de que a proposta seja aprovada pelo voto de dois terços do respectivo Conselho Pleno.


Os pareceres da SRFB e PGFN deverão ser encaminhadas nos prazos sucessivos de trinta dias, contados da data de sua solicitação pelo Presidente do Conselho.


Por fim, o art. 55 do RI discrimina que o enunciado de súmula poderá ser revisto ou cancelado por proposta dos Presidentes e Vice-Presidentes dos Conselhos de Contribuintes, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou do Secretário-Geral da Receita Federal do Brasil. A revisão ou o cancelamento do enunciado dependerá da aprovação de, no mínimo, dois terços, do respectivo Conselho Pleno, observando-se, no que couber, os procedimentos para sua edição; e que a revogação de enunciado de súmula entrará em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União[9].


2.2.2. Decisões Vinculadas da Câmara Superior de Recursos Fiscais.


A Câmara Superior de Recursos Fiscais, órgão colegiado judicante, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, tem por finalidade julgar recurso especial e voluntário contra decisão de Câmara de Conselho de Contribuintes (segunda instância) e recurso extraordinário contra decisão de Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (art. 1º do seu RI).


Sua estrutura organizacional é formada pela Secretaria-Geral, quatro Turmas, com a respectiva secretaria, e Pleno (art. 2º), cujas competências estão inscritas nos artigos 6º ao 11.


Da mesma forma que os Conselhos de Contribuintes, a Secretaria-Geral e as secretarias de Turmas são responsáveis pelo expediente administrativo. As Turmas são responsáveis pelo julgamento de decisão não-unânime de Câmara de CC, quando for contrária à lei ou à evidência da prova; e da decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais (art. 7º, I e II).


Compete ao Pleno aprovar súmula de jurisprudência, quando se tratar de matéria que, por sua natureza, for submetida a dois ou mais Conselhos de Contribuintes ou Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais; e deliberar sobre outros assuntos de interesse da Câmara Superior de Recursos Fiscais, que não sejam da competência do Presidente.


A vinculação normativa das súmulas do CSRF é expressa, e está consubstanciada no § 3º do art. 7º e inc. VI do § 2º do art. 17 do seu Regimento Interno:


Art. 7º Compete à Câmara Superior de Recursos Fiscais, por suas Turmas, julgar recurso especial interposto contra: (…..)


§ 3º Não cabe recurso especial de decisão de qualquer das Câmaras que aplique súmula de jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes ou da Câmara Superior de Recursos Fiscais, ou que na apreciação de matéria preliminar decida pela anulação da decisão de primeira instância. (negrito nosso)


Art. 17 Cabe agravo do despacho que negar seguimento ao recurso especial.(…..)


§ 2º Não cabe pedido de reexame de admissibilidade do recurso especial nos casos em que o indeferimento tenha decorrido de:(…..)


VI – observância, pelo acórdão recorrido, de súmula de jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes ou da Câmara Superior de Recursos Fiscais. (negrito nosso)


Art. 39, § 4º – Após a aprovação do Ministro de Estado da Fazenda e publicação no Diário Oficial da União, a súmula terá efeito vinculante em relação à Administração Tributária Federal e, no âmbito do processo administrativo, aos contribuintes. (negrito nosso)


A iniciativa de proposta de súmula das decisões reiteradas e uniformes, de aplicação obrigatória pelas respectivas Turmas do CSRF e Conselhos de Contribuintes, cabe aos membros do próprio Conselho, aos Presidentes dos Conselhos de Contribuintes, ao Secretário-Geral da Receita Federal do Brasil ou do Procurador-Geral da Fazenda Nacional. É interessante ressaltar que a súmula do CSRF (decisão em segunda instância) vincula, inclusive, as decisões dos Conselhos de Contribuintes, envidando em celeridade e segurança jurídica (art. 38).


O § 2º do artigo 38 prescreve que será indeferido pelo Presidente da Câmara, ou por proposta do relator e despacho do Presidente, o recurso que contrarie súmula em vigor, quando não houver outra matéria objeto do recurso, reforçando a vinculação normativa das decisões.


O art. 39 disciplina que para a edição de súmula depende, cumulativamente:


– de proposta dirigida ao Presidente do Pleno ou da Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, de acordo com a matéria objeto da súmula, indicando o enunciado, instruída com pelo menos cinco decisões unânimes, proferidas cada uma em mês diferente;


– de parecer da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB);


– de parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), após o parecer da SRFB; e


– de que a proposta seja aprovada pelo voto de dois terços da respectiva Turma ou do Pleno.


Tanto a emissão de pareceres quanto a aprovação por 2/3 deverão ser encaminhadas nos prazos sucessivos de trinta dias, contados da data de sua solicitação pelo Presidente da Câmara Superior de Recursos Fiscais (§ 1º do art. 39).


Compete ao Pleno da Câmara Superior de Recursos Fiscais apreciar proposta de enunciado de súmula, quando se tratar de matéria que, por sua natureza, for submetida a dois ou mais Conselhos de Contribuintes ou Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais (§ 2º do art. 39).


A súmula que for aprovada pela Turma ou pelo Pleno da Câmara Superior de Recursos Fiscais será submetida ao Ministro de Estado da Fazenda (§3º do art. 39).


Após a aprovação do Ministro de Estado da Fazenda e publicação no Diário Oficial da União, a súmula terá efeito vinculante em relação à Administração Tributária Federal e, no âmbito do processo administrativo, aos contribuintes (§ 4º do art. 39).


Por fim o art. 40 prevê que a súmula poderá ser revista ou cancelada por propostas dos Presidentes e Vice-Presidentes dos Conselhos de Contribuintes, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou do Secretário-Geral da Receita Federal do Brasil, obedecidos os procedimentos previstos para a sua edição.


A revogação de enunciado de súmula entrará em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União.


A observação do procedimento de uniformização de decisões administrativas vinculantes no âmbito do CRPS, CC e CSRF oferece elementos para traçarmos um perfil desse fenômeno da ordem jurídica.


3. CARACTERÍSTICAS DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS VINCULANTES.


Da análise preliminar dos institutos normativos acima expostos, destacam-se as seguintes características das decisões administrativas vinculantes:


– Vinculação decorrente expressamente de lei ou regulamento;


– Decisões exaradas por órgãos colegiados superiores (p. ex.: enunciados/súmulas);


– Objetivo de dirimir divergência ou uniformizar decisões convergentes do próprio colegiado ou de instâncias inferiores;


– Obrigatoriedade de observância das decisões pelo colegiado e instâncias inferiores;


– Aprovação, no mínimo, pela maioria simples do colegiado;


– Adoção de procedimento próprio para unificação de decisões;


– Efeito ex nunc dos julgados;


– Possibilidade de alteração ou revogação das decisões vinculantes;


– Publicação oficial do teor das decisões normativas.


4. CONCLUSÃO


A introdução da súmula vinculante pelo art. 103-A da Constituição Federal resulta em inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais. No entanto, no Brasil está se observando uma tendência de vinculação das decisões administrativas junto aos órgãos colegiados superiores.


É escassa a produção bibliografia sobre esse fenômeno jurídico, apesar de haver registro de sua utilização desde o ano de 1999 com a edição do Decreto nº 3.048/99 que aprova o regulamento da Previdência Social. Apesar da revogação do dispositivo que tratava da vinculação das decisões administrativas pelo Decreto nº 3.452/2000, esse instituto voltou ao cenário nacional, em 2003, com a introdução do inciso IV ao § 3º do art. 303 do Decreto nº 3.048/99.


O fenômeno de vinculação das decisões administrativas tomou corpo em 2007 com a publicação das já estudadas Portarias nos 323/07 (CRPS) e 147/2007 (CC e CSRF). Desta feita, há potencial para que essa tendência se estenda aos demais órgãos da Administração Pública.


A uniformização e vinculação das decisões estudadas materializam-se via edição de enunciados e/ou súmulas com características observadas no item 3 deste artigo. A utilização deste instituto nada mais é que a aplicação direta da clássica teoria do escalonamento da ordem jurídica.


É salutar lembrar que a vinculação das decisões dos órgãos aos enunciados e súmulas não traz prejuízos aos interessados. A Constituição Federal é clara que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (inc. XXXV do art. 5º). Isto é, a edição de súmula ou enunciado vinculante não encerra a discussão jurídica sobre o assunto, apenas informa ao interessado sobre a irretratabilidade do ato no âmbito da Administração Pública.


Esse posicionamento por parte dos órgãos da Administração Pública economiza tempo[10] aos interessados e distribui justiça, na medida em que dificultará diversas interpretações para fatos jurídicos idênticos.


Por fim, se a decisão vinculante favorecer ao interessado, não há necessidade de se socorrer às vias judiciais. No entanto, se a decisão tiver teor contrário ou atender em parte a demanda, o requerente poderá ingressar em juízo com a ação competente, ou seja, aplicar-se-á o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.


 


Bibliografia

Conselho de Contribuintes passa a adotar súmulas. Governo do Estado do Rio Grande do Norte – Secretaria da Tributação. Notícias. Natal, 14 mar. 2006.  Disponível em: http://www.set.rn.gov.br/set/noticias/arquivos/not/14mar – Conselho de Contribuintes passa a adotar súmulas.htm. Acesso em: 14.01.08.

DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo : Atlas, 2003.

LIMA, Carlos Eduardo de Oliveira; MARQUES, Edson Rodrigues; AGUIAR, Rodrigo de Souza. Artigo 103-A da Constituição: a introdução da súmula vinculante no ordenamento pátrio. Revista da AGU. Ano VII, n. 60. Janeiro de 2007. p. 17. Disponível em: http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_VII_janeiro_2007/O%20artigo_103-A_da_Constituicao.pdf. Acesso em: 14.01.2006.

MARCELO, Alexandrino; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro. Impetus, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. ver. e amp. Malheiros Editores, 1999.

MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22ª ed. ver. e atual. São Paulo, Malheiros, 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros, 2006.

Legislação pesquisada:

Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999 – Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências e alterações posteriores.

Decreto nº 3.452, de 9 de maio de 2000 – Altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999.

Decreto nº 3.668, de 22 de novembro de 2000 – Altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio 1999.

Decreto nº 4.729, de 9 de junho de 2003 – Altera dispositivos do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999, e dá outras providências.

Decreto nº 5.254, de 27 de outubro de 2004 – Dá nova redação ao inciso I do § 1o do art. 303 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999.

Decreto nº 5.699, de 13 de fevereiro de 2006 – Acresce e altera dispositivos do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999.

Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972 – Dispõe sobre o processo administrativo fiscal, e dá outras providências e alterações posteriores.

Emenda Constitucional nº 45, de 2004 – Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências.

Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 – Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências e alterações posteriores.

Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 – Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências.

Portaria nº 222, de 4 de setembro de 2004 – Altera dispositivos da Portaria MF 147/2007.

Portaria nº 323, de 27 de agosto de 2007 – Aprova o Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS e revoga a Portaria MPS nº 88/2004.

Portaria MF nº 147, de 25 de junho de 2007 – Aprova os Regimentos Internos dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais, e dá outras providências e alterações posteriores.

Portaria MPS nº 88, de 22 de janeiro de 2004Aprova o Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS.

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Notas:

[1] A redação original deste dispositivo era: “Art. 126. Das decisões administrativas relativas à matéria tratada nesta lei, caberá recurso para o Conselho de Recursos do Trabalho e da Previdência Social – CRTPS, conforme dispuser o regulamento”.

[2] Decretos nos 3.452/2000, 3.668/2000, 4.729/03, 5.254/04 e 5.699/06.

[3] A composição e competência do CRPS estão previstos nos artigos 303 e 304 do Decreto nº 3.048/99.

[4] Redação dada pelo Decreto nº 5.254/04.

[5] Redação dada pelo Decreto nº 3.668/00.

[6] Incluído pelo Decreto nº 4.729/03.

[7] Aprova o Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social. 

[8] A Portaria MF nº 147/2007 revogou integralmente as Portarias MF nº 55, de 16 de março de 1998, nº 103, de 23 de abril de 2002, e nº 1.132, de 30 de setembro de 2002 que tratam dos respectivos órgãos.

[9] As Súmulas do 1º CC nº. 1 a 15 foram publicadas no DOU, Seção 1, dos dias 26, 27 e 28/06/2006, vigorando a partir de 28/07/2006. As Súmulas do 2º CC nº. 1 a 13 foram aprovadas na Sessão Plenária de 18 de setembro de 2007 e publicadas no DOU de 26/09/2007, Seção 1, pág. 28. As Súmulas do 3º CC nº. 1 a 7 foram publicadas no DOU, Seção 1, dos dias 11, 12 e 13/12/2006, vigorando a partir de 12/01/2007. 

[10] É o que dispõe o inciso LXXVIII do art. 5º de nossa Carta Magna: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Inciso acrescido pela EC nº 45/2004.


Informações Sobre o Autor

Alexandre Duarte Quintans

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFPB e Especialista em Gestão Pública pela UEPB


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