Já tive oportunidade de abordar esse tema anteriormente, mas diante da
apreciação do tema no CNMP, parece-me pertinente reiterá-lo, de forma a
defender o nosso ponto de vista e, acreditamos, o princípio constitucional da
igualdade.
Em alguns estados-membros em que a P.G.J o permite, na grande maioria.
Há exemplos práticos, e muitos, e prefiro não citar os nomes. Em outros, ao
revés, impedem.
Buscamos, em poucas palavras, analisar o tema, especialmente sob o
prisma do princípio constitucional da igualdade.
É certo que o artigo 128 da Constituição Federal estabelece, como
vedação, ao membro do Ministério Público: II “d”: exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,
salvo uma de magistério.
Segue-se ainda que o artigo 21 do ADCT (Ato das disposições
Constitucionais Transitórias), em analogia de carreira com a magistratura, como
se interpreta, estabelece que aqueles que “estejam
em exercício na data da promulgação da Constituição, adquirem estabilidade,
observado o estágio probatório, e passam a compor quadro em extinção, mantidas
as competências, prerrogativas e restrições da legislação a que se achavam
submetidos, salvo as inerentes à transitoriedade da investidura”.
Então, basicamente com a interpretação conjunta, diga-se, literal, destes
dois dispositivos, se autoriza, em alguns casos, o afastamento da carreira de
promotores de justiça que ingressaram antes do advento da C.F./88, e não se
autoriza os demais, ingressos posteriormente, a fim de que ocupem cargos nos
poderes legislativo e executivo.
Não me parece, todavia, esse, o melhor entendimento.
Em primeiro lugar é preciso interpretar, de forma mais lógica, o
próprio dispositivo constitucional: exercer,
ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério.
Ele estabelece, sem dúvida, que o membro do Ministério Público pode exercer
outra função pública – uma de magistério. E não exige que, para isso, esteja
afastado da carreira. É possível, pois, ocupar ambos os cargos de uma só vez, o
que ocorre frequentemente, em todo o país. Assim, refere que é possível, e
somente em um caso, o membro do Ministério Público, ocupar dois cargos
públicos, de uma só vez, sendo uma correspondente à das funções de
Promotor de Justiça, e a outra, necessariamente, de magistério. Mas o
dispositivo, s.m.j., não parece pretender vedar que, uma vez afastado das
funções de Ministério Público, exerça outra função pública.
Explica-se pela lógica da interpretação constitucional, aliada à
aplicação do Princípio da igualdade e da proporcionalidade constitucional.
Ninguém discute, em primeiro lugar, que a Constituição Federal deve
ser interpretada de forma a serem eliminadas eventuais “contradições”. Esse é,
aliás, o ensinamento mais básico da lógica interpretativa, conforme ensina J.J.
Gomes Canotilho: “O princípio da unidade
da constituição ganha relevo autónomo como princípio interpretativo quando com
ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a
evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas. Como
‘ponto de orientação’, ‘guia de discussão’ e ‘factor hermenêutico de decisão’,
o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua
globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as
normas constitucionais a concretizar. Daí que o intérprete deva sempre
considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas
sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de noras e
princípios”. (D. Constitucional. Almedina, Coimbra, 1993, págs. 226/227).
A par desse conceito, torna-se necessário interpretar aquela norma de
“vedação” ao membro do Ministério Público, à luz do princípio básico da
igualdade.
Sem pretender esmiuçar o conceito, depreende-se que o princípio da igualdade consiste em tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se
desigualam. O que se deve fixar não é exatamente à igualdade perante a lei,
mas o direito à igualdade mediante a eliminação das desigualdades.
Segundo o próprio J.J. G. Canotilho, “o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento
surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e
suficiente da violação do princípio da igualdade. Embora ainda hoje seja
corrente a associação do princípio da igualdade com o princípio da proibição do
arbítrio, este princípio, como simples princípio de limite, será também insuficiente se não transportar já, no seu
enunciado normativo-material, critérios possibilitadores da valoração das
relações de igualdade ou desigualdade. Esta a justificação de o princípio da
proibição do arbítrio andar sempre ligado a um critério material objectivo.
Este costuma ser sintetizado da forma seguinte: existe uma violação arbitrária
da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i)
fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer
diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”. (ob. Cit. Pág. 565).
Também
nesse sentido, Celso Antônio Banderia de Mello: “Em verdade, o que se tem de indagar para concluir se uma norma
desatende a igualdade ou se convive bem com ela é o seguinte: se o tratamento
diverso outorgado a uns for ‘justificável’, por existir uma ‘correlação lógica’
entre o ‘fator de discrímen’ tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a
norma ou a conduta são compatíveis com o princípio da igualdade, se, pelo
contrário, inexistir esta relação de congruência lógica ou – o que ainda seria
mais flagrante – se nem ao menos houvesse um fator de discrímen identificável,
a norma ou a conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade.”
(Princípio da Isonomia: Desequiparações Proibidas e Desequiparações Permitidas,
em – Revista Trimestral de Direito Público, 1/1993, p. 81/82).
Pois
bem. Parece tornar lógica a interpretação de que, podendo ser autorizado o
afastamento da carreira, do membro do Ministério Público que ingressou antes da
C.F. de 1988, também o poderá, nos mesmo termos e condições, aquele que
ingressou após do advento da Constituição, isso por pura aplicação do princípio
da igualdade.
Com
efeito, não é possível interpretar que o promotor que ingressou antes da
Constituição de 1988 tenha “mais direitos” do que o que ingressou
posteriormente. Isso seria tratar de forma desigual aos iguais. São membros de
uma mesma carreira. A lógica da interpretação da Constituição é dar tratamento
exatamente igual a todos os membros da instituição, sob pena de violação de
princípio democrático basilar estabelecido no texto constitucional.
Mas,
aliás, não parece ter sido mesmo esse o intuito. A constituição nunca pode ser
interpretada de forma “literal”, devendo-lhe se aplicar interpretação lógica e
sistemática, mesmo no que pertine ao ADCT. Note-se que no referido artigo 21
refere-se expressamente a : “[…] mantidas as competências, prerrogativas, e restrições
da legislação a que se achavam submetidas […]. Já o texto do artigo 128
refere a expressão vedações. São expressões que, de fato, alcançam
circunstâncias diversas. Restringir é apenas diminuir a menor campo de
aplicação. Vedar é proibir totalmente. Se o ADCT assim o quisesse, teria
especificado o mesmo termo – vedações, e não o fez, sinalizando não se
referir aos tópicos previstos no dispositivo – art. 128. (observe-se que também
no art. 95 § único utiliza-se o termo: Aos
juízes é vedado.).
Mas não
é só. É lição de José Afonso da Silva, interpretando o princípio da igualdade
formal: “A justiça formal consiste em ‘um
princípio de ação, segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial
devam ser tratados da mesma forma’. Aí a justiça formal se identifica com a
igualdade formal”. (Curso de Direito Constitucional Positivo, 20a
Ed. Malheiros Editores, pág. 212). E
também Marino Pazzaglini Filho: “A norma
constitucional trata da igualdade formal, ou seja, a igualdade perante o
ordenamento jurídico; igualdade de tratamento jurídico para situações iguais de
direitos ou obrigações”. (Princípios Constitucionais Reguladores da
Administração Pública. Ed. Atlas, pág. 37).
Inconcebível,
portanto, entender que o promotor que ingressou na carreira antes da CF/88
tenha mais ou menos direitos e/ou obrigações do que aqueles que ingressaram
posteriormente. Uns são tão membros do Ministério Público quanto os outros, e
dar-lhes tratamento diferenciado seria deferir mais direitos a uns do que aos
outros, em razão do momento do ingresso no tempo. Não pode mesmo ser (i) fundamento sério; (ii) ter um sentido legítimo; e tampouco (iii)
estabelecer diferenciação jurídica como
fundamento razoável”. Temerário estabelecer diferenciação de tal monta,
justamente no seio da instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, e do
regime democrático
A
Constituição Federal veio para sedimentar o processo democrático no Brasil,
fixando os valores para que enraizado estejam na consciência do povo e na
aplicação do direito.
Enfim,
não vejo, data venia, outra saída. Se uns podem, os outros também podem. O
tratamento igualitário é inafastável.
“La legge è iguale per tutti” è una bella frase che rincuora il
povero, quando la vede scritta sopra le teste dei giudici, sulla parette di
fondo delle aule giudiziare; ma quando si accorge che, per invocar la
uguaglianza della legge a sua difensa, è indispensable l’aiuto di quella
riccheza che egli no ha, allora quella frase gli sembra una beffa alla sua
miseria”. Piero Calamandrei, 1954; in
“Giustizia e Società”, p Mauro Cappelletti. Edizione di Comunità –
Milano, 1972, p. 11.
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia
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