Proteção aos Animais

Resumo: O Homem desde os primórdios em tempos imemoriais vem utilizando os animais não humanos, para a satisfação de suas mais diversas necessidades, como; vestuário, alimentação, guarda pessoal, transporte e atualmente como companheiro, amigo, etc. Esse comportamento precisa evoluir ao passo que a sociedade se desenvolve, uma vez que, por questões éticas, a utilização dos animais não humanos meramente como coisas não se justifica. Partindo dessa perspectiva, este manuscrito estrutura-se em três partes distintas, que se entrelaçam ao tema principal. Inicia-se com uma breve análise da classificação dos animais não humanos, posteriormente passa-se à conceituação literal e jurídica destes, o que é fundamental para chegamos até a questão da ética, que proporcionará uma reflexão acerca da consideração e do tratamento que o Homem vem dispensando aos animais. Na segunda parte, será enfrentada a evolução histórica da proteção dos animais, para posteriormente a legislação que visa à proteção dos animais no Brasil, iniciando-se pela análise do dispositivo da Constituição Federal de 1988 para, posteriormente, seguir até as leis infraconstitucionais que atendem à disposição da Carta Magna de proteção aos animais.A terceira parte, abordará os princípios que norteiam a proteção jurídica dos animais, a partir de então, analisar-se-á os maus tratos a que estes animais são submetidos, com apresentação de casos concretos. Para concluir, apresentando normas municipais de proteção que tentam combater a crueldade e os maus tratos aos animais.

1. INTRODUÇÃO

O homem, no decurso de sua existência na Terra, julga-se superior às demais espécies. A cultura filosófica surgida na Grécia conduziu o homem, aos poucos, ao centro do universo, permitindo o surgimento do antropocentrismo, filosofia que considera o homem governante dos demais seres vivos. Na religião ocidental, tendo o cristianismo se baseado no catolicismo romano, o antropocentrismo tem como raízes as escrituras sagradas, que disseminaram a ideia de que o homem foi feito à imagem de Deus, outorgando-se ao homem o domínio sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a Terra (Gênesis, I, 27).

Os animais, pela simples condição de seres vivos, na grande maioria, habitantes deste planeta, milhões de anos antes do homem, detêm certos direitos que lhes são inerentes. E tais direitos naturais dos animais são uma verdade insofismável, da mesma forma que o homem, no dizer de Léon Duguit, "em sua natureza de homem, desfruta de certos direitos subjetivos, que constituem os direitos individuais naturais". Respeito aos direitos naturais do homem, bem como aos dos animais e das demais espécies vivas, é a conduta ética mínima que se impõe à humanidade.

O Direito para ser designado especialmente como ciência observar-se-á os diversos meios da sua aplicação na sociedade. Os sociólogos costumam dar conotação diversa à palavra direito, designando-o como um fenômeno social, tal como a religião, a economia, a cultura e a política. Nesse sentido, direito é o conjunto de condições de existência e de desenvolvimento de uma sociedade. Já para os filósofos, a palavra direito comumente é associada a algo que é devido por justiça.

2. CLASSIFICANDO OS ANIMAIS

Para classificar os animais não humanos deve-se levar em consideração determinadas características que apresentam. Essa classificação torna-se importante para fins deste estudo, uma vez que a biodiversidade encontrada na nossa natureza é infindável, tornando-se necessária a divisão dos animais em grupos específicos, pois estes apresentam diferentes aspectos.

Biologicamente, os seres vivos são agrupados seres de cinco reinos distintos, sendo eles; o Bactéria, o Protoctista, o Fungi, o Plantae e o Animalia. O reino animalia é o que acolhe todos os animais, sendo divididos nos seguintes grupos: poríferos, cnidários, platelmintos, asquelmintos, anelídeos, moluscos, equindermos, artrópodes e cordados. Neste último grupo estão presentes os peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos, etc.

Os animais não humanos, devido ao processo de domesticação deixaram de viver sua verdadeira biologia, alterando hábitos de convívio com outros indivíduos da mesma espécie: caçar para comer, atividades reprodutivas, etc.

No entanto, a Constituição Federal de 1988 não diferencia os animais por estar ou não classificados, trata-os de modo genérico, ou seja, o tratamento é uniforme para todas as espécies de animais, ocorre que, algumas leis infraconstitucionais dividem a fauna em diferentes categorias, sendo que cada uma delas terá um tratamento diferenciado, o que não significa dizer que uma é mais importante que a outra.

Assim, para a legislação brasileira é importante a classificação dos animais quanto ao seu habitat, pois são divididos em: fauna silvestre brasileira, fauna silvestre exótica e fauna doméstica.

A fauna é um bem ambiental e integra o meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da CF/88. Trata-se de um bem difuso, segundo Luís Paulo Servinskas. Esse bem não é público nem privado. É de uso comum do povo. A fauna pertence à coletividade. É bem que deve ser protegido para as presentes e futuras gerações.

2.1. Conceituação Literal e Jurídica dos Animais

Para definir o animal tem-se que; Por oposição a vegetal, ser vivente organizado, geralmente capaz de se movimentar; dotado de sensibilidade. Por oposição a homem, ser animado, desprovido da linguagem articulada.

O Código Civil Brasileiro 1916 tratava os animais como coisas, bem semoventes, objetos de propriedade e outros interesses alheios como “bens móveis suscetíveis de movimento próprio”, artigo 47; “coisas sem dono sujeitas à apropriação, artigo 593 ou caça”, artigos 596 a 598. Esses dispositivos foram revogados pela lei de proteção à fauna Lei n. 5.197/1967.

Já o Código Civil de 2002 manteve, em seu artigo 82, apenas o dispositivo contido no artigo 47 do Código de 1916. O artigo 82 do novo código civil dispõe que “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”, assim, os animais permanecem sendo considerados coisa ou semovente, sendo, portanto, passíveis de apropriação pelos homens.

Assim, Conforme o Código Civil Brasileiro, os animais domésticos são considerados bens móveis suscetíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia, sendo chamados de semoventes. Estes animais são de propriedade de seus donos e, quando abandonados, estão sujeitos à apropriação. Já os animais silvestres são de propriedade da União, ou seja, estão sob o domínio da Nação, por serem considerados bens de uso comum do povo, sendo regulados por regras administrativas impostas pelo Estado.

Nesta esteira, entende-se que os animais não são reconhecidos pelo ordenamento jurídico como sujeitos de direitos, pois são tidos como bens sobre os quais incide a ação do homem, uma vez que a proteção do meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e somente por via reflexa para proteger as demais espécies.

Ocorre que o ordenamento jurídico brasileiro apresenta fortes traços de um sistema-jurídico antropocêntrico, iniciando por nossa Carta Magna que apesar de apresentar espaço aberto para a solução de conflitos ambientais, não apresenta nenhum traço que dê consideração ou abertura para a compreensão jurídico-ambiental segregada de noções antropocêntricas, o que leva a crer que o sistema jurídico-ambiental pátrio continua sob a égide desta embocadura antropocêntrica, e, por conseguinte, o próprio sistema jurídico se apresenta como um impasse para se pensar tal justiça ambiental. Assim, segundo Olmiro Ferreira da Silva, devemos buscar caminhos de superação e demonstrar sua pertinência e coerência jus-sistêmica.

Tais considerações foram importantes para o início de um movimento em prol dos animais, denominado, Abolicionismo Animal, que é radicalmente contra a noção antropocêntrica de que o ser humano é uma espécie superior aos animais, levando em consideração que o planeta terra é um ser vivo e que somos mais uma espécie que nela habita.

Este movimento é baseado em fortes fundamentos éticos, através dos quais buscam a inclusão dos animais no âmbito das considerações morais, afastando deles o estigma de propriedade ou da pretensa relevância ambiental que possam vir a ter, sob o entendimento de que merecem ser respeitados enquanto animais e não apenas por serem úteis aos humanos, o que inegavelmente torna necessária uma releitura do status atribuído ao animal pelo nosso ordenamento jurídico, demonstrando-se através do campo da ética.

Nessa concepção, de acordo com Heron Gordilho, os direitos não são apenas aqueles que se encontram inseridos no ordenamento jurídico, pois ao lado dos direitos subjetivos, como o direito de propriedade, existem os direitos morais, como o direito à liberdade, e em caso de conflito entre eles, nem sempre deve prevalecer o primeiro, uma vez que os direitos morais podem ser tão fortes que impõem a obrigação moral do juiz em aceita-los.

2.2. A ética e os Animais

O mundo já foi visto como nosso senhor, depois se tornou nosso escravo, em seguida passou a ser visto como nosso hospedeiro, e agora temos que admitir que seja, na verdade, nosso simbiota.

O Homem tem dispensado aos animais um tratamento antropocêntrico, pois se posiciona em patamar superior à natureza, levando a um comportamento antiético, onde não há uma reflexão a respeito da relação que tem com os animais.

Hoje a filosofia e a ciência já admitem a unidade do cosmo. E nessa unidade não há hierarquia. Os componentes dos átomos e partículas atômicas são padrões dinâmicos que não existem como entidades isoladas, mas como partes de uma rede inseparável de interações. Sendo indiscutível que a falta de um desses componentes, desestabiliza o átomo.

Apesar de a Lei dos Crimes Ambientais referirem-se essencialmente aos atos praticados contra os animais silvestres, em seu art. 32 prevê sanções para a prática de abuso contra qualquer animal.

“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.”

O dispositivo em comento demonstra a preocupação do legislador ordinário com a adoção de posturas éticas mínimas na realização de experiências com animais. Veda assim o uso dos animais vivos, mesmo que para fins científicos ou didáticos, se outros métodos se mostraram igualmente adequados para a obtenção dos resultados desejados.

Posturas éticas em relação às experiências com animais já faziam parte do sistema normativo brasileiro bem antes da edição da Lei dos Crimes Ambientais. Desde 1979, com a introdução no ordenamento brasileiro da Lei Federal nº 6.638, que regulamenta a vivisseção, as questões relacionadas aos experimentos com animais passaram a ter relevância para cientistas e legisladores, a tal ponto de estabelecer-se uma espécie de código de ética para a atividade. A Lei nº 6.638/79, dentre outras proibições, aponta ser vedada a prática da vivisseção sem que se ministre anestesia ao animal.

Efetivamente, a prática de pesquisas em animais sem qualquer critério ético não pode ser mais tolerada. É preciso sopesar muito bem o sofrimento do animal e os benefícios que a experiência pode trazer, pois "não há lugar para a ciência sem consciência, devido à complexidade de toda a realidade que nos rodeia".

Seguindo esse pensamento, o procedimento para utilização dos animais como alimento, deve seguir uma postura ética mínima, com as condições humanitárias que devem prevalecer em todos os momentos precedentes ao abate.

A insensibilização de animais é considerada a operação mais crítica durante o abate de bovinos. Tem por objetivo colocar o animal em estado de inconsciência, que perdure até o fim da sangria, não causando sofrimento desnecessário e promovendo uma sangria tão completa quanto possível, segundo o Departamento de Gestão e Tecnologia Agroindustrial – FCA – UNESP, durante a “I Conferência Virtual Global sobre Produção Orgânica de Bovinos de Corte”, que aconteceu em 2002.

Nas palavras de Anamaria Feijó, entendemos que o sofrimento animal é o ponto de partida para o reconhecimento do status moral do animal:

“[…] se aceitamos que os animais são seres sensíveis capazes de sentir dor e de apresentar necessidades básicas e interesses peculiares de sua espécie, aceitamos que eles apresentam um status moral que nós somos obrigados, moralmente, a reconhecer […]”.

Escravizar negros era um hábito e um costume, até que a consciência e a moral humanas deram-se conta de que se tratava de uma atitude discriminatória e antiética. A partir daí, o que era costume transformou-se em crime.

De fato, se examinarmos a história do direito, podemos perceber que é um erro pensar que o homem é a única espécie que pode ser considerada pessoa, pois, a depender do estagio civilizacional, nem todas as pessoas são (ou foram) seres humanos.

3.EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA PROTEÇÃO DOS ANIMAIS

3.1. Leis de proteção aos Animais no Brasil

O inicio da proteção legalista no Brasil contra a violência aos animais foi o Decreto 16.590 de 1924, que regulamentou as Casas de Diversões Públicas, e proibiu dentre outros atos de crueldade, as corridas de touros, garraios e novilhos, brigas de galos e canários.

Depois obviamente foram criadas diversas leis, e dentre essas, destacamos por sequência de criação as que têm uma grande importância na proteção dos animais:

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A Constituição Federal do Brasil de 88 dispõe em seu artigo 225:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: (…)

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.”

Para efeitos da Lei 7.976/97, no art. 16 – “consideram-se maus-tratos: I – praticar atos de abuso ou crueldade com qualquer animal; II – obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento; III – golpear, ferir ou mutilar violentamente qualquer órgão ou tecido do animal, exceto a castração; IV – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo que, humanitariamente, se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; V – não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário; VI – fazer trabalhar animais em período de gestação; VII – atrelar animais a veículos carentes de apetrechos indispensáveis, tais como balancins, ganchos e lanças; VIII – arrear ou atrelar animais de forma a molestá-los; IX – manter animais atrelados e sedentos”.

De igual sorte, merecem registro as iniciativas legislativas em defesa dos animais do município do Rio de Janeiro: a Lei nº 2.284/95, que proíbe a realização de eventos ou espetáculos que promovam o sofrimento ou sacrifício de animais; a Lei n° 3.166, de 27 de dezembro de 2000, que proíbe favores oficiais a entidades que promovam ou ajudem no sofrimento ou sacrifício físico de animais; e a Lei n° 3.174, de 02 de janeiro de 2001, que proíbe a vivisseção e as práticas cirúrgicas experimentais nos estabelecimentos municipais.

O prefeito do município do Rio de Janeiro sancionou, recentemente, lei de autoria do vereador Cláudio Cavalcanti, que regula o tráfego de veículos de tração animal, determinando jornada de oito horas diárias e dia de folga para os animais. O texto legal mostra-se de vanguarda na defesa dos direitos dos animais utilizados para transporte: proíbe que éguas prenhas sejam utilizadas pelos carroceiros e determina que os animais só possam trabalhar oito horas por dia, das 8h às 12h e das 13h às 17h, com direito a uma hora de almoço, devendo repousar as domingos. Em sua justificativa, disse o autor da proposta que os cavalos levam uma vida sacrificada e depois são mortos brutalmente. Eles não são máquinas. São seres vivos como nós. Sofrem e sentem dor.

O Estado de São Paulo, por sua vez, editou, ainda em 19 de fevereiro de 1992, a Lei nº 7.705, que estabelece normas para o abate humanitário (de animais destinados ao consumo), bem como providências correlatas. Já o município de São Paulo, na tentativa de solucionar o crescente problema do abandono animal, aprovou a Lei nº 13.131, de 18 de maio de 2001, que disciplina a criação, a propriedade, a posse, a guarda, o uso e o transporte de cães e gatos. Prevê a legislação a expedição de documento de identificação – uma espécie de carteira de identidade – para os animais.

Em Curitiba tramita o Projeto de Lei nº 05.00072.2000, que institui campanha permanente de prevenção de doenças provocadas por cães e gatos e a castração dos mesmos, visando evitar sua desordenada proliferação. O projeto estabelece que ficará ao encargo do poder público o custeio da castração de animais abandonados ou pertencentes a pessoas carentes.

Na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul tramita Projeto de Lei nº 118/2002, de autoria do Deputado Manoel Maria dos Santos, que proíbe a apresentação, no âmbito do Estado, de espetáculos circenses ou similares que tenham como atrativo a exibição de animais de qualquer espécie.

Como se pôde constatar, a legislação brasileira visando à proteção dos animais contra a crueldade humana, os maus-tratos e o abandono, é extremamente farta e diversificada. É com profundo lamento, pois, que se observa, na realidade do dia-a-dia dos nossos animais, o enorme menosprezo tanto em relação ao texto legal, quanto ao sofrimento dos nossos animais não humanos. Nunca é demais enfatizar, em razão do colossal escárnio com que os seres humanos tratam os animais, que tão-só leis não são suficientes para garantir o respeito aos direitos dos animais, porque os textos legais, em realidade, não obrigam, mas apenas prescrevem comportamentos comissivos ou omissivos, que podem ou não serem observados.

3.2. Normas legais de proteção aos animais no âmbito internacional

A proteção jurídica dos animais no âmbito internacional é feita por diversas normas, em especial pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais, Bruxelas, em 1978. A referida declaração, levando em consideração que todos os animais têm direitos e que o desconhecimento ou o desprezo desses tem levado e continua a levar o homem a violentá-los, declara em seus artigos 1.º e 2.º:

“Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência; Cada animal tem direito ao respeito. O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar outros animais ou explorá-los, violando este direito. Ele tem o dever de colocar sua consciência a serviço de outros animais. Cada animal tem o direito à consideração e à proteção do homem.”

A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo de Extinção em Washington, em 1973, aprovada pelo Brasil, pelo Decreto Legislativo 54, de 1975, obteve a aderência de 173 países. Seu objetivo são o controle e fiscalização do comércio internacional de espécies da fauna e flora silvestres que se encontram ameaçadas de extinção, sendo cerca de 34.000 espécies. Para o efetivo cumprimento de seu objetivo é utilizada a concessão de licenças e de certificados que são emitidos, levando em consideração requisitos como a não existência de possibilidade daquele comércio vir a prejudicar a sobrevivência da espécie.

A Convenção da biodiversidade realizada no Rio de Janeiro, em 1992, foi promulgada pelo Decreto 2.519, de 1998. Ela foi aprovada por 156 países, tendo por objetivo o disposto em seu artigo 1.º:

“A conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado.”

Para atingir seu objetivo dispõe o artigo 6.º:

“Cada parte contratante deve, de acordo com suas próprias condições e capacidades: a) desenvolver estratégias, planos ou programas para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica ou adaptar para esse fim estratégias, planos ou programas existentes que devem refletir, entre outros aspectos, as medidas estabelecidas nesta Convenção concernentes à Parte interessada; b) integrar, na medida do possível e conforme o caso, a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica em planos, programas e políticas setoriais ou intersetoriais pertinentes.”

3.3. Competência para legislar sobre os direitos dos animais

No Brasil, nos termos do disposto no art. 24, VI, da Constituição Federal, compete à União, aos Estados e ao distrito Federal, legislar, concorrentemente, sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.

De sua parte, as Constituições estaduais, invariavelmente, outorgaram também aos municípios a competência para legislar sobre o tema. A Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, por exemplo, em seu art. 13, V, estabelece:

“Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

V – promover a proteção ambiental, preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem a extinção da espécie ou submetam os animais a crueldade;”

Assim é que, em relação aos direitos dos animais, a competência legislativa é concorrente. Tanto a União, como os Estados e os municípios podem e devem legislar sobre o tema.

4. PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS

No tocante à tutela jurídica dos animais no Brasil, verifica-se a existência de determinados princípios que orientam o reconhecimento normativo da proteção jurídica dos animais, apontando diretrizes que levarão o legislador à consideração de determinados aspectos como a moral e a ética.

Segundo Heron Santana Gordilho, o princípio fundamental da teoria abolicionista é que em hipótese alguma os interesses fundamentais dos animais devem ser negligenciados, mesmo que isso possa trazer benefícios para os homens.

O princípio da subsistência nos informa que o animal deve ter assegurado o direito de nascer, de alimentar-se, e de ter garantidas as condições básicas de sobrevivência.

Já o princípio do respeito integral tem como objetivo o atendimento das exigências éticas em relação ao tratamento dispensado pelo homem em relação ao animal não humano, através do qual se entende que deve ser repudiado qualquer tratamento que exponha o animal à exploração ou aos maus-tratos, sendo proibidos os atos que possam afetar a integridade física, psíquica ou o bem-estar dos animais.

No que diz respeito ao princípio do respeito integral, cabe mencionar que o sofrimento animal deve ser evitado e que este pode ser caracterizado pela privação das “cinco liberdades” do animal: Nutricional – Ambiental – Sanitária – Psicológica – Comportamental.

Outro princípio em relação à proteção jurídica dos animais é o da representação adequada. Este se refere à representação dos animais na efetivação da tutela jurídica que lhes é oferecida, ou seja, diz respeito à procedibilidade indispensável para que os animais tenham seus interesses garantidos na prática.

Cabe ressaltar que estes princípios estão interligados entre si, pois apresentam características que restam por completar uns aos outros, sendo princípios que estão diretamente relacionados aos animais.

Dentre os princípios gerais do direito ambiental que norteiam a proteção jurídica dos animais, podemos encontrar, ainda, o princípio da participação comunitária, que é semelhante ao princípio da cooperação, pois pressupõe que o Estado e a sociedade devem andar juntos na defesa dos interesses ambientais, no desenvolvimento de uma política ambiental adequada. É o que podemos extrair do pensamento de Édis Milaré:

“De fato, é fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e implementação da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe que todas as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes, de suas responsabilidades, contribuam à proteção e melhoria do ambiente, que, afinal é bem e direito de todos.”

Outro princípio que merece menção é o da obrigatoriedade de intervenção do Poder Público, através do qual se denota que a gestão do meio ambiente não diz respeito apenas à sociedade civil. O Poder Público têm a função de gestão ou de gerência, ou seja, não figura como proprietário dos bens ambientais, pois tem a função de administrar esses bens, devendo explicar convincentemente sua gestão, ou seja, deve prestar contas a respeito da utilização dos bens de uso comum do povo, que são compreendidos pelas águas, ar, solo, fauna, florestas e patrimônio histórico.

Podemos mencionar, ainda, o princípio da proporcionalidade, que prevê a utilização de mecanismos de melhor qualidade e de proteção contra o arbítrio estatal para que uma decisão ambiental seja atingida. Este princípio atua como uma ferramenta de avaliação à adequação, necessidade e proporcionalidade das medidas requeridas para que seja evitado o risco ambiental.

Quanto aos animais, este princípio deve ser aplicado sempre que um princípio estiver colidindo com outro, por exemplo, quando há práticas culturais que provoquem maus-tratos contra animais, sendo que o princípio da preservação da cultura apoia tal conduta, mas em contrapartida, colide com os princípios que protegem a fauna. Neste caso deverá ser observado o princípio da proporcionalidade, que deverá “[…] realizar a concordância prática e compatibilizar o princípio da preservação da natureza e a realização de valores econômicos, culturais e sociais diante do caso concreto”.

Assim, podemos perceber a importância da observância destes e de outros princípios que servem de alicerce e fundamento para a proteção jurídica dos animais, que visa garantir que os interesses básicos dos animais sejam respeitados, como uma sadia qualidade de vida e um tratamento respeitoso dispensado pelos humanos em relação aos animais.

5. ENTIDADES DE PROTEÇÃO ATIVA

A fiscalização e apreensão dos animais comercializados ilegalmente são realizadas por agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e por Policiais Florestais. Depois da apreensão efetuada os animais são encaminhados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS).

O CETAS tem por finalidade recepcionar, triar e tratar os animais silvestres resgatados ou apreendidos pelos órgãos fiscalizadores, e receber animais silvestres de cativeiro doméstico, sendo ainda responsável pelo estudo do destino mais viável para os animais. Quando não se tratar de animais em extinção, serão eles encaminhados a zoológicos, criadouros registrados pelo IBAMA, e centros de pesquisa. Para que ocorram as solturas, os animais deverão estar em condições de retornarem à natureza.

O trabalho de combate ao tráfico e a violência aos animais é também realizado por ONGs como a WWF, RENCTAS e demais associações locais; também pelo Ministério Público, recebendo denúncias, e pelo Poder Judiciário, fazendo-se cumprir mandados de prisão e apreensão. Cabe destacar que o IBAMA possui uma linha de denúncia (Linha Verde: 0800 61 8080) à disposição da sociedade, além das medidas preventivas realizadas por campanhas educativas que contribuem para a implantação da ideia de proteção aos animais e à natureza.

Nesta dimensão, podemos observar que as ONG’s aparecem como importantes instrumentos de participação ativa nas questões referentes aos animais e ao meio ambiente em geral, pois fazem parte da democracia participativa. No entanto, deve-se considerar que essas entidades devem ser independentes, considerando-se que apenas complementam as ações do Poder Público.

As ONG’s têm por fim, o fortalecimento da democracia representativa, e não devem ser concorrentes dos Poderes Executivo e Legislativo, mas intervêm de forma complementar, contribuindo para instaurar e manter o Estado Ecológico de Direito. Há matérias que interessam ao meio ambiente que devem permanecer reservadas para o Poder Legislativo.

Portanto, podemos concluir que apesar de os animais não terem capacidade de comparecerem em juízo para postularem seus direitos, o Poder Público e a coletividade estão incumbidos de garantir sua proteção:

“[…] assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção.

O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí pode-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas.”

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crueldade e os maus tratos não podem mais fazer parte de nossa cultura, muito menos de nosso consentimento, como observamos no discorrer deste manuscrito, estas formas de tratamento aos animais não humanos estão em desacordo com os princípios e com as normas constitucionais e infraconstitucionais. Ademais, insurge contra a moral, a ética e os bons costumes tão defendidos pela sociedade em que vivemos.

Segundo Heron Gordilho, uma visão realmente abolicionista deve sempre ter em mente que existem direitos básicos, como o direito à vida, à liberdade e à integridade psíquico-física, que em nenhuma hipótese devem ser transacionados, a menos que isso seja admitido nas mesmas condições para os seres humanos.

No direito brasileiro, o ponto de partida dessa teoria está no inciso VII do art. 225 da Constituição Federal, que proíbe, “na forma da lei”, as práticas cujo efeito material seja a submissão dos animais à crueldade.

Ainda, segundo Prof. Heron Gordilho, se levarmos realmente os princípios e regras constitucionais a sério, vamos perceber que toda e qualquer lei ou ato administrativo que considere legitima a crueldade contra os animais é inconstitucional.

As normas contra a crueldade e os maus tratos aos animais não humanos, espalhadas pelo nosso ordenamento jurídico, como demonstrado, devem ser praticadas e aceitas pela sociedade para que sejam efetivamente eficazes. Esta geração não pode deixar esta herança maldita aos seus descendentes.

Como afirmou Leonardo da Vinci, pintor italiano (1452-1519): Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo dos animais. Nesse dia um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria humanidade.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Jeovaldo da Silva Almeida

Graduado em Direito pela UNYAHNA – Salvador, Pós Graduado em Direito Público – UNIFACS


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