Publicidade e consumismo precoce: Um ensaio sobre a violação aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil

Resumo: A publicidade mercadológica, que alimenta a sociedade de consumo, quando dirigida às crianças e adolescentes prejudica a efetivação dos seus direitos fundamentais. E isso porque devido ao processo de desenvolvimento em que se encontram, crianças e adolescentes são indivíduos incapazes de absorverem os anúncios publicitários de forma crítica e reflexiva como fazem os adultos e são diretamente impulsionados e incutidos à valores que os levam ao consumismo precoce. Por isso, ao se considerar que o foco desta pesquisa é a preocupação com a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes expostas à propaganda mercadológica, resta estudar se a autoregulamentação imposta pelo Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (Conar) é mecanismo suficiente para evitar o consumismo infantil precoce e os problemas decorrentes deste.  É imprescindível para que haja efetiva mudança, pensar em ações conjuntas envolvendo a sociedade, a família e o Estado.


Palavras-chave: crianças, adolescentes, publicidade, consumismo.


Abstract: Marketing advertising, which feeds the consumer society, when directed at children and adolescents affect the realization of their fundamental rights. This is because due to the development process where they are, children and adolescents are individuals unable to absorb the commercials in a critical and reflective as do adults and are driven directly and instilled the values that lead to early consumerism. Therefore, when considering that the focus of this research is the concern with the implementation of the rights of children and adolescents exposed to marketing advertising, it remains to study whether the self regulation imposed by Self Regulatory National Council (Conar) mechanism is sufficient to avoid consumerism early childhood and the problems arising from this. It is essential that there be real change, think of joint activities involving the society, the family and the state.


Keywords: children, adolescents, advertising, consumerism.


Sumário: 1. Introdução; 2. A Doutrina da Proteção Integral: a construção de um novo paradigma protetivo para a infância e adolescência; 3. O mundo da infância e a publicidade: incentivos ao consumismo precoce; 4 A normatização sobre a comunicação social; 5. A autoregulamentação publicitária: uma via suficiente para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes?; 6. Conclusão; Referências.


1. Introdução


A proteção integral aos direitos de crianças e adolescentes está consagrada no sistema normativo brasileiro que reconhece a condição de sujeitos de direitos para meninos e meninas menores de 18 anos de idade. As fases da infância e adolescência, portanto, merecem cuidados especiais compartilhados entre a família, a sociedade e o Estado, uma vez que estão em plena fase de desenvolvimento e por isso gozam de absoluta prioridade na efetivação dos seus direitos fundamentais (art. 227 da CF/1988)


Passados 20 anos da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, os desafios impostos à efetivação dos direitos fundamentais da infância e adolescência ainda são imensos. E, diante disso é imprescindível estudar a efetividade da proteção integral de crianças e adolescentes expostas à informação publicitária mercadológica, uma vez, que as agências de publicidade ao dirigir seus anúncios, apostam no mercado infantil procurando a vulnerabilidade de cada faixa-etária, o que culmina no incentivo ao consumismo precoce. 


Toda propaganda mercadológica dirigida ao público infanto-adolescente os expõem a variados riscos, justamente porque devido a fase de desenvolvimento em que se encontram, têm dificuldades para absorver os anúncios publicitários de forma crítica e reflexiva como fazem os adultos. Assim, as agências apropriam-se dessas vulnerabilidades inerentes a fase da infância e adolescência para criar anúncios e incutir no imaginário de crianças e adolescentes o consumismo excessivo, o que pode provocar: obesidade infantil, erotização precoce, estresse e conflitos familiares, banalização da agressividade e violência, entre outros riscos. Assim, este texto tem como proposta trazer esta discussão para o cenário sócio-jurídico brasileiro e algumas discussões que a sociedade de consumo atual proporciona.


2. A Doutrina da Proteção Integral: a construção de um novo paradigma protetivo para a infância e adolescência


O Direito da Criança e do Adolescente nasceu a partir da mobilização dos novos movimentos sociais que surgiram no cenário nacional a partir da década de 1980, indignados com a realidade social vivenciada por crianças e adolescentes brasileiros “afrontados na quase totalidade de sua cidadania”. (VERONESE, 2006, p. 7) Essa indignação foi enaltecida pela análise histórico-jurídica de violência produzida contra a população infanto-adolescente amparadas na legislação brasileira durante a vigência do Direito do Menor, em que crianças e adolescentes eram meros objetos de intervenção tutelados pelo Estado.


Por isso, a Doutrina da Proteção Integral foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[1] e conseqüentemente com a aprovação da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, então denominada Estatuto da Criança e do Adolescente. A Doutrina da Proteção Integral garantiu que meninos e meninas com menos de 18 anos de idade passassem a categoria de sujeitos de direitos, necessitando de uma proteção especial e prioritária para concretização de seus direitos fundamentais tendo em vista que estão em fase peculiar de desenvolvimento.


“Quando a legislação pátria recepcionou a Doutrina da Proteção Integral fez uma opção que implicaria num projeto político-social para o país, pois ao contemplar a criança e o adolescente como sujeitos que possuem características próprias ante o processo de desenvolvimento em que se encontram, obrigou as políticas públicas voltadas para esta área a uma ação conjunta com a família, com a sociedade e o Estado.” (VERONESE, 2006, p. 9-10)


Para Pereira (1999, p. 14), a doutrina da proteção integral deve atender os direitos inerentes a toda população infanto-adolescente e afirma que “não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado: é um dever social”, por isso segundo a autora “as políticas básicas voltadas para a [infância e adolescência] devem agir de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado”. (PEREIRA, 1996, p. 26) 


A Doutrina da Proteção Integral, portanto, recepcionada para a garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes reconhece o status de prioridade absoluta na efetivação de direitos, principalmente no campo das políticas públicas. Além disso, permite que seja implementado em âmbito local um sistema de garantia de direitos capaz de se mobilizar e atuar na promoção e efetivação dos direitos das quais à população infanto-adolescente é titular.


O Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança aquela pessoa entre 0 e 12 anos incompletos e adolescente a pessoa entre 12 e 18 anos. Essa diferenciação deve-se ao fato de crianças e adolescentes estarem em estágios de desenvolvimento diversos. Esta Lei tornou-se o principal instrumento jurídico de luta pela efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes no país sendo representativa do rompimento definitivo com a doutrina jurídica da situação irregular, que coisificava a infância, para redimensionar toda uma visão social. (VERONESE, 2006, p. 52)


3. O mundo da infância e a publicidade: incentivos ao consumismo precoce


O enfoque deste estudo é permeado pela constatação de que a publicidade mercadológica, que alimenta a sociedade de consumo, quando dirigida às crianças e adolescentes prejudica a efetivação dos seus direitos fundamentais. E isso porque devido ao processo de desenvolvimento em que se encontram, crianças e adolescentes são indivíduos incapazes de absorverem os anúncios publicitários de forma crítica e reflexiva como fazem os adultos, e são diretamente impulsionados e incutidos à valores que os levam ao consumismo precoce. (HENRIQUES, 2007, p. 15) Pesquisas apontam que as crianças e adolescentes acreditam no que o anúncio publicitário informa sobre os produtos. (BJURSTRÖM, 2000)


A exposição de crianças e adolescentes à publicidade mercadológica tem abrangência em todos os veículos de comunicação: televisão, jornais e revistas, internet, outdoors. Dentre esses veículos de comunicação a televisão é considerada como a principal ferramenta do mercado para a persuasão do público infanto-adolescente. E isso porque no ano de 2005 ficou constatado que as crianças brasileiras de 4 à 11 anos passam em média 4 horas e 51 minutos e 19 segundos na frente da televisão. E esse tempo é, muitas vezes, maior do que aquele em que passam na escola ou em convivência com sua família. (VERONESE; SILVEIRA, 2010) 


Bauman (2008) discute em sua obra “Vida para consumo” aspectos centrais do modelo de sociedade em que se vive, movida e impulsionada pelo consumismo. E, ressalta também aspectos interessantes sobre a influência que as mercadorias exercem sobre as pessoas (consumidores), além de relacionar o consumismo como um padrão socializador da atual sociedade movida pelo crescimento e desenvolvimento tecnológico, que permite, por assim dizer, globalizar a informação.


Sobre os aspectos relacionados a propaganda mercadológica voltada para o público infanto-adolescente, Bauman (2008, p. 73) afirma que “tão logo aprendem a ler, ou talvez bem antes, a “dependência das compras” se estabelece nas crianças. […] Numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação”


4 A normatização sobre a comunicação social


Primeiramente é importante distinguir conceitualmente os termos “propaganda” e “publicidade”, pois em muitos textos são encontrados como se sinônimos fossem. De acordo com Henriques (2007, p. 35), a palavra propaganda em seu aspecto terminológico significa “[…] propagação de ideologia de caráter ético, moral, político, religioso, social ou econômico, sem qualquer intuito comercial […]”. Já publicidade é definida por Denari (1992, p. 135) como a “oferta de bens ou serviços no mercado de consumo, patrocinada por anunciante mediante estipulação de preço, prazo ou condições de pagamento.”


Acerca da comunicação social a Constituição Federal de 1988 reservou um espaço para tratar deste assunto no capítulo V e em linhas gerais a Constituição torna livre a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, sem restrição, ou seja, sem censura. (art. 220) Mas enfatiza-se que a publicidade mercadológica dirigida para crianças e adolescentes não pode ser entendida neste caso como mera “liberdade de expressão e comunicação”. Por isso, não se entende como censura a restrição de propaganda para crianças e adolescentes que ferem os próprios preceitos sobre a comunicação social contidos na Constituição no seguinte dispositivo:


Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:


I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;


II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;


III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;


IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.” (grifou-se)


Neste sentido, deve-se entender que as informações publicitárias mercadológicas dirigidas para crianças e adolescentes estão inseridas na programação das emissoras de rádio e de televisão e que, sob estes aspectos devem apresentar conteúdo apropriado em consonância com o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. O que significa afirmar-se que incutir valores consumistas nas crianças e adolescentes pela via da publicidade mercadológica fere os princípios constitucionais de proteção aos direitos de crianças e adolescentes.


 No mesmo sentido o Código de Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 tem uma seção especial que aborda a questão da publicidade.  Assim como o Direito da Criança e do Adolescente, o Direito do Consumidor tem uma legislação especial regido por regras e princípios. A redação do artigo 36 informa que: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.” Este dispositivo é elucidativo da influência negativa que a publicidade mercadológica dirigida para crianças e adolescentes exerce sobre elas, e de tal forma fere o princípio da identificação publicitária[2], uma vez que devido a sua fase peculiar de desenvolvimento, estes sujeitos não conseguem diferenciar programas de propagandas publicitárias (BJURSTRÖM, 2000), e/ ou muitas vezes são induzidos a erro (art. 37, § 1º). 


A redação do § 2º do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor é ainda mais precisa sobre esta questão ao disciplinar que:


“§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”[3](grifou-se)


Considerando que o objetivo principal da publicidade mercadológica é a comunicação e a persuasão para o consumo do item anunciado, para a proteção dos direitos de crianças e adolescentes se faz necessário uma análise sistemática da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor.


A busca pela efetividade normativa, neste caso, também precede da compreensão sobre a sociedade contemporânea e sua relação intrínseca com o consumismo. É preciso também estudar a sociedade de consumo que transforma pessoas em mercadorias, que o “ter” antecede ao “ser” nas relações que se estabelecem entre as pessoas. (BAUMAN, 2008) É preciso também estabelecer as diferenças conceituais em torno dos termos “consumo” e “consumismo” para a partir disso verificar a importância que o consumo desempenha na formação de identidades na sociedade e, da qual, abrange também a formação e/ou construção de identidades/ e valores a partir do que se consome, do que se compra. Crianças e adolescentes estão indiscutivelmente presentes como consumidoras na sociedade contemporânea e, por isso a publicidade mercadológica é agente preponderante e talvez determinante para isso.


Para Barbosa e Campbell (2006, p. 26) “[…] na sociedade contemporânea, consumo é ao mesmo tempo um processo social que diz respeito a múltiplas formas de provisão de bens e serviços e a diferentes formas de acesso a esses mesmos bens e serviços; um mecanismo social percebido pelas ciências sociais como produtor de sentido e de identidades, independentemente da aquisição de um bem; uma estratégia utilizada no cotidiano pelos mais diferentes grupos sociais para definir diversas situações em termos de direitos, estilos de vida e identidades; e uma categoria central na definição da sociedade contemporânea.”


No mesmo sentido é o entendimento de Bjurström (2000) ao afirmar que a publicidade pode contribuir para moldar a visão de vida das pessoas, assim como transformar e/ou modificar os seus valores morais, atitudes e idéias culturais baseando-se naqueles que predominam na sociedade de consumo. De acordo com o autor essas influências exercidas pela informação publicitária podem durar muito tempo, sendo difícil isolá-las na sociedade de consumo.


É importante, portanto, compreender o papel que a informação publicitária exerce no cotidiano das pessoas e ao mesmo tempo verificar de que forma a propaganda mercadológica pode influenciar crianças e adolescentes ao consumismo precoce.


5. A autoregulamentação publicitária: uma via suficiente para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes?


Atualmente a propaganda mercadológica é autoregulamentada pelo Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (CONAR). O CONAR é uma organização não-governamental criada em 1980 com o objetivo de frear a sanção de uma lei federal que previa censura prévia à propaganda. O CONAR que tem em sua composição pessoas da sociedade civil, sendo constituído por publicitários e profissionais de outras áreas, foi responsável pela criação de um Código Brasileiro de Autoregulamentação Publicitária. 


Além de autoregulamentar o mercado publicitário no país, o CONAR tem como atribuição principal o atendimento a denúncias de consumidores, autoridades, associados ou formuladas pelos integrantes da própria diretoria. “As denúncias são julgadas pelo Conselho de Ética, com total e plena garantia de direito de defesa aos responsáveis pelo anúncio. Quando comprovada a procedência de uma denúncia, é sua responsabilidade recomendar alteração ou suspender a veiculação do anúncio. O CONAR não exerce censura prévia sobre peças publicitárias, já que se ocupa somente do que está sendo ou foi veiculado. Mantido pela contribuição das principais entidades da publicidade brasileira e seus filiados – anunciantes, agências e veículos –, tem sede na cidade de São Paulo e atua em todo o país.”[4]


De acordo com o grifado, observa-se que o CONAR por ser um Conselho de Autoregulamentação não impõe de forma coercitiva nenhuma medida as agências de publicidade que veicularem propaganda contrária aos princípios éticos e jurídicos previsto na legislação brasileira, apenas recomenda a sua não veiculação. E também não regula a informação publicitária que é lançada na sociedade, uma vez que sua atuação na maioria das vezes ocorre por meio de denúncias. Não há efetiva fiscalização à propaganda mercadológica que são anunciadas, cabendo as agências apenas seguir “por espontânea vontade” o Código Brasileiro de Autoregulamentação Publicitária criado pelo CONAR.


A seção 11 do Código Brasileiro de Autoregulamentação Publicitária discorre sobre os interesses de crianças e adolescentes e informa que “nenhum anúncio publicitário dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança” conforme previsão do artigo 37:


Art. 37, II – Quando os produtos forem destinados ao consumo por crianças e adolescentes seus anúncios deverão:


a. procurar contribuir para o desenvolvimento positivo das relações entre pais e filhos, alunos e professores, e demais relacionamentos que envolvam o público-alvo;


b. respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade do público-alvo;


c. dar atenção especial às características psicológicas do público-alvo, presumida sua menor capacidade de discernimento;


d. obedecer a cuidados tais que evitem eventuais distorções psicológicas nos modelos publicitários e no público-alvo;


e. abster-se de estimular comportamentos socialmente condenáveis.” (grifou-se)


Observa-se que o inciso II do artigo 37 informa que a publicidade mercadológica pode ser destinada à crianças e adolescentes, observados alguns requisitos, quando sob os preceitos da Doutrina da Proteção Integral, esses anúncios que envolvam crianças e adolescentes como público alvo deveriam ser direcionados aos pais e/ou responsáveis. A redação das alíneas “b” e “c” indicam que a criança e o adolescente, por estar em processo de desenvolvimento não tem capacidade reflexiva e crítica sobre o conteúdo publicitário que lhes é anunciado, o que pode vir a acarretar no consumismo precoce.


Por isso, ao se considerar que o foco desta pesquisa é a preocupação com a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes expostas à propaganda mercadológica, resta saber se a autoregulamentação do CONAR é mecanismo suficiente para evitar o consumismo precoce.  É imprescindível para que haja efetiva mudança, pensar em ações conjuntas envolvendo a sociedade, a família e o Estado.


6. Conclusão


Atualmente no Brasil não há regulamentação normativa voltada para combater a publicidade mercadológica para crianças e adolescentes, há apenas a autoregulamentação imposta para as agências de publicidade pelo Conselho Nacional de Autoregulamentação (CONAR). O CONAR é um órgão não-governamental formado por membros da sociedade civil, sendo que muitos destes são vinculados às próprias agências de publicidade, o que resta apenas confiar que dêem uma atenção devida ao tema. 


Indivíduos conscientes e responsáveis são à base de uma sociedade mais justa e fraterna, que tenha a qualidade de vida não apenas como um conceito a ser perseguido, mas com uma prática a ser vivida.


É necessário que o processo de mudança e conscientização sobre a temática envolva toda sociedade, capaz de acionar um processo de mobilização da opinião pública que abarque a proteção de crianças e adolescentes expostas à publicidade mercadológica.


Destaca-se, a urgência que o Estado, a família e a sociedade têm em cumprir o seu papel, enquanto garantidores dos direitos de crianças e adolescentes. Trata-se de proposta de pesquisa em relação a um tema preocupante o qual poderá trazer contribuição histórica significativa.


A publicidade mercadológica tem como objetivo principal a persuasão para o consumo do item anunciado. É importante que se comece a desenvolver pesquisas sobre este tema de tamanha importância na sociedade atual, porque o consumismo infantil é uma questão urgente e de interesse geral que envolve questões éticas (valores) decorrentes deste processo.


É de fundamental importância verificar se a autoregulamentação imposta às agências de publicidade é mecanismo suficiente para resguardar os direitos de crianças e adolescentes. Para a compreensão dos temas que envolvem a garantia dos direitos da infância e adolescência e questões referentes aos estudos sobre publicidade versus consumismo precoce. É imprescindível um estudo aprofundado sobre Direito da Criança e do Adolescente e sobre as questões éticas, sociais e jurídicas que envolvem o consumismo decorrente das informações publicitárias mercadológicas. 


Essa reflexão, portanto, interdisciplinar entre o Direito e a Sociologia vai possibilitar a compreensão da necessidade urgente em estudar o Direito da Criança e do Adolescente a partir também da perspectiva da sociedade de consumo. A escolha por esses dois marcos teóricos permitirá uma análise mais concisa acerca da necessidade de implantação de mecanismos jurídicos que protejam de forma efetiva os direitos de crianças e adolescentes para além da via da autoregulamentação. 


 


Referências

BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. (Orgs.) Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. O estudo do consumo nas ciências sociais contemporâneas. In: BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. (Orgs.) Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação de pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BJURSTRÖM, Erling. A criança e a propaganda na TV: um estudo crítico das pesquisas internacionais sobre os efeitos dos comerciais da TV em crianças. Tradução Interverbum. 2 ed. Impresso em Lenanders Trykeri, Kalmar, 2000. ISBN: 91-7398-456-8.

BONAVIDES, Paulo. A evolução Constitucional do Brasil. Estudos Avançados. 14 (40), Scielo: 2000.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, n. 191-A, 05 de out. 1988.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 de jul. 1990. 

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo: limites e perspectivas para a sua erradicação. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.

CUSTÓDIO, André Viana. VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho Infantil: a negação do ser criança e adolescente no Brasil. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2007.

DENARI, Zelmo, A comunicação social perante o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. n. 4. São Paulo, 1992.

HENRIQUES, Isabella Vieira Machado. Publicidade abusiva dirigida à criança. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2007.

LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1991.

MAHUAD, Ana Maria. A vida das criança de elite durante o império. In: PRIORE, Mary Del.(org) História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto,1999.

MANCEBO, Deise; OLIVEIRA, Dayse Marie; FONSECA, Jorge Guilherme Teixeira da  and  SILVA, Luciana Vanzan da. Consumo e subjetividade: trajetórias teóricas. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2002, vol.7, n.2, pp. 325-332. ISSN 1413-294X.

OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de. Monografia Jurídica: orientações metodológicas para o trabalho de conclusão do curso. Porto Alegre: Síntese, 1999.

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

PEREIRA, Tânia da Silva (coord). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. Col. Para um novo senso comum, v. 4. São Paulo: Cortez, 2006.

SOUZA, Marli Palma. Crianças e Adolescentes: Absoluta Prioridade? Revista Katalysis, Florianópolis, n. 2, p. 44, 1998.

SCHERER-WARREN, Ilse. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da globalização. São Paulo: Hicitec, 1999.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1999.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Vol. 5. Coleção Resumos Jurídicos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.

VERONESE, Josiane Rose Petry. A criança, o adolescente e a televisão: proteção jurídica. In: COSTA, Marli Marlene; PORTO, Rosane Terezinha Carvalho; REIS, Suzéte da Silva. (Org.). Direito, Cidadania & Políticas Públicas IV. Curitiba: Multidéia, 2010.

VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA. Marli Marlene Moraes da. Violência Doméstica: Quando a vítima é criança ou adolescente uma abordagem interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC, 2006.

 

Notas:

[1] O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 recentemente sofreu alterações decorrentes da Emenda Constitucional nº 65, de 13 de julho de 2010 e passou a vigorar com a seguinte redação: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Embora a categoria “jovem” tenha sido incluída na redação do artigo que regulamenta o Direito da Criança e do Adolescente neste país, este ensaio não abarcará os direitos de juventude, pois entende em que em muitos casos há incompatibilidade entre as duas doutrinas. Assim, estes estudos destinam-se sobre os direitos da infância e adolescência sob os preceitos jurídicos, sociais e políticos contidos na Doutrina da Proteção Integral e no Estatuto da Criança e do Adolescente.   

[2] Outros princípios regidos pelo Direito do Consumidor deverão ser estudados ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, entre os quais destacam-se: 1) princípio da boa-fé e da equidade; 2) princípio da veracidade da mensagem publicitária; 3) princípio da não-abusividade da publicidade; 4) princípio da reparabilidade objetiva dos danos publicitários.  

[3] Embora a legislação se refira apenas a falta de maturidade da criança, a Doutrina da Proteção Integral consubstanciada pelo Direito da Criança e do Adolescente entende que os adolescentes (pessoas de 12 à 18 anos de idade) também encontram-se em fase peculiar de desenvolvimento e que por isso, os anúncios publicitários dirigidos à eles também merecem atenção e proteção do Estado, da família e da sociedade, porque também são facilmente influenciáveis ao consumismo, assim como, as crianças. 

[4] Informação disponível em: http://www.conar.org.br/ Acesso em 20 de ago. de 2010.


Informações Sobre o Autor

Fernanda da Silva Lima

Mestra em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – Ufsc (2010), Bacharel em direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc (2007). Professora de Direito da Criança e do Adolescente no curso de Direito da CESAG/Faculdade Uniban, São José/ SC. Integrante do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (NEJUSCA/UFSC). Pesquisadora na área de Direito Público, com ênfase em Direito Constitucional, Direitos Humanos e Direito da Criança e do Adolescente. Participa da diretoria colegiada do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente Trabalhador (FETI/SC). Consultora em políticas públicas.


logo Âmbito Jurídico