A recente tragédia acontecida em Realengo, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, quando um indivíduo entrou armado na escola pública Tasso da Silveira, e proferiu disparos nos alunos e que terminou com doze óbitos e feriu mais de vinte pessoas nos remete a várias reflexões.
A primeira dessas referente ao tratamento ou descaso deferido aos portadores de problemas mentais… e, não é só na escola que passa desapercebido sintomas claros e evidentes de pertubações patológicas mentais… e, ainda, a política pública de segurança pública, de saúde pública e por fim da educação pública.
Seria mesmo possível evitar ou mitigar ao máximo a tragédia ocorrida? Seria a indiferença, a miséria ou o desamor e abandono que enlouquecem?… Podemos acreditar na sentença fatal da genética que corroborada com as notícias que apontam que sua mãe biológica já apresentava problemas mentais?
Teria a religião ateado fogo a uma mente doentia e transformado tudo num inferno sangrento e inexplicável?
Como podemos apagar de nossas consciências a morte de inocentes… que estavam numa sala de aula, se sentindo num ambiente seguro de aprendizagem, ao lado de seus professores e colegas, num instante de construção e edificação do saber e do viver..e são colhidos subitamente por um assassino insandecido que atirou para matar pois mirava preferencialmente cabeça e tórax.
Muitas perguntas nos assombram: como há tamanha facilidade para aquisição de armas, de recarregadores e ainda como tinha tanta habilidade e, ainda, como é falha indubitavelmente a nossa política de desarmamento.
A nossa Columbine não trará os resultados que trouxeram a tragédia original… certamente não iremos construir portais detectores de metal e nem instaurar à porta de cada estabelecimento de ensino uma segurança digna de caixa forte…
A Presidente Dilma Rousseff com a forte sensibilidade de mulher e comandante do país e que recentemente recebeu honraria militar nunca dantes deferida à nenhuma brasileira, expôs publicamente sua sensibilidade e a voz embargada em pedir um minuto de silêncio pelos brasileirinhos ceifados pela violência urbana e insana.
Acredito sinceramente que nesse minuto de silêncio procurou intimamente buscar quais mecanismos, quais métodos e quais formas podemos frear tal descalabro.
O que realmente podemos fazer enquanto nação emergente e civilizada para garantir que pelo menos na escola exista um mínimo de segurança?
Não temos segurança nos bancos, nas ruas, nas praças, no aeroportos e nem no recesso de nossos lares.
Passaram na youtube imagens do circuito interno da escola, por que não tinha ninguém assistindo?E assim que detectado prontamente o perigo? Por que não se procurou inibir, impedir ou fazê-lo parar?
O curioso é que o policial herói da ocasião o Sargento PM Márcio Alves(e duplamente herói em razão de seu salário e suas ferramentas de trabalho) fora chamado por acaso por um dos estudantes já baleados …
O que podemos pedir além de preciosas doações de sangue para o HEMORIO? Como salvar essas vidas, com planejamento e responsabilidade, com práticas diárias e construtivas e, não apenas emergenciais e desesperadas.
Por que só lembramos da tramela quando a porta já se encontra arrombada??
Como nos preparar para o pior, para o surto de um doente mental? A gestão de políticas públicas é mesmo importantíssima para nos garantir não só o crescimento econômico mas principalmente um desenvolvimento sustentável.
Um engajamento de toda a sociedade nos objetivos que primamos atingir. Queremos uma educação que capacite nossos filhos para o mercado do trabalho, para a vida, e principalmente para prosseguir nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Para que concretize uma sociedade justa e igualitária.
Onde o preciosíssimo valor da dignidade humana venha trazer o tratamento adequado aos doentes mentais, onde nas escolas tenhamos profissionais de Psicologia que possam pré-diagnosticar, e encaminhar aos serviços adequados àqueles que precisam de ajuda terapêutica ou ainda que seja psiquiátrica. Por que não percebemos o elefante na sala de estar?
O que nos falta realmente para que não sejamos vítimas impotentes e sequestradas pelo acaso?
Como podemos combater de forma adequada e segura o bullying? Aliás, adianta criminalizar?
O fenômeno denominado com school shooting (tiroteio em escola) vem gritando por atenção mundo afora, principalmente após a tragédia de Colombine HighSchool, na cidade de Colorado nos EUA em 1999.
Quando um inocente morre sem que façamos nada, é pouco da humanidade se esvaindo pelo ralo da indiferença e da solidão.
E, tivemos ainda o estudante sulcoreano Cho Seung-Hui que encabeçou o massacre ainda maior, com 32 (trinta e duas) vítimas na Virginia Polytechnic Institute and State University, também se suicidando ao final.
Durante muito tempo o massacre em Columbine chocou a população mundial e mesmo quando o rapaz sulcoreano protagonizou outro massacre se referiu e convocou todos os “fracos” a fazerem o mesmo que ele e se refere aos atiradores de Columbine como mártires.
Os atiradores deixam por vezes bem claro que seu alvo é a escola, o que a instituição representa, bem como a própria sociedade da qual se consideram vítimas e perseguidos.
Inicialmente esse tipo de tragédia foi considerada por muitos como fenômeno peculiarmente norte-americano, não trazendo maiores preocupações para o resto do mundo.
Mas, em outros países, se verificou o mesmo, na Alemanha, na Suécia e no Canadá.
Os pesquisadores balizados chamaram a atenção para fatores ambientais significativos para o aparecimento de atiradores. E, para dados em comum nessas tragédias.
Chamam a atenção para o fato dos problemas comportamentais aprensentados na infância e na adolescência e repercutindo fatalmente na vida adulta, e que os pais e/ou responsáveis possuem efetiva participação nesse processo.
A teoria dos sistemas ecológicos de Bronfenbrenner é uma teoria que trata do desenvolvimento humano que considera a ecologia dos relacionamentos dentro dos ambientes dos quais a criança participa.
Para essa teoria, a família é o primeiro ambiente da criança, denominado de microssistema, onde ocorrem as primeiras interações sociais e onde se forma as díades (relação mão-filho, pai-filho).
Com o evoluir dessas relações, essas vão se expandindo, permitindo à criança novas interações. É na família que ensaiamos nos papel social.
O microssistema familiar é a mais forte fonte de afeto, segurança, proteção e bem-estar permitindo o desenvolvimento crucial do senso de estabilidade nos primeiros anos de vida.
O senso de permanência que se refere à segurança são elementos centrais da experiência de vida e que são organizados dentro das rotinas diárias das famílias.
A ausência de interações saudáveis entre pais e filhos pode afetar o desenvolvimento afetivo das crianças e sua preparação para via social dos anos posteriores.
Mesmo avaliando tais interações no sistema familiar, é importante ressaltar a diferenciação existente entre estilos parentais e práticas educativas, principalmente em razão de matrizes culturais, sociais e políticas.
As práticas educativas se referem a estratégias que os pais utilizam para atingir objetivos específicos e relacionados a diferentes domínios (como o social, cultural, acadêmico e, etc).
O estilo parental diz respeito ao padrão característico das interações. Por exemplo, o uso de punição física e outras medidas abusivas pressupõe um estilo parental autoritário, onde prevalece o alto nível de controle e a extrema pobreza de afeto nas maioria das interações.
Por outro lado, o estilo parental indulgente, no qual há uma combinação de baixo nível de controle com alta responsividade. Apesar de os pais indulgentes conseguirem se comunicarem com seus filhos, não os monitoram e atendem às suas demandas, não estabelecendo por vezes regras e limites e não criando a necessária responsabilidade e maturidade.
Já o estilo negligente é caracterizado pela falta de monitoramento dos filhos pelos pais, ausência de regras evidenciadas a serem seguidas no ambiente familiar e ocorrendo baixo nível de interação e de afetividade.
Tanto o estilo indulgente e o negligente são marcados por pais que permanecem à distância em relação à rotina dos filhos, furtando-se de orientá-los acerca de seus comportamentos, crenças, expectativas, emoções e, etc.
Cecconello et al. apresentam o modelo autoritativo, o que se diferencia tanto do modelo autoritário quanto do negligente e indulgente, caracterizando-se pela participação dos ais na vida dos filhos com estabelecimento de regras e limites claros que devem ser combinados com interações afetivas adequadas.
Nesse estilo observa-se a demanda por responsabilidade e maturidade, desenvolvendo bom nível de competência social e assertividade.
Também apresentam melhores níveis de adaptação psicológica, auto-estima, autoconfiança e menores níveis de problemas comportamentais, ansiedade, depressão e outros males relacionados com o estilo autoritário parental.
Ambientes sociais inadequados desenvolvem psicopatologias e, aí podemos ter os efeitos maléficos do bullying e outras práticas que devem ser combatidas de forma adequada na escola, na família, no trabalho e na sociedade em geral.
Reconhecidos pesquisadores que são psiquiatras e psicólogos clínicos ligados ao Federal Buerau ofInvestigation (FBI) apresentam relatórios sobre o perfil psicológico dos assassinos, destacando características de personalidade e psicopatologias, que normalmente provovam problemas de discriminação e de procedimentos constrangedores por parte da escola.
Criando clima tenso e gerando ainda maiores complicações a esses indivíduos que passam ser socialmente identificados como inaptos e perigosos assassinos em potencial.
De qualquer maneira, as medidas severamente drásticas de segurança acabam por gerar maiores problemas e provocam uma percepção distorcida e nem mesmo o surgimento de policiamento especializado em escolas logram em evitar as tragédias através da mídia.
Também é perigoso imaginar que em face das informações veiculadas pela mídia que a população passar a superestimar o perigo e o risco de vida que correm as crianças e adolescentes na escola. Mas procuremos enfatizar a construção do perfil psicológico dos atiradores e nas técnicas de prevenção e redução desses fenômenos.
Mas, alguns traços são reveladores como: a incapacidade dos agressores de lidarem com perdas afetivas e significativas e ainda falhas pessoais, o interesse por mídias violentas (filmes, jogos, livros, músicas), o fato de terem sido vítimas de perseguições e humilhações por colegas, familiares, vizinhos e ainda a manifestação clara de comportamentos que revelam a necessidade de ajuda.
No entanto, Clabaugh e Clabaugh apontam que tal procedimento dos psicólogos e psiquiatras que tentam justificar o fenômeno a partir do perfil psicológico dos atiradores como erro de atribuição.
E, apontam que devem ser analisadas dentro de rede causal que se desenvolve principalmente na ambiência social, sendo que as psicopatologias podem se desenvolver ou se potencializar em decorrência de fatores ambientais.
Há de se ressaltar ainda que não há uma uniforme definição de bullying ainda assim a maioria dos estudiosos identificam que ocorrem agressões físicas e verbais (ofensas, humilhações, ridicularizações) e que persistem por longo tempo, em uma relação onde existe um desequilíbrio, onde a vítima tem sérias dificuldades de se defender.
O sociólogo americano Ralph W. Larkin em sua obra “Compreendendo Colimbine”, discute o tema de forma coerente com a opinião de Clabaugh e Clabaugh e confirma a relevância dos comportamentos dos atletas contra Harris, Klebold e outros alunos caracterizados como outsiders (diferente dos estereótipos dos alunos populares).
Para Larkin os principais fatores que influenciaram a ocorrência da tragédia foram a vingança contra os atletas que os perseguiam e humilhavam, contra os estudantes evangélicos que agiam como se fossem moralmente superiores, e também pela influência da cultura paramilitar norte-americana combinada com o ensejo de notoriedade que poderia ser alcançado através de um óbito glorioso.
Tem-se notado a preocupação de se eximir os familiares dos atiradores de qualquer tipo de culpa pelas tragédias.
Mas, é compreensível o temor às represálias contra os familiares, principalmente se tinham conhecimento prévio da psicopatologia e abandonou o parente à própria sorte.
No entanto, Eva Fjallstrom considera que em cada tragédia existe sempre uma família responsável, mas não significa apontar tais famílias como suas causas, mas que tiveram relevante participação.
Nos vídeos feitos pelos adolescentes atiradores de Columbine demonstraram remorso com relação aos pais, e pedem perdão a estes, alegando que foram bons pais e que nada poderiam fazer para evitar a tragédia.
Mas as evidências apontam que eram pais indulgentes que, apesar de manterem um realcionamento afetivo aparentemente saudável com seus filhos, não os monitoravam e sequer fixaram limites e orientações significativas.
Portanto, afeto positivo em si só, não significa suficiente contribuição dos pais para o bom desenvolvimento dos filhos.
É imprescindível haver o monitoramento e a fixação de limites e orientações claras, e a forte evidência disso foram as descrições de armas, bombas e outros artefatos guardados pelos adolescentes em seus quartos. De forma abundante e que seriam facilmente encontrados.
De qualquer modo o histórico de solidão patológica, de humilhações, segregações desumanizadoras sofridas no ambiente escolar parece ter sido muito significativo.
Devíamos nos perguntar: por que não fizemos as perguntas certas, para evitar impasses e soluções difíceis?
Os atiradores se enredaram em vinganças e fantasias de heroísmo, numa busca de pureza e superioridade comprovando a quão embargada estava sua autoestima e maturidade.
Observamos também que o dia escolhido, data de aniversário da escola, que completava quarenta anos, revela um fenômeno chamado copy cat, revelam o teor forte de ressentimento direcionado à escola e ao que vivenciou naquele ambiente.
Ainda enfocando os locais das tragéidas, consideram os estudiosos que tais ambientes altamente competitivos como o escolar, podem travar disputas por popularidade e auto-afirmação onde existem indivíduos que serão sempre segregados.
E, quando são privados de relevantes interações sociais necessárias para o desenvolvimento de filosofia moral e de meios adequados de expressão,utilizando muitas vezes da violência extrema para serem notados e glorificados.
O desenvolvimento de competências sociais do indivíduo e mesmo quando já adulto depende certamente de certo grau de oportunidades anteriores.
A presença de pais efetivos, atuantes e reflexivos no cotidiano dos filhos pode contribuir para a vingança e as interpretações distorcidas de atos heróicos violentos sejam questionados e modelos adequados sejam construídos e apresentados aos filhos.
Dessa maneira, pais presentes podem identificar que seus filhos são vítimas de bullying e proceder as intervenções e cuidados necessários para protegê-los e acionar a escola e seus representantes a exercerem seu papel repressor quando necessário.
Se até recentemente o Brasil não conhecia tais tragédias como as ocorridas em Columbine e em Virginia Tech, outras formas de violência têm sido observadas dentro do contexto escolar (professores agredidos, funcionários agredidos e ameaçados), depedração do patrimônio e agressão interpessoal.
Já se verifica que o porte de armas de fogo e também as chamadas “armas brancas” vem sendo relatado muito frequentemente nas escolas brasileiras, e resultando em ferimentos graves e mortes nos conflitos entre estudantes.
Aqui no Brasil os níveis de pobreza, o tráfico de drogas e as distorções sociais e culturais são comumente apontadas como causas relacionadas com a violência na escola.
E, também no Brasil se mostra significativa a influência do ambiente familiar tanto na prevenção da violência como nas políticas de intervenção.
Apesar de existirem fatores de natureza diversa na realidade brasileira como em outras culturas diferentes da cultura norte-americana, a divulgação das tragédias ganhou imenso destaque em todo mundo.
Portanto, é razoável concluir que tais tragédias significam um cruel desfecho de longo processo que se iniciou com as primeiras interações sociais ocorridas na família e que vieram se desdobrando pelos anos de escola e universidade.
Desta forma, é equivocado rotular o atirador como mero psicopata animal, é importante realçar a percepção de tais psicopatias o mais cedo que possível, para oferecer não só tratamento como uma profilaxia regular para interferências violentas no ambiente escolar.
Alguns consideram que as explicações trazidas e referentes aos fatores externos aos atiradores possuem o fito de eximi-los de culpa pelas tragédias e mortes que provocaram.
Esse não é o objetivo, o papel dos cientistas e estudiosos não é atribuir ou eximir de culpa os indivíduos, mas sim apresentar dados, explicações e observações que contribuam para compreensão do fenômeno e ainda possivelmente para a elaboração de possíveis soluções e prevenções desses fatores de risco.
Que todos se mobilizem nesse sentido, de fazer da escola o que esta realmente é uma ponte segura para o conhecimento, crescimento e prosperidade e não um lugar sombrio de zombarias, desrespeito e crueldades.
Resgatemos o valor imenso do professor, da educação, dos alunos e da combinação de todos esses fatores para termos cada dia um Brasil melhor…quando os inocentes não morrem.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.