Resumo: A partir da Teoria de Jürgen Habermas, esse trabalho realiza uma discussão acerca da validade da argumentação apresentada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no caso da cassação do governador do Maranhão Jackson Kepler Lago e seu vice Luiz Carlos Porto e a consequente nulificação dos votos por ele recebidos, ao diplomar a segunda colocada Roseana Sarney. Tendo a nulidade atingida à maioria dos votos e a dupla vacância ter ocorrido no segundo biênio do mandato, caberia a aplicação do art. 81 da Constituição Federal e o art. 224 do Código Eleitoral. Porém os Ministros do TSE desconsideraram esse argumento utilizando-se de uma argumentação inconstitucional e frágil. Este trabalho foi orientado pela Professora Drª Maria Sueli Rodrigues de Sousa.
Palavras- chave: Teoria Habermasiana. Soberania Popular. Agir Estratégico. Democracia
Abstract: Using the Jürgen Habermas Theory, this article performs a discussion about the validity of the argumentation presented by the Electoral Superior Court in the repeal case of the Maranhão’s Governor Jackson Kepler Lago and your vice Luiz Carlos Porto and the following nullification of the votes received by them, resulting into the nomination of the second place Roseana Sarney. Having the nullification achieved the majority of the votes and the double vacancy had occurred in the second half of the government period, could have happened the application of the art. 81 of the Federal Constitution and the art. 224 of the Electoral Code. None the less, the Electoral Superior Court Ministries do not follow this lead and use an incomplete and fragile argumentation.
Keywords: Habermas Theory. Popular Soberany. Estrategic Action. Democracy.
Sumário: 1. Introdução. 2. Análise da legislação. 2.1 Acerca da democracia habermasiana. 2.2. Do princípio da democracia e da soberania popular. 2.3 Análise da jurisprudência. 2.4 Da legitimidade do TSE. 3. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho destina-se a algumas reflexões acerca da constitucionalidade e consequente legitimidade da diplomação do segundo colocado em eleições estaduais quando há impossibilidade legal do candidato e vice-candidato eleitos virem a assumir os cargos.
Nas eleições de 2006, Jackson Kepler Lago e Luiz Carlos Porto elegeram-se governador e vice-governador do Maranhão no segundo turno com 51,82% dos votos contra 48,18% de Roseana Sarney. Entretanto, a Coligação “Maranhão a Força do Povo” da candidata derrotada nas eleições ajuizou recurso a favor da cassação dos diplomas do governador e vice-governador eleitos, alegando abuso do poder econômico, político e captação ilícita de sufrágio.
No dia três de março de 2009, o TSE julgou e decidiu por maioria pelo indeferimento dos diplomas de Jackson Lago e Luiz Carlos Porto e consequente diplomação da segunda colocada nas eleições quando passado o trânsito em julgado. Será feita no presente trabalho uma análise da decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre o recurso ajuizado pelo governador cassado do Maranhão, Jackson Kepler Lago, contra expedição de diploma em favor da segunda colocada nas eleições de 2006, Roseana Sarney. No entanto, não é intenção deste artigo adentrar no mérito da decisão do TSE sobre a cassação de candidatos supostamente envolvidos em crimes eleitorais, mas de analisar sobre a titularidade do poder executivo estadual.
Uma das premissas deste artigo é tratar do caso supracitado através da teoria de Jürgen Habermas por esse referencial teórico constituir-se num dos corolários da discussão sobre as bases da democracia moderna, abordando dentro da teoria habermasiana seus conceitos de Estado de Direito, democracia, Teoria Discursiva do Direito, Teoria da Ação Comunicativa, vontade racional e soberania popular.
2. Análise da legislação
Com a cassação do governador e vice-governador do estado do Maranhão a segunda colocada Roseana Sarney deve assumir o cargo? A Constituição Federal determina que:
“Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1°. Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.”
Ou seja, no caso da vacância ocorrer no primeiro biênio deve haver eleição direta, se ocorrer no segundo biênio a eleição deve ser feita indiretamente. Ainda sobre essa questão versa o artigo 224 do Código Eleitoral:
Art.224. Se a nulidade atingir a mais da metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Além da analogia com a Constituição Federal que deveria ser aplicada no caso estudado, a Constituição do estado do Maranhão regulamenta também acerca da titularidade do poder executivo estadual quando há vacância nos cargos.
“Art. 60 – Em casos de impedimento do Governador e do Vice-Governador do Estado, ou de vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício do Poder Executivo o Presidente da Assembléia Legislativa e o Presidente do Tribunal de Justiça.”
Art. 61 – Vagando os cargos de Governador e de Vice-Governador do Estado, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1o – Ocorrendo a vacância nos dois últimos anos do período governamental, a eleição para ambos será feita trinta dias depois da última vaga, pela Assembléia Legislativa, na forma da lei.”
Como Jackson Lago derrotou Roseana Sarney no segundo turno eleitoral com 1.393.647 votos representados por 51,82% do eleitorado maranhense, ou seja, mais da metade dos votos obtidos e estes foram anulados pelo TSE devido o envolvimento do candidato em crimes eleitorais, o Tribunal deveria marcar novas eleições, ainda que indiretas por a vacância ter ocorrido no segundo biênio, no prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias. Fica bem claro na análise desses preceitos do direito eleitoral brasileiro que, no caso, deveriam ocorrer eleições para determinar o novo governador e vice-governador do Maranhão, e não a diplomação da segunda colocada nas eleições.
Outro argumento utilizado por muitos, é que a ocorrência de novas eleições no segundo biênio demandaria um dispêndio de recursos vultosos por parte do poder público e tempo gasto desnecessariamente. Todavia, o disposto no art. 224 prevê a adoção de eleição indireta no último biênio justamente para evitar tais despesas, logo tal argumento é facilmente rechaçado. Se tivermos que avançar é necessário levar em consideração o texto constitucional, e não critérios inconstitucionais.
2.1 Acerca da democracia habermasiana
Para Habermas a democracia está fundada na junção do ideal republicano e liberal, ou seja, expressa o princípio jurídico possibilitador da formação discursiva da opinião e da vontade pública, onde a validade da norma é assentida pelos envolvidos nos discursos racionais (HABERMAS, 2002).
Habermas critica o ideal republicano e liberal tratados isoladamente. Porque o ideal liberal isolado visualiza a natureza do processo político situado no espaço público e no âmbito governamental como formador da opinião e da vontade política determinada pela competência entre atores coletivos que agem estrategicamente com o intuito de manter ou adquirir posições no poder. Já para os republicanos, esse processo de formação da opinião e vontade política não obedece às estruturas de mercado; mas a política é vista como espaço comunicativo em que o diálogo é direcionado pelo entendimento. Para Habermas, o viés liberal possui nuance pragmática enquanto o republicano idealista, por esse motivo ele opta por juntar as duas perspectivas em sua Teoria Discursiva (HABERMAS, 2002).
Ele propõe o imbricamento entre política e comunicação como modelo de uma sociedade democrática. Formula a partir desse conceito sua proposta de política e democracia deliberativa com o diluimento dos espaços institucionais para formação da vontade democrática composta por representantes do povo e da justiça; e construção de opiniões no campo extra-institucional.
Logo, para o ideal de democracia deliberativa habermasiano o sistema político deve estar ligado ao espaço público por intermédio de um processo comunicativo no qual a esfera extra-institucional demandaria e discutiria problemas a serem tratados pela esfera institucional e esta teria a função reguladora dos fluxos comunicativos (HABERMAS, 2002).
A escolha dos representantes, que é direito do povo, não pode ser feita de cima para baixo desobedecendo, desse modo, os trâmites legais constitucionais, além de princípios e leis salvaguardadas no ideal democrático. Nas decisões do TSE os fluxos comunicativos têm que perpassar a esfera pública e privada num processo dialógico, desse modo diplomar a segunda colocada no pleito eleitoral maranhense reflete o autoritarismo do Tribunal e tolhe o cidadão de expressar sua vontade.
O princípio democrático habermasiano transparece nos artigos constitucionais abordados, uma vez que novas eleições são exigidas como critério de escolha dos novos representantes. Assim, a democracia que legitima o Estado Democrático de Direito é a procedimentalista, sustentado na política deliberativa. Ou seja, a liberdade jurídica comunicativa não está assentada somente em leis, mas a partir de um processo de formação racional da vontade e da opinião pública inserida na esfera pública autônoma.
Então, a titularidade do poder executivo estadual para segunda colocada no pleito eleitoral não possui validade legítima, pois, segundo Habermas, os cidadãos não assumiram papel de protagonistas uma vez que não foi obedecida a opinião e a vontade na participação política da maioria da população.
2.2. Do princípio da democracia e da soberania popular
O Brasil, uma República Democrática, tem como base de seu Estado a vontade geral do povo que, representativamente, determina seus governantes através de eleições. O art. 1° da Constituição declara que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição” (grifo nosso). O povo na forma representativa deve determinar os governantes do país. A luz desses fundamentos consagrados pela legislação entende-se que a decisão do TSE de diplomar os segundos colocados é inconstitucional e arbitrária, por desconsiderar o princípio da democracia, da eletividade e da autodeterminação dos cidadãos brasileiros.
Como já referido, o sistema eleitoral brasileiro se determina democrático majoritariamente em eleições para provimento de cargos do poder executivo, sendo eleito o candidato que obtiver o maior número de votos. Se na eleição Jackson Lago e seu vice obtiveram a maioria dos votos é porque a população do estado rechaçou a segunda colocada, diplomá-la, então, seria conflitar com a vontade geral do povo maranhense.
Jürgen Habermas afirma que essa vontade comum reúne a consideração simétrica de cada indivíduo, de modo que a liberdade de cada um dependa dessa vontade de todos (HABERMAS, 2003, p.155). Este conceito é fundado a partir da ideia de autodeterminação dos cidadãos, uma vez que, os destinatários das normas jurídicas devem ver-se como seus co-autores do direito, ou seja, tendo sua vontade racional considerada. Então, como uma decisão determinada pelo TSE pode corresponder à vontade geral dos eleitores maranhenses, já que conflita tanto com o texto constitucional quanto com o CE que expressam a democracia e com o princípio da maioria assumido pelo sistema brasileiro? Tem o TSE legitimidade para ultrapassar o texto constitucional e decidir em nome de toda população maranhense?
2.3. Análise da jurisprudência
Para um Estado com bases democráticas, a jurisprudência não pode estar em dissonância com os preceitos constitucionais, portanto o Tribunal Superior Eleitoral não pode desconsiderar a Constituição Federal e Estadual Maranhense fundamentando-se em critérios irracionais. Este trabalho ao pesquisar outras decisões do TSE sobre a matéria analisada verificou que o Tribunal, na figura de seus ilustres ministros, não aplicou o exposto no artigo 81 da CF e no 224 do CE, diplomando o segundo colocado no pleito. Com Habermas entende-se que (…) a positividade do direito não pode fundar-se somente na contingência de decisões arbitrárias, sem correr o risco de perder seu poder de integração social (HABERMAS, 2002, p. 60).
Um dos argumentos utilizados para não aplicação do artigo 224 foi o superveniente:
“Afasto, por fim, a incidência do disposto no artigo 224 do Código Eleitoral, justificando esse afastamento trecho do parecer do Ministério Público que passo a transcrever:
“Reconhecida a prática de conduta vedada e abuso de poder, com a cassação dos diplomas dos recorridos, há de ser diplomada a candidata Roseana Sarney, que perdeu a eleição apenas em segundo turno por pequena margem de votos, afastando-se no caso a aplicação da regra do artigo 224 do Código Eleitoral (grifo nosso). Essa a orientação estabelecida no Acórdão n° 21.320 desse Tribunal Superior Eleitoral, verbis:
‘(…) Nas eleições disputadas em segundo turno (CF, art. 77, S 3°; Lei n° 9.504/97, art. 2°, S 1°), considera-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos. Não incidência, na situação posta, da norma do artigo 224 do Código Eleitoral. Cassado o diploma de Governador de Estado, eleito em segundo turno, pela prática de ato tipificado como conduta vedada, deve ser diplomado o candidato que obteve o segundo lugar. ‘
(RESPE N° 21.320, rei. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 17/06/2005)” (grifos no original).
Porém o referido fundamento torna-se inválido porque o art.224 do Código Eleitoral não determina qual deve ser a diferença de votos recebidos pelos candidatos, mas apenas regula que caso haja nulidade de mais da metade dos votos, o Tribunal deverá marcar data para novo pleito. Além disso, ao analisar a jurisprudência do TSE notou-se divergência entre decisões de ministros do Tribunal.
“[…] Recurso especial provido para que o Tribunal Regional julgue o mandado de segurança, mantendo-se sustados os efeitos de diplomação de candidato classificado em segundo lugar.” NE: O candidato eleito teve o seu diploma cassado em ação de investigação judicial eleitoral por violação ao art.73, inc. IV, c.c. o § 5º do mesmo artigo, da Lei nº 9.504/97. A segurança, com pedido liminar, foi impetrada contra a diplomação do 2º colocado, sob a alegação de aplicação do art. 224 do CE.” (Ac. nº 4.399, de 30.9.2003, rel. Min. Luiz Carlos Madeira)
Em outra decisão do Ministro Luiz Carlos Madeira torna-se evidente a incongruência com o exposto acima na RESPE N° 21.320:
“Sendo nulos mais de 50% dos votos válidos dados a candidato inelegível, incide a norma do art. 224 do Código Eleitoral.” NE: Anulação da segunda disputa e determinação da terceira eleição. “Acompanho o eminente relator, aplicando o art. 224, porque o caso é de declaração de inelegibilidade. Penso que o art. 175, § 3º, tem aplicação automática, por se tratar de nulidade de voto dado a candidato que era inelegível […]”. (Ac. nº 20.008, de 12.11.2002, rel. Min. Luiz Carlos Madeira)
As decisões jurídicas são também consideradas normas por serem vinculativas e cogentes, devendo estar coerentes com o sistema do direito (HABERMAS, 2003, p.153). Qual o critério para decidir casos semelhantes utilizando-se argumentos tão díspares? Por que a não utilização de preceitos constitucionais ou regras do ordenamento jurídico se essas se encontram expressas na Constituição Federal, na Constituição orgânica do Maranhão e no Código Eleitoral? Pode o TSE decidir em nome de todo o povo maranhense? Afinal a quem pertence a soberania popular? “O tribunal tem que decidir cada caso particular, mantendo a coerência da ordem jurídica em seu todo” (HABERMAS, 2002, p. 295).
Outro argumento levantado a favor da diplomação de Roseana Sarney é que tal decisão serviria para punir Jackson Lago pelos crimes eleitorais por ele cometido e ressarci-la já que esta foi prejudicada com a captação ilícita de sufrágio. Porém, quem esta sendo verdadeiramente punido: Jackson Lago ou o povo maranhense? É legítimo prejudicar toda população em favor de uma única pessoa? Segundo Habermas:
“(…) para o que age estrategicamente, ela [a norma] se encontra no nível de fatos sociais que limitam externamente o seu espaço de opções; para o que age comunicativamente, porém ela se situa no nível de expectativas obrigatórias de comportamento, em relação às quais se supõe um acordo racionalmente motivado entre parceiros jurídicos.” (HABERMAS, 2002, p. 51)
O agir estratégico modifica a ação das instituições, como no caso da politização da justiça que é necessária, pois a relação entre os poderes do Estado deve ser harmônica, o problema encontra-se quando o controle é ultrapassado e ocorre a sobreposição de uma esfera sobre a outra. “O direito moderno continua sendo um meio extremamente ambíguo da integração social. Com muita frequência o direito confere a aparência de legitimidade ao poder ilegítimo” (HABERMAS, 2002, p. 62).
O relator do caso, Ministro Eros Grau, cita em sua fundamentação o seguinte texto do Ministro Presidente Carlos Ayres Britto que, segundo ele, resume os debates sobre o caso:
“(…) Aqui, estamos tratando de nulidade de votos obtidos no segundo turno, não de nulidade da eleição. A eleição não foi anulada, a eleição é válida. Votos conferidos a determinado candidato é que foram anulados. A eleição em segundo turno não é uma eleição estalando de nova; tanto não é que os candidatos são os mesmos, aliás, são os dois mais votados no primeiro turno. O eleitorado é o mesmo. Os registros eleitorais são os mesmos. Na verdade, trata-se de uma só eleição divida em dois momentos; há dois escrutínios, mas é uma só eleição que passa por esses dois momentos. A eleição de segundo turno foi causada pela eleição do primeiro. Então, quando se anulam os votos conferidos a um candidato em segundo turno – no caso, numericamente vencedor -, o intérprete retroage no seu raciocínio ao primeiro turno, para equacionar a situação, e fará um cálculo sobre os votos do primeiro turno remanescentemente válidos. Por que remanescentemente válidos? Porque, dos votos do primeiro turno, são excluídos aqueles conferidos ao candidato que, no segundo turno, veio a tê-los anulados”.
O Ministro tenta argumentar supondo que, como os votos recebidos por Jackson Lago no segundo turno foram nulificados então não devem ser apurados considerando somente o primeiro turno, o problema é que, o artigo 224 do CE é bem claro ao determinar necessária, na ocorrência da nulidade de mais da metade dos votos, a determinação de data para nova eleição. Ele continua:
“Assim, o intérprete retroage ao primeiro turno e apura a votação válida, aquela conferida aos candidatos que não tiveram contra si decreto judicial de nulidade de votos.
O que ocorre no caso do Maranhão? A candidata que tirou o segundo lugar na primeira oportunidade, agora com esses votos remanescentemente válidos, obteve cinquenta por cento mais um de votos? Obteve. Então, o princípio da majoritariedade, que é ínsito à democracia, foi observado. Não é caso, portanto, de se aplicar o artigo 224″. (RCED n° 671/MA, rel. Min. Eros Grau, 03.03.2009)
O Ministro entende que retroagindo ao primeiro turno a candidata Roseana Sarney é considerada eleita, respeitando-se o princípio democrático da maioria. Porém a lógica da análise da legislação representa o contrário, visto que o disposto no artigo 224 determina a necessidade de haver uma nova eleição justamente por considerar que, apenas diplomar o segundo colocado, quando a nulidade corresponde à maioria dos votos, é negar o princípio majoritário e não o inverso. O TSE com a referida sentença desconsidera a racionalidade e lógica interpretativas, age estrategicamente, o que torna sua fundamentação frágil e rapidamente desconstruída.
2.4 Da legitimidade do TSE
O TSE ao desconsiderar o princípio democrático, este instrumentalizado através de um procedimento discursivo de formação da opinião pública e da vontade através do direito, agiu, sob a perspectiva habermasiana, estrategicamente. O princípio discursivo afirma serem válidas apenas as normas (entende-se também as decisões jurídicas, pois têm efeito vinculativo e coativo) nas quais todos os atingidos se vejam como participantes e autores das normas jurídicas.
O povo, no primeiro momento rechaçou a segunda colocada, diploma-la foi uma afronta ao sistema democrático representativo. Subtraiu-se do eleitor o poder de expressar sua vontade, de autodeterminação. Além do que, a CF em seu art. 81 e o CE art. 224 são bem claros ao determinar a necessidade de novo pleito eleitoral, ainda que indireto. O processo decisório não pode ser feito de cima para baixo, impondo autoritariamente decisões ao povo sem o uso de um agir comunicativo.
O Tribunal Superior Eleitoral ao impor a titularidade do governo do estado do Maranhão a Roseana Sarney sem obedecer aos trâmites constitucionais e a um processo dialógico com o povo agiu estrategicamente indo contra a Constituição. Pois, de acordo com Habermas, a fundamentação do governo democrático não pode justificar-se pela filtragem do fluxo comunicativo no poder jurisdicional sem levar em consideração a opinião da esfera pública, mas com procedimentos e decisões sustentados no sistema deliberativo e fundamentados no ideal de justiça e nos discursos de autocompreensão (HABERMAS, 2002).
Não adianta avançarmos em termos constitucionais se o poder judiciário, guardião da Constituição, manobra leis desconsiderando o interesse público e princípios democráticos e a impedir, numa linguagem habermasiana, a passagem de fluxos comunicativos entre a esfera institucional e extra-institucional.
3. Considerações finais
Diante do exposto, pressupõe a exorbitância da esfera jurisdicional eleitoral ao diplomar o segundo colocado nas eleições quando o mandato do governante do poder executivo estadual é cassado por crimes eleitorais. De acordo com a teoria habermasiana, quando a decisão judicial não leva em consideração princípios constitucionais tais como soberania popular fundado no ideal de democracia ela torna-se ilegítima, por não constituir agir comunicativo, mas sim estratégico entre as esferas institucional e extra-institucional.
O Estado de Direito, segundo Habermas, é sustentado no ideal constitucional em coesão com a democracia, o que afasta, por conseguinte ações autoritárias e critérios irracionais de seu ideal de Estado proposto. Ao diplomar Roseana Sarney, o TSE agiu estrategicamente por desconsiderar em sua decisão preceitos democráticos expressos na Constituição Federal, Constituição Maranhense e Código Eleitoral, além de menosprezar jurisprudência do próprio tribunal em sentido oposto.
Como mencionado no decurso do presente artigo, Habermas visualiza o sistema jurídico como coeso, ou seja, cada decisão tem que estar em consonância com o sistema do direito. O que foi observado na jurisprudência analisada é que ela encontra-se divergente quanto à mesma matéria tratada, ou seja, o Tribunal decidiu de forma contrária quanto à titularidade do poder executivo estadual. Inferiu-se a partir das jurisprudências analisadas a insurgência do agir estratégico tratado pela teoria de Habermas.
O TSE ao diplomar a segunda colocada retirou o direito legítimo dos cidadãos maranhenses de exercer sua vontade através da escolha de seus representantes, não considerou o interesse público de forma equitativa. O eleitor, segundo Habermas, não se sentiu co-autor da decisão por esta não passar por um processo dialógico, democrático; configurando-se assim num processo ilegítimo por negar a base do Estado democrático de Direito: a Constituição.
Informações Sobre os Autores
Sara Maria Sumbér da Silva
Estudante de Direito.
Marcia Pereira da Cruz
Estudante de Direito.