Resumo: O presente estudo visa analisar o instituto da Querela Nullitatis Insanabilis, ou ação declaratória de nulidade insanável que, apesar de ter origem no Direito Medieval, ainda sobrevive no Direito Processual brasileiro. Adentraremos no universo de alguns atos processuais, como: citação e rescisória. Por fim, mostraremos as razões da permanência da querela nullitatis insanabilis em nosso ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Querela Nullitatis insanabilis. Ação declaratória de inexistência de sentença. Direito processual.
1 APRESENTAÇÃO
Estabelece o sistema jurídico brasileiro, constitucionalmente através do art. 5º XXXVI da CF, a garantia da coisa julgada. Torna definitiva e imutável a sentença proferida que não caiba mais recurso ordinário ou extraordinário (art. 467 do CPC). Fundamental é esta disposição, para a manutenção da segurança jurídica. Porém, isto não garante, em absoluto, que a coisa julgada não esteja sujeita a desconstituição. O mesmo sistema que garante esta imutabilidade prevê hipóteses excepcionais para sua desconstituição. São hipóteses legais: Ação rescisória e a ação anulatória. Existe ainda uma hipótese não prevista na legislação brasileira, porém, recepcionada pelos tribunais, que é a ação declaratória de inexistência de sentença.
O presente estudo dará ênfase à primeira hipótese legal demonstrada, qual seja, ação rescisória, e a hipótese sem previsão legal, porém aceita no ordenamento jurídico brasileiro, que é a ação declaratória de inexistência de sentença (querela nullitatis insanabilis)
Ao examinar as fases processuais, por vezes nos deparamos com atos viciados capazes de contaminar todo o processo. O ato de citar o réu de maneira inadequada, por exemplo, produzirá efeitos em todo o processo. A sentença não poderá surtir efeitos, visto que a citação, primeiro ato processual com participação do réu, está viciada, errada. A querela nullitatis insanabilis tem o objetivo de sanar tais vícios, ora considerados insanáveis, tornando a sentença inexistente em razão de um defeito pré-concebido, e que por isso contaminou todos os demais atos processuais.
2 – QUERELA NULLITATIS INSANABILIS – BREVE HISTÓRICO
O primeiro registro da querela nullitatis está marcado no direito romano. Em princípio, eram duas espécies de querela, sendo elas: nullitatis sanabilis e nullitatis insanabilis. A primeira (sanabilis), com o passar dos tempos, fundiu-se com os recursos de apelação, vista a possibilidade de saneamento dos vícios de menor gravidade. Já a segunda (insanabilis), com vícios não passíveis de convalidação, muito em razão da gravidade, permanece em nosso ordenamento jurídico, passando a figurar na ação declaratória de inexistência de sentença.
Sabe-se que a origem da querela nullitatis também está ligada à sentença laica e canônica, sendo a primeira mais estável do que a segunda, com meios próprios para impugná-la mais vastos do que aqueles vistos no ordenamento civil, especialmente no que se diz em relação a prazos.
A sobrevivência da querela nullitatis insanabilis em nosso ordenamento jurídico, mesmo sem previsão legal, se dá em razão da carência de ações próprias, capazes de sanar vícios considerados insanáveis. Dentre os defeitos capazes de tornar a sentença inexistente, temos: Vício na citação, surgimento de uma nova prova após o prazo decadencial da rescisória, afronta direta a princípios constitucionais, etc.
Neste sentido, é o posicionamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça brasileiro:
“PROCESSUAL CIVIL – NULIDADE DA CITAÇÃO (INEXISTÊNCIA) – QUERELA NULLITATIS. I – A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual não se constitui nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso.
II – Recurso não conhecido.” (REsp 12.586/SP, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER , DJU de 04.11.1991)
3 -TERMINOLOGIA
É comum que os termos nulidade e inexistência sejam dados como equivalentes pelos doutrinadores. Fato é que, apesar de ter a ação origem no Direito Romano, a distinção dos termos é matéria recente no universo jurídico brasileiro.
Literalmente, temos como definição das palavras citadas: “NULIDADE: 1. Qualidade de nulo. 2. Falta de validez. 5. Insignificância. 6. incapacidade. INEXISTÊNCIA: 1. Não existência. 2. Falta, carência.”1
Juridicamente, ato nulo é o “Ato desprovido de requisitos substanciais ou que fere a norma jurídica, sendo inquinado de ineficácia absoluta” e Ato inexistente é aquele que “não constitui um ato propriamente dito, de vez que a própria expressão ato inexistente constitui uma contradictio in adiectio”2.
Esta confusão em relação à querela se dá em razão do termo nullitatis, que nos remete ao entendimento equivocado de “nulidade”, ou ação que objetiva atacar sentenças nulas. O correto é referir-se ao termo “nullitatis” no sentido de inexistência, ação que objetiva atacar sentenças inexistentes.
Como se não bastasse o impasse doutrinário a respeito da definição e utilização do termo, o próprio Tribunal equivoca-se quanto à terminologia, vejamos:
“Não se conhece de agravo retido nos autos se a parte não requer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal. É irrelevante o nomem juris atribuído à actio, podendo a ação anulatória de ato jurídico ser apreciada como declaratória de nulidade (querela nullitatis) se a causa é fundada na ausência de citação, pois o essencial é a pretensão jurídica e a narrativa fática da inicial, prestigiando-se o brocardo narra mihi factum dabo tibi jus. Ação declaratória de nulidade por vício de citação é imprescritível, uma vez que a sentença não transita em julgado em razão de inexistir formação válida da relação processual. A falta de autenticação de cópia de documento é insignificante se não há impugnação de seu conteúdo. É nula, de pleno direito, a sentença proferida em ação de usucapião em que não foi citado aquele que possui o registro de imóvel sobreposto pela área usucapida (AC 41437 SC 2006.004143-7)”.
Esta distinção é indispensável, já que a ação rescisória é a ação adequada para atacar sentenças nulas, desde que observado o prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença, e as sentenças inexistentes poderão ser declaradas ou atacadas a qualquer tempo pela ação declaratória de inexistência de sentença.
Diante de tudo aquilo que foi exposto acima e daquilo que passará a ser demonstrado, é certo que o termo correto a ser utilizado para definir a querela nullitatis insanabilis é ação declaratória de inexistência de sentença.
4 -CITAÇÃO
Como dito anteriormente, a citação é o primeiro ato processual com a participação do réu; é o momento em que ele toma ciência de que há uma ação correndo em seu desfavor. Trata-se de um ato formal, onde se documenta a comunicação efetuada ao sujeito passivo da relação processual. É a partir daí que se iniciam os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Assim, o CPC, através do artigo 213, conceitua citação: “Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.”
Sob o aspecto legal, não há de se falar em processo sem a citação. Assim expõe o artigo 214 do Código de Processo Civil:“Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.”
São quatro as modalidades de citação enumeradas no artigo 221 do Código de Processo Civil: via correio; por oficial de justiça; por edital e por meio eletrônico.
4.1CITAÇÃO VIA CORREIO
A citação via correio, é a forma mais comum utilizada pelo direito processual brasileiro. É assim feita para qualquer comarca do país, sendo a citação na modalidade real. Apesar de ser a mais utilizada em nosso direito processual, a citação por correio é restringida em algumas situações pelo próprio CPC:
“Art. 222. A citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País, exceto:
a) nas ações de estado;
b) quando for ré pessoa incapaz;
c) quando for ré pessoa de direito público;
d) nos processos de execução;
e) quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência;
f) quando o autor a requerer de outra forma.”
4.2 – CITAÇÃO POR OFICIAL DE JUSTIÇA
A citação por oficial de justiça será utilizada nas ressalvas da citação pelo correio, supracitadas, ou quando frustrada.
O mandado de citação deverá conter todos os requisitos expressos no artigo 225 do CPC, sendo eles:
“Art. 225. O mandado, que o oficial de justiça tiver de cumprir, deverá conter:
I – os nomes do autor e do réu, bem como os respectivos domicílios ou residências;
II – o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a advertência a que se refere o art. 285, segunda parte, se o litígio versar sobre direitos disponíveis;
III – a cominação, se houver;
IV – o dia, hora e lugar do comparecimento;
V – a cópia do despacho;
VI – o prazo para defesa;
VII – a assinatura do escrivão e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.
Parágrafo único. O mandado poderá ser em breve relatório, quando o autor entregar em cartório, com a petição inicial, tantas cópias desta quantos forem os réus; caso em que as cópias, depois de conferidas com o original, farão parte integrante do mandado.”
Efetivada a citação por oficial de justiça, dar-se-á por completo o primeiro ato processual com a participação do réu.
4.3 – CITAÇÃO POR EDITAL
Far-se-á a citação por edital quando:
“Art. 231. Far-se-á a citação por edital:
I – quando desconhecido ou incerto o réu;
II – quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar;
III – nos casos expressos em lei.
§ 1o Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória.
§ 2o No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão.”
Apesar de ser a modalidade menos utilizada no dia-a-dia, é na citação por edital onde se aponta o maior número de defeitos. Comumente, a parte que requer a citação por edital a fim de alcançar a revelia alega, dolosamente, que o domicílio do réu é desconhecido ou incerto.
Ensina-nos, Theotonio Negrão3, que será “nula a citação por edital se previamente não foram esgotados todos os meios possíveis para a localização do réu (JTA 121/354)”
4.4 – CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO
A citação por meio eletrônico é a modalidade mais recente prevista no CPC. Sua previsão legal está no artigo 221, inciso IV do CPC e regulado pela Lei nº11.419/06.
Para que seja válida a citação por meio eletrônico, deverão ser atendidos dois requisitos básicos legais: a) prévio cadastro de usuário do portal próprio do Poder Judiciário; b) acesso à íntegra dos autos pelo citado. Na falta de algum dos requisitos, ou mesmo que algum esteja incompleto ou errado, considerará defeituosa a citação.
Por ser recente (2006), a citação por meio eletrônico ainda é uma modalidade pouco utilizada nos dias de hoje.
Demonstradas todas as modalidades de citação, vale frisar que sendo inválida, nula ou inexistente, todo o processo estará viciado, pois não ciente de que tenha uma ação a seu desfavor, o réu não poderá exercer o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, tornando assim a sentença inexistente de plano direito.
Nesse mesmo sentido, leciona Cândido Rangel Dinamarco4:
“[…] Considerada toda essa importância política e sistemática da citação, solenemente a lei a declara indispensável para a validade do processo (art. 21, caput). À falta dela, o processo todo será viciado, inclusive o ato final consistente na sentença de mérito (processo de conhecimento) ou entrega do bem (execução).”
Assim também é entendimento dos renomados professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery5:
“3. Pressuposto processual de validade. Uma vez realizada, o sistema exige que a citação tenha sido feita validamente. Assim, a citação válida é pressuposto de validade da relação processual. Em suma: a realização da citação é pressuposto de existência e a citação válida é pressuposto de regularidade da relação processual. Em suma, pressuposto de validade da relação processual: citação válida”
5 – QUERELA NULLITATIS NA CITAÇÃO VICIADA
Como dito anteriormente, Querela nullitatis insanabilis é, a grosso modo, uma ação declaratória de inexistência de sentença. Encontra-se neste instituto um instrumento capaz de solucionar vícios insanáveis que afetam todo o processo.
Sendo inválida a citação, todo o processo estará viciado. Não há possibilidade nem cabimento dar prosseguimento ao processo, já que um dos atos mais indispensáveis está viciado. A citação é o ato em que o réu é chamado ao processo, é o momento em que ele toma ciência da existência de uma ação em seu desfavor. Por isso, esta deve estar em perfeita sintonia com o processo e desprovida de defeitos.
São encontrados muitos defeitos nas citações, algumas dolosas pela parte, e outras simplesmente defeituosas desde sua formulação, como seria o caso da citação por meio eletrônico com a ausência de algum dos requisitos legais. A citação por edital, com um rol taxativo de possibilidades de utilização, é um dos que demonstram uma maior quantidade de vícios, estes que perduram, por vezes, até a sentença, tornando-a viciada e, em consequência, inexistente.
A querela nullitatis insanabilis, é uma maneira pouco utilizada, porém eficaz no saneamento de tais vícios. Este é o entendimento jurisprudencial e doutrinário. Diz-nos Pedro Ubiratan Escorel de Azevedo6
“É dizer: a tese da querela nullitatis insanabilis sobrevive no direito brasileiro? Dúvida não há, nesse sentido, no que concerne à ação em que a citação do réu não ocorreu ou ainda se deu em circunstância de manifesta nulidade (v.g., para o primeiro caso, a ação de usucapião em que confrontante conhecido ou a pessoa em nome de quem o imóvel está registrado não foi citada e, para o segundo, citação de menor, conhecido seu tutor ou curador)”
Neste mesmo sentido é o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região:
“QUERELA NULLITATIS. CABIMENTO.
Pretendendo-se extirpar do mundo jurídico uma sentença judicial por vício insanável comprometedor da sua própria existência, como na hipótese da inobservância do disposto no art. 47 do CPC, a doutrina admite a propositura de ação declaratória, a qual denomina de querela nullitatis, com amparo no art. 4º, I, do CPC. Recurso ordinário conhecido e provido. (RO 954200900410000 DF 00954-2009-004-10-00-0 )”
Por fim, comunga este entendimento o nosso Egrégio Supremo Tribunal Federal:
“Ação declaratória de nulidade de Sentença por ser nula a citação do réu revel na ação em que ela foi proferida.
1. Para a hipótese prevista no artigo 741, I do atual CPC – que e a da falta ou nulidade de citação, havendo revelia – persiste, no direito positivo brasileiro – a “querela nullitatis”, o que implica dizer que a nulidade da sentença, neste caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que em rigor, não é cabível para essa hipótese(RE 97589 SC)”
6 – AÇÃO RESCISÓRIA
Ação rescisória é uma ação autônoma que objetiva desfazer efeitos da sentença já transitada em julgado, ou seja, aquela que não caiba mais nenhum tipo de recurso, visando um vício existente que a torne anulável.
Para alguns, a ação rescisória tem natureza desconstitutiva (tira os efeitos de uma outra decisão que está vigorando). Para outros, a natureza da ação é declaratória de nulidade da sentença (reconhecer, através dos vícios apresentados, que a sentença não poderá surtir efeitos).
A ação rescisória visa, tão somente, atingir aquelas sentenças anuláveis, que serão sanadas desde que dentro do prazo decadencial para sua propositura.
O rol de admissibilidade da ação rescisória pelo CPC é bastante enxuto e taxativo, sendo ele exposto através do Artigo 485 do CPC:
“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I – se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV – ofender a coisa julgada;
V – violar literal disposição de lei;
Vl – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
Vll – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;
VIII – houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
§ 1o Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2o É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.”
A ação rescisória é de competência dos Tribunais Superiores. Ensina-nos Luiz Rodrigues Wambier7:
”A ação rescisória é de competência originária do segundo grau de jurisdição. É, portanto, demanda intentada diretamente nos tribunais de segundo grau, com exceção dos casos em que a competência cabe aos tribunais superiores STF e STJ.”
7AÇÃO RESCISÓRIA X QUERELA NULLITATIS
Ação rescisória é uma ação autônoma que visa desconstituir os efeitos da sentença depois de transitado em julgado, ou seja, para aquelas sentenças que não caibam mais recursos e que tenham algum vício que poderá torná-la anulável. Sua natureza é desconstitutiva ou declaratória de nulidade de sentença.
O prazo decadencial será de dois anos após o trânsito em julgado da decisão que se pretende atacar, rescindir. Diz-nos o artigo 495 do código de processo civil: “Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão”.
A ação rescisória se difere da querela nullitatis insanabilis, basicamente, no que se refere ao prazo decadencial, prescricional e cabimento.
A primeira distinção, ou seja, o prazo decadencial, deverá a ação rescisória ser proposta no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença a ser atacada (art. 495 do CPC). Já a querela nullitatis, não segue este mesmo rito, podendo ser proposta a qualquer tempo, já que não é sujeita à decadência nem à prescrição.
Em relação às hipóteses de cabimento, a ação rescisória está adstrita a aquele rol enumerado pelo artigo 485 do CPC e a querela nullitatis tem o “poder” de suprir qualquer vício, desde que emanado de matéria constitucional.
8. CABIMENTO
Como em toda matéria jurídica, grandes conflitos são uma constante, logo, na matéria aqui abordada não poderia ser diferente. Grande parte deste conflito se dá pela falta de previsão legal em nosso ordenamento jurídico acerca da matéria tratada.
Desde já, é importante ressaltar a diversidade de entendimentos sobre o cabimento da Querela Nullitatis insanabilis. Há aqueles que acham que a querela nullitatis será admitida em diversas situações, em contrapartida, alguns admitem um rol mais enxuto de possibilidades de cabimento. Porém, dentre todos estes entendimentos, uma coisa é certa e pacífica: A Querela nullitatis, apesar de não ter previsão legal expressa, é cabível em nosso sistema jurídico.
Tereza Arruda Alvim Wambier8 aponta a existência de uma íntima relação entre coisa julgada e rescindibilidade da sentença. Somente sentenças transitadas em julgado podem ser atacadas, nos termos do artigo 485 do CPC. Por outro lado, diz a Professora que sentenças inexistentes por natureza em hipótese alguma transitam em julgado. Sendo assim, nessa situação, é cabível a ação declaratória de inexistência de sentença.
Cita, Tereza Arruda Alvim algumas possibilidades de cabimento, sendo elas:
“a) sentenças com ausência de decisório;
b) sentenças proferidas em processos instaurados por meio de uma ação, faltando uma de sua condições;
c) sentenças em que teria a citação nula aliada à revelia;
d) sentenças em que não tenha citado litisconsórcio necessário unitário;
e) sentenças que não contenham assinatura do Juiz ou não estejam escritas.”
Compõe o rol dos tratantes que apontam uma possibilidade de aplicação mais enxuta, Roque Komatsu9. Diz o referido autor que a sentença inexistente não precisa ser rescindida, pois não se convalida pela “res judicata”, diferentemente das causas de nulidade e anulabilidade. Cita as hipóteses do artigo 37, parágrafo único do CPC e de inexistência de citação no processo em que proferida a sentença, como hipóteses de cabimento da querelas nullitatis.
Existe ainda um entendimento no sentido de que seria mais apropriada uma interpretação mais extensiva do artigo 495 do CPC, fazendo assim com que a ação rescisória, quando tratar de matéria constitucional, possa perfeitamente dispensar a aplicação do prazo referido no artigo supracitado.
Sendo a ação rescisória um meio que objetiva desconstituir uma decisão judicial transitada em julgado que contenha defeitos, ou seja, que esteja comprometida em razão de um vício existente, em um grau capaz de expor o processo a um nível de imperfeição que poderá torná-lo impossibilitado de permanecer na esfera jurídica, não poderá ser usada a qualquer modo, devendo seguir pressupostos indispensáveis que são: Sentença de mérito transitada em julgado e invocação de algum dos motivos previstos no artigo 485 do CPC. Como as decisões inconstitucionais são sentenças consideradas inexistentes, sem aptidão para gerar coisa julgada, não caberá ação rescisória em razão do primeiro pressuposto acima citado, este que exige a sentença de mérito transitada em julgado.
Neste sentido ensina-nos Tereza Arruda Alvim10:
“na esteira do que entende a doutrina mais qualificada e felizmente boa parte da jurisprudência, estas sentenças não têm aptidão para transitar em julgado e, portanto, não devem ser objeto de ação rescisória, já que não está presente o primeiro dos pressupostos de cabimento daquela ação: sentença de mérito transitada em julgado. Em nosso entender, pode-se pretender, em juízo, a declaração no sentido de que aquele ato se consubstancia em sentença juridicamente inexistente por meio de ação de rito ordinário, cuja propositura não se sujeita à limitação temporal”.
Portanto, quando a matéria a ser atacada for objeto constitucional, não há de se falar em ação rescisória, eis que ausente o primeiro pressuposto. A querela nullitatis torna-se o meio mais adequado para desconstituir estas decisões inconstitucionais inexistentes, a qualquer tempo.
9 -COMPETÊNCIA
Tão delicada, como toda a matéria aqui abordada, é a competência para apreciar a querela nullitatis insanabilis. É pacífico o entendimento acerca do seu cabimento no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, há controvérsias sobre de quem é a competência para julgá-la.
Sugere Leonardo de Faria Beraldo11, na obra “A Relativização da Coisa Julgada que Viola a Constituição”, que a querela nullitatis, por se tratar de matéria constitucional, seja julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Tal entendimento é minoritário dentre os doutrinadores tratantes do tema. Entretanto, afirma o autor supracitado, que, até uma eventual emenda constitucional, a competência para julgar a querela nullitatis é do juiz de direito.
O entendimento de que seria competente para julgar a querela nullitatis o juiz da instancia ordinária, parece-nos coerente, já que se trata de uma nova ação de conhecimento.
Discute-se também, de quem seria a competência para julgar aquelas sentenças a serem declaradas inexistentes quando proferidas pelos Tribunais. O entendimento jurisprudencial sobre esta competência aponta no sentido de que seria competente o próprio Tribunal que proferiu a sentença a ser declarada inexistente, desde que a ação seja de sua competência originária.
Este entendimento sobre a competência é compartilhado pelos Tribunais brasileiros:
“A ação de nulidade (querela nulittatis) consubstancia num meio de impugnação previsto para decisões proferidas em processos em que não houve citação ou no caso de nulidade desta, sendo cabível, portanto, in casu. A competência para seu processamento é do juízo que proferiu a decisão nula.” TJMG, processo 4482920-37.2008.8.13.0079 Relator: Des.(a) ANTÔNIO BISPO
Neste mesmo sentido pensa o TJDF:
“Processual civil – Ação Anulatória – Querela Nullitatis – Competência. A competência para o exame da alegada nulidade de citação (querela nullitatis) é do prórpio juízo por onde tramitou o feito.” APC 20070111048982 DF
Por fim, ensina-nos Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha12:
“a competência para a querela nullitatis é do juízo que proferiu a decisão nula, seja o juízo monocrático, seja o tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua competência originária“
Portanto, o mais correto entendimento é que a competência para julgar a “actio nullitatis” e declarar a inexistência da sentença é do próprio juízo onde tramitou a demanda e que proferiu a sentença inexistente, ou seja, do juízo monocrático ou do tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua competência originária.
10 – ALEGAÇÕES FINAIS
O presente estudo apresentou a querelas nullitatis insanabilis ou ação declaratória de inexistência de sentença, que com a falta de norma regulamentadora, leva-nos a entendimentos diversos, conflitantes, fazendo assim com que a matéria, apesar de ter origem remota (Direito Medieval), fique quase que no total desuso, muito em razão do desconhecimento.
Foram demonstradas, passo a passo, as possibilidades de cabimento da ação, a competência, o prazo decadencial e sua divergência com a ação rescisória.
É importante frisar que a querela nullitatis insanabilis é um eficiente instrumento processual que visa sanar vícios que seriam insanáveis quando dependentes das ações previstas no ordenamento jurídico. Sua adequação não está restrita a rol de possibilidades, ficando ela apenas condicionada a algum vício constitucional presente em qualquer momento processual e que, assim, torne a sentença inexistente.
Graduação em Direito pela Fundação Universidade de Itaúna, FUIT, Brasil; Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, UBA, Argentina. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas; Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela Fundação Getúlio Vargas – FGV; Advogado
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