Resumo: No presente artigo a autora busca esclarecer a distinção conceitual entre crime de colarinho brando e crime econômico.
Palavras chaves: Crime do colarinho branco; crime econômico; Criminologia. Direito Penal.
Resumen : En el presente estudio la autora busca aclarar la distinción entre los conceptos de delito de cuello blanco y delito económico.
Palavras-clave: delito de cuello blanco; delito económico; criminología; derecho penal.
INTRODUÇÃO
Com invulgar freqüência, percebe-se a utilização indistinta das designações “crime de colarinho-branco” e “crime econômico”.[1] Na realidade, não se trata de expressões sinônimas, nem idéias coincidentes.
A QUESTÃO CONCEITUAL
O crime econômico é uma categoria da dogmática jurídica, objeto de estudo do Direito Penal econômico, devendo sua conceituação ser atrelada fundamentalmente à determinação do bem jurídico protegido pela norma incriminadora.
Esteban Righi esclarece, todavia, que a discussão tradicional relativa ao bem jurídico, apesar de não ter sido abandonada, carece da transcendência que possuía nos anos 80:
“Ello es consecuencia de que la caracterización de un hecho punible como delito económico, no depende exclusivamente de la determinación del bien jurídico protegido; se puede advertir que también son considerados delitos económicos algunos casos en los que el delito es cometido a través de una empresa, o mediante abusos de modernos instrumentos que se utilizan en la vida económica”[2].
A definição da criminalidade econômica deve ter em linha de consideração aqueles comportamentos que são criminalizáveis em face da necessidade de proteção de certos interesses investidos de dignidade jurídico-penal porque essenciais ao desenvolvimento da comunidade social, como a ordem econômica. Esta, por sua vez, só pode ser compreendida à luz da própria constituição econômica do País.
Heleno Cláudio Fragoso adota um conceito restrito para o crime econômico, cuja “objetividade jurídica reside na ordem econômica, ou seja, em bem-interesse supra-individual, que se expressa no funcionamento regular do processo econômico de produção, circulação e consumo de riqueza”.[3]
Esteban Righi expressou a opinião de que uma maior precisão se obteve sobre o conceito de crimes econômicos quando se advertiu que, nesse caso, os bens jurídicos tutelados pela normatividade eram coletivos ou, dito de outro modo, supra-individuais. Para Righi, isto levou a distingui-los dos que tutelam bens individuais, e mais concretamente dos delitos patrimoniais. Arremata Righi:
“[…] aunque no ya con exclusiva pauta definitoria, se sigue utilizando la teoría del bien jurídico, por lo que mantiene vigencia el punto de vista de que el “delito económico” no solo lesiona (o pone en peligro) bienes individuales, por lo que es caracterizado por la afectación de intereses “supraindividuales” o “colectivos” de la economía.”
Mireille Delmas-Marty escolheu uma definição mais larga a partir de um duplo critério. No seu sentir, a criminalidade econômica engloba, por um lado, as violações à ordem financeira, econômica, social e a qualidade de vida; por outro lado, as violações à fé pública, à integridade física das pessoas, quando o autor agiu no âmbito de uma empresa, ou por conta dela, ou por sua própria conta desde que o mecanismo do delito esteja ligado à existência de poderes de decisão, essenciais à vida da empresa.[4]
Consoante as advertências de Hervé Boullanger, a criminalidade econômica reúne as violações à ordem pública econômica e a delinqüência cometida no âmbito da empresa. Essa definição alarga aquela que a Corte de Cassação francesa apresentou em 1949 e, de fato, rejeita qualquer distinção entre a criminalidade dos negócios, a criminalidade financeira e a criminalidade econômica, dado que estes três diferentes termos englobam a totalidade do campo das infrações praticadas no seio da empresa.[5]
No âmbito do white-collar crime, as polêmicas em derredor da conceituação resultam de uma pretensão definidora de demarcar seu campo empírico e fixar um conceito unívoco e com contornos precisos. Essa pretensão essencialmente descritiva esbarra na ambigüidade, que se configura como nota essencial desse crime. Cuida-se de uma categoria criminológica e, portanto, tal desejo reducionista não se compatibiliza com a sua condição. Não se trata de uma categoria da dogmática jurídico-penal, cujo objeto de estudo imediato é o conteúdo das normas jurídicas.
Segundo o conceito proposto, originalmente, por Sutherland, o “crime de colarinho-branco pode ser definido, aproximadamente, como um crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e elevado status social no exercício da sua profissão”.[6]
O conceito de crime de colarinho-branco foi fruto da elaboração teórica de Edwin Sutherland. Serviu de ponto de partida para sua formulação uma reunião anual ocorrida na Filadélfia, em dezembro de 1939, organizada pela American Sociological Society. A conferência magna proferida acerca da dissertação The White-Collar Criminal significou uma ruptura com o paradigma convencional da criminalidade, causando uma reviravolta na Criminologia do século XX.
Refere que o conceito não tinha a intenção de ser definitivo, apenas chamava a atenção sobre delitos que não se incluíam ordinariamente dentro do campo da Criminologia. Destacou o fato de que as explicações em torno desse tipo de delito resultam de estatísticas viciadas na medida em que não refletem toda a criminalidade existente, mas, tão-somente, aquela que, por condicionamentos diversos, chegou às instâncias de controle social.
Representou, indubitavelmente, um marco histórico no estudo da delinqüência econômica, mormente por destacar nas suas análises um específico grupo de criminosos, compostos por indivíduos de classe social elevada e de posição privilegiada de poder na sociedade, e que, justamente, por serem mais poderosos, econômica e politicamente, escapavam das teias de controle social.
Além de haver concentrado seus esforços intelectuais na elaboração de uma teorização acerca do crime de colarinho-branco, cunhando, inclusive, tal denominação, Sutherland inseriu uma nova categoria de delitos, até então, praticamente inexplorada pelas investigações criminológicas que o antecederam. O tratamento do tema nunca antes houvera sido sistematizado, apesar da importância dessa específica questão criminal.
Ele enfrentou problema de crucial importância para a Criminologia: a forma de distribuição da conduta desviante entre as diversas camadas sociais; sobretudo, avançou em relação ao positivismo criminológico, ao explicar o fenômeno da criminalidade, a partir da negação de teorias criminológicas que apontavam como causa da delinqüência fatores bioantropológicos, ou condições psicopatológicas ou sociopatológicas do indivíduo.
Verificou que os crimes de colarinho-branco eram, freqüentemente, ignorados pelas informações estatísticas constantes dos órgãos oficiais, pois não seriam alvo da persecução criminal. Não se alcançavam, à época, tais condutas, pois as investigações cingiam-se à criminalidade aparente. Havia uma vasta gama de infrações, as quais não obstante sua existência e lesividade social, não figuravam nas estatísticas oficiais. Destacou, nesse sentido, a cifra oculta da criminalidade.
A teorização proposta por Sutherland acerca do crime de colarinho-branco não tinha a pretensão de ser a última palavra no assunto, sendo formulada, segundo o próprio autor, na expectativa de que seria criticada, conduzindo ao desenvolvimento de uma teoria mais satisfatória.
Ainda que a profunda alteração científica ocasionada com o advento de sua teoria não tenha suplantado definitivamente o paradigma etiológico – assentado na busca das causas do delito e em uma pretensão correcionista mediante a qual, descobrindo-se as causas do delito, sua redução ou eliminação importariam, também, na supressão ou redução do fenômeno criminal –, foram erigidas as bases para o desenvolvimento do paradigma da Reação Social.
A delinqüência econômico-financeira é o espaço privilegiado onde se manifestam as condutas enquadráveis na categoria dos crimes de colarinho-branco, embora não a esgote.
Como menciona Figueiredo Dias, foi justamente no dobrar da década de 20 para da de 30 que se criou a consciência do Direito Penal econômico enquanto setor específico do ordenamento jurídico e se buscou definir o seu conteúdo e limites.[7]
Não por mera casualidade, antes inspirada pelo espírito dos novos tempos, a Criminologia volta o seu olhar para uma forma especial de delinqüência; quer, em 1935, com os estudos de Albert Morris acerca de criminals of the upper world (criminalidade da alta sociedade), quer, em 1939, com as investigações de Sutherland e sua teorização sobre o white-collar crime (crime do colarinho-branco).
Os estudos sobre a criminalidade de colarinho-branco projetaram sua influência na doutrina e nos ordenamentos jurídicos de outros países. A expressão white-collar crime se difundiu de tal maneira que encontra correlata, em diversos idiomas, a saber: crime de colarinho-branco (Portugal), delincuencia de cuello blanco (Espanha), criminalità dei colleti bianchi (Itália), criminalité en col blanc (França), weiße-kragen-kriminalität (Alemanha).
Quando Sutherland inseriu essa categoria para auxiliar a compreensão do mundo do crime, alertou para o fato de que também as pessoas das classes sociais privilegiadas (detentoras de poder econômico e de elevado status social) praticavam crimes, apesar de não figurarem nas estatísticas da criminalidade, constantes dos órgãos oficiais. Ao revelar a distância abismal entre a criminalidade real e a criminalidade aparente, isto é, a cifra negra da criminalidade de colarinho (delinqüência oculta), lançou um dos aportes teóricos para investigação sobre os motivos que tornam distante a ocorrência dos delitos da sua efetiva punição.
Suas considerações serviram de base à investigação sobre o possível funcionamento desigualitário das instâncias formais de controle penal, traduzindo em seu âmago uma grande potencialidade explicativa e uma abordagem nunca antes feita, em sua profundidade, pelos criminólogos, cuja atenção estava voltada única e exclusivamente para a delinqüência das classes baixas.
Nesse contexto, também, é a advertência que se colhe de Júlio E. S. Virgolini, para quem
“[…] su valor procede sobre todo del hecho de que puede dar cuenta de la particular construcción social de una cuestión criminal que, pese a tener buenos motivos para considerar ese cruce sólo había puesto bojo su mirada a los delitos atribuibles a las bajas (así, en la terminología empleada por Sutherland) y había desarrollado todas sus asunciones, plagado de condicionamientos provenientes de las metáforas que la ciencia médica, la psicología y una cierta sociología patologizante habían diseminado por el espacio intelectual de la criminología”.[8]
Malgrado inexista uma correspondência exata entre a categoria white-collar crime (conceito criminológico) e as infrações penais tipificadas pelo direito positivado (qualificação legal das condutas delituosas), aquela desenvolverá seu valor a partir da análise na lei penal substantiva. No ordenamento penal pátrio, por exemplo, a Lei 7.492, de 16.06.1986 (crimes contra o sistema financeiro nacional) é vulgarmente apelidada como Lei dos Crimes de Colarinho-branco.
CONCLUSÃO
Apesar de não haver sinonímia nas expressões “crime de colarinho-branco” e “crime econômico”, entende-se que os estudos científicos de caráter jurídico e criminológico não são realidades imiscíveis, estanques ou incongruentes; antes disso, harmonizam-se. Por outras palavras: são perspectivas diversas, mas não repelentes. A compreensão da intensidade e extensão da gravidade do fenômeno “delinqüência econômica” exige uma aproximação conceitual entre tais universos de modo a viabilizar um horizonte mais dilatado de análise.
Direito Penal e Criminologia são olhares diferenciados (e complementares) sobre a mesma realidade social. Indica-se a diferenciação por ser a precisão conceitual uma exigência do labor científico. Além disso, a terminologia empregada tem valor porque informa a perspectiva de apreciação do tema.
Mestra em Direito Público pelo Programa de Pós-graduação stricto sensu da Universidade Federal da Bahia-UFBA. Pós-graduada em Ciências Criminais e em Direito do Estado (bolsista) pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Graduada em Direito, com láurea acadêmica, pela Universidade Federal da Bahia. Professora substituta de Direito Penal da graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador e professora convidada da Pós-graduação em Ciências Criminais do JusPodivm. Autora do livro \”Limites constitucionais à iniciativa do juiz no processo penal democrático\”. Autora de diversos capítulos de livros jurídicos e de artigos científicos publicados em periódicos especializados, inclusive com trabalho apresentado em reunião científica, com publicação em anais, além de ser palestrante em eventos jurídicos. Advogada criminalista.
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