Sem dúvida, os princípios constitucionais[1] representam o tema central do direito brasileiro atual. Muitas monografias, artigos, coletâneas, teses e dissertações, além de seminários e cursos promoveram uma autêntica dissecação doutrinária, normativa e mesmo jurisprudencial.
Nenhuma seara jurídica escapou da pujança conformadora e integradora dos princípios, que cada vez mais galgam aplicação aos casos concretos principalmente no tocante ao Direito Constitucional, Direito Processual Civil e Direito Administrativo.
Vivenciamos felizmente, o movimento cultural e científico que se encaminha para os princípios jurídicos e desatam os impasses do positivismo exacerbado.
Os princípios constitucionais regem o Estado[2] Democrático de Direito e toda a trama principiológica envolve as mais variadas atividades jurídico-administrativas e faz surgir curiosas questões que exigem uma reflexão constante.
Em verdade, os princípios constitucionais são multifuncionais e desempenham vários papéis dentro da ordem jurídica, com caráter vinculante com relação às ações dos poderes públicos e dos poderes privados.
Em seu caráter multifuncional podemos identificar três distintos pontos e paradoxalmente convergentes:
a) São paramétricos, servem para mensurar a validade ou invalidade de sentenças, atos judiciais, administrativos e privados e reúnem os comandos normativos que servem de fundamentação jurídica aos pedidos;
b) São vetores interpretativos de normas e fatos, aplicáveis em normas constitucionais, infraconstitucionais e impõem ao intérprete, ao lidar com problemas jurídicos concretos, aporte à solução mais coerente com o mandamento principiológico. Nas sentenças localizam-se os princípios no capítulo da fundamentação, nas petições iniciais o arrazoado que explicita a causa de pedir;
c) São supressores de lacunas normativas, presentes na ordem jurídica e, os princípios correspondem ao mais antigo método de integração de legislação (ex vi o art. 5º, LICC e art. 127 do CPC).
É inescapável a força vinculante dos princípios constitucionais pois todos devem se submeter aos seus ditames, conforme seu grau de densidade de cada norma constitucional[3].
De qualquer forma, a Constituição seja federal ou estadual (ou municipal) contém a complexa trama de princípios que são peculiares do Direito Constitucional e muitos outros que se espalham por tantos outros ramos jurídicos.
De maneira que podemos classificá-los de princípios constitucionais gerais e específicos (ou setoriais). Dentro da teoria jurídica contemporânea[4] os princípios são considerados normas jurídicas de impositividade e vinculação. E quando peneiram da textura das Constituições Federais, tais princípios galgarem o mais alto escalão normativo e servem de fundamento da sistemática jurídica.
A balizada doutrina ainda reconhece a existência de princípios implícitos que convivem harmoniosamente com os princípios expressos e, ambos com idêntica dignidade jurídica, vinculando de igual forma as pessoas as pessoas e entes.
Por vezes apesar de ser implícito constitucionalmente[5], o mesmo princípio vem galgar forma expressa noutros níveis legislativos como o estadual e o municipal.
Portanto, até mesmo as legislações infraconstitucionais, podem densificar ou alongar o tentáculo normativo do princípio constitucional, e isso tem acontecido muito amiúde no Direito Administrativo.
Os princípios constitucionais condensam uma ordem jurídica e reúnem os principais valores políticos sociais e econômicos encampados pelo Direito em função ordenadora do Estado e da sociedade.
Uma vez incorporados à ordem jurídico-constitucional efetivam as aspirações políticas, ideológicas e filosóficas dentro do aspecto normativo do Estado.
O Estado contemporâneo[6] é peculiar pois em sua atividade administrativa é essencial para realização de seus fins e, em especial, os fins sociais e políticos.
Cogita-se, por isso, entre outras razões, do protagonismo da administração na realização da Constituição[7] em especial no tocante aos direitos fundamentais sociais.
O Estado Democrático de Direito dá maior concretude aos princípios assim, o juiz, o administrador, o legislador e os particulares devem atender aos imperativos dos princípios que correspondam às máximas de otimização de valores constitucionais.
Entre tantos princípios, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana e, recomendo a leitura do artigo de minha lavra e da professora Denise Heuseler, sob o título “Ótica contemporânea do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana” acessível em http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-constitucional/181170-a-otica-contemporanea-do-principio-da-dignidade-humana.html.
A arquitetura jurídica do Estado de Direito possui o subsistema contendo uma necessária abertura para novas questões que restam imprevistas nas regras legais e constitucionais que exigem para razoável compreensão, interpretação e aplicação dos princípios constitucionais principalmente para resolver o déficit de legitimidade e justiça em situações que seriam incontornáveis senão fossem os comandos dos princípios para que realizem na melhor forma que possível a composição da lide.
No Estado Democrático de Direito[8], o segredo na atividade administrativa, a arcana imperii, é repudiada pelo princípio da publicidade dos atos administrativos, a discriminação injusta e abusiva, vem sendo condenados em face da incidência do princípio da impessoalidade, e inúmeros outros princípios que caracterizam do Estado Democrático de Direito em nível jurídico-constitucional-administrativo.
Esses princípios, entre outros, endereçam-se ao objeto precípuo do constitucionalismo, que é o controle do poder político, do atuar administrativo em face dos direitos da pessoa, especialmente as desprovidas de posses e recursos materiais suficientes à sua subsistência e de sua família.
O controle do poder[9] visa impedir as injustiças e compeli-lo a realizar o justo[10] é a aspiração do Direito Constitucional e o Direito Administrativo da atualidade, revelando-se pelos princípios que condensam os direitos fundamentais de defesa, ou direitos fundamentais as prestações.
Os princípios constitucionais possuem o nobre papel em especial os jus-administrativos de promover ou conter a ação administrativa e potencializar o atuar das regras, por meio da interpretação.
Visam dar transparência, confiabilidade, eficiência, segurança e legitimidade nas relações entre o Estado e a pessoa humana, entre a autoridade e a liberdade[11], entre as normas de competência estatal e as normas de direitos fundamentais.
Podemos expor o núcleo dos princípios jus-administrativos em três níveis: a) os princípios constitucionais fundamentais; b) os princípios constitucionais gerais; c) os princípios constitucionais específicos ou setoriais.
Para Luís Roberto Barroso os princípios fundamentais são aqueles que contêm decisões políticas estruturais do Estado[12], sumarizam todas as demais normas constitucionais, e para os quais estas podem ser direta ou indiretamente reconduzidas ou desdobradas como deduções analíticas das normas matrizes.
Nestes princípios está consubstanciada a opção política entre Estado unitário e federação, república ou monarquia, presidencialismo ou parlamentarismo, regime democrático.
Destacam-se os seguintes princípios: republicano (art.1º, caput da CF/1988); princípio federativo (art. 1º, caput do mesmo diploma legal); princípio do Estado Democrático de Direito, princípio da separação de poderes (art. 2º), princípio presidencialista (art. 76) e o princípio da livre iniciativa (art.1º, inciso IV).
Embora os princípios gerais não integrem o núcleo de decisão política formadora do Estado, são relevantes especificações dos princípios fundamentais. Estes possuem menor grau de abstração e, enseja, em muitos casos, a tutela imediata das situações jurídicas que contemplam.
São exemplos: os princípios da legalidade, da isonomia e do juiz natural. Já os princípios gerais continuam e são: princípio da autonomia estadual e municipal (art. 18); do acesso ao Judiciário da irretroatividade das leis e do devido processo legal.
Os princípios setoriais presidem específico conjunto de normas afetas a certo tema, capítulo ou título da Constituição. Irradiam-se limitadamente, mas em seu âmbito de atuação são supremos.
Por vezes, representam mero detalhamento dos princípios gerais como os princípios da legalidade tributária ou da legalidade penal. Outras vezes, são autônomos, como o princípio da anterioridade em matéria tributária ou do concurso público em matéria de administração pública.
Entre os princípios fundamentais os mais importantes para as atividades jus-administrativas são o princípio republicano e o do Estado Democrático de Direito[13].
O princípio republicano impõe que se entenda a administração pública como instituição que tem por fim atender as necessidades do povo, que elegeu representantes (o chefe do Executivo, o chefe da Administração Pública, em nosso sistema presidencialista), o que implica na periodicidade de mandatos, a realizações das eleições gerais para escolha dos governantes, o exercício do sufrágio universal, direto e secreto; implica a responsabilidade penal, civil, administrativa e política dos gestores públicos de todas as qualidades, sejam agentes políticos ou administrativos; o respeito às liberdades públicas, ou melhor, ao conjunto de direitos fundamentais pertinentes ao homem.
Sua larga abertura e baixa densidade permite que seja compreendido em consonância com princípios constitucionais gerais (legalidade, igualdade, responsabilidade dos agentes públicos por seus atos e, etc…) e setoriais como a legalidade administrativa, impessoalidade, moralidade e, outros princípios de maior densidade.
O princípio do Estado democrático de Direito[14] exige que otimize o controle sobre a administração pública, sobre o poder público e se maximizem os direitos fundamentais da pessoa humana, padrões de conduta material para os gestores e para as instituições administrativo-públicas.
Tal princípio exige que a administração prossiga seus fins públicos orientados por um dos grandes princípios capitais, o que é decorrência axiológica do Estado de Direito: o princípio da dignidade da pessoa humana.
A personalização ou repersonalização do Direito com a refundamentação do conceito de interesse público exigem o olhar atento e perspicaz dos juristas e aplicadores do Direito.
Desta forma, o princípio republicano e do Estado Democrático do Direito são peças fundamentais à compreensão do núcleo de princípios pertinentes às atividades jus-administrativas.
Todos os princípios gerais e os setoriais constitucionais devem, ao serem interpretados, e aplicados, atender aos conteúdos, aos comandos, as otimizações (maximazões) demandadas destes dois princípios fundamentais e seus consectários.
Muitos princípios constitucionais gerais convergem para explicar suas pertinências temático-normativas com núcleo principiológico. Entre os princípios gerais podemos destacar os princípios de legalidade/liberdade[15], princípio razoabilidade, do contraditório, do devido processo legal, da ampla defesa, princípio do juiz e do promotor natural.
O princípio contido no art. 5º, inciso II da CF/1988 (da legalidade/liberdade) na esfera das liberdades da pessoa se opere por meio da lei.
Sendo a lei definida como ato jurídico-político votado pelo povo, por meio de seus representantes (desdobramento do princípio republicano).
É a lei que define as competências da administração pública, o tempo de seu mandato, as condições de validade do exercício do poder administrativo, seus controles, as faculdades e poderes dos cidadãos sobe os quais incidem os poderes da administração.
Enfim, é a lei que regula a relação entre a liberdade[16] e a autoridade, entre o individual e o social, entre a autonomia do cidadão e o círculo de atividades administrativo-públicas.
O princípio da razoabilidade encontra-se implícito no art. 5º, LIV da CF/1988 e, repisado na lei federal 9.784/1999 (art. 2º, parágrafo único, inciso VI) e é bem expressa na “adequação entre os meios e fins”, vedada a imposição de restrições, sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias do atendimento do interesse público.
Concluímos que todos os atos jurídicos-públicos irrazoáveis são atos inconstitucionais, ilegais, inválidos, atos suscetíveis de desconstituição por imposição dos efeitos de nulidade.
O princípio do devido processo legal conforme sua matriz norte-americana tem sua dimensão objetiva e sua dimensão subjetiva, ou seja, um material e outra processual.
Entre nós, de certo forma, a dimensão substancial vem mediada por reflexões que se ocupam dos princípios da razoabilidade e dos princípios da proporcionalidade.
No Brasil[17] a dimensão adjetiva ganhou maior aceitação que se ocupa da garantia da legalidade do procedimento, do justo processo[18], é um “princípio-mãe” e mediador do conflito entre liberdade e autoridade, regulando o jogo de poder desenvolvido pelas atividades estatais.
O juiz, o promotor, o defensor, o advogado, o administrador e o legislador estão vinculados aos processos que a ordem constitucional[19] e a infraconstitucional traçaram para o exercício de suas atribuições e competências.
É a garantia fundamental dos indivíduos, cabe ainda enaltecer o caráter fragmentário e aberto da Constituição Federal, daí a auto-aplicabilidade de algumas garantias constitucionais.
Ressalte-se que o due process of law administrativo tem peculiaridade não compartilhada com o processo civil, trabalhista ou penal, pois possui competência normativa que se realiza pelos regimentos ou leis.
Assim, a estrutura mínima sempre será dada pela Constituição Federal, mas o desenvolvimento eficaz há de ser desenvolvido pelo legislador ou ente constitucional com competência normativa.
O princípio da segurança jurídica também previsto no art. 5º, XXXVI da CF/1988 impõe que as relações jurídicas, as posições de direito delas decorrentes, se já validamente consolidadas, se fruto da coisa julgado, ato jurídico perfeito ou modificarem-se os efeitos já consolidados.
Reclama igualmente que sejam respeitadas a decadência e a prescrição e, especialmente referente o direito de punir, investigar, aplicar sanções por parte das autoridades.
Como exemplo, elucidativo, apontamos o mandado de injunção que teve sua eficácia tão criticada por sua inicial interpretação que lhe deu o STF.
O princípio da igualdade (inciso I, do art. 5º da CF/1988) impõe que os poderes públicos, na edição das leis gerais e abstratas, na edição de sentenças ou atos administrativos, e trate a todos com igualdade, na medida de suas forças econômicas, culturais e sociais.
Proíbem-se privilégios, discriminações absurdas e impõe tratamento isonômico para tender igualar os desiguais, principal em políticas públicas de caráter social (saúde, educação, lazer e, etc…).
Para sua compreensão há as equiparações requeridas pela ordem jurídica, discriminações autorizadas e outras discriminações vedadas.
Os princípios do contraditório[20] e da ampla defesa (art. 5º, LV da CF/1988) têm (cada um) o seu conteúdo jurídico consagrado como garantias constitucionais, posições processuais, poderiam ser lidos conjuntamente com o princípio do devido processo legal.
Atualmente a Constituição Federal vigente disciplinou-os em dispositivos separados e, assim devem ser tratados por nossos doutrinadores.
Alguns aspectos da ampla defesa[21] no campo do Direito Administrativo merecem destaque, o que permite adição de argumentos e produção de provas, bem como o acompanhamento das produzidas (e o conhecimento prévio delas) pela parte contrária ou pela administração pública. Pode a defesa ser escrita ou oral, pode ser pelo próprio interessado, ou pelo representante legal regularmente constituído.
Deve ser prévia a qualquer ato de decisão, deve ser hábil e forte a ponto de poder influir a uma decisão favorável do postulante ou do defendente.
O princípio constitucional do contraditório impõe que as acusações sejam pormenorizadas que o tempo para defesa seja razoável e integral, exige comunicações prévias à prática dos atos processuais, reclama o debate aberto e honesto sobre todos os pontos de vista, o que propicia o amadurecimento da decisão final contendo correta e honesta fundamentação, imparcial, eficiente, técnica e razoável.
Postula o contraditório[22] tratamento igualitário no processo fornecendo paridade de armas aos litigantes; prioriza-se que atente para eventual hipossuficiência de defesa de algumas das partes, propiciando a intervenção processual igualizadora e humanizada.
Exigindo a comunicando pessoal e presencial dos atos intimatórios aos interessados, não bastando, principalmente em processo de índole sancionatória, a mera publicação editalícia da comunicação.
Os princípios do juiz e do promotor natural sediado no art. 5º, LIII da CF/1988, antes admitidos apenas no processo penal, hoje são aceitos no processo civil e devem também ser bem aceitos no processo administrativo.
Exige que juízo prévio, anterior ao fato, criado e competenciado por lei, processe o caso e o julgue, de acordo com critérios racionais fixados pela ordem de Direito. Exige-se do julgador imparcialidade, equidistância dos interesses em controvérsia.
Outra face do mesmo princípio se revela o princípio constitucional do promotor natural[23], do acusador natural, do deflagrador processual prévio e conhecido de antemão, especialmente em processos administrativos nos quais se exigem a ação, atitude de certas autoridades administrativas.
Lembremos que exigir um julgamento imparcial, uma movimentação acusatória comprometida com interesses legítimos e precípuos do Estado de Direito[24], é promissor em brecar injustiças.
Princípios constitucionais setoriais são aqueles assentados no caput do art. 37 CF/1988 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) além do princípio da motivação dos atos administrativos (princípio implícito) e os princípios da legitimidade da despesa pública e da economicidade.
Tal rol de princípios setoriais não é exaustivo principalmente em face dos grandes aprofundamentos e complexidades dos princípios constitucionais.
É possível que os princípios constitucionais venham a colidir entre si, demandando do intérprete ponderação, onde se verifique possa prevalecer o princípio de maior importância, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas.
Para o manejo dos princípios constitucionais exige não apenas o conhecimento de seu conteúdo e significação mas também da metodologia tendente a compreender quais normas constitucionais possuam maior densidade e concorrem à solução de um único caso.
Pura e simplesmente adotar unilateralmente a posição de apenas um princípio é desconhecer os fins de um sistema normativo aberto, composto de regras e princípios, destinado a realizar as tarefas e as missões do Estado Democrático de Direito, na contemporaneidade.
Muitas vezes, o preconceito, ignorância e até má-fé de alguns operadores desavisados fazem com que um único princípio seja absolutizado derrogando a força de outros de maior importância em face do caso concreto, e mesmo frustrando a aplicação de regras constitucionais ou legais[25].
Os princípios constitucionais seu conhecimento e sua prática são condições sem as quais a hígida, eficiente e legítima atividade administrativa e jurisdicional não se realizará quer seja na república, quer seja no Estado Democrático de Direito.
Construir a dinâmica do processo justo[26] requer um efetivo esforço intelectivo sobre os princípios constitucionais não só do julgador mas sobretudo de todas as esferas do poder constituído do Estado.
STOLZE, Pablo G. Editorial 18 – Mudança na Lei de Introdução ao Código Civil. Disponível em: http://api.ning.com/files/Mw0zuFEH2F7eDQv7JdFkMMNIX9vUWZoqrfupdWZfL2bNQCjaQjVXMT3oWaCpeNkL*6Ogk3IoXoHQQM0VMsqb9EcdpXR0ntTl/Editorial18.pdf Acesso em 02.01.2014.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.