Questões jurídicas relevantes acerca do artigo 103 da Lei 8213 que estabeleceu o prazo decadencial de 10 anos para as revisões de benefícios previdenciários

Resumo: O artigo 103 da Lei 8213 é inconstitucional porque que viola o direito fundamental à Previdência Social quando estabelece marco temporal para as revisões dos benefícios previdenciários por meio de norma infraconstitucional. Existe também divergência acerca da natureza jurídica do prazo estabelecido no supracitado artigo, já que para alguns doutrinadores  se trata do instituto da decadência enquanto para outros se trata de prescrição.  O polêmico marco temporal elencado no artigo 103 da Lei 8213 fere ainda os Princípios Constitucionais da Legalidade e da Isonomia.

Palavras-Chave: artigo 103 da lei 8213, inconstitucionalidade, prescrição, decadência, principio da Legalidade, Principio da Isonomia

Abstract: The article 103 of Law 8213 is unconstitucional as it violates the fundamental right to Social Security when establishing a time frame for social security benefit revision through infra-constitucional standards. There is also a divergence regarding the legal nature of the established time frame in the aforementioned article, since for some jurists it is the institute of the declination while for others it regards the prescription. The controversial time frame listed in the article 103 of Law 8213 also breaks the Constitucional Principles of Legality and Equality.

Keywords: article 103 of Law 8213, unconstitucionality, prescription, declination, Principle of Legality, Principle of Equality.

1 A Previdência como direito fundamental

1.1. Direitos humanos x direitos fundamentais

Embora os termos direitos humanos e direitos fundamentais tenham sido amplamente divulgados é necessário que se faça uma distinção conceitual de ambos.

Juliano Cesar Zanini em seu artigo intitulado O direito fundamental aos benefícios previdenciários e a impossibilidade de aplicação do prazo decadencial na Revisão dos atos de concessão –inconstitucionalidade do art. 103, caput, da Lei n. 8213/9 dispõe que:

“(…) os direitos fundamentais nascem a partir de um processo de positivação de direitos humanos, a partir do reconhecimento, pelas legislações constitucionais (positivação) de direitos considerados inerentes à pessoa humana. Nesse mesmo sentido, leciona José Joaquim Gomes Canotilho (1998, p.259), para quem os direitos do homem surgem da própria natureza humana e, por isso possuem caráter inviolável, intertemporal e universal. Já os direitos fundamentais seriam aqueles vigentes na lei em concreto (…) restaria a dialética de que todo direito fundamental é humano, mas nem todo direito humano é fundamental.”

Após uma breve distinção entre os termos, se faz necessário observar a importância da imprescritibilidade das revisões previdenciárias sob o prisma da Constituição e dos conceitos de decadência e prescrição.

1.2. O direito social como garantia fundamental no Brasil

            A Constituição Cidadã, como ficou conhecida por trazer em seu bojo os direitos sociais necessários para que a população  tenha uma vida minimamente digna, dispõe em seu artigo 6º : São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)

Como é possível observar, a Previdência Social foi considerada tão importante quanto os direitos considerados essenciais para a subsistência do ser humano, como alimentação e saúde, e sendo um direito fundamental deveria receber um respeito maior por parte dos legisladores.

1.3. Direito social à Previdência

As raízes históricas da proteção da Seguridade Social, e, portanto da Previdência Social que é um dos corolários da Seguridade Social juntamente com a Saúde e a Assistência Social, encontram respaldo em textos antigos como no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que assevera que:

“I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito a segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

II) A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.”

A seguridade encontra amparo também no artigo XVI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem que dispõe que:

“Toda pessoa tem direito à previdência social, de modo a ficar protegida contra as consequências do desemprego, da velhice e da incapacidade que, provenientes de qualquer causa alheia à sua vontade, a impossibilitem física ou mentalmente de obter meios de subsistência”.

Como se pode observar, a Previdência Social que atingiu seu apogeu no ordenamento jurídico pátrio com a Constituição de 1988, tem respaldo nos principais documentos que visam transformar a vida do homem hodierno por meio da implementação de direitos considerados essenciais.

2.Natureza jurídica do prazo fixado no artigo 103 da Lei 8213

2.1O Artigo 103 da Lei 8213

O artigo 103 da Lei 8213 de 1991, com a redação alterada pela Lei 10239 de 2004, passou a dispor que:

“Art. 103- É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para revisão do ato de concessão do beneficio, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”.

Quando a redação deste artigo passou a vigorar, surgiram duvidas acerca da sua natureza jurídica, bem como da sua constitucionalidade, que serão analisadas nos tópicos subsequentes.

2.2 Principio Actio nata

Segundo este Principio, a ação só nasce para o titular do direito prejudicado quando o lesionado toma ciência do dano dela decorrente, iniciando a partir de então o prazo prescricional.

Para Agnelo Amorim Filho:

“(…) os vários autores que se dedicaram à análise do termo inicial da prescrição fixam esse termo, sem discrepância, no nascimento da ação (actio nata), determinado, tal nascimento, pela violação de um direito. SAVIGNY, por exemplo, no capítulo da sua monumental obra, dedicado ao estudo das condições da prescrição, inclui, em primeiro lugar, a actio nata, e acentua que esta se caracteriza por dois elementos: a) – existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo; e b) – violação desse direito (op. cit., tomo IV, pág. 186). Também CÂMARA LEAL afirma, peremptoriamente: sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque esta tem por condição primária a existência da ação.

 Duas condições exige a ação, para se considerar nascida (nata) segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação desse direito, à qual tem ela por fim remover. . O momento de início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo, é determinado pelo nascimento da ação – actioni nondum natae non praescribitur. Desde que o direito está normalmente exercido, ou não sofre qualquer obstáculo, por parte de outrem, não há ação exercitável.

No caso das revisões dos benefícios previdenciários, segundo o principio da actio nata, só deveria começar a correr quando o beneficiário tomar ciência do direito lesionado.”

Segundo este Principio, ainda que houvesse prescrição nas ações de revisão, o prazo deveria correr quando o segurado tomasse conhecimento da lesão por ele sofrida.

2.3 Prescrição x decadência

Embora o atual texto do artigo 103 da Lei 8213 fale em decadência, há divergência doutrinaria a respeito do tema. É necessário que se faça a diferenciação entre os institutos.

Para Pablo Stolze, a prescrição:

”Tem por objeto direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis, não afetando, por isso, direitos sem conteúdo patrimonial direto como os direitos personalíssimos, de estado ou de família, que são irrenunciáveis e indisponíveis.  São objeto necessário de ações condenatórias, que visam a compelir o obrigado a cumprir a prestação ou sanciona-la na hipótese de inadimplemento. (2011 –p490):

Já a decadência o civilista define como:

“O transcurso do prazo, aliado à inércia do seu titular, caracteriza a decadência ou caducidade. Esta última, portanto, consiste na perda efetiva de um direito potestativo, pela falta de seu exercício, no período de tempo determinado em lei ou pela vontade das próprias partes. Sendo literalmente, a extinção do direito, é também chamada, em sentido estrito, consoante já se disse, de caducidade, não remanescendo qualquer sombra de direito em favor do titular, que não terá como exercer mais, de forma alguma o direito caduco.” (2011, p493)

No mesmo sentido, Agnelo Amorim Filho em seu Artigo Cientifico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis assevera que:

“(…) quando a lei, visando à paz social, entende de fixar prazos para o exercício de alguns direitos potestativos (seja exercício por meio de simples declaração de vontade, como o direito de preempção ou preferência; seja exercício por meio de ação, como o direito de promover a anulação do casamento), o decurso do prazo sem o exercício do direito implica na extinção deste, pois, a não ser assim, não haveria razão para a fixação do prazo. Tal consequência (a extinção do direito) tem uma explicação perfeitamente lógica: É que (ao contrário do que ocorre com os direitos suscetíveis de lesão) nos direitos potestativos subordinados a prazo o que causa intranquilidade social não é, propriamente, a existência da pretensão (pois deles não se irradiam pretensões) nem a existência da ação, mas a existência do direito, tanto que há direitos desta classe ligados a prazo, embora não sejam exercitáveis por meio de ação. O que intranquiliza não é a possibilidade de ser exercitada a pretensão ou proposta a ação, mas a possibilidade de ser exercido o direito. Assim, tolher a eficácia da ação, e deixar o direito sobreviver (como ocorre na prescrição), de nada adiantaria, pois a situação de intranquilidade continuaria de pé. Infere-se, daí, que quando a lei fixa prazo para o exercício de um direito potestativo, o que ela tem em vista, em primeiro lugar, é a extinção desse direito, e não a extinção da ação. Essa também se extingue, mas por via indireta, como consequência da extinção do direito. O mesmo fato não é observado com referência à outra categoria de direitos (os "direitos a uma prestação"): a lei não fixa – e nem tem motivos para fixar – prazo para o exercício de nenhum deles. Com relação a esses direitos, os prazos que existem, fixados em lei, são tão somente para o exercício das pretensões que deles se irradiam. Assim, o decurso do prazo sem exercício da pretensão, implica no encobrimento da eficácia dessa (desde que o interessado ofereça a exceção de prescrição) e não na extinção do direito que ela protege, pois – repita-se – em face dos denominados "direitos a uma prestação", a pretensão e a ação funcionam como meios de proteção e não como meios de exercício.”

2.4. Prescrição e decadência na reivindicação de direitos sociais de revisão de benefícios previdenciários

 Embora haja divergência sobre a natureza jurídica do art. 103 da lei 8213, Zanini vai além  dessa discussão ao afirmar que a legislação infraconstitucional estabeleceu prazos onde não deveria ter feito, porque ao se tratar de ação revisional de beneficio, é mais congruente se falar em ação condenatória, uma vez que assim não haveria perecimento do fundo do direito e nem decadência, porque não se pode perder o direito de reivindicar um direito tido por fundamental.

2.5. Obrigação de trato sucessivo

Também chamadas de execução continuada são aquelas que se prolongam no tempo sem solução de continuidade ou mediante prestações periódicas, que são aquelas que se renovam em prestações singulares e sucessivas.

 Flávio Henrique Unes Pereira e Elisangêla Aparecida Mendes em seu artigo intitulado  Prescrição de trato sucessivo e prescrição de Fundo Direito: Estudo de Casos  observam que:

” Vê-se que, na hipótese de prestações periódicas, tais como vencimentos, devidas pela Administração, não ocorrerá, propriamente, a prescrição da ação, mas tão somente, a prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos de seu ajuizamento. Nesse caso, fala-se em prescrição de trato sucessivo, já que, continuamente, o marco inicial do prazo prescricional para ajuizamento da ação se renova.”

O voto do Ministro Moreira Alves exemplifica a aplicação do tema na jurisprudência pátria:

“A pretensão ao fundo do direito prescreve, em direito administrativo, em cinco anos a partir da data da violação dele, pelo seu não reconhecimento inequívoco. Já o direito a perceber as vantagens pecuniárias decorrentes dessa situação jurídica fundamental ou de suas modificações ulteriores é mera consequência daquele, e sua pretensão, que diz respeito a quantum, renasce cada vez em que este é devido (dia a dia, mês a mês, ano a ano, conforme a peridiocidade em que é devido o pagamento) e, por isso, se restringe as prestações vencidas há mais de cinco anos, nos termos exatos do artigo 3º do Decreto nº 20.910/32.”

Ainda que houvesse prescrição do direito a revisão, essa prescrição deveria ser contada levando em consideração o prazo quinquenal, ou seja, o beneficiário só teria direito a receber os últimos 5 anos, porém seu direito a revisão seria mantido ainda que ultrapassasse os 10 últimos anos.

2.5.1 Súmula 85 do STJ

Encerrando a discussão sobre as obrigações de trato sucessivo, a súmula 85 do STJ  aduz que: Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Publica figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação.

 Zanini opina com maestria a respeito do tema:

"Nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora, somente prescreve as prestações, vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação". Vários tribunais firmaram posição adotando a imprescritibilidade. Mas, na grande maioria, sustentam a imprescritibilidade por defenderem a tese do trato sucessivo das parcelas que vão sendo pagas mês a mês associados a não prescrição do fundo do direito. Tal entendimento, firmado nas súmulas 85 e 163 do STJ, na verdade, sustenta a prescritibilidade e se aplica unicamente quanto se fala em prescrição, não servido para tese de decadência. Nesse sentido era o noticiado: “Se a causa não versa sobre o quantum devido a título de gratificação, mas sobre a própria existência do direito a ela, a prescrição atinge o chamado "fundo do direito" e não as parcelas que dele decorreriam (Súmula 443-STF). Hipótese em que não se exige, para a fixação do dies a quo do prazo prescricional, o indeferimento expresso pela Administração do direito reclamado pelos servidores. Precedente citado: RE 110.419-SP (RTJ 130/319). RE (EDiv) 112.649-PR, rel. Min. Marco Aurélio, sessão de 30.10.95”.Há quem entenda , ainda, a  a propositura da ação. inaplicabilidade da decadência por aplicação isonômica à parte final do art. 103-A da lei previdenciária, que fixa o prazo decadencial para revisão de atos pela administração ressalvada a má-fé. Nesse caso, se a administração, com toda sua superioridade hierárquica e legal, não observou a legalidade na concessão do benefício, calculando-o a menor, teria agido em desrespeito à moralidade, a qual deve gerir os atos administrativos, assim, estaria o cidadão apto a ingressar com ação revisional a qualquer tempo, sendo observado, apenas, o prazo prescricional pelo princípio da isonomia. Ainda se vê, que a Lei n. 8.213/91 garante o direito à imprescritibilidade de reaver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela previdência apenas para menores, incapazes e ausentes – indivíduos desaparecidos que são reconhecidos como tal por sentença judicial. E há, também, um Projeto de Lei n. 303/11, do deputado Marçal Filho (PMDB-MS), em tramitação na Câmara para que os idosos possam ter o direito de requerer, a qualquer tempo, restituições, prestações vencidas ou diferenças devidas pela Previdência Social.

A súmula 85 do STJ deixa claro que a prescrição nas obrigações de trato sucessivo atinge os últimos 5 anos, o que importa dizer que não se deve levar em conta o tempo decorrido para propositura da ação revisional.

2.6. A inconstitucionalidade do artigo 103 da Lei 8213 pela redação dada pela Lei 10839 de 2004

A lei 10839 de 2004 foi a responsável por fixar prazo decadencial nas revisões de benefícios previdenciários.

 Zanini ao discorrer da inconstitucionalidade do artigo, aduz que:

“sendo a seguridade um direito humano fundamental, não poderia ela ser restringida por leis infraconstitucionais em modificação à essencia das reivindicações históricas que lhe deram força, impedindo, por meio da fixação de prazo decadencial, o aceso ao próprio direito, que não esta simplesmente em assegurar um salário de beneficio em si, ou no caso em estudo sua revisão, mas acima de tudo assegurar proporções razoáveis e justas de tal concessão.

Admitir que um direito humano fundamental seja restringido por uma simples lei infraconstitucional é um enorme retrocesso histórico.

2.7. A imprescritibilidade dos direitos humanos, dentre eles a Seguridade Social

 Para Zanini, os direitos humanos, devido a sua importância  são imprescritíveis, senão vejamos:

“por ter vínculos advindo de direitos humanos reconhecidos, como fruto de reinvidicações históricas – que a seguridade social é uma garantia sólida e devidamente inserida na Carta Magna, portanto, possui status de norma fundamental, com os privilégios decorrentes de tal categoria, entre as quais, com realce a imprescritibilidade”

O legislador  restringiu um direito fundamental e que portanto é imprescritível,  ao marco temporal de 10 anos, além de tê-lo feito por meio de norma infraconstitucional ainda lhe atribuiu uma natureza jurídica duvidosa  o que tem causado celeuma na doutrina pátria.

3 O principio da Legalidade  como pressuposto do ato administrativo de concessão de benefícios previdenciários

Como se não bastasse a inconstitucionalidade do artigo em debate e a discussão acerca da sua natureza jurídica, ele afronta dois princípios constitucionais da Legalidade e da Isonomia que abarcam toda a administração pública, e, portanto a Previdência Social, uma vez que o enunciado nº5 do Conselho de Recursos da Previdência estabelece que a Previdência deve conceder o melhor beneficio que o cidadão fizer jus.

3.1Principio da Legalidade

A Carta Magna ao dispor sobre os princípios aos quais a administração publica está adstrita, trouxe no bojo do artigo 37: A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…) (grifo nosso)

 Segundo Maria Sylvia Zanella de Pietro (2012 – p200):

“Considerando, pois, as três funções do Estado, sabe-se que a administrativa caracteriza-se por prover de maneira imediata e concreta às exigências individuais ou coletivas para a satisfação dos interesses públicos preestabelecidos em lei. Costuma-se apontar três características essenciais da função administrativa: é parcial no sentido no sentido de que o órgão que a exerce é parte nas relações jurídicas que decide, distinguindo-se, sob esse aspecto, da função jurisdicional: é concreta, porque aplica a lei aos casos concretos, faltando-lhe a característica de generalidade e abstração própria da lei; é subordinada, porque está sujeita a controle jurisdicional.

De acordo com o enunciado nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social : A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido.

Com base neste enunciado, é correto afirmar que cabe a Previdência orientar o segurado quanto ao melhor beneficio que ele tem direito, quando ela deixa de fazê-lo, infringe  diametralmente o Principio Constitucional da Legalidade.

3.2 Inaplicabilidade do prazo decadencial no caso de má-fé

O artigo 103ª da Lei 8213 concede a administração pública o direito de anular seus atos quando dotados de má-fé, segue abaixo sua redação:

“Art. 103A O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

Se houver má-fé por parte do segurado, a ação proposta pela Previdência se torna  imprescritível, uma vez que o mesmo não ocorre com o segurado que tem seu beneficio concedido de forma errônea por aquelas que de acordo com o enunciado nº5 do Conselho de Recursos da Previdencia Social tinham o dever de conceder o melhor beneficio.

3.3. Configuração da má-fé do ato administrativo: aplicação do principio da Isonomia

 Alexandre de Moraes discorre com maestria acerca do Principio Constitucional da Isonomia:

“A Constituição Federal de 1988 adotou o principio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrarias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o principio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal 2011-p 40)”

A imprescritibilidade alcança o ato de má-fé praticado pelo segurado, mas não alcança seu direito fundamental à revisão ocorrida por erro da Previdência Social, diante dessas afirmações resta claro que o Principio da Isonomia  foi afrontado, uma vez que além de tratar de forma desigual situações semelhantes, ainda o faz em favor de quem é mais forte, neste caso a Previdência Social.

Considerações finais:

Restou comprovada a inconstitucionalidade do artigo 103 da lei 8213, uma vez que ele afronta o direito fundamental a Previdência Social. Além dele prever prazo para um direito imprescritível ainda o fez por meio de norma infraconstitucional.

Como se não bastasse, o legislador estabeleceu prazo decadencial de 10 anos para revisões de benefícios sociais, o que provocou dúvida a respeito da natureza jurídica do instituto, para muitos se trata de prescrição, o que atinge novamente a Constituição Federal, uma vez que os direitos fundamentais são tidos por imprescritíveis.

Houve ainda afronta aos Princípios Constitucionais da Legalidade, uma vez que o enunciado n°5 do Conselho de Recursos da Previdência afirma que o segurado deve receber o melhor beneficio a que fizer jus e ao Principio da Isonomia, uma vez que o artigo 103ª da Lei 8213 considera os atos de má-fè praticados pelo segurado como imprescritíveis.

Diante o exposto, conclui-se que o artigo 103 da Lei 8213 deveria ter sido declarado inconstitucional, e se ainda não o foi, isto se deve a interesses econômicos. O legislador infraconstitucional sequer se atentou para o instituto correto a ser aplicado, o que comprova a simples intenção de barrar os cidadãos de buscar seus direitos. As revisões decorrentes de erros administrativos fazem com que a administração publica se beneficie por seus próprios erros ou seria melhor dizer da sua própria torpeza.

 

Referências:
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério Cientifico para distinguir a prescrição da decadencia e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3, p. 95-132, jan./jun.1961.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil.
BRASIl. Lei nº 8213 de 24 de julho de 1991.
FOLMANN, Melissa. Da aplicação da decadencia do direito de revisão dos benefícios previdenciarios. (texto digitado)
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 27ª edição. São Paulo. ED. Atlas. 2011
PEREIRA, Flávio Henrique Unes, Mendes, Elisângela Aparecida. Prescrição de trato sucessivo e prescrição de Fundo Direito: Estudo de Casos. Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 12, outubro/novembro/dezembro, 2007. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp. Acesso em 25 de outubro de 2016.
ZANINI, Juliano Cesar. O direito fundamental aos benefícios previdenciários e a impossibilidade de aplicação do prazo decadencial na Revisão dos atos de concessão –inconstitucionalidade do art. 103, caput, da Lei n. 8213/9. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba,  2013, vol.5, n.8, Jan.-Jun. p. 119-155.

Informações Sobre o Autor

Adele Martins da Costa Bittencourt

Advogada especialista em Seguridade Social e cursando MBA em direito Previdenciario


Equipe Âmbito Jurídico

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