Resumo: O presente artigo busca analisar, de forma expositiva, os aspectos legais e doutrinários referentes à coisa julgada, enfatizando os limites objetivos, no que diz respeito às questões prejudiciais expressa e incidentalmente decididas. A finalidade precípua deste estudo é traçar as primeiras linhas a respeito do assunto, que será mais bem enfrentado com a prática jurídica que, certamente, causará impactos na jurisprudência que havia se formado sob a égide do CPC/1973. Antes do advento da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, a qual instituiu o Novo Código de Processo Civil, para que as questões prejudiciais viessem a se tornar imutáveis e/ou indiscutíveis, antes teriam que ser transformadas em principais, o que mudou com o advento do Novo Códex. Evidenciou-se, a partir da pesquisa empreendida, que as questões prejudiciais, após o advento do novel Diploma, adquiriram aptidão para se tornarem objeto de coisa julgada, mesmo que não sejam transformadas em principais.
Palavras-chave: Coisa julgada. Limites objetivos. Questões prévias.
Abstract: This article seeks to analyze expository way, legal aspects and doctrinal concerning res judicata, emphasizing the objective limits, with regard to the questions and expressed incidentally decided. The main purpose of this study is to draw the first lines on the subject, which will be best faced with the legal practice that certainly will cause impacts in the case law that had formed under the aegis of the CPC / 1973. Before the enactment of Law No. 13,105, of March 16, 2015, which established the New Code of Civil Procedure, that the questions were to become immutable and / or indisputable before would have to be transformed into major, which changed with the advent of the new Codex. It was evident, from our survey, the questions, after the advent of novel Diploma, acquired ability to become res judicata object, even if they are not turned into major.
Keywords: Thing judged. Objective limits. Preliminary questions.
Sumário: 1. Introdução. 2. Coisa julgada. 2.1 Coisa julgada formal e material. 2.1.1 Coisa julgada material sobre a questão principal. 2.1.2 Questões prévias: preliminares e prejudiciais. 2.2 Coisa julgada e questão prejudicial no CPC/1939. 2.3 Coisa julgada e questão prejudicial no CPC/1973. 2.4 Coisa julgada e questão prejudicial no CPC/2015. 2.4.1 Primeiro pressuposto: questão que se apresente como prejudicial. 2.4.2 Segundo pressuposto: decisão expressa e incidental. 2.4.3 Terceiro pressuposto: que o ponto principal tenha sido objeto de contraditório pleno e efetivo. 2.4.4 Quarto pressuposto: competência absoluta do juízo para resolver a questão prejudicial como se principal fosse. 2.4.5 Quinto pressuposto: inexistência de restrições probatórias e de limitação à cognição. 3. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O CPC/2015 trouxe muitas inovações. Cotejando os arts. 469, III e 470 do CPC/1973 com os arts. 503, §§1º e 2º e 504 do CPC/2015, é possível verificar que, dentre as consideráveis mudanças, estão as relativas aos limites objetivos da coisa julgada. Nos termos da novel sistemática processual civil, deixará de existir a vedação prevista no art. 469, inciso III, do CPC/1973 (não se faz coisa julgada material a apreciação da questão prejudicial decidida incidentalmente no processo). Tal regra não encontra correspondência no Novo Código de Processo Civil, conforme se observa no art. 504[1].
As questões relativas à coisa julgada sempre foram alvos de inúmeras discussões, apesar de o ordenamento jurídico trazer várias definições a respeito do assunto. É possível verificar, no direito positivo brasileiro, a conceituação de coisa julgada em várias oportunidades. A primeira delas está contida na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, no art. 6º, § 3º, que dispõe: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. A segunda está prevista no Código de Processo Civil de 1973 que, em seu art. 467, prevê que “Denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.
A coisa julgada também está prevista, explicitamente, no texto constitucional, no art. 5º, XXXVI, que informa que a lei não prejudicará o ato jurídico, o direito adquirido e a coisa julgada. Estes são considerados os três pilares da segurança jurídica. Já o novo CPC dispõe, em seu art. 502 que “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito que não mais sujeita a recurso”.
Não se pretende, com esta pesquisa, esgotar o estudo sobre o assunto. Aspira-se, somente, expor alguns conceitos e argumentos a respeito do tema, que ainda será objeto de muito estudo pelos processualistas. Adiantando-se ao debate, que será mais bem enfrentado nos tópicos posteriores, denota-se que trata de uma importante inovação legislativa, portanto, é imprescindível, para a prática jurídica, analisar os principais aspectos relativos à coisa julgada, principalmente, no que diz respeito às questões prejudiciais expressa e incidentalmente decididas.
2 COISA JULGADA
Subsistem, na doutrina, diversas acepções sobre o instituto da coisa julgada, destacando-se as seguintes: 1) a coisa julgada como efeito da decisão; 2) a coisa julgada como uma qualidade dos efeitos da decisão; 3) e a coisa julgada como uma situação jurídica do conteúdo da decisão.[2]
O art. 502 do CPC/2015 trata do conceito legal de coisa julgada, a qual é uma decorrência do conteúdo do julgamento de mérito. Theodoro Jr. (2015) explicou a questão da seguinte forma:
“É de se ter em conta que a coisa julgada é uma decorrência do conteúdo do julgamento de mérito, e não da natureza processual do ato decisório. Quando os artigos 502 e 503 do novo Código estabelecem o conceito legal e a extensão do fenômeno da coisa julgada, e se referem a ela como a qualidade da decisão de mérito, e não apenas da sentença, reconhecem a possibilidade de a res iudicata recair sobre qualquer ato decisório, que solucione “total ou parcialmente o mérito”. Dessa maneira, a coisa julgada leva em conta o objeto da decisão, que haverá de envolver o mérito da causa, no todo ou em parte, seja o ato decisório uma sentença propriamente dita, seja um acórdão, seja uma decisão interlocutória. O importante é que o pronunciamento seja definitivo e tenha sido resultado de um acertamento judicial precedido de contraditório efetivo.”[3]
A coisa julgada não é efeito nem qualidade dos efeitos da sentença, mas uma situação jurídica que se forma no momento em que a sentença se transforma de instável para estável. O processo segue adiante em direção ao ato processual, representado pela sentença, a qual pode incidir ou não o mérito da causa. Deste modo, a impossibilidade de recorrer acontece em virtude de não haver mais recursos cabíveis para impugnar a decisão ou porque, tendo sido esgotados todos os recursos previstos em lei, o réu perdeu o prazo para a interposição recursal ou, ainda, porque não se enquadra a decisão nas hipóteses que se submetem ao reexame necessário[4].
2.1 Coisa julgada formal e material
A coisa julgada consiste na imutabilidade e indiscutibilidade de qualquer decisão pelo aspecto de seu conteúdo. Esta pode ser terminativa (sem resolução de mérito – art. 485 CPC) ou definitiva (art. 487 CPC/2015). Além disso, no que se refere ao alcance da coisa julgada, há uma grande divergência doutrinária a respeito das definições de coisa julgada formal e material. A coisa julgada impede que qualquer juízo reaprecie a matéria estabilizada (efeito positivo da coisa julgada) e também a repropositura de demanda (efeito negativo da coisa julgada). Assim, impossibilita a instauração de relação processual com idênticas partes, causa de pedir e pedido, sem qualquer modificação[5].
“Em suma, de acordo com o entendimento que adotamos, a única diferença entre coisa julgada formal e material refere-se, pois, ao conteúdo da decisão que foi estabilizada: a res iudicata é formal quando a sentença é terminativa, sendo material a coisa julgada que se forma sobre sentenças definitivas. Enquanto a coisa julgada formal relaciona-se a um processo que foi extinto por vício processual, a res iudicata material forma-se sobre uma decisão que chegou a resolver o direito substancial, trazendo uma solução para o mérito. Ambas, porém — coisa julgada formal e material — produzem efeitos, sempre, para dentro e para fora do processo”. [6]
Deste modo, a principal diferença entre coisa julgada formal e material reside no conteúdo da decisão que foi estabilizada; será formal quando a sentença for terminativa e material quando a coisa julgada se formar sobre sentenças definitivas.
2.1.1 Coisa julgada material sobre a questão principal
O já mencionado art. 502 do CPC/2015 objetiva conceituar coisa julgada material. Noutra margem, o art. 503 identifica o primeiro objeto da coisa julgada: as questões principais, ou seja, os pedidos formulados; pedidos são aqueles veiculados pelo autor (v.g., na petição inicial), pelo réu (e.g., em reconvenção ou em pedido contraposto em procedimento dúplice) ou por terceiro (p.e., em recurso de terceiro)[7].
“De acordo com o art. 489, III, é na parte dispositiva da sentença que o juiz deve apreciar os pedidos formulados. O dispositivo, portanto, resolve as questões principais. Inexiste inovação legislativa quanto à formação de coisa julgada sobre questão principal. Regras equivalentes já constavam do CPC/1973 (arts. 467, 468 e 458, III, respectivamente) e do CPC/1939 (arts. 4º e 287, caput). Se, de um lado, a coisa julgada sobre questão principal não sofreu alteração significa ao longo dos três diplomas processuais federais, de outro o regime de estabilidade destinado às questões prejudiciais foi objeto de profundas modificações.”[8]
Portanto, no que se refere à formação de coisa julgada sobre a questão principal, não houve nenhuma inovação legislativa, já que regras equivalentes já constavam no CPC/1939 e CPC/1973. Noutra margem, no que tange ao regime de estabilidade destinado às questões prejudiciais, consideráveis modificações ocorreram.
2.1.2 Questões prévias: preliminares e prejudiciais
Questões prévias são aquelas que antecedem a resolução da questão principal, devendo ser apreciadas pelo juiz antes da análise do pedido; subdividem-se, dependendo de seu conteúdo, em questões preliminares e questões prejudiciais.[9]
São consideradas preliminares as questões, notadamente processuais, que impossibilitam ou postergam a resolução do mérito. As peremptórias são as preliminares que, de certa forma, causam impedimento ao exame do meritum causae, ocasionando a extinção do processo ou do incidente, sem resolução de mérito, se não corrigidas no tempo adequado, caso sanáveis. São exemplos a ausência de capacidade de ser parte ou de capacidade processual, inexistência de interesse-necessidade, existência de convenção de arbitragem ou de coisa julgada material. Por outro lado, as dilatórias são as preliminares que somente adiam a resolução do mérito, mas não possuem aptidão para extinguir a demanda, tais como, incompetência absoluta ou relativa do juízo, impedimento ou suspeição do juiz ou conexão.[10]
Já as questões prejudiciais podem ser entendidas como aquelas atinentes à existência, inexistência ou modo de ser de uma relação ou situação jurídica que, embora sem constituir propriamente o objeto da pretensão formulada (mérito da causa), são importantes para a solução desse mérito. São inconfundíveis com as questões preliminares, que concernem à existência, eficácia e validade do processo estas podem conduzir apenas à impossibilidade do julgamento do mérito, não contribuindo para a sua solução, por se tratarem de questões meramente processuais.[11]
2.2 Coisa julgada e questão prejudicial no CPC/1939
Sob a égide do CPC/1939, houve divergência doutrinária a respeito da formação ou não de coisa julgada automática sobre as questões prejudiciais, em função da imprecisão dos termos do parágrafo único do art. 287. Isso ocorreu, em parte, pelo fato de a tradução ter sofrido alterações e supressões de trechos do então art. 290 do Projeto de Código italiano (“Projeto Mortara”) de 1926. Alguns estudiosos, adotando entendimento minoritário, chegaram a defender que, de acordo com o parágrafo único do art. 287 do CPC/1939, a coisa julgada material deveria se formar, também, sobre as questões prejudiciais.[12]
Porém, de acordo com o posicionamento que veio a prevalecer, as “questões” que eram consideradas como decididas (em espécie de “rejeição implícita”) eram, apenas, as teses e os argumentos defensivos que poderiam ter sido invocados, mas não o foram (o que, sob a égide do art. 474 do CPC/1973, veio a ser denominado princípio do dedutível e do deduzido), e não propriamente as questões prejudiciais.[13]
2.3 Coisa julgada e questão prejudicial no CPC/1973
Durante o regime do CPC/1973, não houve dúvida de que apenas a decisão a respeito de pedido principal era alcançada pela coisa julgada material. As questões prejudiciais eram analisadas, mas não decididas, tendo em vista que somente o pedido (questão principal) seria objeto de decisão.[14]
“Se a questão prejudicial não se tornasse objeto de pedido expresso e determinado, ela jamais viria a tornar-se imutável e indiscutível, em tratamento equivalente ao dado para a “verdade dos fatos” e para “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance” da decisão, sobre os quais nunca houve formação de coisa julgada (at. 469, I e II). Por essa razão, o inciso III do art. 469 do CPC/1973 afirmava que não fazia coisa julgada “a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo”. Questões prejudiciais, para que viessem a se tornar imutáveis e indiscutíveis, tinham que ser transformadas em principais, tornando-se objeto de expresso e formal pedido declaratório (arts. 470, 5º e 325, CPC/1973).”[15]
Observa-se que, durante a vigência do CPC/1973, para que as questões prejudiciais viessem a se tornar imutáveis e/ou indiscutíveis, antes teriam que ser transformadas em principais, o que mudou, nitidamente, com o advento do Novo Códex, conforme se verá adiante.
2.4 Coisa julgada e questão prejudicial no CPC/2015
Operando considerável transformação no regime de coisa julgada, os §§1º e 2º do art. 503 do CPC/2015 modificaram o alcance da coisa julgada, ampliando os seus limites objetivos.[16]
“O novel diploma passou a permitir a formação de coisa julgada material inclusive sobre questões prejudiciais que não tenham sido objeto de pedido da parte. Em outras palavras, as questões prejudiciais ganham aptidão para se tornarem objeto de coisa julgada mesmo que não sejam transformadas em principais, desde que tenham sido expressamente debatidas pelas partes, apreciadas incidentalmente por juízo dotado de competência absoluta para resolvê-las (caso fossem apresentadas como questões principais) e inexistam restrições probatórias ou limitações à cognição para o aprofundamento do debate sobre dita questão. Passemos a analisar, de forma pormenorizada, cada aspecto relevante dessa profunda modificação.”[17]
Observa-se que as questões prejudiciais, após o advento do Novo CPC, adquiriram aptidão para se tornarem objeto de coisa julgada, mesmo que não sejam transformadas em principais. Além do que, o legislador, ao dispor sobre a questão prejudicial, foi bastante precavido. Nesse sentido:
“O legislador foi excessivamente cuidadoso: disse que a resolução de questão prejudicial, que fica acobertada pela coisa julgada, (a) deve ser expressa (não há decisões implícitas no direito brasileiro!); (b) desta resolução deve depender o julgamento do mérito (se não depender, não se tratará de questão prejudicial!) (art. 503, §1º, I); e (c) deve ter a seu respeito, havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia (art. 503, §1º, II). Se não houver contraditório, e discordância entre as partes, não se tratará de QUESTÃO! Este dispositivo, na verdade, só demonstra o cuidado do legislador, em não estender a autoridade da coisa julgada em desrespeito ao contraditório”.[18]
Parcela da doutrina se posiciona no sentido de ser possível que as partes, utilizando-se da cláusula geral de negociação processual, a qual está prevista no art. 190[19] do Novo Códex, acordem “que a coisa julgada se forme sobre uma determinada questão prejudicial”, uma vez que “a vinculatividade da coisa julgada atingir uma determinada questão está na esfera de disposição das partes.”[20]
2.4.1 Primeiro pressuposto: questão que se apresente como prejudicial
Oart. 503, §1º do CPC/2015, passou a permitir a formação de coisa julgada material sobre situações que atendam a alguns pressupostos, sendo que o primeiro deles consiste na exigência de apresentação de questões prejudiciais.
“O disposto no § 1º do art. 503 não constitui exceção à norma do art. 504 do CPC. A decisão expressa da questão prejudicial, uma vez observados os pressupostos dos §§ 1º e 2º, faz coisa julgada precisamente porque se trata de um comando sentencial, e não simples fundamentação. Não se trata de exceção à regra que limita a coisa julgada aos dispositivos. A hipótese constitui exceção, isso sim, à norma que permite que o juiz apenas decida as pretensões efetivamente postas pelas partes. Nesse caso, basta que se estabeleça o efetivo contraditório sobre questão prejudicial do âmbito de competência absoluta do juízo para que o juiz sobre ela emita decisum. Ou seja, em contraste com o CPC/1973, a novidade não está em estender-se a coisa julgada à fundamentação, mas sim em dispensar-se a ação declaratória incidental para que o juiz possa proferir comando sobre a questão prejudicial.”[21]
Em um primeiro momento, é imprescindível que o ponto prejudicial se transforme em questão, ou seja, que o ponto seja, notadamente, controvertido. Somente haverá coisa julgada se existir desacordo entre as partes sobre determinado tema. Assim, não existindo a controvérsia, não haverá questão, razão pela qual o ponto prejudicial não será alcançado pela coisa julgada material.[22]
2.4.2 Segundo pressuposto: decisão expressa e incidental
O segundo pressuposto para a formação da coisa julgada, nos termos do art. 503, §1º, refere-se à exigência de que a questão prejudicial deva ser expressa e incidentalmente decidida.
“Deve o julgador manifestar-se, de forma expressa, clara, analítica e fundamentada, sobre a questão prejudicial. Caso uma questão seja objeto de debate pelas partes, mas não venha a ser apreciada na decisão, sobre ela não haverá coisa julgada. Afinal, não seria possível considerar como imutavelmente decidido algo que jamais foi decidido… Todas as exigências processuais para a existência, a validade e a eficácia da decisão a respeito da questão principal aplicam-se, por inteiro, à solução que é dada à questão prejudicial.”[23]
É preciso, inclusive, que a questão prejudicial seja incidentalmente decidida, isto é, que não constitua o objeto do processo (pedido principal). Afinal, caso a prejudicial fosse objeto de pedido, já haveria formação de coisa julgada por força do próprio caput do art. 503, e não do §1º (ela já seria uma questão prejudicial apresentada como “principal”).[24]
Para haver coisa julgada, é imprescindível decisão expressa do juiz sobre a questão prejudicial. Nesse sentido, não basta que ela possa ser intuída, dessumida ou pressuposta a partir da decisão dada ao mérito. É necessário que haja efetivo enfrentamento da questão prejudicial pelo juiz.[25]
2.4.3 Terceiro pressuposto: que o ponto principal tenha sido objeto de contraditório pleno e efetivo
Nos termos do inciso II do §1º do art. 503 do CPC/2015, o terceiro pressuposto para a formação da coisa julgada se refere ao fato de a “questão” prejudicial ser objeto de contraditório prévio e efetivo, porém, não se aplicando no caso de revelia.
“A lei exige, em outras palavras, que exista verdadeiro debate, substancial, sobre o ponto que se apresente como um antecedente lógico e necessário à solução da questão principal. Exige-se não apenas que o ponto se transforme em questão, como também que o contraditório a seu respeito seja prévio e efetivo (leia-se: substancial). Se o contraditório sobre a questão prejudicial for meramente formal, tendo o ponto sido controvertido somente de modo tangencial (a latere ou en passant), não haverá formação de coisa julgada. […]”[26]
Para que a decisão sobre a questão prejudicial revista-se de coisa julgada, é necessário que haja possibilidade plena de contraditório prévio a respeito dela; não basta o fato de poder-se, subsequentemente, recorrer da decisão. É indispensável que se possibilite o debate e a instrução probatória sobre a questão, para que só depois seja decidida.[27]
“O contraditório também deve ser efetivo. Tal pressuposto tem de ser devidamente compreendido. É preciso que a questão seja posta no processo e fique claro para as partes que ela é relevante para a solução da lide e receberá uma decisão expressa. Cumpre ao juiz – em respeito aos deveres de debate e prevenção, ínsitos aos princípios do contraditório e da cooperação (CF, art. 5º, inciso LV; CPC, arts. 6º, 9º e 10) – advertir as partes quanto a isso. Em princípio, o saneamento do processo é a ocasião oportuna para tanto (CPC, art. 357). Por um lado, mesmo que o juiz não cumpra esse dever de advertência, se as partes efetivamente debaterem a questão, está preenchido esse requisito para a incidência da coisa julgada. Por outro lado, uma vez posta claramente a existência da questão prejudicial, e sendo dada às partes a oportunidade de instrução jurídica e probatória, está também preenchido o requisito. A circunstância de uma ou ambas as partes, uma vez devidamente cientes de que a questão prejudicial está posta, não se dedicar à sua instrução jurídica e fática, em regra, não obstará que a decisão expressa do juiz sobre tal questão tenha autoridade de coisa julgada. No processo civil, vigora o princípio da disponibilidade do contraditório”.[28]
Observa-se que o contraditório, além de ser prévio, necessita ser efetivo. É preciso que as partes compreendam que a questão suscitada no processo seja relevante para a solução da lide. Ademais, a mesma receberá uma decisão expressa. Ressalte-se que, no Processo Civil vigora o princípio da disponibilidade do contraditório. Deste modo, se as partes tiverem ciência de que a questão prejudicial está posta e, mesmo assim, não se dedicarem à sua instrução jurídica e fática, em regra, tal não causará impedimento à decisão expressa do juiz sobre tal questão.
2.4.4 Quarto pressuposto: competência absoluta do juízo para resolver a questão prejudicial como se principal fosse
De acordo com o inciso III do §1º do art. 503, o quarto requisito para a formação da coisa julgada, em se tratando da questão prejudicial incidentalmente decidida, é a competência absoluta do juízo para resolvê-la como questão principal.
É exigível que a competência seja do juízo que conhece da causa em primeiro grau de jurisdição[29]. Complementando, Redondo (2015) ensina que:
“Pode ocorrer de o juízo de primeiro grau não ter competência para julgar a questão prejudicial como principal (ex.: questão principal típica de Vara Cível e questão prejudicial típica de Vara de Família), mas o órgão recursal ter competência mais ampla que a do primeiro grau (v.g., Câmara Cível competente para julgar recursos de Vara tanto Cível, quanto de Família). Nesse caso, como o juízo originário, prolator da sentença que apreciou a prejudicial, não teria competência para resolvê-la como questão principal, não haverá formação de coisa julgada sobre a prejudicial, a despeito de eventual acórdão em grau recursal vir a ser proferido por órgão dotado de competência mais ampla (para julgar a questão prejudicial como principal). Para a formação da coisa julgada, portanto, exige-se a competência absoluta do juízo originário para resolver a questão prejudicial como se principal fosse.”[30]
A exigência de que o juiz possua competência material, ou seja, competência absoluta para julgar em caráter principal a questão prejudicial é apenas requisito para a incidência da coisa julgada, e não para que ele possa dirimir a questão.[31]
2.4.5 Quinto pressuposto: inexistência de restrições probatórias e de limitação à cognição
Se existir restrições probatórias à investigação da questão prejudicial ou por qualquer outra razão, a profundidade da sua cognição é limitada, a decisão sobre ela não fará coisa julgada. A norma do § 2º trata-se de uma expressão da incompatibilidade entre cognição superficial ecoisa julgada.[32]
O §2º do art. 503 traz um quinto conjunto de pressupostos, consistentes em dois elementos impeditivos da formação de coisa julgada sobre as prejudiciais. Explica que, de acordo com o dispositivo, não há formação da estabilidade se, no processo, houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial[33].
“Trata-se de regra que aparenta falsa simplicidade, exigindo considerações mais profundas, sob pena de se impedir, indevidamente, a formação de coisa julgada em casos nos quais ela deveria ocorrer. Relativamente às provas, a regra geral é a de que os procedimentos permitam ampla instrução probatória e a produção de todos os meios de prova (art. 36). De modo excepcional, porém, alguns procedimentos podem apresentar restrições probatórias, por força de lei ou fruto da vontade das partes.”[34]
No que tange à cognição, também é a regra geral do Direito Processual Civil que os procedimentos ensejem uma cognição irrestrita no sentido horizontal (cognição plena). O intuito é permitir o exercício das garantias constitucionais do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CRFB) e da ampla defesa (art. 5º, LV) do modo mais pleno e substancial possível — e a mais profunda possível no plano vertical (cognição exauriente).[35]
Enfim, os limites objetivos da coisa julgada é uma matéria sobre a qual o Novo CPC inovou, conforme se observa a partir do cotejo entre os dispositivos do CPC/73 (arts. 469, III e 470) e do Novo Código (arts. 503, §§1º e 2º e 504) que tratam sobre o assunto. Na nova sistemática processual civil, inexistirá o óbice descrito no art. 469, inciso III, do CPC/73, segundo o qual não faz coisa julgada material a apreciação da questão prejudicial decidida incidentalmente no processo; essa regra não encontra correspondência no NCPC (v. art. 504).[36]
3 CONCLUSÃO
Verificou-se que a coisa julgada não é efeito nem qualidade dos efeitos da sentença. Trata-se de uma situação jurídica que se forma no momento em que a sentença transforma-se de instável para estável. Assim, o processo segue adiante em direção ao ato processual, representado pela sentença, a qual pode incidir ou não o mérito da causa.
Sob a égide do CPC/1939, houve divergência doutrinária a respeito da formação ou não de coisa julgada automática sobre as questões prejudiciais, em função da imprecisão dos termos do parágrafo único do art. 287. Observou-se que, durante a vigência do CPC/1973, para que as questões prejudiciais viessem a se tornar imutáveis e/ou indiscutíveis, primeiramente teriam que ser transformadas em principais, o que mudou, nitidamente, com o advento do Novo Códex. As questões prejudiciais adquiriram aptidão para se tornarem objeto de coisa julgada, mesmo que não sejam transformadas em principais.
Operando considerável transformação no regime de coisa julgada, o CPC/2015 modificou o alcance da coisa julgada, ampliando os seus limites objetivos. Evidenciou-se que devem ser observados os cinco pressupostos, previstos pelo legislador como requisitos para que a questão prejudicial seja resolvida, quais sejam, a questão deve se apresentar como prejudicial, a decisão precisa ser expressa e incidental, o ponto prejudicial necessita ter sido objeto de contraditório prévio e efetivo, deve haver competência absoluta do juízo para resolver a questão prejudicial como se principal fosse e, ainda, é preciso verificar a inexistência de restrições probatórias e de limitações à cognição.
Informações Sobre o Autor
Cristina Rezende Eliezer
Professora de Direito no Instituto Federal de Minas Gerais IFMG, Pós-graduada em Ciências Criminais UCAM/RJ, Pós-graduada em Gestão de Projetos UNIFOR/MG, Pós-graduando em Direito Processual Civil – UNIFOR/MG, MBA Executivo em Gestão Pública CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ/SP, Advogada OAB/MG