Resumo: Esse trabalho tem por escopo, de forma propedêutica, investigar a atuação de “advogados” que atuaram entre os meados do século XIX e inicio do século XX, os rábulas ou provisionados. Operadores do direito que atuavam nas cortes de justiça do país, sobretudo em questões referentes à liberdade de escravos, mas que não detinham formação jurídica acadêmica, o que não os impediam de obter êxito em varias de suas causas. A construção desse direito informal/prático é o objeto desse breve texto.
Palavras chave: História do Direito. Direito Civis. História do Brasil.
Abstract: This work has the scope of workup way to investigate the role of "lawyers" who worked between the mid-nineteenth century and early twentieth century, briefs or accrued. Operators of law who worked in the country's courts of justice, especially in matters relating to freedom of slaves, but that did not hold academic legal training, which not prevented them to succeed in many of its causes. The construction of this informal right / practical is the object of this brief text.
Keywords: Legal history. Civil law. History of Brazil.
1. INTRODUÇÃO.
Este inicial texto consiste na busca por um caminho de investigação que desvele a construção do direito informal na atuação de rábulas e provisionados perante os Tribunais nos séculos XIX e inicio do, XX. Nesse sentido, esse trabalho inicial tem a função de orientador na busca pela compreensão desse fenômeno sócio- jurídico em nossa história.
A atuação destes “advogados,” no período citado, ainda carece de maior profundidade no que diz respeito à História do Direito. Alguns trabalho, no campo especifico da História do Brasil, foram elaborados, a de se destacar: Azevedo, Elciene Orfeu de carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo e O fiador dos brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças de Grinberg, Keila.
Não obstante, a extrema relevância das obras supracitadas, ambas delimitaram suas respectivas pesquisas com foco em um ator especifico, Luiz Gama e Antonio Rebouças, respectivamente, de forma notável. Mas o objeto deste texto introdutório não é atuação de um ou outro rábula especifico, e sim, a busca por dados que nos ajude a compreender esse fenômeno jurídico em sua plenitude. O que por óbvio necessitará de uma pesquisa mais profunda em uma dissertação ou tese.
Algumas centenas, ou milhares, de outras histórias dessas personagens que tiveram um papel fundamental na construção de um direito informal no Brasil, simplesmente foram esquecidas nos registros dos tribunais do país a fora, nos jornais da época e em arquivos públicos. Tentar compreender esse fenômeno jurídico da nossa história e divulgá-lo para o debate acadêmico e não acadêmico é um dos objetivos deste texto.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.
Como colônia do império português, nosso ordenamento jurídico é reflexo das leis e ordenações de além mar. Nas palavras do professor Machado Neto:
“O Direito português pode ser caracterizado como um aspecto da evolução do direito ibérico. Deste participa em suas origens primitivas, na paralela dominação romana, na posterior influência visigótica, na subsequente invasão árabe, na recepção do direito romano justinianeu, apenas separando suas trajetórias históricas quando Portugal separou seu destino das monarquias espanholas de então, seguindo, daí por diante, o seu direito, uma independente evolução nacional.”[1]
O Direito português, consolidado o Estado lusitano, teve por base as “Ordens do Rei”, codificação das leis e costumes vigentes há época, essas ordenações, mormente as Filipinas, se constituíram no ordenamento jurídico do Brasil colônia por mais de três séculos. As Ordenações Afonsinas foram a primeira grande compilação das leis esparsas em vigor. Resultaram de “um vasto trabalho de consolidação das leis promulgadas desde Afonso II, das resoluções das cortes desde Afonso IV e das concordatas de D. Dinis, D. Pedro e D. João, da influência do direito canônico e a Lei das Sete Partidas, dos costumes e usos”. Pelo fato de terem sido substituídas, em 1521, pelas Ordenações Manuelinas, tiveram pouco espaço de tempo quanto à sua aplicação no Brasil Colônia.
As Ordenações Manuelinas foram a obra da reunião das leis extravagantes promulgadas até então com as Ordenações Afonsinas, num processo de técnica legislativa, visando a um melhor entendimento das normas vigentes. Promulgadas em 1603, as Ordenações Filipinas compuseram-se da união das Ordenações Manuelinas com as leis extravagantes em vigência, no sentido de, também, facilitar a aplicabilidade da legislação.[2]
Foram essas Ordenações as mais importantes para o Brasil, pois tiveram aplicabilidade durante um grande período de tempo. Basta lembrar que as normas relativas ao direito civil, por exemplo, vigoraram até 1916, quando foi publicado o nosso primeiro Código Civil Nacional.
Como bem observa o prestigiado professor Hespanha: “Depois da Independência, o Brasil cria as suas próprias escolas de direito, com a cautela de que isso não pulverizasse a harmonia ideológica que a comum pertença à academia de Coimbra tinha garantido até então. A Carta de lei de 11 de agosto de 1827, instituiu os cursos de direito em São Paulo e Olinda (transferido para o Recife, em 1854). […..][3]
“No Brasil, em geral, o mundo cultural está dominado por uma filosofia eclética, de fundo espiritualista, na qual se combinam as influências tomistas, jusracionalistas ou do novo romantismo. O direito pertenceria a um mundo espiritual e valorativo, sem referência ao qual não fazia sentido. As concretizações desta ideia oscilavam entre um discurso jurídico quase literário, emotivo – que caracterizou um estilo oratório com tradições na cultura social e política do Segundo Império, e metodologias jurídicas com referências mais próximas do romantismo alemão, que procuravam o direito na tradição letrada romano-lusitana, corporizada no uso do direito romano feito pela literatura jurídica portuguesa mais tradicional – os “praxistas” – seiscentistas e setecentistas.”[4]
Nesta obra, mantém-se forte a influência da doutrina portuguesa, nomeadamente do Digesto portuguez de J. H. Correia Telles e de Coelho da Rocha. Mas há diferenças importantes na matriz das referências doutrinais. A primeira é que a tradição romanística e as Ordenações (as fontes, formalmente, “legais”) ganham um impacto maior do que na doutrina portuguesa, como se à doutrina iluminista, vaga e estranha à tradição local, se preferisse a segurança de uma lei positiva e habitual. A moderna legislação estrangeira é pouco usada, possivelmente também em virtude de uma pré-compreensão acerca das especificidades do Brasil e dos costumes e génio das gentes de um outro hemisfério. Em suma, Lourenço Trigueiro Loureiro, para além de porventura elaborado, é mais claramente legalista. E, embora realce, justamente, a diminuta contribuição das Ordenações para o direito civil, na verdade usa-as mais intensamente do que um português, como Coelho da Rocha. O mesmo acontece com o direito romano, que usa mais abundantemente do que os seus contemporâneos portugueses e que considera que “constitui entre nós a mais copiosa fonte subsidiária da nossa jurisprudência civil, já porque as Ordenações expressamente o mandam observar em muitos casos, já porque a citada lei de 18 de agosto de 1769 o declarou subsidiário do direito pátrio nos casos omissos nele, ou incompletamente providenciados, uma vez que, na espécie sujeita, ele seja conforme a boa razão, ou direito natural, e não se baseie em motivos supersticiosos, e peculiares ao povo romano, ou em costumes, máximas, ou princípios rejeitados pela civilização moderna. […]”[5]
Não pode deixar de ser dito que, ao lado desta cultura jurídica letrada, existia, mesmo nos grandes centros do império – como Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo – uma cultura jurídica semipopular, personificada nos “rábulas”, pessoas com pouca ou nenhuma cultura jurídica formal, mas de palavra hábil. Para quem não tinha acesso à advocacia cara, os rábulas tornaram-se um recurso por vezes muito eficiente. Muito integrados nos meios populares de litigantes pobres, com algum magro conhecimento do estilo da arenga forense, exímios na manipulação dos sentimentos, usando dos meios processuais de forma anárquica, mas eficiente, acabavam por obter sucesso perante tribunais letrados ou de júri. Em São Paulo – por- ventura noutros sítios também – foi notável a sua ação judiciária a favor de escravos que pretendiam a liberdade.[6]
Durante o período colonial, os profissionais de Direito na América Portuguesa dividiam-se, basicamente, entre dois tipos: bacharéis ou provisionados. Aqueles que obtinham o título o faziam geralmente através da Universidade de Coimbra, em Portugal. Até o alvará expedido em 24 de julho de 1713, não havia a possibilidade do exercício do Direito sem o bacharelado. Segundo o Código Filipino de 1603, no título XLVIII, mandava-se que “todos os Letrados, que houverem de advogar e procurar em nossos Reinos, tenham oito anos de estudos cursados na Universidade de Coimbra em Direito Canônico, ou Cível ou em ambos”. Por intermédio do alvará já citado, abriu-se precedente para que qualquer pessoa idônea, mesmo sem se formar, pudesse exercer a advocacia como provisão. Os leguleios e os rábulas se enquadravam nessa última possibilidade.[7]
No século XIX, quando se intensificaram as atividades da administração da justiça no Brasil, raros eram os advogados portadores de diploma de bacharel em Direito. A colônia obteve sua independência política, e, a partir daí, os administradores do Império do Brasil passaram a se preocupar com a criação de cursos jurídicos. Em 11 de agosto de 1827, foi publicada a lei imperial que criou um curso de Direito em Olinda e outro em São Paulo. Nesse contexto, o profissional de Direito passou a ter valor estratégico para a política do Império, na formação de uma elite própria, que propusesse modelos que desvinculassem de uma vez por todas o estatuto colonial que acompanhou o território até então. Coube às duas primeiras Escolas de Direito do Brasil o surgimento de dirigentes políticos e administrativos. Uma vez instaladas, as Escolas de Direito de São Paulo e do Recife e, posteriormente, a do Rio de Janeiro propiciaram a gradual substituição dos rábulas pelos bacharéis. Além disso, o contexto nacional foi-se tornando mais complexo, exigindo do profissional do Direito um conhecimento teórico que só a universidade podia oferecer. Nesse período, foi criada, também, a Faculdade de Direito de Ouro Preto (1892).[8]
O termo rábula, que hoje é utilizado como algo pejorativo para se fazer referência àqueles que possuem um mero conhecimento prático do Direito, já foi também utilizado, durante anos, para se referir a uma classe de “práticos do Direito”, “provisionados”, que exerciam um papel fundamental na sociedade em que viviam. Houve no Brasil grandes advogados provisionados. Entre eles, cumpre destacar o célebre Evaristo de Morais, que, no primeiro quartel do século XX, foi o mais famoso advogado criminalista do Brasil. Curiosamente, só após 20 anos no exercício da profissão de advogado é que o Doutor Evaristo de Morais colou grau.
Outro importante rábula do século XIX foi Luiz Gama, Filho de um “fidalgo” português e de uma africana livre, acusado de envolvimento nas revoltas de escravos na Bahia nos anos de 1830, Luiz Pinto da Gama foi vendido por seu pai como escravo e enviado para o Rio de Janeiro em 1840, aos dez anos de idade. Após uma cansativa viagem pelo interior da Província de São Paulo, durante a qual nenhum fazendeiro se interessou em comprar o jovem escravo baiano, Gama terminou na Cidade de São Paulo. Lá ele trabalhou como escravo doméstico e aprendeu a ler e a escrever. Oito anos depois (1848) após fugir, Gama aparece como praça da força pública de São Paulo, onde permaneceu por mais oito anos (1848-1856). Demitido desse trabalho, ele passou 39 dias na prisão por desacatar um oficial que o insultou. Logo depois, encontrou trabalho como escrivão e, a seguir como amanuense na Secretaria de Polícia da Cidade de São Paulo, onde trabalhou por doze anos (1857-1869). De novo ele foi demitido do cargo, retribuição por sua defesa legal de um escravo fugido e denúncias de um juiz reacionário. Gama protestou veementemente a perda de seu emprego em uma série de artigos publicados nos jornais. Desse momento até o final de sua carreira, ganhou dinheiro e sustentou sua família como “advogado” e jornalista.[9]
Durante a década de 1870, Gama tornou-se famoso em todo o Brasil por sua defesa de escravos que tentaram conseguir sua liberdade nos tribunais. Ele ajudou centenas de escravos em ações de liberdade, argumentando direitos firmados na Lei do Ventre Livre. As leis de 1871 (Lei do Ventre Livre) e de 1885 (Lei dos Sexagenários) criaram espaço legal onde os escravos podiam agir. Com a ajuda de rábulas como Luiz Gama e, em algumas instâncias, o apoio moral de juízes simpatizantes, escravos desafiaram os interesses dos senhores e conquistaram sua liberdade.
A trajetória de Luiz Gama como rábula é marcada por um radicalismo que lhe faria ganhar notoriedade na sociedade paulista. Nos jornais da cidade, fazia publicar anúncios de que defendia escravos gratuitamente. E, ao contrário do que faziam seus colegas, não era sequer fundamental que o escravo tivesse motivos legalmente sustentáveis para reclamar sua liberdade. Neste ponto, a autora indica que a legislação da época deixava espaços vazios que favoreciam a iniciativa de advogados inventivos. Luiz Gama, a exemplo também de Rui Barbosa, militaria em favor da causa dos escravos a partir da confrontação com a lei de 1831 (à lei de proibição do tráfico internacional de escravos), que, apesar de ineficaz quando de sua promulgação, se tornara ponto de apoio para a libertação de escravos a partir do final da década de 1860.[10]
Além do recurso à lei de 1831, em diversos momentos que Luiz Gama comumente apresentava a defesa dos escravos com base em um sentido de liberdade e de direitos naturais. De aparente contraste, primeiro uma postura legalista, que recorre ao texto da lei positiva para fundamentar a defesa de direitos, depois o recurso a uma lei que se coloca somente para a razão sã, a acomodação das posturas estaria justamente nos parcos espaços deixados para a proteção de algum direito aos escravos. Por não haver legislação que sustentasse abertamente a defesa do escravo perante o senhor, particularmente no que se refere à necessidade de apresentação do pecúlio antes do depósito legal do escravo. Ao afirmar que o escravo estava em direito de sua liberdade, e, na crítica, ao cativeiro, seria recorrente a afirmação de um direito anterior à ordem social vigente. Daí a menção ao direito natural.[11]
Outro fenômeno jurídico muito peculiar, tanto do ponto de vista da prática, quanto da Teoria do Direito, é descrito pelo professor Hespanha na obra citada.
“O quadro que ele brevemente dá mostra o intrincado das relações mútuas de vários direitos e jurisdições nas aldeias do interior de São Paulo (aldeias e vilas dos “Valentes, fieis, briozos, e honrados Paulistas, e seus filhos, esses Mestiços filhos de Índias”): “Eu tenho tranzitado por algumas d’essas Aldêias, e Vilas, onde prezidem esses Juizes Brancos e Indios, que Vm. figura, que os Juízes brancos conduzem os Índios, como o Cavalleiro conduz o cavallo pelas redeas: perdoar-me há Vm. a liberdade de assegurar-lhe, que está mal informado d’esses factos. Os Juizes n’essas Villas são de facto hum Branco, e hum Indio; servem por semanas alternadas, com a diferença, que o Indio só conhece, e despacha verbalmente diferenças dos seus Indios, ou destes com algum Branco, Preto, ou Pardo; com as decizões deste Juiz nada tem o Juiz Branco, assim como o Indio senão embaraça nas decizões daquele, o qual conhece dos feitos contenziosos, e discussões forences, e he para ver, e admirar, que o Juiz Indio sem revolver Bartallos, nem Acursios, quasi sempre julga com Justiça, retidão, e equidade, quando o Juiz Branco enre-dado nos intricados trocicollos da manhoza chicana raras vezes acerta; por mais que para isso se desvelle, quando se desvela.”[12]
A partir do século XV, os europeus levaram o seu direito para outras zonas do mundo. Este processo de expansão do direito europeu tem sido frequentemente simplificado, ao ser encarado como um processo unilateral de imposição de uma ordem jurídica europeia a povos de culturas jurídicas radicalmente distintas ou de aceitação passiva por estes de uma ordem jurídica mais perfeita e mais moderna. Pelo contrário, deve ser visto como um fenómeno muito complexo, em que as transações jurídicas se efetuam nos dois sentidos, em que a violência se combina com a aceitação, cada parte traduzindo nos seus modelos culturais e apropriando para os seus interesses elementos dos direitos alheios; em que as condições de domínio político variam de acordo com os lugares, os tempos e os modelos de dominação colonial (“imperial”). Por outro lado, tanto as sociedades colonizadoras como as sociedades coloniais são política e culturalmente complexas, portadoras de uma pluralidade complexa de direitos; todos eles interagem entre si, numa situação de contacto. É tudo isto que deve ser considerado, ao encarar a extensão ao Ultramar dos modelos jurídicos europeus.[13]
O exemplo acima demonstra a sutileza de um saber local, tradicional, na aplicabilidade de conceitos como a equidade e retidão, que provavelmente eram estranhos, em bases teóricas, aos juízes índios, mas que mesmo assim não os impediam de aplicá-los com base em sua ética, visão de mundo e censo de justiça. A complexidade dos fenômenos jurídicos ocorridos no Brasil Colonial/Imperial e República Velha, ainda demandam um aprofundamento axiológico e epistemológico das interações jurídicas entre os colonizadores e os colonizados. Sobretudo, nas relações entre o Direito formal e o informal.
Antes de mais, as normas jurídicas apenas podem ser entendidas se integradas nos complexos normativos que organizam a vida social. Estes sistemas de regulação dos comportamentos são inúmeros – da moral à rotina, da disciplina doméstica à organização do trabalho, dos esquemas de classificar e de hierarquizar às artes de sedução. O modo como eles se combinam na construção da disciplina social também é infinitamente variável. Algumas das mais importantes correntes da reflexão política contemporânea ocupam-se justamente com estas formas mínimas, apenas persuasivas, invisíveis, “doces”, de disciplinar (Foucault, 1978, 1980, 1997; Bourdieu, 1979; Santos, 1980b, 1989, 1995; Hespanha, 1983; Serrano González, 1987a, 1987b; Levi, 1989; Boltanski, 1991; Thévenot, 1992; Cardim, 200). Muitas delas não pertencem aos cumes da política, vivendo antes ao mais baixo nível (au ras du sol , Jacques Revel) das relações quotidianas (família, círculos de amigos, rotinas do dia a dia, intimidade, usos linguísticos). Nesse sentido, estes mecanismos de normação podem ser vistos “direitos do quotidiano” (cf., infra, 8.2.1; Sarat, 1993), gerado por poderes “moleculares” (Felix Guattari), “microfísicos” (Michel Foucault), dispersos por todos os nichos das relações sociais, incorporados de tal modo em objetos com que lidamos todos os dias que nos parecem como inevitáveis, como pertencendo à natureza das coisas. Contudo, estes poderes e estes direitos manifestam uma durabilidade e uma (discreta) dureza que falta à generalidade das normas e instituições do direito oficial.[14]
Por todo o exposto, a busca por uma compreensão desse fenômeno histórico-sociológico-jurídico do nosso passado ainda carece de maiores estudos e pesquisas. A importância desses práticos do Direito em uma sociedade que emergia (Império/República) em que vários tipos de demandas jurídicas urgiam no cotidiano, merece uma análise mais profunda e meticulosa.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Uma formulação da hipótese deste trabalho consiste em encontrar à resposta provisória ao(s) problema(s) desta pesquisa inicial. Ou seja, o papel dos rábulas na construção do direito informal no Brasil em um período em torno de dois séculos. Suas ações pioneiras nas ações que visavam à liberdade de escravos, entre outras, seu prestígio nas comunidades em que viviam ou atuavam, como as autoridades estabelecidas acompanhavam o trabalho desses advogados populares, com simpatia ou perseguição. A hipótese a ser confirmada, ou não, com o desenrolar da pesquisa, é justamente compreender, através dos processos jurídicos, matérias jornalísticas de época e bibliográfica temática, a importância destes atores na busca por direitos civis, sobretudo a liberdade de escravos, em um período conturbado de nossa história.
É cediço que o Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, e esta foi abolida oficialmente pela Lei Áurea, antecedida por outras normas que concediam liberdade a escravos que preenchessem certos requisitos (idade, nascimento). Estas leis devem ser vistas como resultado de uma pressão combinada da resistência dos escravizados e da crescente aceitação do movimento abolicionista na sociedade.
Seguindo um raciocínio na tentativa de compreender esse fenômeno histórico-jurídico, na atuação pratica desses” advogados” e sua consequente criação de um direito informal, de um direito criativo na busca por liberdade de seres humanos em uma sociedade escravocrata é um mote que carece, em nossa bibliografia, de mais pesquisas. Nesse sentido, aprofundar as pesquisas e procedimentos lógicos investigativos que forneçam aos pesquisadores da nossa História do Direito um arcabouço teórico que permita interpretar os dados disponíveis, de modo que seja possível a compreensão, ao menos em parte, desse fenômeno jurídico é um caminho que deve ser trilhado por docentes, discentes e pesquisadores que têm afinidade com o tema, dando a devida importância desses “advogados” em nossa história.
Advogado. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense – UFF.
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