Recuperação extrajudicial de empresas

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Resumo: Os devedores sempre se utilizaram de acordos particulares firmados com os credores para impedir, eventualmente, a falência da empresa, razão pela qual após sucessivos estudos de criou-se a Lei de Recuperação de Empresas e Falência, (Lei n. 11.101/2005), por meio do Projeto de Lei n. 4.376/93, que em seu bojo trouxe o instituto da recuperação extrajudicial de empresas que prevê celeridade, redução de custos e complexidade, dentre outras vantagens. Além de princípios norteadores que protegem o devedor, tais como: o princípio da preservação da empresa, previsto no art. 47 da citada lei, que é denominado pelos doutrinadores como “norma-princípio”. É clarividente que o instituto da recuperação extrajudicial é mais vantajoso ao devedor do que a recuperação judicial, conforme comparação traçada, visto que aquela é mais vantajosa do que esta, além de ter aspectos semelhantes entre ambos os institutos, tais como: os requisitos, homologação do plano requerido, formação de título executivo judicial, efeitos da homologação do plano, alienação de bens, dentre outros.


Sumário: 1. Introdução. 2. Recuperação de empresas. 2.1. Origem histórica. 2.2. Princípios fundamentais. 2.3. Natureza jurídica. 2.3. Natureza jurídica. 3. Breves aspectos da recuperação judicial. 4. Recuperação extrajudicial. 4.1. Legitimidade ativa e passiva. 4.2. Requisitos. 4.3. Jurisdição e competência. 4.4. Procedimento. 4.5. Alienação de bens. 4.6. Créditos. 4.7. Das fraudes e da ação revocatória. 5. Vantagens da recuperação extrajudicial ante a recuperação judicial. 6. Conclusão.     Referências bibliográficas.


Palavras-chave: Direito. Falimentar. Recuperação extrajudicial empresas.


Epígrafe: “Falir é praticar a ação mais degradante entre todas que podem desonrar um homem. É um furto, que infelizmente a lei coloca sob a sua proteção.” Pai Grandet de Honoré de Balzac (apud, FÜHRER, 2009, p. 0)


1. Introdução


Cumpre, preliminarmente, salientar que, far-se-á breve alusão a origem histórica da recuperação de empresas, em seguida explanar-se-á sobre os princípios fundamentais, natureza jurídica, aspectos da recuperação judicial, bem como a recuperação extrajudicial, ocasião em que irá esmiuçá-la, pois irá aludir sobre: legitimidade ativa e passiva, requisitos, jurisdição e competência, procedimento, alienação de bens, créditos, fraudes e ação revocatória, e, por fim, as vantagens desta recuperação ante a judicial, momento em que se estabelecerá comparação entre estes procedimentos.


Acerca da metodologia de pesquisa empregada na execução deste mister,  objetivou-se pesquisa observatória, bibliográfica, consulta de acórdãos, decisões judiciais, e doutrinas.


No presente trabalho, procurou-se explicitar informações concernentes ao tema, observando-se, sempre, a verossimilhança com sua respectiva presteza para o alcance do objetivo deste artigo acadêmico.


2. Recuperação de empresas


2.1. Origem histórica


“A origem da teoria da antiga concordata – hoje recuperação de empresas –,  cuja noção provém da falência, surgiu no norte da Itália, na Idade Média, mais precisamente durante o direito estatutário”, conforme lição de Edmond Thaler, (apud, RESTIFFE, 2008, p. 10).


Antigamente, sempre que o comerciante enfrentava dificuldades financeiras ele se utilizava de procedimento corriqueiro, à época, isto é, procurava renegociar a divida com seus credores de forma amigável, segundo reza Corrado Biondi, (apud, RESTIFFE, 2008, p. 11).


Esta foi a primeira prática onde se vislumbrou a forma de solução amigável, (recuperação extrajudicial), do devedor com os credores e isto possibilitou que àquele continuasse exercendo sua atividade empresarial e, por conseguinte, sua função social. Salienta-se que nesta época muitas empresas se utilizaram deste acordo amigável como forma de solver suas dívidas celeremente, todavia inexistia previsão legal que permitisse tal avença.


Esta prática, corriqueira, de solução amigável desencadeou no surgimento do Decreto nº 3.308/1864, que reconheceu a validade destes pactos e estabeleceu requisitos para seu devido cumprimento. Entretanto, esta permissão não perdurou por longa data, visto que o Decreto nº 3.516/1865 tornou a vedar a proibição destes pactos, conforme versa Paulo Penalva Santos, (2008, p. 107).


A vedação dos pactos extrajudiciais pelo Decreto nº 3.516/1865, perdurou até 1890, ocasião em que entrou em vigor o Decreto nº 917/1890 que volvia a permissão da concordata extrajudicial, segundo explana J. X. Carvalho de Mendonça, (apud, RESTIFFE, 2008, p. 28), in litteris:


“[…] o Decreto nº 917/1890 estabeleceu três meios de prevenir e obstar a declaração da falência: a moratória; a concordata preventiva (concordata amigável); e a cessão de bens (liquidação judicial).


Denominou-se acordo extrajudicial ou concordata amigável a concordata extrajudicial […]”


Esta concordata não subsistiu por longo interstício, visto que a Lei nº 2.024/1908 tornou a proibir a prática da respectiva concordata amigável face os abusos e fraudes perpetrados, então, posteriormente, adveio a Lei 7.661/1945[1], que revigorou àquela Lei em inadmitir a composição amigável, segundo preleciona Paulo Sergio Restiffe, (2008, p. 29-30).


Corrobora o esposado Paulo Penalva Santos, (2008, p. 108-109) ao elucidar que a vedação se deu devido às fraudes praticadas e, muito embora houvesse lei impedindo sua prática, muitos devedores e credores continuaram à praticá-la até o advento da Lei 11.101/2005.


Eduardo Zilberberg, (2006, p. 186), elucida sobre o verdadeiro pontapé inicial da legislação falimentar no Brasil, consoante se observa:


“[…] a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi o pontapé inicial para a reforma da legislação concursal brasileira. Com seus valores e princípios, a Constituição revelou-se um marco fundamental para a consolidação do princípio da preservação da empresa, na medida em que fixou as bases e diretrizes que passariam a nortear a elaboração, interpretação e aplicação da legislação infraconstitucional. […]


Nesse contexto, a preocupação com a preservação da empresa, na medida em que esta permanece no exercício de suas funções sociais, constitui uma das principais formas de dar eficácia aos demais princípios enunciados, bem como de concretizar a finalidade constitucional de ordem econômica, qual seja, assegurar a todos uma existência digna.”


Com o advento da Lei n. 11.101/2005 houve novo fôlego dado ao acordo entre credores e devedor, a partir do momento em que houve a recepção da recuperação judicial e extrajudicial, o ultimo foco do presente trabalho.


Ligia Paula Pires Pinto Sica, (2009, p. 01-02), apresenta estatística sobre o índice de empreendedorismo brasileiro que está atrelado à meritória função social empresarial que, por sua vez, concatena-se com a recuperação extrajudicial, conforme se observa:


“Afinal, é verdade que estudos comprovam que o índice de empreendedorismo brasileiro é de 39% maior do que a média mundial, por vezes tendo superado os números anuais dos países do G7. Contudo, é fato também que esses índices estão ligados à necessidade do que à vocação e ao empreendedorismo por oportunidade, aquele em que o indivíduo planeja suas ações e não se lança no mercado por falta de opção.Neste contexto, assumir a importância da empresa, geradora de empregos, tributos e circulação de valores e afastar a possibilidade de se pedir falência de sociedade inadimplente em função de dificuldades momentâneas é atestar a compreensão de quem é o empresário médio no Brasil. Foi nesse mesmo sentido que a legislação garantiu segurança jurídica aos meios de recuperação extrajudicial, legitimando o que há anos já se fazia sob a forma de acordos privados e sob a denominação de ‘concordata branca’”


O atual regime falimentar brasileiro, L. 11.101/2005[2], traz à tona o instituto da recuperação extrajudicial[3] de empresas, em seus artigos 161 a 167, face sua importância e finalidade social[4], consoante se narrará avante.


2.2.  Princípios fundamentais


O primeiro princípio aplicado nos procedimentos de recuperação de empresas previsto na Lei n. 11.101/2005 é o da unidade de tratamento concursal dos credores, conforme preleciona Paulo Sérgio Restiffe (2008, p. 03):


“[…] estabelecida no art. 5º, caput, da Constituição da República, é o da unidade de tratamento concursal dos credores, expresso no brocardo par conditio creditorum. O princípio informativo, porque universal, do direito falimentar do tratamento igualitário dos credores, ou seja, da igualdade entre os credores, é aplicável, proporcionalmente, em relação aos créditos da mesma natureza, respeitados, ainda, preferências e privilégios.”


O segundo princípio é o da lealdade em que a recuperanda deve, preliminarmente, agir cumprindo todos os requisitos da recuperação que, quando se tratar da extrajudicial, que esta logre sua homologação perante o juízo e sua, conseqüente recuperação. Liga-se intimamente à boa-fé que deve ser observado na sua conduta, sob pena de “[…] ensejar na destituição do sócio controlador e dos administradores da condução da atividade empresarial, nos termos do art. 31, caput, da Lei 11.101/2005”, consoante explana Paulo Sérgio Restiffe, (2008, p. 03-04).


E, por fim, o terceiro princípio é o da preservação da empresa, denominado pelos doutrinadores como “norma-princípio”, pois se trata do princípio mais relevante da nova legislação falimentar, conforme versa Paulo Sergio Restiffe, (2008, p. 04) sobre sua finalidade social, in verbis:


“[…] é o da preservação da empresa, tendo em vista a função econômico-social por esta exercida, seja por trazer benefícios ao Estado, por meio da arrecadação e de receitas que gera, seja em relação à comunidade na qual a empresa esteja inserida, seja em relação aos empregados, que dependem da atividade da empresa.”


Referido princípio, basilar da atual legislação de recuperação empresarial vem sendo amplamente utilizado pelos tribunais, conforme julgado ora transcrito:


“Agravo de instrumento. Princípio é esse de grande sabedoria e relevo social, que a nova Lei de Falências (Lei n. 11.101/2005) consagrou em seu art. 47, in verbis: ‘A recuperação judicial tem por objetivo a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.’ ” (TJSP, 4ª Câm. de Direito Privado, AI n. 359.785-4/000/ Mirassol, rel. Des. Carlos Biasotti, j. 28.04.2005)


Cumpre ressaltar que este princípio está disposto no artigo 47, da LF; e 966, caput, do CC, e tem por base o princípio da garantia do desenvolvimento nacional, previsto nos artigos 3º, II, 23, X, 170, VII e VIII, 174, caput e § 1º, e 192, da Carta Magna.


José da Silva Pacheco, (2009, p. 141), preleciona sobre a função social da empresa e sua importância para o desenvolvimento nacional, a seguir:


“[…] Apresenta-se, pois a empresa como geratriz de utilidades, um dínamo rotativo de energias variadas, absorvidas dos respectivos mercados, para a produção de bens e serviços em benefício do mercado consumidor, condicionando, desse modo, o desenvolvimento local, regional ou nacional.


Se, eventualmente, um empresário ou sociedade empresária entra em crise, com a momentânea alteração do curso de seus negócios, trazendo-lhe problemas de natureza econômica, financeira ou técnica, é razoável que a ordem jurídica lhe proporcione anteparos, visando não somente a sua estrutura jurídica ou econômica nem apenas o binômio credor – devedor, mas, sobre tudo, a sua função social.”


Narra Jean Carlos Fernandes, (2006, p. 173), sobre a previsão do art. 47 na Lei 6.404/76, bem como sua importância para a empresa recuperanda, in litteris:


“Assim, a interação entre direito e economia torna-se essencial para o desenvolvimento e funcionamento de um sistema seguro e eficiente para a preservação da empresa e dos interesses de todos aqueles que dela dependem, inclusive o Estado.


Confiante nessa orientação caminhou o legislador brasileiro. A recente edição da Lei de Recuperação e Falência de Empresas trouxe uma verdadeira declaração de princípios em seu art. 47, estipulando ainda a ordem de prioridades no regime de insolvência, onde se observa o prestigio à continuidade da empresa, como atividade organizada para a produção e circulação de bens e serviços. […]


De outro lado, a referência feita pelo art. 47 da Lei 11.101/2005 à função social não se constitui, em termos legislativos, em uma novidade, pois a Lei 6.404/1976 já o fazia em seus arts. 116, parágrafo único, e 154, orientando a atuação do acionista controlador e dos administradores das companhias.”


Ligia Paula Pires Pinto Sica, (2009, p. 01), apresenta estatística sobre o deferimento da recuperação extrajudicial em 2005, visto que o princípio da preservação da empresa foi largamente aplicado pelos tribunais, in litteris:


“A promoção do primado da preservação da empresa encontra respaldo na salvaguarda dos interesses de credores diante da valorização dos ativos de empresas em atividade, ainda que em estado de crise. Todavia, é certo também que tanto a lei de 2005 como as decisões dos tribunais sobre o tema levaram em consideração a função econômico-social da manutenção da unidade produtiva. Foi possível verificar que aproximadamente 29% dos acórdãos se fundamentavam diretamente nesse princípio.


Constatou-se também que tamanha é a força da aplicação do princípio da preservação da empresa em razão dos benefícios que o exercício das atividades empresariais geram ao desenvolvimento do país […]


 “Contrapõe-se ao princípio da preservação da empresa a tese liberal da eliminação de empresas do mercado que se revelam incapazes de sobreviver com as próprias forças[5], como decorrência da livre concorrência”, (RESTIFFE, 2008, p. 05).


O “[…] que se percebe é que, não raro, a solução pode ser encontrada na correta aplicação do princípio da preservação da empresa viável, que tende a ser cada vez mais utilizado pelos operadores do direito”, (ZILBERBERG, 2006, p. 185).


Portanto, as empresas devem procurar a sua recuperação, desde que esta medida seja viável, senão o melhor caminho é a falência para que não se protele ou retarde o pagamento dos créditos.


2.3. Natureza jurídica


Há três teorias, quais sejam: a teoria contratualista, a não contratualista, e a institucionalista que tratam da natureza jurídica das recuperações de empresas. Destas informar-se-á à adotada no Brasil.


Preleciona Calixto Salomão Filho, (in, JUNIOR, PITOMBO, 2007, p. 44), acerca do advento da teoria contratualista, bem como sua evolução, in litteris:


“[…] A Revolução Industrial marca o momento em que se torna desnecessária para o progresso de acumulação capitalista a presença do Estado na atividade econômica (como vinha ocorrendo no mercantilismo). A evolução tecnológica industrial permite à burguesia acreditar que ela, sozinha e com liberdade, seja capaz de levar adiante o processo de acumulação. Não espanta, portanto, que a Revolução Industrial traga consigo princípios societários bastante individualistas. A sociedade passou a ser vista como coisa dos sócios. […] Essa característica perdurará por toda a primeira metade do século XIX, talvez uma das fases mais individualistas de todo o direito societário. Trata-se de período de extremado contratualismo em matéria de sociedades anônimas […]


É necessário, de início, fazer uma análise separada da Lei, na qual a concepção contratualista manifesta-se de forma prevalente, mas não exclusiva, e de uma particular (e hoje majoritária) interpretação doutrinária, que veio se firmando sobretudo a partir da metade dos anos 60 e que vê na disciplina societária uma disciplina exclusivamente contratual.”


Preleciona Paulo Sérgio Restiffe (2008, p. 36), sobre a divergência da natureza contratual, consoante se examina:


“O centro da divergência sobre a natureza contratual da vetusta concordata sempre esteve no aspecto da imposição à minoria dissidente dos credores da vontade da maioria, e a forma ou maneira de impor-se o acordo aos ausentes dissidentes.”


José da Silva Pacheco, (apud, RESTIFFE, 2008, p. 37), entende que o contrato aborda dois aspectos, sendo um consensual e outro compulsório, consoante se verifica:


“[…] tratar-se-ia de contrato consensual para os presentes, que, portanto, concordam, e obrigação legal para os ausentes ou dissidentes. Dessa forma, a vontade presumida é reconhecida e declarada legalmente. A teoria da representação entende que a ‘maioria dos credores, por força de lei, representa a vontade dos credores, em virtude mesmo de representação legal’”


Prelecionam Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 17), acerca do princípio pacta sunt servanda e sua problemática na recuperação judicial, consoante se verifica:


“[…] é alicerce do ordenamento jurídico o princípio segundo o qual os contratos devem ser cumpridos ou, conforme comumente enunciado em latim, pacta sunt servanda. O contrato, que é lei entre as partes, depende da manifestação da vontade dos contratantes, que têm liberdade e autonomia para contratar ou não contratar e para determinar as condições da avença, nos limites da lei. […]


A recuperação judicial, como medida extrema de sobrevivência da empresa devedora, torna relativo o pacta sunt servanda, permitindo a modificação de condições contratuais até mesmo contra a vontade da parte interessada, desde que haja uma maioria de credores em situação semelhante que concorde com os termos propostos pelo devedor.”


Diversamente, entende Pontes de Miranda, (apud, RESTIFFE, 2008, p. 37), que alude sobre a impossibilidade da aplicação do entendimento supracitado, in litteris:


“Ocorre, porém, que essas teorias  mencionadas não se sustentam, haja vista a impossibilidade, insanável, de justificarem a submissão da minoria dos credores à vontade da maioria (179, p. 234), ainda mais diante das regras de direito comum, conotando, dessa forma, suas fragilidades e artificialidades.”


Ainda sobre a teoria contratualista, versam José da Silva Pacheco e Alfredo Rocco, (apud, RESTIFFE, 2008, p. 37), sobre outra subespécie desta teoria, qual seja: da massa de credores, in verbis:


“[…] consubstancia-se a massa em um novo ente, uma nova pessoa jurídica, cuidando-se, então, de sujeito de direito, e cuja vontade é manifestada pela maioria dos credores (8, p. 553), por meio de seu órgão de deliberação – a assembléia de credores – , havendo, dessa forma, um acordo de vontades entre devedor e massa”


Todavia, a referida massa de credores padeceu ante inúmeras depreciações proferidas, v.g., primeiramente, por Gustavo Bonelli, (apud, RESTIFFE, 2008, p. 38), abaixo transcrita:


“[…] Gustavo Bonelli, não consegue conceber como pode haver uma comunhão de credores sem haver patrimônio comum. Outra censura arguida é procurar-se saber se a referida comunhão de credores é estabelecida sobre os créditos dos credores concorrentes ou se há a formação de um único crédito.”


Outra subespécie da teoria contratualista que não logrou êxito foi a do contrato coletivo equiparado a contrato de trabalho, “[…] já que a força obrigatória do contrato de trabalho decorre diretamente da lei, e não da expressão da vontade da maioria, como imaginado”, (RESTIFFE, 2008, p. 38).


“Essa versão clássica do contratualismo obviamente não poderia sobreviver à realidade de crescente integração entre direito societário e mercado de capitais.” (JUNIOR; PITOMBO, 2007, p. 46).


Ressalta-se que, Calixto Salomão Filho, (in, JUNIOR; PITOMBO, 2007, p. 45), aproxima a teoria contratualista da institucionalista, in litteris:


“Desse contratualismo por antonomásia podem-se deduzir dois conceitos diversos. Em um primeiro, o interesse social é depurado de elementos externos. Define-se  o interesse social sempre como o interesse dos sócios e somente dos sócios atuais. Uma segunda vertente inclui na categoria ‘sócio’ não apenas os atuais como também os futuros. A perspectiva assume relevância também o próprio interesse à preservação da empresa, motivo pelo qual se afirma que essa variante contratualista, na prática, aproxima-se da teoria institucionalista.”


Paulo Sergio Restiffe, (2008, p. 39), entende que a teoria prevalente é a não- contratualista, por isso versa sobre uma das subespécies que a englobam, qual seja: contrato misto, in verbis:


“A teoria do contrato misto (contrato e sentença) explica-se no sentido de não bastar o vínculo entre os credores que alcança os dissidentes, sendo necessária a homologação judicial (8, p. 553). Há, em verdade, obrigação consentida, isto é, contrato, entre os aderentes e imposição judicial, por sentença, em relação aos demais[…]”


Calixto Salomão Filho, (in, JUNIOR; PITOMBO, 2007, p. 49), com o fito de demonstrar que a teoria institucionalista deve ser entendida como a principal traça comparação entre as teorias contratualista e a institucionalista, in litteris:


“A nova concepção de interesse social tem suas conseqüências também quanto à dialética interna. Ao contrário da concepção contratualista, no institucionalismo o conflito de interesses, ainda que existente na prática, não é requisito teórico para a explicação do funcionamento social. Com isso, quer-se dizer que a diferença entre um sistema integracionista (como é o institucionalismo), que pressupõe a colaboração na persecução de um interesse social pré-determinado, e um sistema autônomo (como o contratualismo), que pressupõe a existência de contraposição interna de interesses, está na limitação do objeto do conflito. O que a primeira concepção fez foi limitar o objeto do conflito às questões de rentabilidade e à questões organizativas, ambas delimitadas pelo interesse à preservação da empresa.”


Calixto Salomão Filho, (in, JUNIOR; PITOMBO, 2007, p. 54), reza sobre a teoria aplicada no Brasil visto que a “[…] opção institucionalista pela preservação da empresa da nova Lei de Falências exigirá, por necessidade de coerência lógica, a extensão desse institucionalismo para a vida social.”


Portanto, a teoria prevalente no direito falimentar pátrio é a institucionalista, visto ser a mais adequada a legislação atual, bem como função social da empresa, e, ainda, por ser considerada corrente majoritária ante as demais acima esposadas.


3. Breves aspectos da recuperação judicial


Como bem se afirma são “[…] necessários alguns breves esclarecimentos sobre o procedimento da recuperação judicial, cujos fundamentos têm repercussão sobre o raciocínio que deve guiar o exame do instituto da recuperação extrajudicial.” (FONSECA, KÖHLER, 2005, p. 16).


José da Silva Pacheco, (2009, p. 12), versa sobre a necessidade da recuperação judicial de empresas, in verbis:


“Quando o empresário ou a sociedade empresária estiver em estado de crise econômica ou financeira, e seja viável a superação dessa situação anormal, poderá requerer a recuperação judicial, se exercer as suas atividades há mais de dois anos, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, de emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.”


Vera Helena de Mello Franco, (in, JUNIOR; PITOMBO, 2007, p. 404), assevera acerca da possibilidade do devedor afastar a falência, in litteris:


“Na lógica atual, faculta-se ao devedor, após a citação, pleitear a recuperação judicial, a qual, se concedida, afastará a falência. A possibilidade é salutar, pois, cuidando-se de iliquidez momentânea e não de insolvência generalizada, preserva-se a empresa sem desnecessariamente penalizar o empresário.”


Urge mencionar que haverá a intervenção do Parquet no feito, mas somente nos casos previstos nos arts. 8º, 19, 22, § 4º, 30, § 2º, 52, V, 59, § 2º, 99, XIII, 142, § 7º, 143, 154 e 187, todos da Lei 11.101/2005.


A distribuição da recuperação judicial tem juízo competente que é o local do principal estabelecimento do devedor, nos moldes do artigo 3º e 6º, da Lei 11.101/2005, constituindo-se, assim, um juízo universal que “[…] deve exercer, nos termos do § 6º do artigo comentado, o controle sobre as ações individuais que venham a ser propostas contra o devedor”, isto para Mauro Rodrigues Penteado, (in, JUNIOR, PITOMBO, p. 143).


Com o processamento da demanda, serão suspensas todas as ações ou execuções que estiverem sendo processadas em face da recuperanda por prazo de 180 dias, consoante prevê o artigo 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005. Salienta-se que, a recuperanda tem prazo de 60 dias para apresentar plano de recuperação que deverá ser contado da publicação do edital de processamento, sob pena de convolação em falência, conforme dispõe os artigos 53 e 73, II, da LF.


Eduardo Secchi Munhoz, (in, JUNIOR; PITOMBO, 2007, p. 270), assevera sobre o procedimento inicial procedido pelo devedor, in litteris:


“Ao formular pedido de recuperação judicial, o devedor deve apresentar uma relação de credores (art. 51, III) que será publicada por meio de edital, tão logo o juiz defira o seu processamento (art. 52, § 1º, II). Em 15 dias da publicação desse edital, os credores podem apresentar ao administrador judicial seus pleitos em relação aos créditos (art. 7º, § 1º), iniciando-se, então, o prazo de 45 dias para que este elabore e faça publicar uma relação de credores (art. 7º, § 2º).”


Versa José da Silva Pacheco, (2009, p. 430-432), que a escolha do plano de recuperação judicial deve ser a mais adequada à crise financeira da empresa, abaixo transcrito:


 “O plano de recuperação judicial fica sujeito à homologação pelo juiz, quer na hipótese do art. 162, quer na hipótese do art. 163, e a sentença homologatória constituíra título a executivo judicial nos termos do art. 475-N, inciso III, do Código de Processo Civil, com redação dada da Lei nº 9.307, de 1996. […]


O plano de recuperação adequado varia de empresa para empresa, visto que deve ele atender às necessidades de cada uma para superar a crise pela qual está passando. Desse modo, insta proceder, antecipadamente, a um criterioso exame da situação da empresa, para detectar-lhes os problemas e buscar a melhor forma de resolvê-los e proporcionar meios para superar as dificuldades mediante a negociação de débitos com os credores. Nessa fase preliminar repousará o êxito posterior do plano ou o seu fracasso.”


Se os credores apresentarem objeções ao plano “[…] o juiz poderá determinar a convocação da Assembléia Geral de Credores, para a constituição do Comitê de Credores […]”, conforme preleciona Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, (in, JUNIOR, PITOMBO, p. 179).


Fábio Ulhoa Coelho, (2008, p. 422), explicita como ocorre a votação no plano de recuperação judicial, abaixo:


“Estabelece a lei, como já examinado, quorum de deliberação qualificado para a votação do plano de recuperação. Assim, ele deve ser aprovado nas três instancias classistas. Na classe dos empregados, pelo voto favorável de mais da metade dos credores, desprezado o valor dos seus créditos; nas demais, pelo voto favorável de mais da metade da totalidade dos créditos correspondentes e também pela maioria dos credores presentes ao evento. Não participa da votação do Plano de Recuperação Judicial – e não integra, por isso, o quorum de deliberação – o credor cujo direito não for por ele afetado.”


Entretanto, se não forem apresentadas objeções ao plano ou se o plano for aprovado em assembléia o magistrado singular procederá a concessão da recuperação, momento em que o “nome da empresa, nos seus documentos, passará então a ser seguido da expressão Recuperação Judicial, (art. 69)”, (FUHRER, 2008, 28).


Muito embora a recuperação judicial tenha o escopo de sanear a empresa devedora, cumpre-se narrar sobre procedimento diverso, qual seja: a recuperação extrajudicial que atua como alternativa para a empresa devedora, que passará a ser abordado a seguir.


4.  Recuperação extrajudicial


Este tópico se trata do ponto culminante deste artigo científico, razão pela qual expor-se-á sobre esta forma de recuperação extrajudicial.


“Com relação a recuperação extrajudicial em linhas gerais, podemos afirmar que nada mais é que um acordo celebrado entre o devedor e seus credores, com o intuito de negociar dívidas da empresa”, (NASCIMENTO, 2005, p. 01).


Thomas Benes Felsberg, (2004, p. 01), elucida sobre o avanço do direito falimentar com o advento da Lei nº 11.101/2005 que estabeleceu a recuperação extrajudicial, a seguir:


 “Com a aprovação da nova lei, o devedor passa a ter condições especiais para pagar suas dívidas, além de poder convocar seus credores para negociações e elaboração do plano de reestruturação. A mudança representa um enorme avanço, propiciando condições adequadas à recuperação de empresas. A recuperação extrajudicial é um acordo celebrado entre o devedor e seus credores no âmbito privado, que deve ser homologado judicialmente quando da adesão de todos os credores ao plano ou de pelo menos três quintos de cada classe de credores sujeitos ao plano.”


Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 34-35), explanam acerca aplicabilidade analógica das normas da recuperação judicial na recuperação extrajudicial quando houver lacuna ou contradição, in litteris:


“É possível, ainda, que os juízes e tribunais, de forma isolada e, portanto, não uniforme, apliquem analogicamente certas normas relativas à recuperação judicial, para suprir as lacunas e contradições da Lei em relação à recuperação extrajudicial.”


Como se demonstrou no item 2.1, a recuperação extrajudicial sempre foi bem aceita pelos envolvidos na relação jurídica, muito embora houvessem algumas leis que vedaram esta prática, ainda assim se mantinham as negociações amigáveis até surgir a Lei n. 11.101/2005 que previu esta recuperação.


4.1. Legitimidade ativa e passiva


Neste sub-item, falar-se-á a quem se destina a recuperação extrajudicial, ou seja, quem pode requerê-la, (legitimidade ativa), em face dos credores que possuem a legitimidade passiva, e ainda sobre os excluídos desta medida judicial, a seguir.


Os interessados são aqueles que detêm legitimidade ativa para requererem a recuperação extrajudicial que são: o empresário individual[6], a sociedade empresaria, segundo reza Paulo Sérgio Restiffe, (2008, p. 377).


Paulo Penalva Santos, (2008, p. 109), reza sobre os proibidos de requererem a recuperação extrajudicial, prevista no art. 2º, da Lei 11.101/2005, in verbis:


“Embora de natureza empresarial, o artigo 2º da Lei nº 11.101/05 exclui de sua aplicação instituições financeiras, cooperativas de crédito, consórcios, instituições de previdência privada, operadoras de plano de saúde, seguradoras, empresas de capitalização, e ainda, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.”


José da Silva Pacheco, (2009, p. 17), complementa o acima transcrito:


“Portanto, não têm legitimidade de pleitear ou de sujeitar-se à falência ou à recuperação, de que trata a nova lei: a) as pessoas mencionadas pelo parágrafo único do art. 966 do novo Código Civil; b) os que exerçam atividades de assistência, benemerência, políticas, culturais ou religiosas; c) os que não exerçam atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços para o mercado, com o escopo de lucro.”


Paulo Sérgio Restiffe, (2008, p. 378-379), elucida sobre a legitimidade passiva que consiste, basicamente, em tratamento paritário para todos os credores, in verbis:


“Os legitimados passivos, as pessoas em relação às quais se pretende a providência judicial e que, portanto, devem ser citadas, sob pena de nulidade, nos termos do art. 1.105 do Código de Processo Civil (106, p. 324), são todos os credores sujeitos aos efeitos da recuperação extrajudicial (art. 163, § 3º, da Lei 11.101/2005).”


José da Silva Pacheco, (2009, p. 429), relaciona os créditos que não foram abarcados pela recuperação extrajudicial e versa, ainda, sobre o motivo da exclusão dos créditos trabalhistas e fiscais desta recuperação, consoante se verifica a seguir:


“Estão fora da recuperação extrajudicial: I – os credores trabalhistas e decorrentes de acidente do trabalho; II – os titulares de créditos tributários; III – o proprietário fiduciário, o arrendador mercantil, o vendedor ou promitente devedor de imóvel por contrato irrevogável, e o vendedor com reserva de domínio; IV – a instituição que fez o adiantamento do contrato de câmbio. […]


Não podem, pois, ser objeto de recuperação extrajudicial prevista nesta lei, os créditos relativos a salários, férias, indenização por rescisão contratual, assim como a indenização relativa às perdas e danos por acidente de trabalho.


Excluem-se, também, os créditos tributários, […] a Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, que alterou o Código Tributário Nacional, cujo art. 155-A, § 3º passou a dispor que lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. Embora não se refira expressamente à recuperação extrajudicial, nada impede que a lei específica venha a mencioná-la, na hipótese de ser homologada.”


Eduardo Sabbag, (2009, p. 792), comenta sobre a impossibilidade de parcelamento do crédito tributário, face a inexistência da lei específica, prevista no art. 155-A, § § 3º e 4º, do CTN:


“Com esta nova disposição, o legislador, no intuito de facilitar a recuperação de empresas em dificuldades, estabelece que lei específica ordinária de cada ente federado disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. Na hipótese de não haver lei específica sobre o parcelamento, para o devedor em recuperação judicial deverá ser utilizada a lei geral de parcelamento da entidade da Federação, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao que seria concedido pela lei federal específica.


Entretanto, o CTN não estabelece regra para o caso de inexistir essa lei federal específica. Estamos que, neste caso, o mais lógico será a aplicação da lei de parcelamento dos créditos tributários federais em geral, atualmente, a Lei n. 10.522/2002.


Por fim, vale ressaltar que é inconstitucional a cláusula constante no termo de parcelamento que determine a renúncia, expressamente, à discussão judicial dos débitos tributários, uma vez que é inafastável o princípio da universalidade da jurisdição, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF.”


Neste sub-item, versou-se sobre a legitimidade na recuperação extrajudicial, bem como sobre os créditos excluídos da recuperação extrajudicial, então o próximo passo é delinear os requisitos necessários para se intentar a presente demanda.


4.2. Requisitos


Concernente aos requisitos da recuperação[7] extrajudicial e judicial cumpre narrar que são os mesmos, salvo raras exceções, consoante examina José da Silva Pacheco, (2009, p. 428), in litteris:


“[…] estabeleceu, inicialmente, os requisitos que devem ser preenchidos pelo devedor para propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial a ser submetido à homologação do juízo do lugar do principal estabelecimento. De um modo geral, são os mesmos requisitos exigidos para o devedor requerer a recuperação judicial, visto que o art. 161 faz referência ao art. 48 da nova Lei, com exceção dos previstos nos incisos II e III do art. 48, em face do disposto no art. 161, § 3º.


Assim, para o devedor, seja ele empresário individual ou sociedade empresária, poder, após negociar com seus credores, requerer a sua homologação, deve preencher os seguintes requisitos: 1º) exercer atividade empresarial há mais de dois anos; 2º) não ser falido nem sociedade empresária falida; 3º) se o devedor já tiver sido declarado falido, é preciso que, por sentença, com trânsito em julgado, já tenham sido declaradas extintas as suas obrigações; 4º) não ter pendente, em juízo, pedido de recuperação judicial; 5º) não tenha obtido, há menos de dois anos, recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial; 6º) não ter havido condenação do empresário ou dos administradores ou sócio controlador da sociedade empresária, em crime falimentar.”


Francisco Satiro de Souza Junior, (in, JUNIOR; PITOMBO, 2007, p. 542 e 543), preleciona acerca da possibilidade do devedor efetuar acordos privados com os credores independentemente do preenchimento dos requisitos legais, conforme interessante posicionamento:


“[…] reafirma a possibilidade de realização de qualquer modalidade de acordo entre credores e devedor. Tais acordos não estarão sujeitos às exigências previstas na Lei (como apresentação de plano, tratamento não prejudicial aos credores não signatários etc.), mas dela também não poderão aproveitar as vantagens (imposição a credores oportunistas, alienação de estabelecimento sem sucessão etc.). Trata-se de reafirmação do princípio da autonomia privada, […]


Para todos aqueles que não preencherem as exigências necessárias para se beneficiar com as previsões expressas referentes à recuperação extrajudicial, mas que tiverem obtido junto aos credores concordância quanto a termos e condições de sistematização de seus débitos, o acordo fora dos preceitos da Lei 11.101/2005 é solução válida e aplicável.”


Segue o mesmo Autor, (in, JUNIOR; PITOMBO, 2007, p. 527), proferindo inúmeras críticas quanto a restrição a recuperação extrajudicial face homologação de plano anterior, in verbis:


“[…] o interessado em pleitear a homologação do plano de recuperação extrajudicial não pode ser falido (o que é óbvio, diante da necessária regularidade da atividade empresária), nem poderá ter recuperação judicial pendente de decisão ou concedida nos 2 anos anteriores, prazo em que não poderá ter homologado outro plano extrajudicial (art. 161, § 3º). A restrição decorrente de anterior homologação de plano de recuperação extrajudicial merece severas críticas. Inicialmente porque a recuperação extrajudicial, especialmente a homologatória, é um acordo com credores para compor solução de mercado para problemas específicos da empresa em crise atual ou iminente. Não parece razoável impedir os envolvidos e interessados diretos de se comporem para elaborar uma solução para os problemas que os atingem ou atingirão. Por outro lado, a recuperação extrajudicial, por suas características tende a afetar diretamente reduzido número de credores. […]”


Expôs-se acerca dos requisitos da recuperação extrajudicial que são inerentes para que o devedor logre êxito ao intentar a demanda, dessarte, seguindo este mister cabe explicitar sobre a jurisdição e a competência.


4.3. Jurisdição e competência


Primeiramente, cumpre explicitar que, há duas formas distintas de jurisdição, (contenciosa e voluntária), sendo a primeira aplicada na recuperação judicial e a segunda na recuperação extrajudicial de empresas, consoante entende J. E. Carreira Alvim, (apud, RESTIFFE, 2008, p. 85), in litteris:


“[…] a jurisdição contenciosa produz coisa julgada, ao passo que a jurisdição voluntária não, cujos atos, então, podem ser revistos a qualquer tempo, desde que respeitados os direitos adquiridos. É contenciosa a jurisdição na recuperação judicial, por nesta haver controvérsia, o que, no processo voluntário de recuperação extrajudicial de empresas, não existe. Logo, a ausência de controvérsia é a característica que marca a recuperação extrajudicial de empresas, tratando-se, portanto, de jurisdição voluntária.”


Na jurisdição voluntária “[…] o juiz não exerce função jurisdicional, mas tão-só administrativa tendente à formação de negócios jurídicos em que a lei houve por bem exigir a participação de órgãos da Justiça para aperfeiçoamento e eficácia”, (JUNIOR, 2008, p. 381).


Contrariamente ao acima esposado, preleciona Luiz Rodrigues Wambier, (2007, p. 43), que a intervenção estatal no acordo privado demonstra o procedimento especial de  jurisdição voluntária, in litteris:


 “Discute-se na doutrina se essa atividade é substancialmente jurisdicional, ou se se trata de atividade apenas formalmente jurisdicional.


Igualmente denominada de jurisdição graciosa ou de administração judicial de interesses privados, não é, segundo a doutrina tradicional, assimilável à natureza da atividade jurisdicional, porque nela não há decisão que diga o direito aplicável à lide, em substituição à vontade dos interessados. Também, segundo essa mesma doutrina, não se assemelha à atividade da jurisdição, porque não consiste em resolver conflitos, mas apenas em chancelar, […]


Se não se trata efetivamente de jurisdição, também não se trata de atividade voluntária dos interessados, pois estes recorrem ao Poder Judiciário para a obtenção dessa chancela aos interesses privados, porque assim a lei exige, sob pena de ineficácia, ou seja, o que se quer só pode ser obtido por essa via.”


Há jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo que entende neste sentido, consoante se verifica:


“[…] Na jurisdição voluntária, a função do juiz não é a de dirimir conflitos de interesses, mas de auxiliar os interessados a alcançarem a realização de um ato jurídico ou tomar uma providência de proteção a incapazes ou documentar um ato. Sua decisão deve ser a mais conveniente à finalidade do processo.“ (Apelação cível nº 240.660-2, TJSP, 15ª Câmara Cível, rel. Des. Ruy Coppola, j. em 20.09.1994)


Cumpre explicitar que a “[…] sentença em procedimento de jurisdição voluntária pode, excepcionalmente, vir a ser alterada em razão de circunstâncias supervenientes”, (RESTIFFE, 2008, p. 393). Entende na mesma esteira o Superior Tribunal de Justiça, consoante se verifica:


“Jurisdição voluntária. Sentença. Modificação. A sentença que homologa a separação consensual e a partilha proposta pelos cônjuges pode ser modificada, se ocorrerem circunstâncias supervenientes (art. 1.111 do CPC), a justificar um novo acordo entre todos os interessados, procurando ajustar aquele ato judicial à nova realidade. Recurso conhecido e provido.” (STJ, 4ª Turma, REsp n. 105.012/RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 26.02.1997, DJU 07.04.1997, p. 11.126)


Concernente à competência nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária é Estadual, segundo preleciona Paulo Sérgio Restiffe, (2008, p. 375), in verbis:


“A competência para conhecer, processar e julgar procedimentos especiais de jurisdição voluntária é da Justiça Estadual, ainda que se trate de pessoas abrangidas no art. 109, I, da Constituição da República, ou a elas equiparadas […]”


Há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que entende nesta esteira, consoante se verifica:


“Processo Civil. Competência. Conflito. Ação contra o INSS. 1 – Em se tratando de litígio com o INSS, a competência é a Justiça Federal. 2 – Diferentemente, quando o pedido é de jurisdição voluntária, a competência é da Justiça Estadual. […]” (STJ, 1ª Seção, Conflito de Competência n. 34.019/MG, rel. Min. Eliana Calmon, j. 27.02.2002, DJU 08.04.2002, p. 121)


No caso em tela, José da Silva Pacheco, (2009, p. 37 e 42), narra sobre a competência da recuperação extrajudicial, bem como sobre a divergência doutrinária acerca do principal estabelecimento, consoante se verifica a seguir:


“A competência para recuperação extrajudicial é do juízo em cuja jurisdição o devedor tiver seu principal estabelecimento, ou filial de sociedade sediada no exterior.


Se o empresário ou sociedade empresária tiver um único estabelecimento, é óbvio que é o juízo do local onde este se situa […]


No caso, porém, de haver mais de um estabelecimento em lugares diversos, tem havido, tanto no direito anterior como atualmente, intensa discussão na doutrina e na jurisprudência, principalmente, em relação à distinção entre estabelecimento principal e estabelecimento matriz ou sede social”


Entende Sergio Campinho, (apud, PACHECO, 2009, p. 43), que “[…] consiste na sede administrativa, ou seja, o ponto central dos negócios do empresário no qual são realizadas as operações comerciais e financeiras de maior vulto e intensidade, traduzindo o centro nervoso de suas principais atividades.”


Há jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que segue o entendimento acima, conforme se examina:


“[…] Principal estabelecimento, para definir a competência (Lei 11.101/05, art. 3º) é onde está a sede administrativa dos negócios e onde estão os livros fiscais e sociais da empresa” (Agravo de Instrumento nº 441.368.4/0-00, TJSP, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado, presidente relator Boris Kauffmann, j. em 07.06.2006)


Assim, no interesse em levar para homologação da recuperação extrajudicial, a competência indicada como principal estabelecimento é a mesma utilizada no pedido de falência.


4.4. Procedimento


Neste subtópico rezar-se-á sobre o procedimento da recuperação extrajudicial, visto que o cientista do direito deve perceber a viabilidade desta recuperação na prática.


Preliminarmente, deve-se expor referente às formas de homologação do plano extrajudicial, a voluntária e a obrigatória. A modalidade voluntária consiste em forma homologatória onde há a adesão de todos os credores ao plano recuperacional, ou seja, esta “[…] modalidade voluntária[8] da recuperação extrajudicial […] criaria uma alternativa negocial célere e segura judicialmente.”, conforme (FONSECA, KÖHLER, 2005, p. 14). Salienta-se que, por vezes, o “[…] excesso de formalismo representa mais uma séria desvantagem para a utilização do plano regulado pelo artigo 162”, (SANTOS, 2008, p. 114), visto que todos os credores aderiram ao pacto.


No que pertine a homologação obrigatória[9], esta é utilizada sempre que houver minoria de credores dissidentes com a recuperação extrajudicial, visto que têm por fito levar a recuperanda à falência, segundo preleciona Fábio Ulhoa Coelho, (2008, p. 433), abaixo:


“A recuperação representa a possibilidade de todos os credores virem a receber seus créditos, em razão do sacrifício que eles (ou parte deles) concordam em suportar. Não se justifica o comprometimento dessa possibilidade por força da negativa de uma parcela minoritária dos credores em aderir ao plano de recuperação. Para evitá-lo, a lei prevê que o plano de recuperação extrajudicial apoiado pela maioria dos credores atingidos pode ter seus efeitos estendidos aos demais, mesmo contra a vontade destes. Aqui, a homologação judicial é obrigatória


Entretanto, Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 35), aduzem sobre a problemática da homologação compulsória, vez que após aderir ao plano os credores não poderão desistir em caso de controvérsia, consoante se transcreve:


“[…] Embora os que aderirem voluntariamente ao plano extrajudicial possam ser beneficiados com a submissão da minoria dissidente, qualquer controvérsia jurídica poderá colocá-los em delicada posição de incerteza e mesmo de inação, especialmente considerando o teor do § 5º, do art. 161, que impede que desistam da adesão após a distribuição da homologação.”


Escolhida a forma de homologação, o devedor deve iniciar o procedimento e seu primeiro passo consiste em transigir com os credores extrajudicialmente e após apresentar o “[…] requerimento[10] de homologação judicial de plano de recuperação extrajudicial deve estar acompanhado de sua justificativa e de documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram” (RESTIFFE, 2008, p. 382). Ressalte-se que, isto se o devedor pleitear homologação do plano da recuperação extrajudicial, visto que há a possibilidade do devedor pactuar com seus credores acordos privados, conforme art. 167, da Lei 11.101/2005.


Versa Carlos Roberto Claro (2004, p. 01) que a “[…] distribuição do pedido de recuperação extrajudicial torna prevento o juízo para processar eventual recuperação judicial ou mesmo a falência do devedor, até a execução completa da proposta apresentada”. “Depois de distribuído o pedido à autoridade judiciária, não podem os credores desistir da adesão ao plano, salvo com a anuência dos demais signatário do pacto”, (PIMENTEL, 2007, p. 280).


Cumpre explicitar que, o “[…] pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarreta suspensão de direitos, ações ou execuções”, (GONÇALVES. GONÇALVES, 2008, p. 71) , visto que tal disposição foi destinada apenas a recuperação judicial de empresas, conforme dispõe o art. 6º, § 4º c.c. 52, III, ambos da Lei 11.101/2005.


Em seguida “[…], o juiz determinará a publicação de edital[11] no Diário Oficial e em jornal de grande circulação nacional, ou das localidades da sede e das filiais do devedor”, (SANTOS, 2008, p. 113).


Paulo Sérgio Restiffe, (2008, p. 384), preleciona sobre peculiaridade desta recuperação incumbida ao devedor de enviar, por carta, o conteúdo do edital aos credores no prazo de trinta dias, in litteris:


“O juiz, após recebido o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial, deve ordenar a publicação do edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor, convocando todos os credores do devedor para, no trintídio legal, apresentação de suas impugnações ao plano (art. 164, caput, da Lei n. 11.101/2005). […] nas publicações devem constar a epígrafe ‘recuperação extrajudicial de’, como determina o art. 191, parágrafo único da Lei n. 11.101/2005.


No trintídio estabelecido no edital, cabe ao devedor comprovar o envio de carta a todos os credores sujeitos ao plano […]”


Os credores “[…] tem o prazo de 30 dias para apresentarem, de forma justificada, impugnação ao requerimento de homologação do plano de recuperação extrajudicial”, (RESTIFFE, 2008, p. 384). “Sendo apresentada impugnação, será aberto prazo de cinco dias para o devedor se manifestar a respeito das alegações oferecidas.” (PACHECO, 2009, p. 436). Salienta-se que, “[…] o interessado que, citado, não apresentar resposta, sentirá os efeitos da revelia, pois estes se aplicam no procedimento de jurisdição voluntária”, (RESTIFFE, 2008, p. 387).


Entende na mesma esteira o Tribunal de Justiça de São Paulo, consoante se verifica:


“[…] Aplicam-se aos procedimentos de jurisdição voluntária os efeitos da revelia. A faculdade do juiz investigar livremente os fatos não o autoriza a receber e processar resposta intempestiva.” (TJSP, AI n. 247.008-2/Marília, rel. Des. Marrey Neto, j. 06.09.1994)


Paulo Sérgio Restiffe, (2008, p. 389), versa que o plano obriga a todos os credores, após homologação mediante sentença que constitui titulo executivo judicial[12] e que seus efeitos podem surtir antes e após a homologação, mas isto se dará apenas com os créditos constituídos até a homologação do plano, consoante se verifica:


“O plano de recuperação extrajudicial, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente, em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação (art. 163, § 1º, in fine, da Lei n. 11.101/2005, c/c o art. 263 do CPC). […] a sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constitui título executivo judicial (art. 161, § 6º, da Lei n. 11.101/2005, c/c o art. 475-N, I, do CPC).[…]


O plano de recuperação extrajudicial, de regra, produz efeitos somente após sua homologação judicial (art. 165, caput, da Lei n. 11.101/2005). Excepcionalmente, contudo, e nos termos do art. 165, § 1º, da Lei n. 11.101/2005, o plano de recuperação extrajudicial pode, legitimamente, estabelecer a imediata produção de seus efeitos, antes, portanto, de sua homologação judicial, desde que exclusivamente em relação à modificação de valor ou forma de pagamento dos credores signatários.”


Concernente aos recursos cabíveis assevera Paulo Sérgio Restiffe, (2008, p. 395), que a sentença que homologa ou não o plano é passível de apelação, e a decisão prolatada no curso da demanda é passível de agravo de instrumento, in litteris:


“A sentença que defere ou não a homologação do plano de recuperação extrajudicial é recorrível por meio de apelação, mas sem efeito suspensivo (art. 164, § 7º, da Lei n. 11.101/2005, c/c os arts. 513 et seq., 520, caput, segunda parte, e 1.110 do CPC). Entretanto, qualquer decisão proferida no curso de procedimento de jurisdição voluntária, mas sem encerrá-lo, pode ser desafiada por meio de agravo de instrumento, caso em que não há as exigências contidas no art. 525, I, do Código de Processo Civil […]”


Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 32), prelecionam sobre a ausência do título executivo judicial na recuperação extrajudicial após a homologação do plano, conforme se verifica a seguir:


“Na recuperação extrajudicial que se examina, no entanto, não é possível formar um título executivo judicial para a defesa dos direitos dos credores, pois, como não há habilitação de créditos nem formação de um quadro geral, créditos sujeitos ao plano ainda podem ser discutidos judicial, […] Um título executivo tem que ser certo e líquido (ou ao menos liquidável nos termos do Código de Processo Civil), e essas características não estarão presentes nos créditos sujeitos à recuperação extrajudicial.”


Em sentido contrário preleciona Francisco Satiro de Souza Junior, (JUNIOR, PITOMBO, 2007, p. 530), acerca da constituição de titulo executivo judicial, ocasião em que faz analogia ao disposto na Lei 9.099/1995, in verbis:


“A sentença homologatória do plano de recuperação extrajudicial constitui título executivo judicial, nos termos do art. 475-N, inc. V, do CPC, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.232/2005. Assim, apesar de o dispositivo do art. 161, § 6º, da Lei 11.101/2005 fazer referência ao agora revogado art. 584, do CPC, não há prejuízo à norma nele contida.


Corroborando com a linha adotada pelo legislador, destaque-se, a coerência do dispositivo com o quanto previsto na Lei 9.099/1995 que, não obstante trate de Juizados Especiais, traz em seu art. 57 a possibilidade de homologação judicial de ‘acordo extrajudicial de qualquer natureza ou valor’, valendo a sentença como título executivo judicial.”


Há jurisprudência do Tribunal do Rio de Janeiro que segue o entendimento acima, qual seja: que tanto na recuperação judicial como na extrajudicial há a formação do título executivo judicial, consoante se examina:


“[…] A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO POR SENTENÇA GERA TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL, NOS TERMOS DO § 6º DO ART. 161 DA LEI 11.101/05, O QUE ATRIBUI A ESSE TIPO DE RECUPERAÇÃO OS MESMOS EFEITOS DA MODALIDADE JUDICIAL. […]” (Agravo de Instrumento nº 26944/2007, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RJ, Relator Des. Ismenio Pereira de Castro, julgado em 07.nov.2007)


“O Parquet não intervém no procedimento de recuperação extrajudicial, salvo para manifestar-se, eventualmente, acerca do plano que envolva alienação judicial e as questões abrangendo aspectos penais”, (RESTIFFE, 2008, p. 381). O “[…] Ministério Público fica totalmente excluído do procedimento”, (FONSECA, KÖHLER, 2005, p. 24). Se for necessária a intervenção do Ministério Público dever-se-á realizar sua citação, nos moldes do art. 1.105, do CPC.


Sobre a desistência na recuperação extrajudicial, segundo preleciona Francisco Satiro de Souza Junior, (JUNIOR, PITOMBO, 2007, p. 530), a seguir:


“Uma vez distribuído pedido de recuperação extrajudicial, os signatários do plano não podem mais dele desistir, salvo com anuência dos demais aderentes (art. 161, § 5º), ainda que ao arrependimento não se oponha o devedor. Trata-se do reconhecimento de que a causa do plano reflete um interesse maior que os individuais dos signatários. Sob o ponto de vista contratual, por seu turno, pode o próprio plano prever a impossibilidade de arrependimento mesmo antes da distribuição, o que deve ser respeitado.”


Deve-se informar que a “[…] rejeição ao plano para homologação não traz como conseqüência a necessária decretação da quebra do devedor (como ocorre com a recuperação judicial – art. 56, § 4º), […]”, segundo Francisco Satiro de Souza Junior, (JUNIOR, PITOMBO, 2007, p. 540).


Cumpre aludir que, é cediço que inexiste prazo para o devedor intentar a demanda de recuperação extrajudicial, vez que sua “[…] causa imediata será a superação da crise econômico-financeira atual ou iminente da empresa em dificuldade, não a preservação dos direitos dos signatários que podem, […], a ele aderir renunciando as prerrogativas e privilégios”, segundo Francisco Satiro de Souza Junior, (JUNIOR, PITOMBO, 2007, p. 526-527).


4.5. Alienação de bens


Antes de explicar o procedimento de alienação nesta demanda, urge explicitar o conceito de alienação que consiste no direito do proprietário de um bem transmiti-lo a outrem, de forma gratuita ou onerosa.


O “[…] plano de recuperação extrajudicial que envolver a alienação judicial[13] de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor depende de expressa autorização judicial (art. 166, primeira parte, da Lei n. 11.101/2005)”, (RESTIFFE, 2008, p. 390). Complementa que “[…] o juiz deverá ordenar que tais alienações se realizem com observância, no que couber, das normas do art. 142, mediante leilão por lances orais, propostas fechadas ou pregão.” (PACHECO, 2009, p. 437).


Carlos Roberto Claro, (2004, p. 01), reza sobre a alienação de ativos da  recuperanda pode ser feita por hasta pública e, se feita desta forma, o adquirente não sofrerá qualquer ônus, consoante se examina a seguir:


“[…] No que se refere a alienação de ativos relacionados na recuperação extrajudicial, todos os credores, observada a ordem legal estabelecida pelo art. 11, sub-rogam-se no produto da alienação e, quando realizada por hasta pública, está livre de qualquer ônus e não acarretará a sucessão do adquirente nas obrigações perante credores.”


4.6. Créditos


A “[…] recuperação extrajudicial é útil para o devedor que tiver necessidade de renegociar créditos com garantia real, quirografários ou subordinados.” (SANTOS, 2008, p. 110), visto que se trata de uma renegociação parcial. “Não se sabe se os créditos são tomados em relação ao seu valor, em número de credores ou por qualquer outro critério.” (FONSECA; KÖHLER, 2005, p. 30).


Todavia não se pode olvidar que os créditos abrangidos pela recuperação extrajudicial são: os créditos com garantia real, créditos com privilégio especial, créditos com privilégio geral, créditos quirografários e as multas contratuais e as penas pecuniárias, consoante dispõem os arts. 83, II, IV, V, VI e VII; e 163, § 1º, da Lei 11.101/2005.


José da Silva Pacheco, (2009, p. 259 e 261), expõe o conceito dos créditos com garantia real, privilégio especial e privilégio geral, consoante se verifica:


“[…] o titular do crédito com garantia real deve ser atendido com o produto do bem a que seu crédito se vincula. Se a venda não produzir valor suficiente para solucionar a dívida, o saldo restante se enquadra na classe dos quirografários.


Se o bem, objeto da garantia, alcançar, na sua alienação, valor excedente ao do crédito garantido, recebe o credor apenas o valor do seu crédito. O restante vai para a massa para atendimento de outros credores.”


O privilégio especial só compreende os bens sujeitos por expressa disposição de lei, ao pagamento  do crédito que ele favorece (art. 963, 1ª parte, CC). […]


Os fornecedores de bens e serviços que continuam a prestá-los à empresa, durante o período de recuperação judicial, terão privilégio geral de recebimento, no caso de convolação daquela em falência, no valor do limite dos bens ou serviços fornecidos no curso da recuperação.”


Os quirografários “[…] são todos os créditos que não se incluem entre os créditos privilegiados, não têm determinados bens vinculados ao seu cumprimento nem são prioritários por força de lei”, (PACHECO, 2009, p. 262). Salienta-se que, os créditos trabalhistas cedidos a terceiros são considerados quirografários.


Fábio Ulhoa Coelho, (2008, p. 437), versa que na recuperação extrajudicial são cabíveis, ao todo, cinco créditos, quais sejam:


“[…] a saber: a) crédito com garantia real; b) crédito com privilégio especial; c) crédito com privilégio geral; d) crédito quirografário; e) crédito subordinado. São essas cinco as espécies de crédito a ser consideradas na recuperação extrajudicial.”


4.7. Das fraudes e da ação revocatória


“O plano de recuperação extrajudicial pode ser deferido e, conseqüentemente, homologado[14] por sentença se o juiz entender que não implica prática de atos pelo devedor com a intenção de prejudicar credores”, (RESTIFFE, 2008, p. 388). Insta-se que, “[…] a homologação da recuperação extrajudicial em nada deverá afetar o funcionamento da empresa”, (PIMENTEL, 2007, p. 280). Então, na recuperação “[…] extrajudicial os empregados continuam a receber mensalmente os seus salários (art. 49, § 1º)”, (NICÁCIO, 2005, p. 493). Entretanto, se houver tal intenção o juiz indeferirá sua homologação, nos termos do art. 164, § 6º, da Lei nº 11.101/2005.


Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 20), rezam sobre a possibilidade de fraudes no curso do procedimento, in litteris:


“Evidentemente a própria idéia de uma recuperação de natureza extrajudicial faz supor um procedimento mais simples. Contudo, esse processo simplificado não deveria importar perda de segurança, possibilidade de manipulações e fraudes ou injusto prejuízo aos credores. A simplificação procedimental teria que ser contrabalançada com requisitos e conseqüências mais rigorosos, bem como pela maior transparência e pela definição mais explícita das etapas a serem vencidas no processo, haja vista o menor controle pelo Judiciário e pelos credores.”


“O legislador preocupou-se em evitar a fraude ao dispor que o acordo não seria homologado se caracterizada a prática dos atos previstos no artigo 130 e no inciso III do artigo 94.” (SANTOS, 2008, p. 110).


“Destaca-se que a ação revocatória falimentar ou a declaração de ineficácia não têm por finalidade anular o ato, mas simplesmente torná-lo ineficaz em relação à massa, […]”, segundo versa Jean Carlos Fernandes, (2006, 177).


5. Vantagens da recuperação extrajudicial ante a recuperação judicial


A recuperação extrajudicial deve ser, sempre, a primeira opção do devedor, consoante expõe Paulo Penalva Santos, (2008, p. 109), in litteris:


“A recuperação extrajudicial é uma alternativa prévia è recuperação judicial, pois pressupõe uma situação financeira e econômica compatível com uma renegociação parcial, envolvendo credores selecionados, com os quais o devedor propõe novas condições de pagamento.”


Carlos Barbosa Pimentel, (2007, p. 279), compara a recuperação judicial e extrajudicial, demonstrando as vantagens desta perante aquela, in litteris:


“Bem mais simplificado que o processo falimentar ou, mesmo, se comparado com a recuperação judicial, na recuperação extrajudicial não há obrigatoriedade da participação do Ministério Público, da mesma forma que não se exige a nomeação de um administrador judicial. O Ministério Público, contudo,  atuará na hipótese de se verificarem indícios de crime falimentar, conforme a combinação dos arts. 179, 180, 183 e 187, parágrafo 2º, quando poderá oferecer denúncia.


Também o Comitê de Credores e a Assembléia Geral de Credores são órgãos exclusivos da falência e da recuperação judicial.”


Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 11), expõe acerca da simplicidade da recuperação extrajudicial, majorando as chances de sucesso na demanda ante a recuperação judicial que é mais custosa e complexa, consoante se verifica:


“[…] a recuperação judicial é um processo mais complexo e oneroso, que, desde seu início, macula a reputação da empresa, e, por isso, seria melhor que a recuperação se desse em ambiente extrajudicial, a fim de aumentar as chances de sucesso do plano apresentado pela empresa. Esse argumento funda-se no princípio do estímulo à recuperação das empresas, que realmente é marcante no texto da nova lei de falências.”


Adriana Aguiar, (2009, p. 01), entrevistou Ligia Paula Pires Pinto Sica acerca das vantagens da recuperação extrajudicial ante a judicial, em versos:


“De acordo com a advogada e professora da Direito GV Ligia Paula Pires Pinto Sica, além de atacar diretamente o problema encontrado, a recuperação extrajudicial evita que se tenha que passar pelo transtorno de uma recuperação judicial, que costuma ser mais lenta e onerosa. Ela acaba de defender uma tese de doutorado sobre o tema na qual analisou os casos da M.S., da P. e da ISD. ‘Os problemas combatidos extrapolavam o mundo das questões jurídicas e um plano extrajudicial permite a utilização das formas mais flexíveis de recuperação, com o potencial de ser mais efetivo no combate às causas da crise’”


Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 4), elucidam sobre a vantagem prevista no capítulo VI da nova Lei de Falências, em versos:


“[…] O capítulo VI da nova Lei da recuperação extrajudicial, instituto inicialmente desenhado para empresas que, embora em dificuldades, pudessem solucionar seus problemas sem submeter-se aos rigores da recuperação judicial. Na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), foi aprovada redação que primava pela simplicidade e pela celeridade do procedimento. Isso foi possível porque o substitutivo da CAE previa que o plano de recuperação extrajudicial somente seria aplicável aos credores que voluntária e expressamente anuíssem a ele.  […]


Ocorre que a redação da CAE para o capítulo VI foi profundamente modificada na versão aprovada no Congresso e sancionada pelo Presidente da República. Passou-se a dispor que, também na recuperação extrajudicial, a vontade da maioria dos credores poderia ser imposta à minoria discordante.”


Jean Carlos Fernandes, (2006, p. 174), resume as vantagens da recuperação extrajudicial, in litteris:


“Num primeiro momento, a vantagem da recuperação extrajudicial pode ser resumida na possibilidade de os credores aprovarem uma forma de reestruturação do passivo da empresa insolvente pelos votos dos credores que representem mais de três quintos de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos, com a sujeição da solução ao Poder Judiciário apenas para homologação. […]


Destaca-se que, na hipótese de o plano de recuperação extrajudicial contar com a aquiescência de todos os credores […] não traria maiores vantagens a não ser a formação do título executivo judicial (LRFE, art. 161, § 6º).”


Ressalta-se que, o devedor poderá intentar novamente a ação de recuperação extrajudicial, com novo plano, consoante explicitam Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 28), in litteris:


“[…] Homologado o plano, não haverá nenhum tipo de fiscalização de seu cumprimento pelo devedor. Se o devedor descumprir obrigações assumidas no plano, não haverá nenhuma conseqüência, pois não será decretada a falência da empresa. Depois de tudo isso, em apenas dois anos, o devedor poderá apresentar novo plano de recuperação extrajudicial e pedir que seja imposto à minoria dissidente. Assim, o devedor poderá permanecer perpetuamente em recuperação extrajudicial, impondo modificações aos direitos de seus credores quando lhe aprouver.”


Dessarte, como se explanou neste sub-tópico, a recuperação extrajudicial apresenta inúmeras vantagens ante a recuperação judicial, tais como: a simplicidade e celeridade do procedimento, ausência de participação do Parquet, redução dos custos com a demanda, aquiescência dos credores no plano, formação de título executivo judicial semelhante ao da recuperação judicial, falta de penalidades em caso de descumprimento do procedimento e possibilidade de re-apresentação do plano em caso de indeferimento do plano anterior.


6.  Conclusão


Este mister tem por fito demonstrar ao leitor que a recuperação extrajudicial deve ser a primeira opção no caso de uma eventual recuperação, uma vez que possui mais vantagens do que a recuperação judicial. E trata de procedimento complexo pois consiste em litígio entre devedor e credores, mais oneroso, por abarcar inúmeros créditos seu procedimento é moroso e há inúmeras possibilidades de ser decretada a falência em caso de inércia da recuperanda. A recuperação extrajudicial se trata de procedimento mais célere e simplificado visto que é amigável, menos custosa para a recuperanda, inexiste a possibilidade de declaração de falência, pode ser imposta a alguns credores dissidentes, e pode ser intentada inúmeras vezes, desde que haja previsão de novo plano de recuperação, além da formação de título executivo judicial após a homologação do plano, assim como na recuperação judicial. Salienta-se que há similaridades entre a recuperação judicial e a extrajudicial que denotam a vantagem desta ante aquela, visto que em ambos os procedimentos os requisitos, as fraudes e os recursos são semelhantes, além do que estes procedimentos têm por escopo sanar a crise financeira que acometeu a recuperanda.


Ademais, a forma de solução amigável entre o devedor e seus credores sempre foi praticada à sombra da legislação, desde os tempos primórdios, razão pela qual houve por bem o legislador em criar lei dispondo sobre a negociação entre o devedor e seus credores que ficam sobre o crivo da justiça, vez que o acordo é homologado judicialmente e há a previsão de princípios norteadores que protegem o direito dos envolvidos.


Importante mencionar que o legislador limitou o acesso deste procedimento há alguns interessados e alguns créditos, tais como: créditos trabalhistas e fiscais, todavia ambos os casos serão regidos por legislação específica.


Dessarte, o devedor pode primeiramente se utilizar deste procedimento, visto as vantagens acima expostas, porém se este procedimento for insuficiente, então poderá lançar mão da recuperação judicial.


 


Referências bibliográficas:

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Notas:

[1] Reza Sheila Ponciano do Nascimento, (2005, 04): “Vale ressaltar que o Decreto Lei 7661/1945, era um projeto totalmente intervencionista, não dando essa liberdade ao empresário de negociar suas dívidas.”

[2] Aduz José da Silva Pacheco, (2009, 144), sobre o fito da legislação falimentar: “[…] a Lei nº 11.101, de 2005, visa a salvaguardar a empresa, diante das crises econômico-financeiras ou de desarranjos administrativos, gerenciais ou societários, em benefício dos empregados, dos credores, dos financiadores, dos consumidores, da comunidade, da Região, do País, e da sociedade em geral.”

[3] Reza Paulo Penalva Santos, (2008, 110) que a: “melhor denominação, portanto, teria sido acordo ou concordata extrajudicial, que estaria em plena sintonia com a sua finalidade e natureza jurídica.”

[4] José da Silva Pacheco, (2009, 2), elucida sobre o fim social da lei falimentar atual: “O fim social da lei, no caso, consiste: a) em viabilizar a superação da situação da crise, a fim de preservar a empresa, como é do interesse de todos os envolvidos, em benefício do bem comum; b) não sendo viável a recuperação judicial ou extrajudicial, promover o afastamento do devedor de suas atividades, a fim de preservar e otimizar a utilização dos bens, ativos e recursos produtivos, em processo rápido, para pagamento dos credores.”

[5] Na mesma direção segue Fábio Ulhoa Coelho, (apud, ZILBERBERG, 2006, 187): “quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores.”

[6] José da Silva Pacheco, (2009, 17), reza sobre a inscrição compulsória do empresário individual: “É obrigatória a inscrição do empresário individual no Registro Público de Empresas da respectiva sede, antes do início de sua atividade empresarial (arts. 967 e 1.150 do CC).”

[7] Humberto Lucena Pereira da Fonseca e Marcos Antônio Köhler, (2005, p. 20), rezam sobre a inerência dos requisitos no plano de recuperação, in litteris: “[…] no âmbito de um plano de recuperação, é criado um complexo sistema de requisitos, condições, controles, e conseqüências para o devedor, a fim de que o instituto mantenha seu necessário caráter de excepcionalidade, preservando-se, assim, a proteção aos contratos no direito brasileiro e a exigência de pontualidade das empresas no cumprimento de suas obrigações, que deve ser a regra nas relações empresariais.”

[8] Fábio Ulhoa Coelho, (2008, 435), segue a mesma linha com outra denominação: “[…] facultiva, é a homologação do plano que conta com a adesão da totalidade dos credores atingidos pelas medidas nele previstas. Dela cuida o art. 162 da LF. […]. Se o plano de recuperação extrajudicial ostenta a assinatura de todos os credores por ele atingidos, a homologação não é condição para os obrigar. Eles já se encontram obrigados nos termos do plano por força da adesão resultante de sua manifestação de vontade.”

[9] Na mesma linha reza Paulo Sérgio Restiffe, (2008, 383): “O plano de recuperação extrajudicial vinculante, para que tenha esta eficácia, como analisado, deve conter a assinatura de credores que representem mais de 3/5 de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos”

[10] Elucida José da Silva Pacheco, (2009, 36) sobre o instrumento de acordo, in verbis: “A celebração de acordo de recuperação extrajudicial pode ser formalizada em instrumento próprio que contenha as condições e a assinatura das partes (arts. 162, 163 e 167).”

[11] Reza José da Silva Pacheco, (2009, 435), sobre o fito do edital: “O edital visa todos os credores do devedor, para se manifestar, no prazo de trinta dias, a partir da publicação desse aviso, sobre o plano de recuperação, cuja homologação foi requerida.”

[12] Explanam Gabriela Venturoti Perrota Gonçalves e Rios Gonçalves, (2008, 75), sobre o direito que gera após o inadimplemento do plano face o título executivo judicial: “[…] não sendo cumpridas suas disposições, poderão os credores buscar a execução específica, ou pedir a falência do devedor, com base no art. 94”

[13] Jorge Lobo, (2008, 98), versa sobre os benefícios da alienação judicial: “[…] a LRF institui privilégios para beneficiar o adquirente através de normas excepcionais, que não admitem, por conseguinte, interpretação analógica ou extensiva, […]

[…] se realizado durante o processo de recuperação em fiel observância à norma excepcional do art. 60, da LRF, e das regras cogentes do art. 142, da LRF, livra o adquirente de ônus, gravames, obrigações e dívidas, vencidas e vincendas, contabilizadas nos livros da matriz ou de estabelecimento, de filial e de unidade produtiva, inclusive as de natureza tributária e trabalhista.”

[14] José da Silva Pacheco, (2009, 435), expõe o conceito de homologação: “Homologação é o ato pelo qual o juiz, sem julgar conflito de interesses, limita-se a dar validade e eficácia, à deliberação ou acordo entre as partes, desde que atendidas as prescrições legais.”


Informações Sobre o Autor

Daniel Oliveira Matos

Advogado proprietário do escritório de advocacia Matos Advocacia www.matos-advocacia.adv.br especialista em direito tributário e bancário articulista em direito tributário bancário e ex-docente do Senac/SP