Redução de carga tributária e a Lei de Responsabilidade Fiscal

Há visível tentativa do governo de afastar as normas da Lei de Responsabilidade que zelam pela correta efetivação de receitas tributárias, indispensáveis ao cumprimento da finalidade estatal de realizar o bem comum.

O primeiro dispositivo legal nesse sentido é o do art. 11 que elege como “requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”.

A clareza do texto dispensa qualquer comentário, ressalvada a observação de que a União até hoje não instituiu o imposto sobre grandes fortunas de sua competência impositiva (art. 153, VII, da CF).

O segundo dispositivo é o que versa sobre renúncia de receita que está no art. 14 assim redigido:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.”

Esse artigo impede os incentivos fiscais casuísticos, normalmente, ditados por critérios políticos. Esses incentivos, quase sempre, favorecem determinadas pessoas ou certos setores da economia para sobrecarregar outras pessoas ou outros setores econômicos. Rompem, via de regra, a neutralidade tributária, utilizando-se dos tributos como instrumentos regulatórios da atividade econômica. Tais expedientes acabam sempre premiando alguns e punindo outros. Veste-se um santo e deveste-se outro, não raras vezes como resultado da ação de lobistas, o que é muito ruim.

Entretanto, esse artigo 14 não vem sendo observado pelo governo que vem concedendo isenções diversas no curso do exercício, desatendendo o próprio princípio da anterioridade da isenção que é o corolário do princípio da anterioridade da tributação. Não se pode conceder isenções no meio do exercício, para vigorar de imediato, sem prévia previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a fim de que a Lei Orçamentária Anual possa levar em conta na estimativa de receitas, sob pena de provocar o desequilíbrio orçamentário no curso de sua execução, exatamente, a situação que a LRF buscou prevenir.

Contudo, esse artigo 14, que não é observado pelo Executivo, curiosamente vem sendo invocado como empecilho à política de desoneração tributária do Estado.

Ora, política de desoneração tributária significa redução da carga tributária como um todo. Deve haver um equilíbrio entre a redução de tributos e a redução de igual montante das despesas públicas.

Portanto, dentro do quadro de diminuição do peso da imposição tributária é totalmente impertinente a invocação do art. 14 da LRF que não tem por objetivo impedir a redução da carga tributária como um todo.

Ao que tudo indica o governo, na verdade, deseja ficar com a prerrogativa de distribuir benesses fiscais entre os diversos segmentos da atividade econômica a seu exclusivo critério, o que resulta invariavelmente no prejuízo de setores menos organizados politicamente.

É preciso que órgãos e instituições responsáveis fiscalizem e exijam o cumprimento dos requisitos estatuídos no art. 14 da LRF, a fim de que os tributos se destinem fundamentalmente para a finalidade a que se destina: obtenção de recursos financeiros regulares para o cumprimento da fim do Estado que, em última análise, se resume na realização do bem comum.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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