Reflexão sobre a utilização da prova ilícita no processo à luz do princípio da proporcionalidade e seus limites no âmbito empresarial

Resumo: A questão da prova ilícita e a possibilidade de sua utilização no processo é tema relevante que vem sendo muito discutido atualmente. Observa-se a tendência da Doutrina e da Jurisprudência em entender que a prova ilícita no processo civil deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade. De fato, tal princípio é também um princípio de interpretação constitucional, e bem se presta a solucionar conflitos principiológicos, dentre eles, o conflito entre a proibição da prova ilícita e algum outro princípio constitucional. Verifica-se que a proibição constitucional da prova ilícita, conforme dispõe o art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal não é uma proibição absoluta, pois, num caso concreto, tal princípio pode ser afastado quando em confronto com outro. Através da técnica da ponderação, levar-se-á em consideração os bens juridicamente tutelados que estão em conflito no caso concreto, prestigiando o valor jurídico mais relevante.


Palavras-chave: Prova Ilícita. Tensões Constitucionais. Colisão de Princípios. Limites  Constitucionais.


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Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações sobre a proibição da prova ilícita e as limitações na atividade empresarial. 3. O princípio da unidade da Constituição e as tensões constitucionais. 4. O direito à prova e as provas ilícitas. 5. A prova ilícita à luz no princípio da proporcionalidade. 6. A proibição das provas ilícitas no processo. 7. Referências.


1. INTRODUÇÃO


Observa-se o direito à prova, como direito fundamental protegido pela Carta Magna, com a vedação constitucional quanto à utilização da prova ilícita. Nas variadas nuances em que tais direitos se confrontam, necessário verificar a solução através da via da ponderação e estabelecendo os limites, partindo-se da construção do caso concreto para a solução jurídica adequada, através do método indutivo de Friedrich Müller.


 A caracterização desse modelo teórico se faz com vistas à verificação de sua aplicabilidade ao paradigma brasileiro atual do Estado Democrático de Direito, através de uma pesquisa da literatura atualizada sobre esse tema.


Existindo dois direitos fundamentais em conflito, vislumbra-se a necessidade da aplicação do princípio da ponderabilidade, para sopesar os interesses e valores em discussão, no que tange à obtenção da prova por meios ilícitos. Exemplifica-se o caso do e-mail corporativo, de forma que seja possível a verificação, através da ponderação entre os danos causados e o resultados a serem obtidos.


A contribuição da teoria estruturante do direito, motiva à pesquisa e a investigação para a busca incessante de soluções às diversas questões que envolvem os direitos fundamentais com o objetivo a atender às exigências do Estado Democrático de Direito.     


2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROIBIÇÃO DA PROVA ILÍCITA E AS LIMITAÇÕES NA ATIVIDADE EMPRESARIAL


Houve uma evolução no entendimento acerca do conceito de prova ilícita. No direito brasileiro, antes da Constituição de 1988, havia duas correntes doutrinárias a respeito da admissibilidade processual das provas ilícitas, predominando a que defendia a admissibilidade, especialmente no direito de família.


Os adeptos da teoria da admissibilidade prestigiavam a busca da “verdade real”, não importando o meio pelo qual a prova pudesse ser obtida, de forma que, num eventual conflito entre o direito à intimidade e o direito à prova, o primeiro, que está entre as liberdades públicas, deveria ceder quando em confronto com a ordem pública e as liberdades alheias. A ponderação, portanto, pendia em favor do princípio da investigação da verdade, ainda que baseada em meios ilícitos.


Posteriormente, se chegou à conclusão de que a essência da verdade nunca poderá ser atingida, por não ser possível reconstruir os fatos pretéritos da mesma forma como se passaram, de modo que passou a predominar nos diversos ordenamentos jurídicos o posicionamento doutrinário pela inadmissibilidade da prova ilícita. No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, a vedação à prova ilícita passou a ter previsão expressa, conforme o seu art. 5º, inciso LVI.


Contudo, essa posição não deve ser entendida em termos absolutos, tendo em vista que vigora, nos países filiados à proibição das provas ilícitas, inclusive no Brasil, a teoria da proporcionalidade.  


Na ponderação de interesses, verificar-se-á a mínima restrição possível a cada bem jurídico tutelado, para salvaguardar o bem jurídico contraposto, com a utilização, portanto, do princípio da proporcionalidade. Assim, essas restrições não devem ir além do necessário para a solução dos conflitos, sendo que as variáveis fáticas do caso concreto é que vão determinar o peso específico de cada princípio em confronto, mostrando-se, portanto, essenciais para o resultado da ponderação. O principal critério substantivo encontra amparo no princípio da dignidade da pessoa humana. Tal princípio representa o vértice axiológico da Constituição, visto que o homem é o fim último da ordem constitucional, e não apenas um dos interesses da mesma.


O texto constitucional parece não admitir qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita, porém, entende-se que a regra não pode ser absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Será necessário o confronto entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito.


 O entendimento da jurisprudência brasileira tem sido no mesmo sentido do entendimento doutrinário, pugnando pela necessidade de se levar em conta os bens conflitantes no caso concreto sempre à luz do princípio da proporcionalidade. Este posicionamento é corroborado pela decisão  do Tribunal Superior do Trabalho, de relatoria do Ministro João Oreste Dalazen, em Recurso de Revista: [1]


PROVA ILÍCITA – E-MAIL CORPORATIVO – JUSTA CAUSA – DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO


“Não há vulneração ao princípio que assegura a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meio ilícito (inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal), por isso que, sendo o e-mail corporativo propriedade da Empresa, meramente cedido ao Empregado para fins corporativos, o Empregador poderá exercer tanto o controle formal como material (conteúdo) das mensagens que trafegam pelo seu sistema operacional”.  


Atualmente, a doutrina e a jurisprudência dominante no Brasil posicionam-se de forma contrária à admissibilidade das provas ilícitas, mas temperam tal entendimento pela teoria da proporcionalidade. Com efeito, o princípio da proibição da prova ilícita não é absoluto – até porque, reitere-se, não existe nenhum direito fundamental absoluto – podendo ceder, quando em colisão com outro direito fundamental de maior peso, no caso concreto.


Assim, muitas vezes a interpretação restritiva da norma não é a mais adequada para se atender aos direitos em conflito no processo. Com efeito, a doutrina tem interpretado o dispositivo constitucional à luz do princípio da proporcionalidade, a fim de seja amenizado o rigor de tal norma, sendo que tal princípio deverá estabelecer os interesses veiculados no processo, as prioridades, a necessidade, a adequação, bem como a prática da menor restrição para atingir o objetivo da justiça.


Nesse sentido entende o eminente professor Nelson Nery Junior [2], que tanto no processo penal, quanto no processo civil é perfeitamente possível que o bem jurídico tutelado supere o bem jurídico privacidade. Vislumbra-se algumas situações em que, a partir da análise do caso concreto, torna-se possível, em situações excepcionais, a utilização da prova ilícita no processo, nas hipóteses de destituição de poder familiar, de investigação de paternidade ou de ações coletivas. Há de ser admitida à prova ilícita, pois o bem jurídico a ser protegido é mais relevante do que o bem jurídico que se admite sacrificar, justificando a sua utilização.


2. O PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO E AS TENSÕES CONSTITUCIONAIS


Apesar do princípio da unidade da Constituição conferir coesão ao ordenamento jurídico, não se pode negar a existência de tensões constitucionais, em virtude da diversidade de ditames, os quais, por vezes, chocam-se entre si, em determinadas situações. Nesse caso, não sendo possível ao intérprete harmonizar as normas constitucionais a concretizar, deverá este procurar a solução que menos restrinja a eficácia de cada uma das normas em conflito, em busca da otimização da tutela dos bens jurídicos protegidos.


Nas sociedades pluralistas e democráticas, como é o caso da sociedade brasileira, a diversidade de valores e de idéias insere-se na Constituição, que acaba por acolher normas potencialmente divergentes, as quais podem entrar em conflito na solução de casos concretos.


Quando o conflito normativo se dá entre regras, resolve-se pelos critérios clássicos de resolução de antinomias, excluindo-se uma regra e aplicando-se a outra. Mas quando o embate se dá entre princípios e não é possível harmonizá-los, deve o intérprete utilizar-se do método da ponderação de interesses, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, para solucionar tal confronto.


Os princípios, por serem normas fundamentais do sistema, não podem ser dele excluídos como ocorre com as regras, mas apenas afastados para aquela hipótese concreta, continuando, portanto, dentro do ordenamento jurídico. A inexistência de hierarquia absoluta entre as normas constitucionais é consectário do princípio da unidade da Constituição, uma vez que, se houvesse validade absoluta de certas normas, haveria o sacrifício completo de outras, o que comprometeria a unidade normativa da Constituição. Assim, não existe direito fundamental absoluto, podendo qualquer valor, protegido por determinado princípio, ser afastado, no caso concreto, quando em conflito com outro, de maior peso naquela situação, a partir de uma ponderação de interesses, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade.


3. O DIREITO À PROVA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL


Assegurar o direito de ação no plano Constitucional, é garantir o acesso ao Devido Processo Legal, e entre os princípios inerentes ao processo, destacam-se o Contraditório e a Ampla Defesa para propiciar as partes à possibilidade ampla na formação do convencimento do juiz.


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 Implica na produção de prova destinada à demonstração dos fatos controvertidos. O contraditório efetivo e defesa  ampla, compreendidos como o poder conferido à parte de se valer de todos os meios de prova possíveis e adequados à reconstrução dos fatos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito afirmado.


 A prova, apesar de tratar-se de garantia inerente ao devido processo constitucional, não  pode ser considerada como valor absoluto. As regras e princípios processuais são eminentemente instrumentais, pois se destinam a assegurar o correto funcionamento do instrumento estatal de solução de controvérsias. A regra é a possibilidade da parte se valer de qualquer fonte ou meio de prova, desde que legal e moralmente legítimo conforme disposição legal com base no artigo 332 do Código de Processo Civil.


 A garantia para ser efetiva envolve o poder da produção da prova e a segurança de que venha a ser considerada e corretamente valorada pelo julgador. As regras que permitem a juiz dispensar prova desnecessária devem ser aplicadas com extremo cuidado, pois pode representar violação a um componente do contraditório e da ampla defesa, conforme artigos 130 e 407 parágrafo único do CPC.


  Entre as garantias asseguradas pela Constituição ao modelo processual brasileiro encontra-se a do contraditório. Trata-se de postulado destinado a propiciar ampla participação dos sujeitos da relação processual e a sua observância constitui legitimidade do ato estatal, pois representa a possibilidade das pessoas diretamente envolvidas com o processo influir em seu resultado.


  Na visão moderna, para a sua efetividade, o Juiz tem participação ativa e tem interesse  em que a atividade por ele desenvolvida atinja determinados objetivos, consistentes nos escopos da jurisdição. Não mais satisfaz a idéia do Juiz inerte e neutro, alheio ao drama. Essa “neutralidade passiva” supostamente garantidora da imparcialidade não corresponde aos anseios por uma justiça efetiva, que propicie acesso à ordem jurídica justa.


 Cabe ao Juiz conferir conteúdo substancial, não apenas formal, à igualdade das partes, assumindo a direção material do processo.


  A garantia do contraditório[3] não só do ponto de vista das partes, analisa o significado do princípio para o juiz, ressaltando o aspecto negativo: a proibição de tomar providências sem dar conhecimento aos litigantes e de proferir decisões com base em provas em relação às quais eles não tiveram oportunidade de se manifestar. Assim, nada mais natural que considerar o juiz também comprometido com o processo. Não mais se admite a neutralidade  do julgador, pois da mesma forma que as partes, ele está à busca de resultados.


A integração do julgador ao contraditório contribui para afastar eventuais desigualdades entre os litigantes, conferindo ao princípio da Isonomia seu verdadeiro significado.


Os princípios inerentes ao processo liberal não garantem um processo justo, que só se verifica, se além da igualdade jurídica, houver igualdade técnica e econômica e completa: “Vãs as liberdades do indivíduo, se não pudessem ser reiniciadas em Juízo. Mas é necessário que o processo possibilite efetivamente à parte a defesa de seus direitos, a sustentação de suas razões, a produção de suas provas”[4]  


O poder Instrutório do juiz, comportamento ativo do julgador atinge um dos objetivos de maior relevância processual: Igualdade real entre as Partes. E ainda, o uso hábil e diligente de tais poderes na medida em que logre iluminar aspectos da situação fática, até então deixados na sombra por deficiência da atuação deste ou daquele litigante, contribui para suprir inferioridades ligadas à carência de recursos e de informações, ou a dificuldade de obter o patrocínio de advogados mais capazes e experientes.


O Processo deve ser dotado de meios para promover a igualdade entre as partes e um deles é que o juiz participe efetivamente da produção de provas, não afetando de modo algum a liberdade das partes. A visão do Estado Social não permite mais essa visão passiva e conformista. Portanto. A real igualdade das partes no processo é valor a ser observado sempre, ainda que possa confirmar com outro princípio processual.


A instituição dos Juizados Especiais foi para atender aos que ficavam condenados à insatisfação de seus interesses, sem qualquer oportunidade de pleitear a tutela jurisdicional, pois, permaneciam à margem das atividades pacificadoras, a alimentar o germe de uma revolta. Não se pode admitir que o processo seja um jogo em que o mais capaz sai vencedor, mas instrumento de justiça, com o qual se pretende encontrar o verdadeiro titular de um direito e ainda, não se pode aceitar que, em razão da hipossuficiência de um dos litigantes, seja proferida uma decisão injusta que não corresponde à realidade fática submetida  a julgamento. O juiz ativo na formação do conjunto probatório confere efetividade às garantias constitucionais do processo.


A igualdade substancial deve prevalecer sobre a formal, pois a passividade do julgador não contribui para tanto, além disso, torna possível resultado diverso daquele desejado pelo direito material, impedindo seja alcançado o objetivo do processo.


Conforme o entendimento do ilustre jurista Barbosa Moreira[5] atento à finalidade social do processo, conclui pela necessidade de adoção de determinadas diretrizes que, a seu ver, se harmonizam com a preocupação de humanização da justiça e atendem a um dos princípios fundamentais do processo, que é o da igualdade substancial e não apenas formal: acentuação do caráter publicístico do processo, maior adequação de suas regras e institutos aos fins visados, ampliação do papel do juiz e reforço de seus poderes. Tal entendimento, não obstante posição em sentido contrário, não viola o disposto do art. 125 do CPC. O STJ decidiu que: 


“contraria o art. 130 do CPC o acórdão que desconsidera protelatório ao princípio da igualdade das partes, depoimento de testemunho determinado pelo juiz da causa (REsp 25617-7 – SP 3ª Turma – Rel. Min. Dias Trindade, in DJU 09.11.1992, p.20.372).


A imparcialidade também encontra amparo no texto constitucional, que adota o princípio do juiz natural, além de preservar garantias do Juiz e do Poder Judiciário, com fulcro nos artigos 5º, LIII e 92 a 99 da CF.


Quando o Juiz determina a realização de alguma prova, não tem condições de saber, de antemão, seu resultado. O aumento do poder instrutório do julgador, na verdade, não favorece qualquer das partes. Apenas proporciona apuração mais completa dos fatos, permitindo que as normas de direito material sejam aplicadas corretamente. Importa também que saia vitorioso aquele que efetivamente tenha razão, ou seja, aquele cuja situação da vida esteja protegida pela norma de direito material, pois somente assim se pode falar que a atividade jurisdicional realizou plenamente sua função.


A atividade probatória oficial não é incompatível com a imparcialidade, basta sejam fundamentadas as decisões e proferidas após efetivo contraditório entre os litigantes, pois, o princípio do contraditório é condição de validade de qualquer meio de prova.


O respeito ao princípio do contraditório é condição de validade de qualquer meio de prova, pois assim o Juiz demonstra estar atento aos fins sociais do processo. A visão publicista do fenômeno processual exige julgador comprometido com a efetivação do direito material.


4. O DIREITO À PROVA E AS PROVAS ILÍCITAS


Visão constitucional do direito à prova nos leva a refletir sobre determinadas restrições existentes na legislação ordinária, especialmente no que se refere ao valor atribuído à fonte da prova disposto no art. 401 CPC. Essas limitações não ofendem a garantia em exame, pois não representam impedimento à produção da prova. Apenas impõem formas especiais para a demonstração de alguns fatos jurídicos. O mesmo não se dá quanto à vedação ao aproveitamento das chamadas provas ilícitas, ou seja, aquelas obtidas com infringência à norma de direito material. Essa é a posição do legislador constitucional brasileiro, que veda, de forma genérica e incondicional, o aproveitamento de prova obtida de forma ilícita, amparada no art. 5 LVI da Carta Magna.


O cerne da questão está em encontrar o equilíbrio entre dois valores contrapostos: a tutela da norma violada com a obtenção da prova ilícita e a utilização dos meios necessários ao alcance do escopo da atividade jurisdicional.


A temática é tratada com propriedade, pela professora Ada P. Grinover[6], no que tange a prova obtida através da interceptação telefônica, quando ressalta o seguinte:


“A questão das interceptações telefônicas, no processo penal, faz parte de problema mais amplo, atinente ao equilíbrio entre duas opostas exigências: a) a de tutelar o direito à intimidade e a de colocar à disposição do juiz meios de prova capazes de oferecer resultados particularmente úteis, no momento em que também a delinquência se organiza sob formas cada vez mais hábeis e complexas. Trata-se de um aspecto setorial do vasto problema que põe em confronto a defesa social e os direitos da personalidade do indiciado ou acusado.”


De qualquer modo, afastar por completo a possibilidade de o juiz determinar a produção de uma prova ilícita significa aceitar um provimento jurisdicional que pode não corresponder à realidade substancial.


Se a solução encontrada pelo Juiz, em virtude dessa desconsideração, não corresponder àquilo que realmente ocorreu no mundo dos fatos, teremos duas violações da ordem legal: aquela praticada pela parte, que se utilizou de um meio ilegal para conseguir demonstrar esse fato; e a  outra, cometida pela parte contrária, cujo comportamento, também ilegal, restará aprovado pelo próprio órgão jurisdicional.


Embora a vedação constitucional encontre apoio em leis ordinárias e jurisprudência, parece possível a conciliação dos dois valores opostos. Conforme julgamento recente o STF entendeu legítima a utilização de gravação telefônica feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, por não considerar esse procedimento como interceptação telefônica. Votaram vencidos os Ministros Celso de Mello e Marcos Aurélio, que aplicaram as regras do art. 5, incs. X e LVI da CF.[7]


Outrossim, essa conclusão não implica desconhecer o caráter ilícito da conduta daquele que obteve a prova. Apenas leva em consideração o fato de que cabe ao julgador utilizar-se de todos os meios necessários à descoberta da verdade. Inadmissível que irregularidades cometidas na colheita da prova impeçam sua apresentação e acabem por comprometer a efetividade da tutela jurisdicional.


Por outro lado, a admissibilidade da prova ilícita, sem qualquer restrição, além dos graves inconvenientes apontados pela corrente predominante, poderia acabar beneficiando aquele que agiu ilicitamente.


O Juiz, ponderando a respeito dos valores envolvidos no processo e verificando ser a aceitação da prova ilícita o único meio para a formação de seu convencimento, poderá mantê-la nos autos ou determinar sua produção. Cabe ao Juiz, exclusivamente, decidir sobre a necessidade e a conveniência de sua produção, sempre à luz dos valores em conflito. Se a conclusão for afirmativa, determinará ele, ex officio, a vinda aos autos da prova obtida ilicitamente ou manterá aquela já apresentada – Esse poder, de caráter excepcional deverá ser usado apenas quando for absolutamente imprescindível para o escopo do processo seja alcançado.


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Essa possibilidade não se limita ao âmbito penal e muito menos para favorecer apenas o réu de processo-crime. Em sede Civil encontram-se interesses tão ou mais relevantes quanto aqueles, inclusive concernente ao direito de família com aquelas tipificadoras de conduta ofensivas ao patrimônio.


5. A PROVA ILÍCITA  À LUZ DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.


Não só a proibição do uso da prova ilícita é garantia constitucional, como também o direito à prova o é. Assim, pode surgir conflito entre os princípios constitucionais do acesso à justiça e do direito à prova, de um lado, e, de outro, o da proibição do uso da prova ilícita. Surgindo tal conflito principiológico, faz-se necessária à aplicação da técnica da ponderação de interesses, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade, para que, no caso concreto, o julgador possa decidir qual dos princípios deve prevalecer.


O direito à prova encontra-se, de fato, limitado pela legitimidade dos meios utilizados para obtê-la. Não obstante, em que pese ser necessário tutelar-se os direitos que podem ser violados pela prova ilícita, faz-se mister, também, a tutela dos direitos que não podem ser demonstrados por meio de outra prova, que não seja a obtida de modo ilícito. É nessa ocasião que se deve aplicar o princípio da proporcionalidade, o qual vai determinar o balanceamento dos interesses e valores em jogo.


Na verdade, a ponderação deve ser feita, diante das circunstâncias do caso concreto, entre o direito que seria realizado através da prova (e não simplesmente o direito à prova) e o direito da personalidade que foi por ela desconsiderado. Por isso, para que haja uma eventual admissão de prova ilícita, deve-se ponderar um interesse específico com outro interesse específico contraposto, e não com a sua generalização.


Convém salientar que o uso da prova ilícita, mesmo que dependente dessa ponderação, apenas pode ser aceito quando a prova foi obtida ou formada ilicitamente porque não existia outra forma para se demonstrar os fatos em juízo. A prova ilícita, portanto, só pode ser admitida quando é a única capaz de evidenciar fato absolutamente necessário para a tutela de um direito que, no caso concreto, merece ser realizado, ainda que diante do direito da personalidade atingido.


Nos sistemas jurídicos em geral os valores por eles protegidos encontram-se escalonados, conforme o grau de importância atribuído aos mesmos pela sociedade. A materialização dos valores e direitos que se mostram mais importantes, em casos específicos, pode-se dar através da aceitabilidade processual de provas colhidas por meios ilícitos. Tais provas seriam consideradas ilícitas, caso fosse utilizada uma avaliação meramente formal da ilicitude. Mas, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, essas provas podem ser aceitas no processo, em determinado caso concreto.


A admissibilidade no processo de provas produzidas por meios não permitidos pelo sistema legal é uma situação nova, porque quebra os limites de interpretação incondicional do texto legal sobre as atividades persecutória e investigatória do Estado, e cria modernos freios às arbitrariedades estatais através da adoção de limites objetivos impostos pela razão, com base no princípio da proporcionalidade. Não tem o condão de desvirtuar a ação policial, permitindo um desempenho mais fácil mediante ameaças, invasões e coações para a obtenção de provas. Ao contrário, estimula um criterioso trabalho de busca de indícios que faça jus à evolução do sistema jurídico moderno, porque o resultado da atividade persecutória e investigatória deverá ser analisado judicialmente, não apenas em seu aspecto formal, mas, acima de tudo, sobre a essência das informações colhidas, porque ‘o conteúdo é que pode ofender o direito ao sigilo, ou não ser, por outro motivo, moralmente legítimo’.


Assim, muitas vezes a interpretação restritiva da norma não é a mais adequada para se atender aos direitos em conflito no processo. Com efeito, a doutrina tem interpretado o art. 5º, inciso LVI, da CF à luz do princípio da proporcionalidade, a fim de seja amenizado o rigor de tal norma, sendo que tal princípio deverá estabelecer os interesses veiculados no processo, as prioridades, a necessidade, a adequação, bem como a prática da menor restrição para atingir o objetivo da justiça.


Nesse sentido, o posicionamento doutrinário, tem entendido que  tanto no processo penal, quanto no processo civil é perfeitamente possível que o bem jurídico tutelado suplante o bem jurídico privacidade. Algumas situações surgem  a partir da análise do caso concreto no sentido de se tornar possível à utilização da prova ilícita no processo. Em casos excepcionais, como nas hipóteses de destituição de poder familiar, de investigação de paternidade ou de ações coletivas, há de ser admitida à prova ilícita, pois o bem jurídico a ser protegido é mais relevante do que o bem jurídico que se admite sacrificar, justificando a sua utilização. É a ponderação dos interesses no caso concreto que deverá nortear a decisão judicial, prestigiando-se o valor jurídico mais relevante.


Vale mencionar o exemplo trazido por Daniel Sarmento[8]  na suposição  a título de ilustração, o caso de ação de destituição de pátrio poder, na qual existam provas ilícitas (e.g. gravações clandestinas) evidenciando a prática de abuso sexual dos genitores contra o menor. Nesta hipótese, entendemos que o direito à dignidade e ao respeito do ser humano em formação, assegurado, com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227 CF), assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais da criança, justificando a admissibilidade do uso da prova ilícita.


A jurisprudência ainda diverge bastante a respeito desse tema, mas já há muitas decisões fundamentadas no princípio da proporcionalidade, como se pode observar do trecho abaixo, extraído de uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, num mandado de segurança, que teve como relator o Ministro Cezar Peluso[9]:


“Uma das hipóteses exemplares de interesse público ou social, capaz de justificar, quando menos por inconveniência perceptivelmente grave, limitação ou atenuação do caráter público dos atos do Poder Judiciário, está na exigência de resguardo de direitos e garantias individuais, tutelados pela mesma Constituição da República. Daí vem que, como expressões típicas de interesse público ou social transcendente, a inviolabilidade constitucional da intimidade, da vida privada e das comunicações do impetrante (art. 5o, X e XII, da Constituição da República) – a qual só cede a fato excepcional, em nome doutro interesse público, quando não haja meios alternativos de investigação, mas observadas sempre as regras legais e na estrita medida da necessidade concreta (proporcionalidade de expediente restritivo de direito fundamental) – se propõe como barreira intransponível aos poderes de investigação e à publicidade dos atos judiciais e, conseqüentemente, das Comissões Parlamentares de Inquérito, por força do disposto no artigo 58, § 3o, c.c. artigo 93, IX, da Constituição Federal”.


   Nessa linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal admitiu que a administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, pode, de forma excepcional, interceptar correspondência remetida aos apenados, já que a inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Desse modo, o princípio da proibição da prova ilícita e o direito à intimidade cederão, no caso concreto, prevalecendo o valor da segurança pública, como se pode observar da ementa colacionada abaixo:


“E M E N T A: HABEAS CORPUS – ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO – OBSERVÂNCIA – ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO – UTILIZAÇÃO DE COPIAS XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS – PRETENDIDA ANÁLISE DA PROVA – PEDIDO INDEFERIDO.”


    A estrutura formal da sentença deriva da fiel observância das regras inscritas no art. 381 do Código de Processo Penal. O ato sentencial que contém a exposição sucinta da acusação e da defesa e que indica os motivos em que se funda a decisão satisfaz, plenamente, as exigências impostas pela lei.


A eficácia probante das cópias xerográficas resulta, em princípio, de sua formal autenticação por agente público competente (CPP, art. 232, parágrafo único). Peças reprográficas não autenticadas, desde que possível à aferição de sua legitimidade por outro meio idôneo, podem ser validamente utilizadas em juízo penal. A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. – O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de habeas corpus. (HC 70814 / SP – São Paulo, DJ 24-06-1994. 1ª Turma do STF. Relator Min. Celso de Mello).


É necessário dimensionar os interesses preponderantes para a  adequação proporcional ao meio de prova que deverá  ser aceito e aplicado nas situações concretas.


Vale colacionar o caso prático, no qual se presencia a colisão entre princípios, que pode ser solucionada com a aplicação do princípio da proporcionalidade. Sabe-se que o cônjuge é adúltero e que, portanto, descumpriu um dos deveres do casamento. Contudo, não há prova desse fato, repetido continuamente. A única prova de que a parte prejudicada dispõe é de uma gravação de atos comprobatórios do adultério, conseguida clandestinamente, por meio de câmara escondida que invadiu a privacidade dos adúlteros.


A garantia da proibição da prova obtida ilicitamente está assegurada na Constituição Federal artigo 5º, inciso LVI, assim como a intangibilidade da vida privada, com base no artigo 5º, inciso X, do Texto Maior de 1988. No entanto existe, de outro lado, a dignidade do cônjuge prejudicado (Constituição Federal, artigo 1º, inciso III) e o crime que teria sido cometido, segundo as leis penais aliado ao fato de que o casamento é instituição garantida e preservada pelo Texto Constitucional no Art. 226 e pela ordem pública.


Indaga-se o que deve prevalecer nesse confronto, se é intimidade, que tem caráter individual ou a ordem pública, como o casamento, por exemplo, a apuração de crime, três referências que têm caráter social.


De um lado, a intimidade e a proibição das provas obtidas por meios ilícitos e, de outro, a dignidade e o casamento e, antes da Lei nº 11.106/2005, que revogou o art. 240 do Código Penal, o qual tratava do adultério, também estava presente a apuração do crime de cunho social.


Destarte, a prova ilícita, que é, em regra, proibida no juízo cível, poderá nele ser admitida, a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade, se o bem jurídico a ser protegido superar a privacidade, justificando o sacrifício desta. Desta forma, não se pode prescindir de uma análise formal quanto ao modo de obtenção das provas associada a um exame de conteúdo do material colhido, para, utilizando-se o princípio da proporcionalidade, decidir-se pela admissibilidade ou inadmissibilidade processual da prova. Tal análise, ressalte-se, deve ser feita de forma sistêmica, onde a Constituição deve ser vista como um corpo unitário, de modo a harmonizar todas as normas nela insertas.


6. DA PROIBIÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO


Até o início do século passado, prevalecia na ordem jurídica mundial o entendimento de que o direito probatório era ilimitado, de modo que as provas cunhadas ilicitamente, mas cujo conteúdo fosse verdadeiro, poderiam ser usadas normalmente no processo, cabendo ao autor da prova, tão-somente, responder pelo ilícito material praticado. O vício tinha natureza pré-processual, daí porque sua admissibilidade no processo não estaria alijada. O compromisso com a verdade real era tal, que os fins justificavam os meios.


Coube à jurisprudência norte-americana a primazia na criação de regras de exclusão (exclusionary rules), impondo o preceito da inadmissibilidade processual de tais provas, ao argumento de que a mera sanção penal, civil ou administrativa não se constituía em freio suficiente à atuação ilegal dos litigantes.


A partir desse momento histórico, vários países da Civil Law passaram a comungar desse entendimento, preconizando que o processo deveria ser margeado por conceitos éticos em defesa das garantias fundamentais do indivíduo.


No Brasil, seus principais defensores (Alcides Mendonça Lima, Tornaghi e Yussef Cahali), após a promulgação da CF/88, passaram a sustentar a tese de que as provas ilícitas seriam meros indícios, podendo o julgador se valer de tudo quanto colhido nos autos a partir deles.


Outrossim, verifica-se no que se refere a uma das inúmeras correntes que tratam sobre o tema, a chamada “corrente obstativa” atenuada pela teoria da proporcionalidade pela qual não admite a prova ilícita como princípio geral, mas a aceita em situações excepcionais em que, objetivamente, necessite-se proteger valores mais relevantes que os protegidos com a proibição da colheita probatória.Tem por imprescindível o sopesamento judicial dos bens jurídicos envolvidos, tutelando-se o de maior carga valorativa. Sustenta, ainda, que nenhum princípio constitucional é absoluto, devendo conviver harmonicamente com outros de igual inspiração na Magna Carta.


A quarta corrente retrata realmente uma melhor visão acerca do enfrentamento da questão, pois permite congregar o princípio da inadmissibilidade da prova ilícita como regra geral, respeitando a literalidade do princípio constitucional insculpido no art. 5º, LVI, dando azo, no entanto, aos imperativos de Justiça a serem alcançados com a aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade, preterindo-se os interesses tutelados com a limitação probatória, em detrimento de outros que lhe são confrontados e que se apresentam, no julgamento do caso concreto, mais valiosos para a sociedade.


Na verdade, o preceito do art. 5º, LVI, da CF/88, sofre de uma atipicidade no que tange à conseqüência processual para o caso da sua aplicabilidade, visto que inadmissibilidade e nulidade são conceitos jurídicos bem distintos[10], razão pela qual se considera mais factível a determinação judicial de desentranhamento dos autos das provas malsinadas, ao invés da declaração de nulidade, pois colide frontalmente com o princípio da reserva legal, haja vista inexistir previsão sancionatória expressa nesse sentido no texto constitucional.


 Assim, caso a prova não possa ser acolhida nos autos, mesmo em consagração à teoria da proporcionalidade, deve ser considerada um ato inexistente e desentranhada dos autos.


7. Conclusão


Pelo exposto, percebemos que a justiça e a injustiça estão separadas por uma linha tênue, e frágil. Uma ação mal calculada pode quebrá-la.


Faz-se necessária à consciência moral e ética, que expressa não somente vontade social, mas sim a satisfação dos indivíduos dentro da coletividade.


Desta forma não é possível conceber que a previsão de um fato ou ato humano, expresso em forma de lei, seja suficiente por si só para exercer este complexo, que se resumirá em justiça. É disto que surge a necessidade da formação social e humana do julgador, coisa que não poderia ser exercida por uma máquina.


Por tudo isto concluímos que a melhor solução é a utilização do princípio da proporcionalidade[11].     


Acredita-se que há “a multiplicidade de valores fundamentais e de princípios vigentes na ordem constitucional”. Contrário à posição doutrinária é o entendimento STF. Como nos julgados abaixo. Com relação ao princípio da proporcionalidade, o STF afasta com o argumento de não caber o exame deste princípio, uma vez que a Constituição Federal o fez, proibindo a utilização de provas ilícitas, ponderando o entre a persecução penal em razão dos valores fundamentais da dignidade humana (HC 79.512, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,julgamento em 16-12-99, DJ de 16-5-03). Em outro a inadmissibilidade das provas ilícitas são sustentados sob o argumento do princípio constitucional do “due process of law” que não admite provas ilícitas e a teoria dos frutos da árvore envenenada, se então não é admitida à prova que teve como origem a ilicitude.


Desta forma, as provas que foram obtidas por meios ilícitos, “mas obtida em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária”, ou seja, os fatos somente foram conhecidos posteriormente em função da primeira ação que é ilícita. Porém se a prova advir de fonte autônoma não a reveste de ilicitude, sendo admitida em juízo (RHC 90.376 (RHC 74.807, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 22-4-97, DJ de 20-6-97)., Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-07, DJ de 18-5-07). E a utilização destas provas não tem o condão de anular todo o processo, apenas os atos contaminadas pela ilicitude.


Há também o entendimento que apesar do ilícito facilitar a produção de novas provas, se forem dispensáveis, não as afasta da apreciação pelo judiciário (HC 74.152/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, 20-8-96 – Informativo STF, Brasília, n.° 41, 28 ago. 1996). Porém, quando a prova é utilizada em legítima defesa, o caráter de ilícita é afastado em função da proteção de uma das partes HC 74.678, DJ de 15-8-97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma.


Ademais, há ainda o exemplo da gravação de conversa onde há tentativa de extorsão. Na visão do jurista  Alexandre de Moraes[12]:


“Em conclusão, as provas ilícitas, bem como todas aquelas delas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes”.


Observa-se a posição extremamente positivista do STF, e de outro lado parte da doutrina que acredita na viabilidade de utilização do princípio da proporcionalidade.


Ademais, em linhas gerais, se o objetivo da prova é formar o convencimento do juiz sobre determinado fato, deve corresponder à análise do magistrado a resposta sobre a prova, como também o caráter probatório, sobre a elucidação dos fatos contidos dentro da prova.


Assim sendo o juiz uma pessoa normal, com toda sua formação, ética, moral, técnica, com convicções pessoais, embora tenha a função que exige a imparcialidade, o discernimento entre o legal e o ilegal, pode deixar-se influenciar seu livre convencimento, embora na sentença este deva ser motivado.


Surge o problema a ser enfrentado no que diz respeito à sensibilidade excessiva do magistrado, que pode prejudicar a justiça, pois nem sempre a parte mais necessitada ou superveniente, tem razão, por outro lado se não tiver nenhuma sensibilidade também pode denegrir a justiça. Diante do enfrentamento do tema aqui tratado, qualquer solução que seja apresentada à problemática que envolve provas ilícitas resultará em questionamentos acerca da sua regularidade e justiça.


A justiça, segundo o pensamento do professor Miguel Reale[13] nada mais é do que a aspiração humana, assim, teremos que dissociar a lei da justiça, mas se fizermos isso, viveremos em estado natural, e sem justiça prevalece a lei do mais forte. Neste sentido cabe a lei promover a justiça, cumprindo um dos papéis fundamentais do Estado Democrático de Direito que é apaziguar a sociedade, e isso significa expressar na lei a vontade popular, não passar sobre as pessoas, para não correr o risco de ser um Estado Ditador e não Social e de Direito.


Uma lei sem legitimidade pode ser injusta, como também a lei legítima pode ser injusta. Porém, ao verificar a proporção entre um mal e outro, nasceria para a realidade social a diminuição das inúmeras irregularidades.


Outrossim, uma irregularidade não justifica a outra, mas punir a obtenção de prova, onde em última análise busca-se a verdade relativa, é afastar de certa forma a justiça.  


 


Referências bibliográficas

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Notas:
[1] BRASIL. Tribunal  Superior do Trabalho. RR 613/2000-013-10.00.7 – Ac. 1 T., 18.05.05

[2] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: RT   

[3] MOREIRA, Barbosa. A base do direito processual. Ed. Saraiva, 1977.

[4] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e o processo penal: as interceptações telefônicas. São P, Saraiva, 1976. 

[5] Ver Nota n. 4

[6] Ver nota n. 5

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 75338. T., 18.05.05  

[8] SARMENTO, Daniel. (2003, p.182).

[9] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança. nº 25716MC/DF, DJ 16/12/2005. Relator Min. Cezar Peluso. 

[11] A sua constitucionalização somente se deu com o fim da Segunda Guerra Mundial, na Alemanha.

[12] MORAES, Alexandre de.  Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

[13] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20 ed. 2002


Informações Sobre o Autor

Adriana Martins Silva

Advogada na área empresarial. Professora de Direito Civil na FACINTER. Mestranda em Direito Empresarial pela Unicuritiba. Especialista em Direito Processual Civil pelo IBEJ. Integrante dos Grupos de Pesquisa: Tutela dos Direitos de Personalidade na Atividade Empresarial: Os Efeitos Limitadores na Constituição da prova Judiciária, sob a coordenação do Professor Luiz Eduardo Gunther e Grupo de Pesquisa: Os Direitos Constitucionais e o regime da prova nos Crimes contra a Ordem Econômica, sob a coordenação do Professor e orientador Luiz Antonio Câmara, ambos pela UNICURITIBA.


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