SUMÁRIO: Abreviaturas; Introdução; I – O atual sistema portuário e suas inoperacionalidades; II – O sistema portuário e a Constituição Federal; III – A criação de convênios para a gestão associada dos portos; Considerações finais; Obras consultadas; Notas.
INTRODUÇÃO
Decorridos quase 14 anos da promulgação da Lei 8.630/93 (Lei de Modernização dos Portos), os portos brasileiros enfrentam sérios problemas operacionais. Apesar dos inúmeros progressos técnico-administrativos trazidos pelo diploma legal em análise, muitas deficiências ainda são observadas, quer por questões relacionadas a entraves burocráticos, quer pela absoluta ineficácia administrativa de seus órgãos gestores.
Tais problemas podem ser facilmente delineados ao levarmos a efeito o crescente volume de produtos provenientes de países do leste asiático, uma vez que a ausência de investimentos no setor portuário brasileiro representa verdadeiro óbice para a real competição com este forte mercado.
Faz-se mister, portanto, um estudo sistemático acerca da questão portuária no Brasil, levando em consideração, principalmente, aspectos inerentes à estrutura político-administrativa imposta aos portos brasileiros, sobretudo quanto à possibilidade de um novo sistema capaz de geri-los com a eficiência e competitividade necessária para fazer frente ao exigente mercado mundial.
I – O ATUAL SISTEMA PORTUÁRIO E SUAS INOPERACIONALIDADES
Conforme adverte o Professor português Victor Caldeirinha [1], a administração portuária pode adotar 5 (cinco) vertentes específicas, quais sejam: gestão total pelo Estado, gestão pelo Estado e operação por privados em livre concorrência, contrato de prestação de serviços, concessão ou licença de curto/médio prazo ou ainda a venda ao setor privado.
Historicamente, o Brasil segue um modelo de gestão voltado à centralização das decisões portuárias, adotando postura deveras conservadora no que diz respeito à participação dos demais entes da federação e particulares interessados nestas decisões.
Antes de 1993, o planejamento portuário era marcado por inúmeras decisões desencontradas, culminando com a absoluta “falência” do nosso sistema portuário. Desde a criação da extinta “Taxa de Melhoramento dos Portos – TMP”, passando pela fundação da, também extinta, “PORTOBRAS”, o país assistiu a um verdadeiro processo de estagnação e decadência de seu sistema portuário, contribuindo, sobremaneira, para a profunda crise econômica da década de 80.
No intuito de combater os reflexos da aludida crise, a “Lei de Modernização dos Portos” introduziu inovações deveras relevantes, dentre as quais destacam-se: a criação do OGMO, a política de descentralização dos portos e o incentivo à participação da iniciativa privada nos portos brasileiros. Desta feita, foi estabelecido um significativo elo entre governo e entidades privadas, atenuando, ainda que timidamente, o caráter centralizador do Estado na administração portuária.
Para assegurar a participação do Estado nas relações portuárias coube as “Companhias Docas”, pessoas jurídicas de direito privado, gerir parte dos portos brasileiros, atuando como verdadeiras autoridades portuárias subordinadas ao Ministério dos Transportes.
Todavia, os objetivos traçados pela Lei 8.630/93 encontram-se muito distantes de serem alcançados, isto ante a flagrante inoperância administrativa observada nos portos brasileiros, sendo que muitos são os motivos: passivos trabalhistas, falta de dragagem (retirada de entulhos de rios e do mar), problemas de vias de acesso (ausência das chamadas vias perimetrais) [2], congestionamentos de trens e caminhões, além de aspectos gerenciais [3]. (grifo nosso)
Segundo estudos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os problemas portuários geram prejuízos acima de US$ 1 bilhão (dado relativo ao ano de 2004) [4], colocando em xeque o atual modelo de gerenciamento portuário, por conseqüência, emergindo a necessidade de reestruturar o sistema, a fim de corrigir as falhas ora existentes.
II – O SISTEMA PORTUÁRIO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Conforme a inteligência do artigo 21, inciso XII, “f” da Carta Magna, a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres é competência exclusiva da União, cabendo a esta gerir e executar, direta ou indiretamente, as atividades portuárias no país.
Em outras palavras, a União, por meio das Companhias Docas ou suas concessionárias, estabelece as diretrizes nacionais para a implementação de equipamentos e demais mecanismos necessários para dar suporte a estrutura portuária no Brasil.
Sendo que, seu poder decisório é reforçado pelo inciso “X” do artigo 22 da Constituição Federal, cujo teor conferiu privativamente à União legislar sobre o regime dos portos. Resta evidente que, a Constituição de 1988, no intuito de resguardar os interesses nacionais, reservou à União uma enorme gama de matérias, tornando os demais entes federativos reféns de determinados assuntos, dentre os quais se destaca a gestão portuária.
Tal circunstância dá ensejo à calorosa discussão acerca da regionalização dos portos brasileiros. Para muitos um mero artifício eleitoral, ante a fragilidade econômica dos municípios portuários, para outros, a solução dos problemas operacionais experimentados nos últimos anos.
Conforme é cediço, a atual situação dos portos brasileiros expõe o flagrante descompasso entre os dispositivos constitucionais que norteiam o tema e a realidade do nosso modelo de gestão portuária, senão vejamos.
Ao atribuir competência exclusiva à União para gerir os portos brasileiros, a Carta Magna, indevidamente, desconsidera a participação dos demais entes federativos na atividade portuária, uma vez que as administrações locais, por razões óbvias, possuem amplo conhecimento dos problemas enfrentados diariamente pelos mesmos.
Ora, nos parece absolutamente ilógico que se atribua “competência absoluta” à União para gerir e legislar sobre matérias inerentes a assuntos portuários, já que em um sistema federativo, cujo maior propósito é a descentralização dos poderes, é inaceitável a marginalização dos estados e municípios portuários nas decisões que envolvem não apenas o porto, mas toda uma região.
Afinal, a estrutura geográfica e os problemas econômicos enfrentados pela administração portuária em Santos são substancialmente distintos daqueles enfrentados, por exemplo, pelo porto de Recife, exigindo análises individualizadas e a participação efetiva de todos os municípios que, de um modo ou outro, sofrem os influxos da atividade portuária local.
No momento que tanto se discute a possível convocação de uma assembléia nacional constituinte, por que não incluir na pauta a questão da reforma portuária? É certo que isto provocaria profundas mudanças na sistemática constitucional, todavia não esbarraria na vedação do inciso I, parágrafo 4º, do artigo 60 da Carta Magna, eis que não implicaria qualquer alteração capaz de abolir a forma federativa de Estado.
Assim, para equacionar os problemas de gestão portuária, é necessário alterar os dispositivos constitucionais que disciplinam o tema, de modo a atribuir aos Estados-Membros e seus respectivos Municípios a tarefa de administrar os portos brasileiros e, por derradeiro, tornar concorrente a competência para legislar sobre o regime dos portos.
Desta maneira, caberia a União tão somente editar normas gerais, proporcionando aos Estados-membros liberdade legislativa para adequar tais normas às necessidades de cada região portuária. Por sua vez, os Municípios ganhariam um forte aliado, já que poderiam solucionar os problemas portuários de modo mais célere, em função da maior proximidade com os governos estaduais.
Com o objetivo de fortalecer o coeficiente econômico da região portuária, faz-se mister a criação do “Fundo de Participação dos Municípios Portuários”, transferindo a estes uma parcela do produto da arrecadação do IPI, II e IE assegurando autonomia necessária para gerir com eficiência os portos brasileiros.
Para corroborar com o acima exposto, o economista Sander Lacerda, afirma que a China possui o modelo de gestão portuária mais adequado para o Brasil, eis que, in verbis:
“A eficiência dos portos chineses se deve, em grande parte, à regionalização da administração portuária, com grande participação dos governos locais e da iniciativa privada nos investimentos para assegurar competitividade e qualidade dos portos. [5] ”
Em outras palavras, o sucesso do modelo de gestão portuária na China é fruto da descentralização das decisões portuárias, cujo motor é o aproveitamento do know-how político e logístico das administrações locais e setores da iniciativa privada. O resultado é extremamente positivo, projetando, definitivamente, o país asiático no cenário internacional.
Apesar da viabilidade constitucional e estrutural, as descritas mudanças, em nosso modelo de gestão portuária, demandam longo prazo, face à necessidade de novas discussões, planejamentos estratégicos e estudos econômicos acerca do tema, inviabilizando, por hora, as alterações nos dispositivos constitucionais em tela.
Contudo, as falhas operacionais no sistema portuário podem ser minimizadas até a apreciação definitiva de um novo modelo de gestão portuária. A seguir serão discorridas algumas considerações acerca da celebração dos convênios entre entes federativos.
III – A CRIAÇÃO DE CONVÊNIOS PARA A GESTÃO ASSOCIADA DOS PORTOS
A Lei nº 9.277/96 facultou a União delegar aos demais entes federativos a administração e exploração de rodovias e portos federais, representando, a priori, uma alternativa efetiva para um melhor gerenciamento portuário.
Neste ínterim, faz-se mister levar a efeito o disposto no artigo 2º do diploma legal em análise, in verbis:
Art. 2º – Fica a União igualmente autorizada, nos termos desta Lei, a delegar a exploração de portos sob sua responsabilidade ou sob a responsabilidade das empresas por ela direta ou indiretamente controladas. (grifo nosso)
Não obstante, objetivando regulamentar as disposições expressas no artigo supracitado, surge o Decreto nº 2.184/97 determinando, in verbis:
Art. 1º – A União, por intermédio do Ministério dos Transportes, poderá delegar aos Municípios ou Estados da Federação, mediante convênio, a exploração de portos situados nos territórios respectivos que se encontram em operação sob sua responsabilidade ou de entidades federais, nos termos deste Decreto. (Grifo nosso)
Art. 2º – Poderá ser delegada aos Municípios ou aos Estados a exploração dos portos que:
I – estejam subordinados a empresas federais;
II – sejam instalações portuárias rudimentares;
III – já estejam delegadas ou concedidas a Estados e Municípios.
Art. 3º – omissis
Art.4º – omissis
Art. 5º – omissis
Parágrafo único. Os portos descentralizados com base no Decreto nº 2.088, de 4 de dezembro de 1996, às Companhias Docas ou a Estados e Municípios permanecerão sob à administração e responsabilidade destas entidades até a data de sua efetiva delegação ou ao termo final do prazo de vigência do citado Decreto. (Grifo nosso)
Da leitura dos dispositivos acima transcritos, depreende-se que o Decreto 2.184/97 não atingiu sua plenitude, sequer explicitou, com a devida vênia, a delegação da exploração dos portos aos Estados e Municípios, senão vejamos.
Compulsando o teor do artigo 2º, inciso II do aludido Decreto, vislumbra-se, data maxima venia, a absoluta impropriedade de sua redação, uma vez que o descrito inciso condiciona a supracitada delegação a portos que possuam instalações rudimentares. Mas afinal, o que se entende por instalações portuárias rudimentares?
Face o aduzido, no proêmio, boa parte dos portos brasileiros enfrenta graves dificuldades estruturais e operacionais, desde a notória ineficácia administrativa até os problemas inerentes a infra-estrutura portuária (ausência de vias perimetrais, ferrovias em absoluto estado de abandono, inexistência de terminais de passageiros dotados de acomodações apropriadas para receber os turistas, etc). Desta maneira, se levado a efeito o disposto no artigo em comento, 80% dos portos brasileiros já estariam nas mãos dos Estados e Municípios, posto que muitos destes, ainda carecem de maiores investimentos em sua infra-estrutura e instalações.
Desde então, sucessivas Resoluções foram emitidas e, ao invés de aperfeiçoar as disposições sobre os convênios, trouxeram novos entraves burocráticos, obstando, por conseqüência, a criação de mecanismos capazes de possibilitar a efetiva descentralização das decisões portuárias.
Atualmente, existe um número considerável de delegações e concessões para a exploração dos portos brasileiros, refletindo o interesse dos Estados, Municípios e entidades privadas em participar mais ativamente da “vida portuária nacional”. No entanto, as atuais disposições legais sobre o tema frustram a expectativa de um novo cenário nos portos brasileiros, tanto é verdade que, nem mesmo a celebração destes convênios foi capaz de equacionar os problemas portuários.
Considerando a premissa acima, abstrai-se a necessidade de uma nova regulamentação acerca destes convênios, estabelecendo requisitos de formação e cooperação entre entes federativos, de modo a permitir gestões portuárias cada vez mais eficientes.
Neste diapasão, devemos levar a efeito os apontamentos contidos no relatório do GEIPOT [6] sobre a reforma portuária brasileira, in verbis:
“A delegação de um porto público, feita através de convênio entre o governo federal e o governo estadual ou municipal, explicitará a continuidade da implantação do Programa de Privatização, mantendo como Autoridade Portuária uma administração pública, estadual ou municipal.
(…)
O objetivo é encorajar as Administrações a agirem baseadas em princípios e posturas comerciais, proporcionando e exigindo a flexibilidade necessária para acompanhar as mudanças constantes do mercado de cargas, com o atendimento voltado para o cliente. Além disso, deverão ser eficazes e criativas, capazes de aumentar suas receitas, por desempenho operacional e comercial e por agregação de novas fontes de financiamento, cujo resultado lhes garanta uma autonomia financeira necessária.”
Os convênios, por representarem um somatório de forças entre os setores público e privado, são capazes de otimizar a política de modernização dos portos, tendo em vista que as administrações regionais ganhariam considerável autonomia para a implementação das obras necessárias à melhoria da infra-estrutura portuária.
Tomemos, por exemplo, a região metropolitana da baixada santista, cujo porto é responsável por 55% da renda nacional, sendo portanto o mais importante complexo portuário da América do Sul [7]. A celebração de um convênio entre as prefeituras locais e o governo federal, certamente propiciará considerável avanço no sistema portuário local, eis que as decisões seriam tomadas por pessoas próximas ao dia-a-dia do complexo portuário, bem como proporcionará respaldo financeiro suficiente para a execução de suas atividades essenciais.
Ademais, os aludidos convênios servem como parâmetro para a implementação de um novo e definitivo modelo de gestão portuária, com a regionalização dos portos, incentivando à participação das empresas privadas nas atividades portuárias e o fortalecimento financeiro e administrativo destes Municípios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, observa-se que nosso modelo de gestão portuária afigura-se deveras ultrapassado e incapaz de reagir as atuais adversidades, apresentando falhas que nem mesmo a Lei nº 8.630/93 foi capaz de equacionar.
De modo que, a centralização das decisões portuárias representa o maior obstáculo para o desenvolvimento dos portos brasileiros, eis que a Constituição Federal outorga à União ”competência absoluta” para gerir e legislar sobre a matéria. Assim, as administrações regionais ficam inertes, ante a despropositada distribuição de competência, obstando a introdução de um modelo de gerenciamento homogêneo, com a efetiva participação dos governos locais.
Acreditamos que somente uma reforma constitucional será capaz de colocar termo aos descritos problemas na administração portuária, no entanto, reconhecemos a necessidade de estudos mais aprofundados sobre o tema, demandando, por óbvio, alguns anos para a sua efetiva implementação.
Contudo, tais problemas de gerenciamento podem ser atenuados a curto prazo, com o aperfeiçoamento das normas sobre convênios entre entes federativos destinados à exploração dos portos. Isto porque a celebração dos descritos convênios permite uma visão macroestrutural, o que possibilita a adoção de medidas eficazes e o fortalecimento econômico do nosso sistema portuário, devido a união de esforços entre os governos e as empresas privadas.
Portanto, resta evidente a necessidade de mudanças no atual sistema de gerenciamento portuário, de modo a fortalecer a estrutura dos portos e, conseqüentemente, assegurar a competitividade do país frente ao pujante mercado do leste asiático. Do contrário, estaremos, eternamente, fadados ao histórico rótulo de “país do futuro”.
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