Reflexões sobre a Emenda Constitucional 64/2010

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Resumo: O presente artigo versa sobre a inclusão do direito a alimentação no rol dos direitos sociais elencados no artigo 6º da Constituição Federal do Brasil.


Palavras Chaves: Direito Constitucional. Direitos Sociais. Alimentação


Abstract: This paper focuses on the inclusion of the right to food in the list of social rights listed ins Article 6 of the Constitution of Brazil


Keyword: Constitutional Law. Social Rights. Food


Um dos fundamentos do Estado brasileiro, e assegurar aos seus cidadãos a sua dignidade como pessoa humana.


Pode-se afirmar que garantir a dignidade da pessoa humana é assegurar ao ser humano direitos básicos e elementares, para que a pessoa não apenas tenha condições de sobreviver, mas sim de ter uma vida digna, ou seja, que possa viver em condições satisfatórias, devendo o Estado para tanto assegurar a todos os direitos fundamentais elencados ou não na Carta Política.


Entre os direitos fundamentais, temos os chamados direitos fundamentais de segunda geração que são os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos, tendo estrita relação com o Princípio da Igualdade.


O renomado doutrinador Alexandre de Moraes, conceitua direitos sociais como direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como “liberdades positivas”, obrigatoriamente observadas em um Estado Social de Direito, com a finalidade de melhorar as condições de vida dos que não possuem recursos econômicos suficientes para se sustentar, com o fim de se obter a igualdade social.  


Os direitos sociais seriam conexos ao direito de igualdade e valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais propícias para se atingir a igualdade real, proporcionando condições mais compatíveis com o exercício efetivo da liberdade. Eles equivalem a uma prestação positiva do Estado para os indivíduos menos favorecidos, com a finalidade principal de assegurar a tais pessoas uma condição de vida digna, sendo certo que o legislador originário consolidou os direitos sociais, fundamentando-se nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa  (art. 1.º, IV ) de forma a proporcionar o bem-estar e a justiça social à sociedade.


O artigo 6ª da Carta Política brasileira, assegurava até recentemente o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, e à assistência aos desamparados e com a promulgação da Emenda 64, em fevereiro de 2010, também passou-se a assegurar o direito a alimentação, pois tal emenda introduziu a alimentação como direito social, e desde então o artigo 6ª da Constituição Federal, passou a vigorar com a seguinte redação:


“Art. 6º CF – “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”


Em uma analise simplista, poderíamos concluir que  a inclusão do direito a alimentação no rol dos direitos sociais, em nada modifica a garantia aos direitos sociais, pois a alimentação é uma das condições do ser humana para que possa viver, logo não haveria necessidade de incluir o termo alimentação, vez que a Constituição já assegurava, como de fato assegura o direito a vida.


No entanto, acreditamos que com a inclusão do direito a alimentação no rol dos direitos elencados no artigo 6º da Constituição Federal, trará para os cidadãos brasileiros melhores condições de vida, pois a partir da inclusão do direito a alimentação como um dos direitos sociais, o Estado torna-se obrigado, a assegurar a todos, não somente o direito a alimentação, mas sim a uma alimentação com qualidade.


Oras, sabemos que para que o ser humano possa viver há apenas a necessidade da ingestão de alimentos e que muitos brasileiros com a finalidade de sobreviver se alimentam apenas com a finalidade de manterem-se vivos, face a falta de recursos financeiros para a aquisição de alimentos que lhe garantiriam não apenas a vida, mas uma alimentação saudável.


Entende-se por alimentação saudável, a pratica de uma dieta composta de proteínas, carboidratos, gorduras, fibras, cálcio e outros minerais, e rica em vitaminas, ou seja, com a inclusão do direito a alimentação, todos passam a ter assegurada uma dieta variada, que tenha todos os tipos de alimentos, para que pessoas adultas mantenham o peso ideal e condições saudaveis e para que as crianças se desenvolvam bem e intelectualmente, como bem mencionado no artigo “A fome no Brasil: o que se diz, o que se fez, o que fazer”,  de João Bosco Bezerra Bonfim, in verbis:


“…As comunidades científicas, que já resolveram com tanto brilho problemas bastante complexos, sentem-se envergonhadas por terem sido incapazes de formular meios para acabar com a fome.


Mas que fome é essa, de que se fala, e que é tão mobilizadora? É a “fome oculta, na qual, pela falta permanente de determinados elementos nutritivos, em seus regimes habituais, grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias”.


Nesse ponto, oportuno destacar, que antes da promulgação da Emenda 64, já havia preocupação quanto as condições alimentares dos cidadãos brasileiros, sendo que podemos elencar as seguintes medidas que foram tomadas ao longo dos anos, conforme relação constante no no artigo “A fome no Brasil: o que se diz, o que se fez, o que fazer”,  de João Bosco Bezerra Bonfim:


“…– 1940: é criado o Serviço de Alimentação e Previdência Social (SAPS), para atender aos segurados da previdência, selecionar produtos e baratear preços; instalar e manter restaurantes para trabalhadores; fornecer alimentos básicos a trabalhadores;


–1943: é criado o Serviço Técnico de Alimentação Social, para propor medidas para a melhoria alimentar;


–1945: surge a Comissão Nacional de Alimentação – CNA, com a missão de propor uma política nacional de nutrição;


–1946: o governo brasileiro solicita ajuda ao recém-criado Unicef para buscar soluções para a alimentação das crianças brasileiras;


–1950: com o aumento das exportações de carne bovina para os EUA, sobem os preços da carne no Brasil;


– 1952: um inquérito sobre os gastos com alimentação revela que a classe operária empregava de 40% a 52% de seus gastos com alimentação, em algumas capitais;


–1954: é criado o programa nacional de alimentação escolar;


–1954: o Congresso Americano aprova a “Lei do Alimento para a Paz”, que destina alimentos para países como o Brasil, motivado pelos efeitos da revolução cubana;


–1962: criados sistemas de armazenamento: Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal), Comissão de Financiamento da Produção (CFP) e Companhia Brasileira de Armazenagem (Cibrazen), vários órgãos com funções superpostas e ineficazes para combater os problemas de alimentação dos brasileiros: no Sul, as grandes companhias se dedicam à agricultura de exportação, protegida por subsídios e política cambial favorável; no Nordeste, os atravessadores dominavam o mercado;


– 1964: militares recorrem à USAID para reativar o programa de alimentação escolar; firmam compromissos com companhias de alimentação processada;


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– 1967: extinto o SAPS – Serviço de Alimentação e Previdência Social, que tinha alto poder de mobilização social;


– 1972: criado o INAN – Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, para elaborar política nacional de alimentação e nutrição;


– 1973 e 1974 criados o I e o II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição, para alimentar os grupos materno-infantis, escolares e trabalhadores;


– 1974: promovido o Estudo de Defesa Familiar, o qual detecta que somente 32% da


população brasileira se alimenta adequadamente;


– 1984 a 1988 (Nova República): funcionam cinco programas de alimentação: Programa de Alimentação Popular (PAP), Programa Nacional do Leite (PNL), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa de Nutrição e Saúde e Programa de Complementação Alimentar (PCA). Não obstante terem aumentado a distribuição de alimentos e terem incluído associações de moradores na distribuição, tais programas serviram mais a propósitos clientelistas, em que predomina a noção de favor, não favorecendo a cidadania (Barreto 1988: passim).


– 1991 a 1993: O Governo Collor encarrega-se de desestruturar os órgãos de abastecimento que, se não atendiam a uma política de distribuição de alimentos, pelo menos significavam uma “presença” do governo no setor (Barreto 1988: passim).


Recentes intervenções: de “fome” para “segurança alimentar”


– 1993: o Presidente Itamar Franco declara o combate à fome como prioridade absoluta. É uma proposta de política nacional de segurança alimentar: mapeamento da fome no País (Mapa da Fome), elaboração de um Plano de Combate à Fome e à Miséria e a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA)…”


Outrossim, em 2003, houve a promulgação da Lei 10.689, que criou o Programa Nacional de Acesso a Alimentação – PNAA, onde já se previa a garantia de acesso a alimentação diariamente, em quantidade suficiente e com qualidade necessária, porém o direito era assegurado em caráter temporário. Oportuna a transcrição de trecho da referida norma:


Lei 10.689/2003 – “…Art. 1o Fica criado o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA, vinculado às ações dirigidas ao combate à fome e à promoção da segurança alimentar e nutricional.


§ 1o Considera-se segurança alimentar e nutricional a garantia da pessoa humana ao acesso à alimentação todos os dias, em quantidade suficiente e com a qualidade necessária.


Art. 4o A concessão do benefício do PNAA tem caráter temporário e não gera direito adquirido.”


Ademais, meses antes da elevação ao direito a alimentação como um direito constitucional, foi instituido o Dia Nacional da Alimentação (através da Lei 12.077/09), que passou a ser comemorado no dia 16 de outubro, com o intuito de mobilizar o poder publico e conscientizar a sociedade brasileira da importância do combate à fome e à desnutrição. Oportuna a transcrição de trecho da referida norma:


Lei 12.077/2009 – “…Art. 1o  O dia 16 de outubro fica instituído como o Dia Nacional da Alimentação, a ser comemorado anualmente, com o objetivo de mobilizar o poder público e conscientizar a sociedade brasileira da importância do combate à fome e à desnutrição.


Art. 2o  Os órgãos públicos responsáveis pelas políticas de combate à fome e à desnutrição ficam autorizados a desenvolver atividades educativas e de estímulo à participação social na semana que contiver o mencionado dia….”


Desta feita, a previsão da alimentação como um direito social na Constituição Federal possui  relevante conquista no que concerne aos direitos sociais, pois a partir do momento que a alimentação passa a ser um direito social, assegurado pela Constituição Federal e não mais apenas por Lei Federal, a preocupação com uma boa alimentação deve fazer parte de todo programa de saúde pública dos governos federal, estadual e municipal, ou seja, o Estado brasileiro não mais poderá  ficar inerte e terá que buscar formas de garantir que todos tenham uma correta alimentação.


 


Bibliografia

CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José. 1.000 perguntas e respostas de direito constitucional. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 174 p.

MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 15ª edição, SP: Atlas, 2004, p. 203

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. rev., ampl. de acordo com a nova Constituição. São Paulo: Malheiros, 1992. 768 p.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988

BONFIM, João Bosco Bezerra , A fome no Brasil: o que se diz, o que se fez, o que fazer”,  obtido no site do Senado (http://www.senado.gov.br/conleg/artigos/especiais/afomenobrasil.pdf)

Guia de suplementação vitamínica. Consenso do Departamento de Nutrição de Harvard. Atualizado em maio de 2008, adaptado para português pelo site www.saudedofuturo.com.br


Informações Sobre o Autor

Jose Eduardo Parlato Fonseca Vaz

Informações sobre sua principal atividade profissional e graus acadêmicos : advogado militante em São Paulo e consultor juríidco, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie, mestrando em Direito Constitucional pelo Centro Universitário FIEO.


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