Reflexões sobre as decisões judiciais e a instituição da súmula vinculante

Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito e Natureza Jurídica da Sentença; 3. Do Livre Convencimento do Juiz; 4. Da Súmula Vinculante: prós e contras; 5. Considerações sobre a divergência; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.

Resumo:[1] A solução dos conflitos requer do juiz a formação de seu convencimento sobre os fatos e o direito aplicável, ou seja, sua convicção jurídica dos fatos postos no processo. Neste sentido, a função jurisdicional além de descobrir a norma que deverá regular o caso concreto, deverá efetivar o conteúdo desta. Há de se observar, contudo, que a ordem social deve oferecer estabilidade e alguma previsibilidade para os jurisdicionados. Assim, a imposição da súmula vinculante suscita reflexões acerca da problemática da demora da prestação jurisdicional frente à garantia de uma prestação jurisdicional mais célere, eficiente e que ofereça segurança.

Palavras-chave: Sentença. Súmula vinculante.

1. INTRODUÇÃO

O principal ponto da chamada Reforma do Judiciário, imposta pela Emenda Constitucional de nº45, foi certamente a instituição da denominada súmula vinculante, prevista expressamente no texto constitucional em seu artigo 103-A e parágrafos.

Conforme o dispositivo constitucional acima citado o Supremo Tribunal Federal poderá aprovar, depois de decisões reiteradas acerca de matéria constitucional, súmula que terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública.

Todavia, não obstante o esforço do legislador em buscar alternativas com o objetivo de tornar o Poder Judiciário mais ágil no julgamento das ações judiciais, a questão ainda é polêmica, proporcionando intensos debates entre aqueles que são favoráveis aos seus propósitos e os que a consideram como um instituto que viola o princípio da separação dos poderes, do livre convencimento do juiz, dentre outros.

Definindo sentença e abordando os diversos enfoques da súmula vinculante, o presente artigo busca incitar reflexões sobre a contrariedade entre a segurança e celeridade processual e a liberdade para o exercício da atividade jurisdicional.

2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA

A palavra sentença vem do latim sententia, sentiendo, gerúndio do verbo sentire, isto é, que revela o sentimento. Portanto, é por meio da sentença que o juiz exterioriza aquilo que sente, que declara o seu convencimento, que expõe a sua convicção.

Dessa maneira, uma vez que o Estado avoca o poder de criar o ordenamento jurídico, de interpretá-lo e de executá-lo, não resta dúvida que a sentença traduz a ação do Estado, através do Judiciário, em seu dever de prestação jurisdicional, ou seja, a sentença é o ato pelo qual o Juiz soluciona a controvérsia que é submetida à sua apreciação, de modo que toda a existentia fluens da relação jurídica segue para a sentença, com o fim de realização do seu conteúdo (Miranda, 1998, p. 169).

Nesse sentido, Liebman[2] entende que a função jurisdicional é composta por duas espécies de atividade, quais sejam, a de descobrir e criar a regra jurídica concreta que deve regular o caso e a de dar efetividade ao conteúdo da regra que foi criada e que o juiz estabeleceu como disciplinadora do caso concreto.

Giuseppe Chiovenda assim entende:

“A sentença, em geral, é a provisão do juiz que, recebendo ou rejeitando a demanda do autor, afirma a existência ou inexistência de uma vontade concreta de lei que lhe garanta um bem ou respectivamente a inexistência ou existência de uma vontade de lei que garanta um bem ao réu” (1998, p. 198).

Humberto Theodoro Júnior apud Pontes de Miranda[3] acrescenta que a sentença “é emitida como prestação do Estado em virtude da obrigação assumida na relação jurídica processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a juízo, isto é, exercerem a pretensão à tutela jurídica”.

A decisão sentencial pode ser tomada em sentido lato ou em sentido estrito. Em sentido estrito, a sentença é a solução dada pelo Juiz ao mérito do feito. Em sentido lato, abrange, de um modo geral, os atos decisórios do Juiz.

Quanto à natureza da sentença são identificadas duas correntes muito nítidas. A primeira afirma que a sentença é simplesmente um ato lógico, de dedução silogística; a segunda que a sentença é um ato de vontade do juiz, exercício de poder, criação normativa.

A primeira corrente atribui à sentença apenas um ato de inteligência, já que na sua formação o Juiz apenas desenvolve um trabalho lógico de crítica dos fatos e do direito para a consecução de sua decisão, ou seja, a sentença seria mera subsunção do fato à lei e o juiz seria o interlocutor dos mandamentos legais. Assim, tal corrente defende que a sentença, fornecida pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional que é detentor da imperatividade, é mero silogismo.

Já a segunda corrente ensina que a sentença é a afirmação da vontade da lei, aplicada ao caso concreto, ou seja, a lei possui uma vontade, uma ordem, um imperativo, porém é o Juiz que irá aplicá-los ao caso concreto. Há, portanto, na sentença a afirmação, de modo concreto, da vontade contida na lei. Em síntese, o preceito contido na sentença nada mais é que a afirmação da vontade da lei, revelada pelo Juiz, como órgão do Estado, logo, ao aplicar a lei o Juiz lança um comando que qualifica a sentença e se traduz como um ato de vontade, de vontade do Juiz, como órgão do Estado.

Sem qualquer dúvida, o julgador, ao proferir o seu julgamento, revela o seu sentimento em relação aos fatos e ao direito apontados no processo, daí dizer-se que a sentença contém um juízo de convencimento, desenvolvido através de uma operação de caráter ideológico e intelectual, conforme uma gama de valores consubstanciados no ordenamento jurídico e no senso pessoal do julgador, de modo que a solução que por ele é dada se lhe apresenta conformada ao direito e à justiça.

Aliás, é por isso que a sentença é um fato jurídico e um ato de vontade, no qual o juiz evidencia o seu intelecto e a sua sensibilidade diante da situação perante ele interposta. Nasce, assim, a dicotomia formada entre o realismo e o formalismo jurídico.

Ora, a sentença, como ato de vontade, sofre inúmeras influências, como qualquer outro ato de vontade humana, redundando num preceito carregado de elementos subjetivos, tais como a formação religiosa, social e cultural. Evidentemente, tais elementos não se sobrepõem à própria lei, ou seja, não podem criar uma nova lei ou modificar a que já existe.

3. DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ

Vigora no sistema jurídico nacionalmente adotado o Princípio do Livre Convencimento do Juiz, segundo o qual o juiz tem liberdade para dar a determinado feito a solução que lhe pareça mais adequada, conforme o seu convencimento, obedecendo, evidentemente, os limites impostos pela lei e pela Constituição e fundamentando sua decisão.

Este princípio impõe que a solução dos litígios seja dada caso a caso pelo magistrado, conforme seu convencimento, sem limitações ou rígidos ditames legais, ou seja, o juiz tem ampla possibilidade de decidir a lide conforme o seu convencimento, valorando as provas e interpretando o ordenamento jurídico com liberdade, sempre buscando os fins perseguidos pela norma jurídica e observando os princípios do direito constitucionalmente consagrados.

Também chamado de princípio da persuasão racional do juiz, tal princípio situa-se entre o sistema de prova legal e o do julgamento secundum conscientiam.

O sistema de prova legal era utilizado no antigo processo germânico em que a prova representava uma invocação a Deus, cuja função do juiz limitava-se a auxiliar as partes a decisão divina. Tal sistema vigeu na Europa, no direito romano-canônico e no comum, conferindo aos elementos de prova valor imutável e prefixado, devendo o juiz apenas aplicá-los mecanicamente. Já o julgamento secundum conscientiam diz respeito ao poder de decidir não somente conforme as provas contidas nos autos, mas também sem que haja provas ou até contra as provas carreadas. Este sistema é percebido no tribunal do júri, cuja composição se faz por juízes populares (Cintra, 1997, p. 67).

Contudo, a partir do século XVI teve início a adoção do sistema intermediário do livre convencimento do juiz, cuja consolidação se deu efetivamente com a Revolução Francesa, haja vista que um decreto da Assembléia Constituinte de 1791 determinava aos jurados que julgassem “suivant votre conscience et votre intime conviction” e o código napoleônico de processo civil implicitamente acolheu o mesmo princípio (Cintra, 1997, p. 67).

No Brasil adota-se o princípio do livre convencimento do juiz, cujos julgamentos estão vinculados às prova e aos elementos existentes nos autos (quod nos est in actis non est in mundo), porém não há fórmulas aritméticas ou sistemas lógicos de presunções como no sistema da prova legal, ou seja, o juiz deve decidir com base nos elementos existentes no processo, muito embora avalie tais elementos conforme seus critérios críticos e racionais.

Pode-se afirmar que a liberdade hermenêutica do julgador constitui verdadeiro corolário do devido processo legal, constitucionalmente consagrado.

Destarte, nada deve cercear o julgador de lançar mão de todos os métodos hermenêuticos necessários à solução da lide, para a concreção do direito. Nem mesmo a lei ou a jurisprudência.

Portanto, os julgamentos são proferidos de acordo com os critérios críticos e racionais do juiz com esteio na lei e nos elementos trazidos para os autos.

4. DA SÚMULA VINCULANTE: PRÓS E CONTRAS

A súmula vinculante foi instituída com a promulgação da emenda constitucional de nº45, através da inclusão do artigo 103-A na Constituição da República, in verbis:

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”

O propósito da súmula vinculante é o de evitar a divergência nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário ou entre estes e os órgãos da administração pública, com relação às matérias de cunho constitucional que já foram decididas e albergadas em súmulas pelo Supremo Tribunal Federal, dando maior celeridade ao andamento dos processos e evitando a sobrecarga de demandas repetitivas.

Ronaldo Rebello de Britto Poletti[4] esclarece que tal instituto foi inspirado num preceito do sistema legal da Common Law, qual seja, do stare decisis et quieta muovere. Contudo, por tal regra do direito anglo-saxônico o efeito vinculante das decisões judiciais advém da fundamentação das decisões (ratio decidendi) e não de sua conclusão. Aliás, tal instituto é indubitavelmente afeito à Common Law, haja vista que sua principal característica é a valorização da jurisprudência em relação às leis estatutárias, ao contrário do nosso sistema jurídico.

No direito brasileiro, Alfredo Buzaid propôs em seu anteprojeto do Código de Processo Civil (artigos 516/520) a possibilidade de supressão de recursos com o fim de uniformizar a jurisprudência dos tribunais, podendo qualquer ministro, quando antevisse uma divergência de julgamentos ou quando já houvesse interpretação divergente entre os tribunais sobre a decisão recorrida, solicitar a manifestação prévia do tribunal sobre a interpretação de determinado preceito da Constituição ou de lei federal. Assim, constatada a divergência, o tribunal, por decisão da maioria de seus membros, adotaria uma interpretação que seria obrigatória enquanto não modificada por outro acórdão. Empós, o presidente do tribunal baixaria um assento com força de lei.

O Código de Processo Civil que entrou em vigor em 1974 manteve tal desiderato retirando, no entanto, a possibilidade do assento obrigatório. Assim, a uniformização da jurisprudência já é prevista nos artigos 476 e seguintes do Código de Processo Civil. Contudo, o adjetivo “vinculante” torna a uniformização obrigatória, ou seja, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal deverá ser obedecida por juízes e tribunais, bem como pela administração pública, em caráter impositivo, cogente.

Por sua vez, a súmula de jurisprudência já existe no Supremo Tribunal Federal desde 1963 (mas, entrou em vigor apenas em 1964) quando o Ministro Victor Nunes Leal, então relator da Comissão de Jurisprudência, a instituiu.

Alguns doutrinadores defendem a súmula vinculante utilizando o argumento de que tal imposição proporcionará rapidez no trâmite processual, obstando a interposição de recursos protelatórios, que só servem para adiar a resolução da demanda.

Para eles a súmula vinculante assegura às partes tratamento isonômico em situações idênticas e proporciona maior eficácia às decisões judiciárias, bem como não cerceia a formação espontânea da jurisprudência, haja vista que a sua aplicação será restrita às causas que são repetitivas.

Argumentam ainda que a partir do primeiro reexame, a impugnação das decisões judiciais limita-se às questões de direito e é nesse sentido que se situa a competência dos tribunais superiores, qual seja, controlar os erros e a diversidade de interpretação das normas gerais estabelecidas no ordenamento.

Ademais, já foi promulgada a Lei nº11.417/06 que prevê a edição, a revisão e o cancelamento da súmula vinculante, de modo que tal dispositivo legal proporciona o afastamento (supressão) do entendimento sumular de caráter impositivo, assim como confere efeito vinculante à súmula já editada.

Também lembram tais defensores que embora haja expressa previsão da responsabilidade civil, administrativa e criminal dos órgãos da administração pública que não observem o entendimento exarado na súmula vinculante, o juiz ou tribunal poderá julgar contrariamente à súmula vinculante, pois não há previsão de qualquer penalidade para tais casos.

Contudo, a Constituição Federal prevê a possibilidade de interposição, por parte de qualquer cidadão, de reclamação perante a suprema corte, como instrumento hábil para anular ou cassar o ato administrativo ou a decisão judicial que estiver contrária ao entendimento constante na súmula vinculante.

Em que pese o entendimento acima exposto, há quem argumente que o instituto da súmula vinculante engessa o Judiciário e cerceia a independência dos juízes inferiores, concentrando poder no STF. Aliás, a imposição de um único entendimento suprime até mesmo o princípio democrático e a liberdade de expressão.

Ora, uma das características mais fundamentais do direito é possibilidade de sua interpretação e a imposição de um único entendimento impede qualquer outra interpretação do direito.

Desse modo, o livre convencimento do magistrado será literalmente tolhido, uma vez que a vinculação ao entendimento da corte superior obstruirá a liberdade do juiz de decidir conforme as suas convicções.

Assim sendo, a súmula vinculante proporciona o surgimento de um direito estritamente judicial, sufragando o julgamento conforme os precedentes e não conforme a lei. Se a lei é anterior à sentença, não se pode impor o contrário.

Acrescente-se ainda que a súmula vinculante ofende também o princípio da Separação dos Poderes (art. 2º, da CF), haja vista que transforma o Supremo Tribunal Federal em legislador, função inconciliável com a do magistrado, que é de agente político.

Como se sabe, apenas ao Congresso Nacional foi dado o poder de legislar, consoante o artigo 1º, § único, combinado com o artigo 14 da Constituição Federal.

Além do mais, a instituição da súmula vinculante foi provocada pela necessidade dos tribunais superiores de darem vazão ao progressivo número de processos que lhes chegam, bem como de proferirem julgamento com maior celeridade, forçando os juízes e tribunais inferiores a decidirem analogamente.

Todavia, a grande maioria dos processos judiciais que chegam aos tribunais superiores tem como parte um dos órgãos da administração pública (seja como autor, seja como réu) e cujas decisões anteriores foram contrárias a tais órgãos, pelo que estes continuaram procrastinando o feito através da propositura de recursos infundados, intensificando a demanda dos tribunais. Ora, se a administração pública é a maior responsável pelo excesso de pleitos a serem decididos pelos tribunais, nada mais lógico que ela própria não interponha recursos manifestamente protelatórios.

Portanto, é essencial que se pense também em outras medidas que auxiliariam aqueles jurisdicionados que são vitimados com a interposição infinda de recursos flagrantemente infrutíferos por parte da administração pública.

5. CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIVERGÊNCIA

Hodiernamente, tem se tentado modernizar no processo civil a forma de atuação do juiz, a qual mereceu inúmeras reformas voltadas a transformá-la em meio mais célere e seguro.

Na sentença, a valoração que o magistrado dispensa ao aplicar as normas processuais reclama justamente o emprego correto das garantias que são concedidas aos juízes para que estes possam exercer a atividade jurisdicional do Estado.

As reformas instituídas no âmbito do processo civil, sobretudo com a emenda constitucional de número 45, modificaram extremamente essa maneira de atuar do magistrado, na medida em que o juiz está mais comprometido com os princípios e finalidades que envolvem o exercício da atividade jurisdicional do Estado. Aliás, esse compromisso exige do moderno magistrado, paradoxalmente, audácia e abnegação para efetivar as modificações e para perceber que muitas delas exercem influência até mesmo no seu convencimento em relação ao direito que, por definição, ele conhece.

A instituição da súmula vinculante, inegavelmente, além de alterar a forma de enxergar o sistema jurídico pátrio, colocou em contraposição a segurança e celeridade processual e a liberdade para o exercício da atividade jurisdicional.

Não resta dúvida que a súmula vinculante interfere na liberdade de interpretação do ordenamento, alargando sobremaneira as formas de utilização dos precedentes jurisdicionais reiterados.

Além disso, é inolvidável a constatação de que a liberdade de convicção do juiz está diretamente ligada à independência reclamada pelo exercício da atividade jurisdicional. Porém, também não se pode esquecer que é necessário que se ofereça segurança jurídica aos jurisdicionados, sobretudo quando se observa, em um mesmo tribunal, a existência de decisões contrárias em relação a fatos idênticos.

Ora, uma vez que vivemos num Estado Democrático, o princípio da legalidade é que rege todas as ações de todos os agentes públicos e impõe estabilidade jurídica como um valor supremo, ou seja, o controle das decisões de tais agentes é imposto pelo próprio sistema democrático e é esse imperativo que repele a divergência de entendimentos quanto ao mesmo preceito normativo.

É evidente que a lei é a fonte da segurança jurídica, porém, ao ser elaborada pelos representantes do povo, sofre determinadas distorções em razão de inúmeras influências políticas. Assim, é nesse momento que se revela a importância do magistrado, que deverá afastar os desvirtuamentos legislativos, utilizando o método hermenêutico que melhor colabore com a subsunção da norma ao caso, sempre com vistas à realização da justiça.

Ora, como pode haver um tribunal superior sem força vinculante? Teria o tribunal superior a função apenas de julgar os recursos?

Como afirma a corrente favorável à instituição da súmula vinculante, a impugnação das decisões judiciais no âmbito dos tribunais superiores limita-se às questões de direito, daí a necessidade de controlar os erros e a diversidade de interpretação das normas gerais estabelecidas no ordenamento e definir o entendimento a ser aplicado, sem vinculação a casos concretos.

O entendimento sumular com efeito vinculante revela-se uma norma de caráter genérico, porém de natureza interpretativa. Assim, não se sobrepõe à lei, mas com ela se identifica quando resguarda a segurança jurídica e garante a estabilidade das relações jurídicas, ao fixar um entendimento acerca de determinado preceito normativo.

Não se deve esquecer que o Supremo Tribunal Federal, enquanto Tribunal Constitucional, tem como competência o controle ex ante e ex post da constitucionalidade das leis e a interpretação da Constituição, ou seja, o Supremo tem o dever de velar pela supremacia constitucional.  Se o que se põe na súmula vinculante é sempre a determinação de uma interpretação de algum dispositivo constitucional, não há apenas o interesse das partes, mas, sobretudo, a necessidade de defender a autoridade da Constituição Federal e de dar aos jurisdicionados a segurança jurídica que impõe o Estado Democrático.

Por fim, cabe acrescentar sobre o tema as sábias palavras do Professor J. J. Calmon de Passos[5]:

“Talvez só porque, infelizmente, no Brasil pós 1988, se adquiriu a urticária do “autonomismo”, e todo o mundo é comandante e ninguém é soldado, todo o mundo é malho e ninguém é bigorna, todo o mundo tem direito e ninguém tem dever, talvez por isso se tenha tornado tema passional o problema da súmula vinculante. E isso eu percebi muito cedo, quando, falando para juizes federais sobre a irrecusabilidade da força vinculante de algumas decisões de tribunais superiores, um deles, jovem, inteligente, vibrante, me interpelou: “Professor Calmon, onde ficam minha liberdade de consciência e meu sentido de justiça” ? Respondi-lhe, na oportunidade, o que consigno a seguir. Esta mesma pergunta não seria formulável, validamente, pelos que, vencidos, sofrem os efeitos da decisão que lhes repugna o senso moral e lhes mutila a liberdade? Por que os juizes podem nos torturar em nome da justiça a que se dizem obrigados, subjetivamente, e estariam livres de ser torturados por um sistema jurídico capaz de oferecer alguma segurança objetiva aos jurisdicionados? “

6. CONCLUSÃO

É inquestionável que há necessidade de um Judiciário mais ágil e eficiente. As decisões judiciais devem dar credibilidade ao país, demonstrando a segurança jurídica que os investidores precisam e proporcionando a inserção do Brasil na economia mundial, além de pôr fim à imagem de um Judiciário desacreditado.

Contudo, o presente artigo tem por objetivo último provocar a reflexão acerca da problemática da demora da prestação jurisdicional frente às modificações trazidas pela emenda constitucional nº45, haja vista que é de fundamental importância que as relações jurídicas em nosso país sejam tuteladas pela garantia de uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente.

O Poder Judiciário é o responsável pela solução dos conflitos postos à sua apreciação, com o fim de alcançar a paz social, de modo que a desobstrução dos órgãos judiciários e a criação de condições para que eles atendam com presteza deve imperar nos desideratos de qualquer reforma que se intente.

Aliás, mister acrescentar que, lamentavelmente, se constata certo entorpecimento da capacidade crítica daqueles que operam o direito. Os juristas são cada vez mais técnicos e buscam apenas respostas prontas que se adéqüem às suas necessidades, menosprezando a dialética, alma motriz da progressão científica, sobretudo do direito. Portanto, há de se pensar também na valorização da jurisprudência sob o enfoque da dimensão atingida pelos dogmas, uma vez que todo o ambiente jurídico está impregnado de pusilanimidade criativa, apenas repetindo idéias já concebidas, sem atitude intelectualmente investigativa.

Como cidadãos e agentes do Estado, os juízes devem empenhar toda a sua capacidade e as suas energias, com esforço, dedicação e espírito público, para a realização do propósito de melhorar cada vez mais a prestação jurisdicional. Mas, nós também temos, como operadores direito, o dever de dar efetividade ao processo e à jurisdição, compreendendo os institutos processuais a partir de uma visão sistêmica que nos proporcione consciência da responsabilidade do papel social que nos cumpre desempenhar.

 

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Notas:
[1] Artigo Publicado na Revista Diálogo Jurídico, da Faculdade Farias Brito que ciente da necessidade de difusão da (re)construção do conhecimento, reafirma, pela pluralidade do temário deste número e pela necessidade da democratização do saber, o seu compromisso de divulgação e difusão da produção acadêmica de qualidade voltada para o interesse jurídico.
[2] LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. São Paulo: Saraiva, 1946. p. 79-80.
[3] THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 1. p. 457.
[4] Disponível em <http://www.unb.br/fd/colunas_Prof/ronaldo_poletti/poletti_08.htm>. Acesso em: 09 maio. 2007.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Evilazio Marques Ribeiro

 

Consultor, Contador, Industrial, Mediador do Trabalho – ato declaratório n.1 de 06/08/2002 da Delegacia Regional do Trabalho do Ceará. Juiz Arbitral da American Arbitration Association, de N. York, membro da I Câmara de Mediação e Arbitragem do Ceará. Aluno do Curso de Direito da Faculdade Farias Brito, sócio-fundador do escritório RIBEIROS CONSULTORES ASSOCIADOS, diretor da Câmara Brasil-Portugal no Ceará

 


 

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