Resumo: O presente trabalho monográfico tem por objetivo estabelecer algumas ponderações acerca do trabalho, tipo estágio, mecanismo este que proporciona ao estudante seu aperfeiçoamento profissional, de forma a lapidá-lo para o seu futuro ingresso no mercado de trabalho, sendo, considerado, portanto, um importante instrumento na formação e aperfeiçoamento profissional do educando. Contudo, não raramente, tal forma de trabalho é utilizada de forma fraudulenta, como meio de burlar a legislação trabalhista, proporcionando ao empregador uma mão de obra qualificada e de baixo custo, ficando isento este, de arcar com as despesas inerentes à contratação pelo Regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim sendo, verificamos quando o desvio, formal ou material, no desenvolvimento da relação do estágio (ocorrência de estágio ilícito), pode vir a transmutar-se em uma relação empregatícia, sendo considerado o termo de estágio, outrora ratificado, como sendo um contrato de trabalho normal, e, em havendo esta caracterização de relação empregatícia, quais são os efeitos que essa evolução jurídica outorga aos envolvidos, bem como quais são as sanções aplicadas à(s) parte(s) (concedente e instituições de ensino) que incorrerem na prática de um estágio ilícito. Por consecutivo, são mostradas as inovações legislativas trazidas pela Lei do Estágio (Lei 11.788/2008), sendo ponderado o que de positivo e/ou negativo tais modificações legislativas trouxeram ao ordenamento jurídico; são apontados também, os elementos caracterizadores da relação de emprego e os requisitos configuradores da relação de estágio, havendo uma demonstração das similitudes e distinções entre os dois institutos, tais análises têm cruciais importâncias, para o deslinde da até então nebulosa evolução do termo de compromisso (relação de estágio), para um contrato de emprego (relação de emprego). Por fim, são analisadas diversas decisões jurisprudenciais dos Tribunais Laborais Pátrios, sendo esmiuçadas as possibilidades de reconhecimento de vínculo de emprego acatadas pela jurisprudência dominante, em virtude de uma irregularidade efetivamente comprovada no desenvolvimento do estágio.
Palavras-chave: Lei do Estágio. Ocorrência de estágio ilícito. Possibilidade de vínculo empregatício.
Abstract: This monographic work aims to provide some considerations about the internship which is a mechanism that provides professional development to students in order to prepare them for their entry into the labor market, being considered, therefore, an important tool in a student professional growth. However, not infrequently, this way of working is used as a means to defraud labor legislation, giving to employers a skilled workforce and low cost, exempting them from bear the expenses of hiring according to the “Consolidation of Labor Laws”. Thus, we verified when the deviation in the development of the internship (illicit internship) could transmute into an employment relationship, being considered the internship, once ratified, as a normal contract of work, and upon this characterization what are the effects, as well as what are the sanctions applied to the parts (grantor and educational institutions) that are involved in a illegal internship practice. Moreover, are shown the legislative innovations brought by the new Internship Law (Law 11.788/2008), being weighted what is positive and / or negative in such legislative changes brought to the legal system; are also mentioned the characteristic elements of the employment relationship and the requirements that configures the internship, demonstrating the similarities and distinctions between the two institutes, such analyses has crucial importance for the commitment term evolution (internship) to an employment contract (employment relationship). Finally, are analyzed various Labor Court decisions, examining the possibility of recognize an employment relationship due to an irregularity effectively demonstrated in the internship.
Keywords: Law Internship. Occurrence of illicit stage. Possibility of employment.
Sumário: 1. Introdução; 2. Inovações trazidas pela lei 11.788/2008; 2.1. Da quantidade de estagiários; 2.2. Da jornada de trabalho do estagiário; 2.3. Da remuneração do estagiário; 2.4. Do recesso remunerado ao estagiário; elementos caracterizadores da relação de emprego versus requisitos configuradores da relação de estágio; 3.1. Dos elementos caracterizadores da relação de emprego; 3.1.1. Trabalho realizado por pessoa física; 3.1.2. Trabalho realizado com pessoalidade; 3.1.3. Não eventualidade na prestação do trabalho; 3.1.4. Onerosidade;3.1.5. Subordinação; 3.2 dos requisitos caracterizadores da relação de estágio; 3.2.1. Dos requisitos formais do estágio; 3.2.1.1. Da qualificação das partes; 3.2.1.2. Da formação do termo de compromisso; 3.2.1.3. Observância das regras impostas pela lei do estágio; 3.2.2. Dos requisitos materiais do estágio; 3.2.2.1. Compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso; 3.2.2.2. Do acompanhamento do estagiário por professor ou supervisor da parte concedente; 3.3. Similitudes e distinções entre relação de emprego e relação de estágio; 4. Da possibilidade de formação de vínculo empregatício em virtude da desvirtuação na finalidade do estágio; 4.1. Da vedação legal à ocorrência de vínculo de emprego versus relação de trabalho; 4.2. Quando a relação de estágio caracteriza-se em relação de emprego; 4.3. Dos efeitos do estágio ilícito; 4.4 da sanção às partes pela a ocorrência de estágio ilícito; 5. Da análise jurisprudencial quanto ao reconhecimento de vínculo empregatício por ocorrência de estágio ilícito; 5.1. Reconhecimentos de vínculo de emprego por desvio material na atividade desenvolvida pelo estagiário; 5.2. Reconhecimento de vínculo empregatício por inobservância dos requisitos formais do estágio; 5.3. Reconhecimento de vínculo de emprego por inobservâncias formais e materiais; 5.4. Reconhecimento de vínculo empregatício por observância do princípio da primazia da realidade; 5.5. Reconhecimento de vínculo empregatício versus incumbência do ônus da prova; 5.6. Reconhecimento de vínculo de emprego versus impossibilidade de análise de provas fáticas pelo tribunal ad quem; 6. Considerações finais. Referências
1 INTRODUÇÃO
O presente ensaio busca analisar a Lei n° 11.788 de 25 de setembro de 2008 (Lei do Estágio), bem como algumas inovações trazidas por este diploma legal no trato do trabalho, tipo estágio, e a possibilidade de formação de vínculo de emprego em virtude da desvirtuação na finalidade da atividade desenvolvida pelo estagiário.
Da análise da relação trilateral que envolve o estagiário, o tomador de serviços e a instituição de ensino, enfatizaremos quando o desvio substancial nas atividades realizadas pelo estagiário pode ser um elemento caracterizador de uma relação empregatícia, devendo ser reconhecida pelo Poder Judiciário. Apresentaremos também os elementos caracterizadores da relação emprego, os diferenciado dos da relação de estágio, e por fim, demonstraremos como a jurisprudência pátria vem tratando o tema.
Preambularmente, a pesquisa origina-se a partir da busca de respostas a questionamentos levantados. Joaquim Severino (2007, p. 132) expõe que: “No projeto, o pesquisador deve ter muito claro o caminho a ser percorrido, as etapas a serem vencidas, os instrumentos e as estratégias a serem utilizados”.
No que tange aos procedimentos técnicos, o estudo in análise terá embasamento em fontes bibliográficas e na pesquisa documental. Na primeira fonte serão examinados materiais como livros doutrinários, artigo(s) científico(s) publicados na internet e dispositivos legais.
Na pesquisa documental a análise será por meio de jurisprudências, observando como vêm se posicionando os tribunais pátrios. Tais informações, já abordadas por outros pesquisadores e discutidas em diversas decisões dos tribunais servirão de base para o desenvolvimento da pesquisa.
Do ponto de vista da metodologia aplicada, o trabalho em questão utilizará o método dedutivo. “O raciocínio dedutivo é um raciocínio cujo antecedente é constituído de princípios universais, plenamente inteligíveis, através dele se chega a um consequente menos universal” (SEVERINO, 2007, p. 88). Deduzir, destarte, significa partir de informações gerais para obter respostas específicas.
Por fim, adotaremos o tipo de abordagem qualitativa, por ser observado o fato no meio natural, e desta forma se posiciona Rodrigues (2006, p. 90):
“[…] este tipo de investigação caracteriza-se por uma abordagem analítica e comparativa dos fatos, dados ou teorias sobre o problema, onde o pesquisador busca descrevê-los e interpretá-los, sem a necessidade de mensurações ou de procedimentos estatísticos.”
Desta feita, entendemos ser o estágio toda atividade de aprendizagem social, profissional e cultural que insere o estudante em situações reais de vida e trabalho em seu meio, oportunizando a complementação dos conhecimentos adquiridos em sala de aula, de maneira que possa vivenciar no cotidiano a teoria, absorvendo melhor os conhecimentos, podendo refletir e confirmar sobre a sua escolha.
Como bem conceitua Barros (2008, p. 225), ao afirmar que:
“O estágio, atualmente, é conceituado como “um ato educativo escolar supervisionado”, desenvolvido no ambiente de trabalho. Á luz do art. 1º, § 2º, da Lei n. 11.788 de 25.9.2008, o objetivo é a preparação dos educandos para o trabalho produtivo. Eles deverão estar frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. Não há previsão para supletivo.”
A lei n° 11.788/2008 conceitua a modalidade de trabalho denominada estágio, em seu art. 1°, infratranscrito:
“Art. 1° Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educando que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.”
Fazendo uma interpretação dos elementos materiais ou sociais caracterizadores da relação de estágio, observamos que este deve guardar liame direto com o aprendizado do estudante, propiciando a este, situações reais de vida e trabalho de seu meio, buscando assegurar sua efetiva formação acadêmico-profissional.
Isto porque o estágio oportuniza ao estudante situações concretas, distintas das abstratas estudadas em sala de aula. A priori no ambiente de estágio, o estudante, tem experimento prático na resolução de situações que o seu meio profissional lhe trará e, em um segundo momento, há um considerável acréscimo curricular, que pode vir a facilitar o ingresso do mesmo no competitivo mercado de trabalho.
Com a grande demanda de cursos superiores, os estudantes universitários encontram dificuldades em achar estágios e a posteriori adentrar no concorrido mercado de trabalho pressionando-os, de certa forma, a realizar contratos de estágio fraudulentos, que visam, tão somente, maquiar a relação de emprego existente. Um outro elemento, não menos importante, é o desfavorecimento econômico de muitos destes estudantes universitários, quer para custear a faculdade, quer para sua própria subsistência, são obrigados a submeter-se à formas precárias e ilegais de contratação.
Desta forma, o contrato de estágio por guardar muitas similitudes com o contrato de emprego, é utilizado como meio de fraudar as obrigações trabalhistas, havendo, por conseguinte, uma distorção da real finalidade do estágio.
Nessa perspectiva, o emprego distorcido do contrato estágio, pode ser facilmente verificado quando da utilização do estagiário em departamentos ou empresas que não tenham ligação alguma com a área do curso do estudante. A critério ilustrativo podemos citar a contratação de um estagiário do curso de Direito para estagiar como caixa de um supermercado, havendo no exemplo em tela, uma total distorção da finalidade do estágio acadêmico.
Saliente-se que não há exagero no exemplo dado, uma vez que tal atitude muitas vezes é verificada nas relações laborais cotidianas, o que pode vir a gerar, por conseguinte, graves consequências no nosso meio social.
Podemos citar dentre elas: A falta de emprego, decorrendo diretamente da troca de um empregado efetivo, regido pelas normas celetistas (mais caro aos cofres dos empregadores), por estagiários, regidos pela Lei n°11.788/2008 (estes bem menos onerosos aos cofres dos empregadores); uma maior precarização do emprego, pois, em razão da maior oferta de trabalho gerada pelo aumento do desemprego, as pessoas se sujeitam a ganhar menos para poderem, ao menos, se sustentarem e por fim o empobrecimento da população (consequência direta da precarização do emprego).
Assim sendo, analisaremos as inovações trazidas pela nova Lei do Estágio, faremos o confronto dos elementos configuradores da relação de emprego com os requisitos caracterizadores dos da relação de estágio, analisaremos quando e como o desvio na atividade desenvolvida pelo estagiário, pode realmente se configurar em uma relação de emprego, regida pela CLT, compreenderemos ao final, como a jurisprudência pátria vem acordando nesse tipo de litígio.
2 INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N° 11.788/2008
Inicialmente ressaltamos que até o dia 26.09.2008 (vinte seis de setembro de dois mil e oito) a relação de trabalho denominada estágio era disciplinada pela Lei nº 6.484/77 e pelo Decreto 87.497/82. Hoje tal forma de contratação está inteiramente regulamentada pela Lei nº 11.788/2008, que por seu turno, revogou parcialmente alguns disciplinamentos anteriores, manteve algumas exigências legais já existentes, bem como alterou a redação do art. 428 da nossa Consolidação Laboral, como se ver adiante:
“Art.428 – Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação”.
Assim sendo, analisaremos as principais novidades trazidas pela Lei do Estágio ponderando sobre os possíveis benefícios e /ou subtrações que tais disciplinamentos podem vir a gerar na relação estagiário versus tomador de serviços/concedente.
2.1 Da quantidade de estagiários
Dá análise literal do artigo 17, abaixo transcrito, percebemos que a contratação de estagiários, para os quadros funcionais do tomador de serviços, se dá de forma proporcional à quantidade de empregados efetivos do tomador de serviços:
“Art. 17. O número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio deverá atender às seguintes proporções:
I – de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário;
II – de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários;
III – de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários;
IV – acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários. […]”
Determinada quantidade máxima de estagiários, estabelecida em lei, só se aplica aos estágios de cursos especiais, não se aplicando aos estágios de nível superior e de nível médio profissional, conforme determina o § 4° do já citado art. 17, infratranscrito:
“Art. 17 […]
§ 4o Não se aplica o disposto no caput deste artigo aos estágios de nível superior e de nível médio profissional.” (Grifamos)
Tal limite máximo de contratação de estagiários evita que se contratem estagiários em detrimento de empregados, impedindo, assim, que haja uma precarização de emprego, o que causaria um impacto negativo no meio social, haja vista, essa flexibilização formal de uso de força de trabalho ser menos onerosa à entidade tomadora do serviço.
Outra inovação que merece ponderação é a garantia de uma quantidade mínima de vagas reservadas aos portadores de deficiência física, uma nítida ação combinada entre o Estado, o tomador de serviços e a instituição de ensino, para a efetiva inclusão da pessoa com deficiência no trabalho, tipo estágio, sendo reservado aos portadores de deficiência física o percentual de 10% das vagas ofertadas pelo concedente, conforme positiva o parágrafo 5° do art. 17 da Lei do Estágio, abaixo redigido:
“Art. 17 […]
§ 5o Fica assegurado às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% (dez por cento) das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio.” (Grifamos)
Percebemos, pois, a preocupação do legislador em tentar dirimir a exclusão social que assola os portadores de deficiência física, obrigando a parte concedente, a incluí-los no campo de estágio, para que de forma igual aos não portadores de deficiência, tenham eles reais condições de prosperar em sua vida profissional.
2.2 Da jornada de trabalho do estagiário
Inovação que também merece destaque se encontra no art. 10 da Lei do Estágio, que trata, por seu turno, da jornada laboral enfrentada pelo estagiário, estabelecendo limites nos seguintes parâmetros:
“Art. 10. A jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser compatível com as atividades escolares e não ultrapassar:
I – 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos;
II – 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular.”
Estabelece também o § 1° do artigo em comento, que o estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino.
Noutra banda, estabelece o § 2° do mesmo dispositivo legal, que em dias de avaliações (provas, trabalhos, seminários), a carga horária imposta cairá, pelo menos, pela metade, momento em que os estudantes de cursos superiores unicamente poderão laborar três horas diárias.
Crítica que se faz a esse dispositivo legal é o fato de que há uma cominação, contudo, não há uma sanção ao seu inadimplemento, o que poderá gerar o seu descumprimento, haja vista não haver cominação de penalidade.
Com base no que disciplina tal artigo, uma indagação nos parece recorrente, se o estagiário ultrapassar o limite legal estabelecido será aplicado algum tipo de penalidade ao tomador de serviços? O estagiário fará jus às horas extras com o respectivo adicional de no mínimo 50% sobre a hora normal (art. 7° XVI)? A aplicação da referida penalidade de cunho eminentemente Celetista estaria desrespeitando o princípio da estrita legalidade, haja vista, o pagamento de horas extras serem devidas aos empregados regidos pela CLT?
Tais arestas legais devem ser discutidas e decididas pelos Tribunais Laborais, dando uma segurança jurídica maior aos estagiários, bem como vedando que a parte concedente desrespeite o que apregoa o artigo in análise.
2.3 Da remuneração do estagiário
Preleciona o art. 12, que: “o estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo compulsória a sua concessão, bem como a do auxílio-transporte, na hipótese de estágio não obrigatório” (grifamos).
Inicialmente o artigo em análise destaca a palavra poderá. O que denota a facultatividade em haver o pagamento contraprestacional em virtude da atividade desenvolvida pelo estagiário, tal possibilidade, salientamos, já existente nos disciplinamentos anteriores, por conseguinte, o mesmo dispositivo legal fala na compulsoriedade de haver pagamento contraprestacional pela a atividade desempenhada pelo estagiário. O que a princípio nos parece haver uma certa confusão na redação do dispositivo legal pelo Poder Legiferante.
Razoável nos parece, da simples interpretação gramatical do referido artigo, ou melhor aclarando, do simples exame do texto legal, podemos extrair que a vontade do legislador é que uma das duas hipóteses, acima ilustradas, seria aplicada de forma obrigatória ao caso concreto. Assim sendo, o estagiário receberia, de forma obrigatória, uma bolsa auxílio ou outra contraprestação equivalente, nos tipos de estágio não obrigatórios, sendo indispensável o recebimento de auxílio transporte. Bem como não haveria a obrigatoriedade de pagamento contraprestacional aos estagiários, nos casos de estágios não obrigatórios, estabelecidos estes no art. 2°, § 2° da Lei n° 11.788/08:
“Art. 2o O estágio poderá ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso. […]
§ 2o Estágio não-obrigatório é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.” (Grifamos)
Sendo indispensável, em qualquer caso, o pagamento de seguros pessoais contra acidentes, conforme descreve o § 1°, inciso IV do art. 5° da já citada Lei do Estágio, abaixo assinalada:
“Art. 5° […]
§ 1o Cabe aos agentes de integração, como auxiliares no processo de aperfeiçoamento do instituto do estágio:
IV – encaminhar negociação de seguros contra acidentes pessoais;” (Grifamos)
Entende a doutrina, dentre eles, o advogado André Luiz Paes de Almeida, que [1]:
“seria aplicável ao tipo de trabalho tipo estágio, o § 3° do art. 7° do Decreto Lei n° 95.247/87, ou seja, incorreria em falta grave o estagiário que declara fraudulentamente seu itinerário, para obtenção indevida de mais vales do que realmente precisaria, ou ainda o requerimento de vale transporte quando o requerente se dirige de veículo próprio ao trabalho, ocasião em que incorre em ato de improbidade, previsto no artigo 482, “a” da CLT, ocasionando a demissão por justa causa do empregado”
Tal posicionamento, nos parece contraditório, pois seria vedado ao estagiário, o recebimento de horas extras, caso houvesse a extrapolação da sua jornada normal de labor, contudo haveria a possibilidade de penalizar o estagiário com base em leis que dispõe sobre faltas graves exclusivas de empregados regidos pelo regime celetista?
Posiciona-se o mesmo doutrinador no seguinte sentido: “O que admitimos certamente não é a demissão por justa causa, mas sim, a possibilidade de se rescindir o contrato de estágio por atos incorretos praticados pelo estagiário” [2]
Outra aresta que deve ser solucionada pelos Tribunais Laborais Pátrios, trazendo assim, segurança jurídica aos envolvidos na ralação estagiário X concedente.
2.4 Do recesso remunerado ao estagiário (férias)
Por fim, trata o art. 13 da referida lei, que ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a 1 (um) ano, ser-lhe-á concedido período de recesso de 30 (trinta) dias, a ser gozado preferencialmente durante suas férias escolares.
O período de recesso a que se refere o art. 13 deverá ser remunerado quando o estagiário receber pecúnia ou outra forma de contraprestação, conforme apregoa o § 1° do mesmo artigo:
“Art. 13 […]
§ 1o O recesso de que trata este artigo deverá ser remunerado quando o estagiário receber bolsa ou outra forma de contraprestação.”
Há a possibilidade de fracionamento de férias, em sendo a duração do estágio inferior a um ano, leitura do parágrafo 2°, abaixo assinalado:
“Art. 13 […]
§ 2o Os dias de recesso previstos neste artigo serão concedidos de maneira proporcional, nos casos de o estágio ter duração inferior a 1 (um) ano.”
Assim sendo, o estagiário que acaso for desligado do estágio no andamento deste do corrente ano de prestação de atividade (o que equivaleria ao período aquisitivo de férias dos empregados Celetistas), terá direito às férias proporcionais remuneradas, contudo, sem o terço constitucional (Art. 7°, XVII, CF), sendo devido a este apenas aos Celetistas, não sendo aplicado, portanto, ao estagiário por falta de disciplinamento legal.
3 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO VERSUS REQUISITOS CONFIGURADORES DA RELAÇÃO DE ESTÁGIO
Importante se faz conceituar tanto os elementos caracterizadores da relação empregatícia, regida pela CLT, quanto os requisitos configuradores da relação de estágio, regida pela Lei 11.788/2008, para que com isso, haja uma perfeita compreensão do tema exposto, e com base nessas informações, tenhamos subsídios necessários para verificar como e quando haverá a possibilidade de formação de relação empregatícia, em virtude de um desvio na atividade realizada pelo estagiário, ou até mesmo por falta de observância de um requisito de ordem formal previamente estabelecido na formação do termo de compromisso.
3.1 Dos elementos caracterizadores da relação de emprego
O art. 3° consolidado, infratranscrito, traz os requisitos que se presentes concomitantemente, faz surgir no plano jurídico, uma relação empregatícia:
“Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” (Grifamos)
Vislumbrando os requisitos traçados em tal artigo, vemos que para que haja a configuração de vínculo de emprego, necessário se faz a observância dos seguintes requisitos, quais sejam: Que a prestação do trabalho seja feita por pessoa física; que o trabalho seja realizado com pessoalidade; que o trabalho não seja eventual; que haja onerosidade contraprestacional e por fim, que o trabalho seja prestado de forma juridicamente subordinada.
Sendo assim, a relação de emprego pode então, ser conceituada como “[…] a relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos o empregado e o empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado.” (NASCIMENTO, 2011, p. 102).
Nesse mesmo sentido Ricardo Resende (2011, p. 64) afirma que:
“[…] a relação de trabalho é gênero (alcançando toda modalidade de trabalho humano), ao passo que a relação de emprego (relação de trabalho subordinado) é espécie […] toda relação de emprego é trabalho, mas nem toda relação de trabalho é emprego.”
Percebemos, assim, dos conceitos acima traçados, que para que haja vínculo jurídico entre trabalhador e tomador de serviços, necessário se faz a observância de alguns requisitos fáticos e jurídicos para que sejam asseguradas ao obreiro as garantias trabalhistas que o ordenamento jurídico lhe resguarda.
3.1.1 Trabalho realizado por pessoa física
O primeiro elemento caracterizador da relação de emprego é que o trabalho seja prestado por pessoa física, ou seja, haja uma exploração da energia do trabalho humano, ou conforme apregoa Resende (2011, p. 66): “[…] Só a pessoa natural (pessoa física) pode ser empregada, do que decorre que a pessoa jurídica não será, em nenhuma hipótese, empregada”.
Desta feita, fica claro que há a exclusividade em proteger a pessoa física que labora, haja vista, que o Direito do Trabalho visa proteger a vida, a saúde, o lazer, a integridade moral, a convivência familiar dentre outros bens do empregado, já que apenas este, enquanto pessoa natural pode usufruí-los, como sujeito de direitos e obrigações na ordem jurídica.
3.1.2 Trabalho realizado com pessoalidade
O segundo elemento é a realização do labor de forma pessoal pelo empregado, ou seja, há uma explícita relação intuite in persona por parte do empregado em relação ao empregador, ou conforme descreve Resende (2011, p.67):
“[…] intuite in persona significa em “razão da pessoa”. Isso quer dizer que o empregador contrata o empregado para que este lhe preste serviços pessoalmente, sendo vedado ao empregado se fazer substituir por outro, exceto em caráter esporádico, e ainda assim, com aquiescência do empregador.”
Nesse mesmo sentido conclama Delgado (2008, p. 293):
“A pessoalidade é elemento que incide apenas sobre a figura do empregado. No tocante ao empregador, ao contrário, prevalece aspecto oposto, já que vigorante no Direito do Trabalho a diretriz da despersonalização da figura do empregador.”
Importante observar que a pessoalidade, como sendo um pressuposto de validade de relação de emprego, deve estar presente em todos os momentos do contrato de trabalho, desde o seu início até o seu término, já que o falecimento do empregado enseja, de forma automática, o fim do vínculo de emprego existente.
3.1.3 Não eventualidade na prestação do serviço
Ao que pese o dissenso doutrinário acerca da real conceituação do terceiro elemento elementar à configuração da relação de emprego, percebemos que o mesmo está ligado diretamente da forma com a qual o trabalho é realizado, ou seja, de forma não esporádica, não eventual.
Deve haver nesse contexto uma permanência vincular entre o obreiro e o empregador, sendo, portanto, uma prestação de trato sucessivo, com prolongamento no tempo, sem termo pré-fixado para findar, salvo disposições em contrário.
Nessa linha de raciocínio corrobora Resende (2011, p. 68):
“[…] a não eventualidade pressupõe repetição do serviço, com previsão de repetibilidade futura. Isso quer dizer que o empregado não precisa trabalhar continuamente (todos os dias), mas deve a atividade se repetir naturalmente junto ao tomador dos serviços para que possa ser considerada não eventual.” (Grifamos)
Salientamos para a possibilidade de haver habitualidade mesmo havendo a prestação do labor de forma intermitente, havendo, portanto, a realização do trabalho de forma intercalada por período(s) de inatividade sem que isso venha a suplantar o liame existente entre o empregado e o empregador.
Nesse sentido Camino (2003. p. 211):
“Serviços não eventuais são os serviços rotineiros da empresa, por isso, necessários e permanentes, vinculados ao objeto da atividade econômica, independentemente do lapso de tempo em que prestados, antítese dos serviços eventuais, circunstancialmente necessários, destinados ao atendimento de emergência”. (Grifamos).
Em suma, percebemos que trabalho não eventual é o que se realiza de forma contínua, mesmo de forma intermitente, desenvolvido nas atividades permanentes do empregador, havendo liame jurídico para com este ultimo.
3.1.4 Onerosidade
O quarto elemento capaz de caracterizar uma relação empregatícia é a onerosidade, ou seja, é a contraprestação recebida pelo obreiro em virtude da utilização de sua mão de obra, em suma, cabe ao empregador, dentro da relação sinalagmática que o liga ao empregado, remunerá-lo, em troca da força de trabalho realizada pelo empregado. Assim sendo, os serviços prestados, de forma gratuita, não são capazes de gerar um vínculo empregatício, mas sim, em simples relação de trabalho, são os casos, a título ilustrativo, do desempenho de trabalho voluntário regidos pela lei n° 9.608/1998. Corrobora com esse entendimento Saraiva (2009. p. 45): “A prestação de serviços a título gratuito descaracteriza a relação de emprego, apenas configurando mera relação de trabalho, como ocorre no caso do trabalho voluntário (Lei 9.608/1998)” (Grifamos).
Sendo assim, vemos que todo contrato de trabalho tem caráter bilateral, pois de uma banda, cabe ao obreiro desenvolver seus serviços, vender sua mão de obra, e d’outra banda, resta ao empregador a obrigação pecuniária de remunerar o empregado pelo desenvolvimento de sua atividade labutiva, não havendo em se falar, nessa linha, de vínculo de emprego em virtude de trabalho gratuito, por faltar um elemento essencial a caracterização de vínculo empregatício, qual seja, a contraprestação pecuniária.
3.1.5 Subordinação
Por fim, apresentamos a subordinação como sendo o último elemento capaz de caracterizar uma relação empregatícia. Para grande parte da doutrina tal requisito se apresenta com sendo o mais importante dos elementos caracterizadores de uma relação empregatícia, sendo ele capaz de definir a própria relação empregatícia. Posiciona-se dessa forma Resende (2011, p. 71):
“A subordinação é o requisito mais importante para a caracterização da ralação de emprego. Constitui o grande elemento diferenciador entre relação de emprego e as demais relações de trabalho, apresentando inquestionável importância na fixação do vínculo jurídico empregatício” (Grifamos).
Tal subordinação assenta-se como sendo jurídica, entendimento hoje pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, conforme entende (DELGADO, 2008, p. 302): “Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.”
Assim sendo, tal subordinação jurídica traduze-se no fato de que de um lado cabe ao empregador exercer seu poder direto sobre o comando das tarefas realizadas pelo empregado, como também o fato da relação vincular que os une derivar de um contrato, qual seja, um contrato de emprego, do qual enseja a aplicação das regras normalizadoras e princípios do Direito do Trabalho. D´outro lado, cabe ao empregado, se submeter ao comando diretivo daquele, nascendo assim, a subordinação jurídica, ora comentada.
Percebemos também que para que haja tal subordinação jurídica não se faz necessário o exercício constante do poder de comando, por parte do empregador, nem tampouco que haja uma vigilância técnica de forma continuada das tarefas desenvolvidas pelo obreiro. Importante mesmo é que haja o comando, a direção ou até mesmo a fiscalização das atividades realizadas pelo empregado, fazendo surgir, assim, a subordinação jurídica existente na relação de emprego existente entre tomador de serviços e obreiro.
3.2 Dos requisitos configuradores da relação de estágio
A relação de trabalho, denominada estágio, se reveste de dois requisitos, quais sejam: Os formais e os materiais. Para que haja um desenvolvimento lícito de estágio, tais diretrizes, formais e materiais, estabelecidas pela Lei n° 11.788/2008, devem ser cumpridas. Verificaremos adiante quais são esses requisitos e qual a importância do seu cumprimento para que a atividade do estagiário não se dê de forma ilícita, evitando assim, a possibilidade de formação de vínculo de emprego, tema esse alvo do nosso estudo.
3.2.1 Dos requisitos formais do estágio
De antemão nos remetemos ao real sentido da palavra “formal”, para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2001, p. 328): é tudo aquilo “que concerne à forma”, tudo aquilo que “é formulado com precisão”, assim sendo, a nova Lei do Estágio traz alguns elementos que devem ser formalmente respeitados para que seja lícito o desempenho do estágio.
Para Capone (2010, p. 58) são requisitos formais caracterizadores da relação de estágio: “Qualificação das partes; formação de termo de compromisso com o estagiário e o tomador de serviços e a observância das regras impostas pela Lei do Estágio.”
Tal como a relação de emprego, a relação de estágio também requer sejam observados alguns requisitos formais para a sua regular formação, sem os quais, pendente de juridicidade se dá a relação entre estagiário e concedente.
3.2.1.1 Da qualificação das partes
O estágio se desenvolve sobre uma relação trilateral que envolve o estagiário, o tomador de serviços ou parte concedente e a instituição de ensino.
O estagiário deve ser obrigatoriamente estudante devidamente matriculado em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental.
Por seu turno podem oferecer estágio as pessoas elencadas no art. 9° da Lei do Estágio, infratranscrito:
“Art. 9o As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional, podem oferecer estágio […]”.
Percebemos da simples leitura do artigo supra que o legislador tornou amplo o rol de pessoas que podem ter em suas dependências estagiários, oportunizando ao estudante, uma maior chance de desenvolver de forma prática, o que fora aprendido de forma abstrata em sala de aula, o que pode vir a facilitar a entrada do mesmo no tão concorrido mercado de trabalho.
Por fim, a nova lei traz o último participante da relação trilateral, as instituições de ensino, dispondo a lei sobre as obrigações que são impostas às mesmas, que deveram ser indubitavelmente cumpridas por elas, sob pena de responsabilização destas:
“Art. 7o São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos:
I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar;
II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando;
III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário;
IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades;
V – zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de descumprimento de suas normas;
VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos;
VII – comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas.”
Desta feita, percebemos a importância dada à instituição de ensino no acompanhamento do estagiário no desenvolver de seu estágio, haja vista, o rol de obrigações que foram imputas a mesma, devendo esta zelar pelo efetivo cumprimento dos preceitos que lhes foram conferidos.
3.2.1.2 Da formação do termo de compromisso
O termo de compromisso equivale ao que seria o contrato de trabalho no âmbito celetista, tendo ele a finalidade de fixar os direitos e obrigações recíprocos entre as partes envolvidas na relação de estágio (estagiário, concedente, instituição de ensino), sendo, portanto, obrigatória a sua respectiva lavratura, nos termos do Parágrafo Único do art. 8° da lei 11.788/2008, abaixo redigido:
“Art. 8° […]
Parágrafo único. A celebração de convênio de concessão de estágio entre a instituição de ensino e a parte concedente não dispensa a celebração do termo de compromisso de que trata o inciso II do caput do art. 3o desta Lei”. (Grifamos)
“Devem constar obrigatoriamente no Termo de Compromisso todas as cláusulas que nortearão o contrato de estágio, tais como”: [3]
– dados de identificação das partes, inclusive cargo e função do supervisor do estágio da parte concedente e do orientador da instituição de ensino;
– as responsabilidades de cada uma das partes;
– objetivo do estágio;
– definição da área do estágio;
– plano de atividades com vigência; (parágrafo único do art. 7º da Lei nº 11.788/2008
– a jornada de atividades do estagiário;
– a definição do intervalo na jornada diária;
– vigência do termo;
– motivos de rescisão;
– concessão do recesso dentro do período de vigência do termo;
– valor da bolsa, nos termos do art. 12 da Lei nº 11.788/2008;
– valor do auxílio-transporte, nos termos do art. 12 da Lei nº 11.788/2008;
– concessão de benefícios, nos termos do § 1º do art. 12 da Lei nº 11.788/2008;
– o número da apólice e a companhia de seguros.
A lavratura do respectivo termo evita que se opere vínculo empregatício, devendo este ser obrigatoriamente ratificado pela parte concedente, pelo aluno contratado e pela instituição de ensino em que o estagiário esteja matriculado.
A cada seis meses, a empresa cedente deverá encaminhar à instituição de ensino, com a ciência do estagiário, relatório de estágio com o resumo das atividades desenvolvidas pelo estudante.
Por fim, o termo de compromisso de estágio poderá ser rescindido a qualquer momento, por qualquer das partes.
3.2.1.3 Observância das regras impostas pela Lei do Estágio
Requisito que visa o cumprimento das regras legais impostas aos compartes da relação de estágio, afim de que a efetiva finalidade do estágio seja cumprida, garantindo, assim, a real correspondência entre as tarefas realizadas e o conhecimento teórico que tem o estagiário propiciando ao mesmo a devida utilidade prática à sua formação.
O desrespeito ao regramento legal imposto à relação de estágio além de ferir o ordenamento juslaboral pode ensejar a nulidade da relação de estágio ensejando vínculo empregatício com a parte concedente, se presentes também os requisitos configuradores da relação de emprego.
Desta feita, percebe-se que o legislador com o fito de evitar possíveis contratações irregulares de estagiários para atividades que em nada contribuam com a sua formação, trouxe todas essas exigências formais e materiais, dando assim, ao estagiário uma maior proteção legal.
3.2.2 Dos requisitos materiais do estágio
Os requisitos materiais da relação de estágio objetivam assegurar o efetivo cumprimento das finalidades sociais a que a se destina o desenvolvimento do estágio.
Para Correia (2009, p. 191) são considerados requisitos materiais da relação de estágio: “[…] compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso e o acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente”.
Assim, sendo, objetivando aclarar o preceito assegurador da real finalidade social a que se destina o estágio, examinaremos tais requisitos materiais existentes no desenvolvimento do estágio.
3.2.2.1 Compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso
Como o estágio se destina ao desenvolvimento de atividades em que se vinculam aspectos teóricos e práticos, momento em que a prática questiona a teoria e esta avança também com a busca de respostas aos problemas a ela apresentados, não há de se falar em desenvolvimento lícito de estágio, sem que haja compatibilidade entre as atividades desenvolvidas pelo estagiário e o que foi ratificado no termo de compromisso.
Corrobora com esse entendimento Alice Monteiro de Barros (2008, p. 211):
“[…] prevalece, nas relações existentes entre estagiários e empresas, o aperfeiçoamento dos estudos. Os ensinamentos teóricos obtidos na escola serão complementados com a aplicação experimental na empresa, que atua como uma espécie de laboratório, capaz de habilitar aos estudantes a aplicação prática dos conhecimentos acadêmicos que lhes foram transmitidos.”
A partir dessa afirmação percebemos a necessidade de que mesmo que o estágio consubstancie um conteúdo econômico para a parte concedente (tomador dos serviços), é imprescindível conferir, ao estágio, o seu efetivo papel agregador à escolaridade e formação profissional do estagiário, sob pena da total fuga ao que se impõe a relação de estágio.
Nesse diapasão, percebe-se que não existindo liame entre as atividades realizadas pelo estagiário nas dependências da parte concedente, com a formação teórica a que o estagiário vem obtendo na instituição de ensino, há a possibilidade de ser desconsiderada a relação de estágio existente, podendo vir a se operar uma típica relação de emprego entre o estagiário e a parte concedente.
3.2.2.2 Do acompanhamento do estagiário por professor ou supervisor da parte concedente
Por fim, com o intuito de preservar a real finalidade a que se impõe o estágio, que visa, sobretudo, complementar a formação acadêmica, estudantil e profissional dos estudantes, acrescendo aos mesmos preparo adequado para a vida profissional facilitando a sua integração no mercado de trabalho, a Lei do Estágio, determina que os estudantes que desempenham atividades como estagiários devem ter o respectivo acompanhamento dos responsáveis pela orientação escolar supervisionada bem como supervisor da parte concedente do estágio, conforme se verifica da simples leitura gramatical do art. 3°, § 1° da Lei n° 11.788/2008:
“Art. 3° […]
§ 1o O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do art. 7o desta Lei e por menção de aprovação final.”
Assim sendo, com intuito estritamente protetivo, criou o legislador mais essa espécie de garantia ao estagiário, haja vista, que sob o acompanhamento supervisionado, diminui a possibilidade de se utilizar a relação de estágio de forma fraudulenta, evitando assim, que o estudante seja contratado como “estagiário”, mas desempenhe de forma prática, funções alheias à sua formação, impedindo, assim, que haja uma nítida fraude no campo trabalhista.
3.3 Similitudes e distinções entre relação de emprego e relação de estágio.
Ao que pese o contrato de estágio muito se assemelhar ao contrato de emprego, pois reúne todos os elementos caracterizadores de uma relação empregatícia: Trabalho realizado por pessoa física (tanto o tipo de trabalho estágio quanto o tipo de trabalho emprego são obrigatoriamente realizados por uma pessoa uma pessoa natural, não havendo de se falar em desenvolvimento de estágio ou emprego com a prestação de serviços por uma pessoa jurídica); pessoalidade na prestação dos serviços (em ambas as espécies de trabalho o empregador/concedente contrata o empregado/estagiário para que este lhe preste serviços pessoalmente, sendo vedado ao mesmo se fazer substituir por outro); não-eventualidade (do mesmo modo, nas duas espécies de labor, há uma realização dos serviços de forma não esporádica, não eventual, havendo nesse contexto uma permanência vincular entre o estagiário/empregado e o empregador/concedente; onerosidade (tanto na relação de emprego quanto na relação de estágio há, em regra, uma contraprestação recebida pelo empregado/estagiário em troca da utilização de sua mão de obra, em síntese, cabe ao empregador/concedente remunerar o prestador de serviços pela sua força de trabalho realizada); e por fim, subordinação ao tomador de serviços (este elemento por seu turno é o poder diretivo, exercido pelo empregador/concedente sobre as tarefas realizadas pelo empregado/estagiário, em contrapartida cabe a estes submeter-se ao comando potestativo daquele, surgindo, assim, a subordinação jurídica).
Todavia, não se podem confundir os dois institutos, por expressa determinação legal (Art. 3°, cabut, Lei n° 11.788/2008), ante os objetivos educacionais do estágio, visando favorecer o aperfeiçoamento e a complementação da formação acadêmico-profissional do estudante.
Assim sendo, mesmo que a relação de estágio traga em si todos os elementos capazes de caracterizar uma relação de emprego, não há falar, em regra, em vínculo de emprego para com o tomador de serviços, pois ambos têm finalidades distintas. Na relação de emprego, há um fito eminentemente econômico, produtivo, de cunho estritamente capitalista. Já na relação de estágio há o escopo educativo, de aperfeiçoamento e complementação dos conhecimentos adquiridos em sala de aula, de maneira a proporcionar no cotidiano a teoria, ajudando, assim, a formação educativa do estudante/estagiário.
4 DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM VIRTUDE DA DESVIRTUAÇÃO NA FINALIDADE DO ESTÁGIO
Como já aludido no presente trabalho monográfico, através do estágio se busca um complemento acadêmico, possibilitando ao estagiário vivenciar de forma prática o que vem aprendendo de forma teórica no ceio institucional, nesse sentido nos ensina DELGADO (2008, p. 198):
“Esse vínculo sociojurídico foi pensado e regulado para favorecer o aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmico-profissional do estudante. São seus relevantes objetivos sociais e educacionais, em prol do estudante, que justificaram o favorecimento econômico embutido na Lei do Estágio, isentando o tomador de serviços, partícipe da realização de tais objetivos, dos custos de uma relação formal de emprego. Em face, pois, da nobre causa de existência do estágio e de sua nobre destinação e como meio de incentivar esse mecanismo de trabalho tido como educativo , a ordem jurídica suprimiu a configuração e efeitos justrabalhistas a essa relação de trabalho lato sensu.”
Desta feita, por ser uma forma contratual muito semelhante ao contrato de emprego, ele muitas vezes é utilizado de forma a fraudar as obrigações trabalhistas.
Assim sendo, a utilização ilícita do contrato de estágio proporciona ao empregador uma mão de obra qualificada e de baixo custo, ficando isento este, de arcar com as despesas inerentes à contratação pelo regime celetista.
Dessa forma, são cometidos os mais diversos abusos, não sendo respeitado o caráter pedagógico do estágio, havendo uma total desvirtuação do seu objeto, podendo vir a configurar-se, por conta de tal desvio, em uma relação empregatícia.
Entende André Luiz Paes de Almeida que a alta carga tributária colabora para a ocorrência desse tipo de fraude, conforme percebemos da citação abaixo [4]:
“[…] a carga tributária imposta na contratação de um empregado em nosso país extrapola o limite do razoável, fazendo com que em muitas ocasiões empregadores contratem efetivos empregados mas mascarem, disfarcem o vínculo de emprego denominando-os de autônomos, eventuais e até mesmo estagiário.”
Entendemos que independentemente da alta carga tributária imposta à classe patronal, o que sem sombra de dúvidas, torna muito oneroso o desenvolvimento lícito de uma atividade empresarial, os ditames legais que asseguram à classe estagiária a proteção contra as abusividades das partes que buscam o aproveitamento dessa mão de obra, devem sim, ser respeitados, para que o caráter estritamente pedagógico do estágio seja fielmente respeitado.
4.1 Da vedação legal à ocorrência de vínculo de emprego versus da possibilidade de caracterização de vínculo de emprego
Em um primeiro momento o legislador deixa clara a impossibilidade de se reconhecer uma relação de emprego, oriunda de uma relação de estágio, conforme percebemos da leitura inicial do artigo 3° da Lei n° 11.788/2008, abaixo redigido:
“Art. 3o O estágio, tanto na hipótese do § 1o do art. 2o desta Lei quanto na prevista no § 2o do mesmo dispositivo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza (…)”
(Grifo nosso).
O que a princípio seria um absurdo legislativo, haja vista, que se assim fosse, haveria um favorecimento estatal para que a classe patronal se utilizasse do tipo de trabalho estágio, como mão de obra qualificada e menos onerosa, em detrimento de empregados celetistas, favorecendo assim, a deturpação do sentido do estágio, sem haver nenhuma cominação sancionatória ao concedente que utilizasse desse expediente ilícito.
Todavia, como tal regramento tem por princípio a total proteção à classe estagiária, classe esta que em uma relação isonômica carece de uma maior proteção, pra que assim, esteja em pé de igualdade com o tomador de serviços, o mesmo art. 3° em seu § 2° traz a ampla e inovadora possibilidade legal de se reconhecer um vínculo empregatício em virtude da desvirtuação da finalidade do desenvolvimento do estágio:
“Art. 3° […]
§ 2o O descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no termo de compromisso caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária”. (Grifamos)
Tal possibilidade, que inova o ordenamento juridicolaboral, haja vista, os regramentos anteriores serem omissos nesse importante ponto, ressalta um importante elemento de sustentação do ordenamento jurídico, o princípio da primazia da realidade, principio este que na visão doutrinária de Ricardo Rezende (2011, p. 29) é:
“[…] o principio segundo o qual os fatos, para o Direito do Trabalho, serão sempre mais relevantes que os ajustes formais, isto é, prima-se pelo que realmente aconteceu no mundo dos fatos em detrimento daquilo que restou formalizado no mundo do Direito, sempre que não haja coincidência entre estes dois elementos. É o triunfo da verdade real sobre a verdade formal […]”
Nessa mesma linha de raciocínio Delgado (2008, p. 208):
“é a preferência aos fatos em detrimento das formas, afirmando que quando ocorrer discordância do contido no “contrato de trabalho” e o que ocorre no “mundo fenomênico”, este último deve prevalecer, valendo mais a situação fática do que a situação meramente formal, é o que ele chama de “ contrato realidade”
Corrobora com os entendimentos acima ilustrados Rodrigues (2000, p.339), que assim define o importante princípio juslaborativo:
“significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que ocorre no terreno dos fatos.”
Como se observa da imposição legal do já comentado § 2° do art. 3° da Lei 11.788/2008, em havendo o descumprimento das formalidades legais exigidas pela Lei do Estágio ou qualquer obrigação contida no termo de compromisso, caracterizada estará a relação de emprego com a parte concedente do estágio para todos os fins trabalhistas e previdenciários, prevalecendo, portanto, nas relações laborais, a realidade dos fatos em detrimento dos aspectos formais que eventualmente os atestem, se sobrepondo aquele em face deste, isso visa dá uma maior segurança ao trabalhador estagiário em suas relações laborais, garantindo a este o que a realidade traduz e não o que formalmente consta solenemente em documentos e/ou acordos.
Desta feita, percebemos o quão incisivo é o já citado § 2° do art. 3° da Lei 11.788/2008, no que tange ao inadimplemento dos preceitos estipulados no termo de compromisso entre o estagiário e o tomador de serviços.
Conclui-se, assim, que dá análise estritamente literal do referido parágrafo 2°, qualquer que seja o descumprimento, por menor ou maior que seja sua potencialidade, restará caracterizada relação de emprego.
Contudo, razoável nos parece, que esta não é a melhor interpretação a ser dada ao dispositivo, deverá haver razoabilidade e ponderabilidade na aplicação incisiva do aparelho normativo em questão. Assim, se posiciona Resende (2011. p. 22):
“O núcleo de aplicação do princípio da razoabilidade é a conjugação das ideias de adequação e de necessidade. Adequado é o meio apto a atingir os resultados esperados. Necessário, por sua vez, é o meio que atinge sua finalidade com a menor restrição possível ao direito alheio, isto é, o ato legítimo desde que por outro meio menos gravoso não seja possível atingir o mesmo resultado.”
Destarte, justo nos parece, a análise do caso concreto para que sejam verificados se houve ou não desvirtuação no desempenho das atividades desenvolvidas pelo estagiário, e, se esta se amolda aos requisitos configuradores da relação de emprego, para que só assim, reste concretizado o vínculo empregatício entre estagiário e concedente, fazendo jus aquele, a todos os direitos trabalhistas e previdenciários que lhe são garantidos.
Além disso, ressaltando mais ainda o caráter eminentemente protetivo à classe estagiário, criou, o legislador, mais uma forma de se caracterizar uma relação empregatícia em virtude do desvio na finalidade desenvolvida pelo estagiário, no desempenho de suas tarefas, conforme percebemos da leitura do art. 15 da Lei do Estágio, abaixo transcrito:
“Art. 15. A manutenção de estagiários em desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.” (Grifamos)
Observamos, assim, a real preocupação do pode legislativo, em prevenir a utilização, por parte da classe patronal, de expedientes ilícitos, a fim de maquiar uma relação de emprego, travestida de uma relação de estágio, prevendo de forma clara e congruente uma forma sancionatória de punir pedagogicamente, a parte concedente que conservar estagiários em desacordo com os ditames estabelecidos na Lei do Estágio. Portanto, provado o não enquadramento da parte concedente com o que disciplina a legislação estagiária, o termo de compromisso evolui juridicamente para um simples contrato de emprego, sendo considerado o estagiário como empregado, sendo-lhe assegurado todos os direitos trabalhista e previdenciários existentes no ordenamento jurídico.
4.2 Quando a relação de estágio caracteriza-se em relação de emprego
Vimos que o ordenamento pátrio resguardando o aperfeiçoamento e a formação profissional do estudante, tenta refutar, através de medidas sancionatórias, o uso do estágio como ferramenta burlatória das regras trabalhistas. Desta feita, uma indagação nos é recorrente. Como e quando o desvio das atividades desempenhadas pelo estagiário pode vir a caracterizar uma relação de emprego?
Dá interpretação pura e simples dos artigos 3° § 2° e 15 da Lei 11.788/2008, haverá fraude no estágio e consequentemente configuração de vinculo empregatício com a parte concedente, se ausentes qualquer dos requisitos formais (qualificação das partes; formação do termo de compromisso e observância das regras disciplinadas na Lei do Estágio) ou materiais (compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso e o acompanhamento pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente) existentes na ralação do estágio.
Assim sendo, observamos que haverá desrespeito aos requisitos formais do estágio, quando da não observância, pura e simples, das formas preestabelecidas e necessárias à formação jurídica do ato, havendo nessa hipótese, vício formal tendente a causar a anulabilidade do ato praticado, caracterizando, assim, vínculo empregatício para com o tomador de serviços, em virtude da inobservância dos requisitos formalísticos estabelecidos na Lei do Estágio. Todavia, como já explanado no capítulo anterior, discordamos da aplicação pura e simples do art. 3°, § 2º da Lei do Estágio, sem que haja uma análise do caso concreto, e se a relação fática in exame estão presentes os requisitos configuradores de uma relação de emprego.
Por sua vez, haverá inobservância dos requisitos materiais do estágio se houver desvirtuamento no desempenho das atividades contratadas no termo de compromisso, não tenho relação aquela com o conteúdo ocupacional a que se propôs desempenhar o estagiário, sendo incompatíveis, assim, as atividades praticadas pelo estagiário e as descritas no termo de compromisso.
Podemos ilustrar com exemplo o fato de um estagiário desempenhar uma atividade totalmente alheia à sua formação acadêmica, bem como este prestar serviços aos finais de semana, prejudicando assim, sua dedicação ao curso que frequenta.
Em síntese, o desvio material será verificado quando da utilização de um estagiário, na prática de atividades que deveriam ser exercidas por um empregado. Nesse sentido nos ensina Delgado (2008, p. 324), sapiente em afirmar que:
“Frustradas, entretanto, a causa e a destinação nobres do vínculo estagiário formado, transmutando-se sua prática real em simples utilização menos onerosa da força de trabalho, sem qualquer efetivo ganho educacional para o estudante, esvai-se o tratamento legal especialíssimo antes conferido, prevalecendo, em todos os seus termos, o reconhecimento do vínculo empregatício.”
Nesse mesmo sentido Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 115): “É preciso distinguir as situações normais daquelas nas quais há deturpação da figura do Estagiário e este não passa de um empregado como os demais, casos em que a relação jurídica é de emprego e e não de estágio”.
Percebe-se das citações acima colacionadas, que o estágio deve guardar relação direta com a finalidade a que ele se traduz, pois em havendo uma dissonância entre a atividade desenvolvida no ambiente de estágio e a sua real finalidade, “cai por terra” o tratamento legal dado ao estagiário, surgindo por conseguinte um vínculo fático de relação de emprego, devendo ser reconhecida pelo Judiciário.
Ocorrerá também desvio material tendente a caracterizar vínculo de emprego, quando não houver vigília ou acompanhamento de quem se propõe a orientar o estagiário (professor orientador da instituição de ensino e supervisor da parte concedente), trata-se de uma forma de culpa in vigilando, ou seja, a parte que tem o encargo de cuidar, fiscalizar a execução do que lhe fora confiado, negligencia, e por culpa da sua não atenção há a ocorrência danosa, restando configurada nessa hipótese vínculo de emprego.
A mesma crítica que fizemos a aplicação pura e simples do art. 3° § 2° da Lei 11.788/2008, também fazemos aplicabilidade desse expediente material, pois, data vênia, não há falar em caracterização de vínculo de emprego sem que haja a análise da presença dos requisitos configuradores da relação de emprego, não sendo justo, no nosso prisma, que o simples fato de uma relação de estágio não ter sido bem fiscalizada a quem de direito deveria fiscalizar, por si só, ser capaz de evoluir para uma relação empregatícia.
Ao que pese as críticas realizadas, percebemos, portando, quer seja pela inobservância das formalidades preestabelecidas e necessárias à formação do termo de compromisso, seja pela desvirtuação da atividade desenvolvida pelo estagiário, ou pelo descumprimento de obrigações dos participantes da relação do estágio, ficará o tomador/concedente sujeito às consequências legais advindas, em especial quanto à possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício e suas consequências trabalhistas e previdenciárias.
4.3 Dos efeitos do estágio ilícito
Uma vez configurado o vínculo de emprego, em virtude da ocorrência de um estágio ilícito, desrespeitoso aos regramentos formais ou materiais estabelecidos na Lei do Estágio, surge para o tomador de serviços algumas consequências jurídicas, quais sejam:
– Vínculo direto de emprego com o tomador de serviços e consequentemente, o reconhecimento de todas as verbas trabalhistas, durante o período em que prestou serviços ilusoriamente como estagiário (Anotação na CTPS; pagamento de salário nunca inferior ao mínimo; décimo Terceiro salário; recolhimento de FGTS; pagamento de horas extras; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; aviso prévio; participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, dentre outros);
– Rescisão indireta do contrato de trabalho cumulada com pedido de indenização por danos morais: Em havendo incompatibilidade em permanecer no emprego, em virtude da exploração ilícita de sua mão de obra, bem como pelo descumprimento das obrigações contratuais estipuladas no termo de compromisso, pelo concedente do estágio, há a possibilidade de o até então estagiário e agora empregado, rescindir indiretamente a relação de emprego agora existente entre tomador de serviços e obreiro, nos termos do art. 483, “d” da CLT:
“Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;”
Entendemos também que há a possibilidade de haver reparação civil pela a ocorrência de dano moral, em virtude do concedente ter infringido o princípio da lealdade contratual, praticando, assim, ato ilícito, decorrente do seu abuso de poder, nos termos do art. 187 do Código Civil, abaixo redigido:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Consagra a Constituição Federal que em seu art. 5° incisos V e X, abaixo transcritos:
“Art. 5° […]
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
Dá análise dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, percebemos que se dá análise do caso concreto se verificou que o estagiário foi afetado em seu ânimo psicológico, moral ou intelectual, em virtude dos atos ilegais praticados pela parte concedente do estágio, necessário se faz amenizar tal situação vexatória através de uma compensação de ordem civil, a fim de aplacar o sofrimento experimentado pelo estagiário, bem como desmotivar que tal ato ilícito venha a ser novamente praticado pelo concedente;
– Aplicação de multa administrativa pelos auditores fiscais do trabalho e, se envolver interesse coletivo, atuação do Ministério Público do Trabalho;
No desempenho do seu mister legal estatuído pela Lei nº 10.593, de 06 de dezembro de 2002, que por seu turno, dispõe sobre a organização da Carreira de Auditoria-Fiscal do Trabalho que, em seu art. 11, I, que assim positiva
“Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:
I – o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego;”(Grifamos)
Da transcrição acima, percebemos que em havendo algum tipo de irregularidade no deslinde da atividade desenvolvida pelo estagiário, é dever funcional do Auditor Fiscal do Trabalho, aplicar multa administrativa à parte concedente do estágio que praticou ato lesivo aos ditames da Lei do Estágio, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Já no que tange à atuação Do Ministério Público do Trabalho, este deverá manifestar-se se o ato praticado pelo tomador de serviços vir a lesar a essência coletiva da comunidade, nos exatos termos do art. 127 da Nossa Carta Política:
“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
A lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993 delimita em seu art. 83 a competência do Ministério Público do Trabalho:
“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
III – promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;”
Percebemos, assim, que cabe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito de suas atribuições ministeriais, o combate a todas as formas de discriminação no trabalho, consideradas, assim, as que atentem contra os interesses coletivos de uma determinada gama de pessoas, e se assim o for o desrespeito, por parte do tomador de serviços, a atividade ministerial deverá se manifestar na defesa dos direitos dos estagiários.
4.4 Da sanção às partes pela a ocorrência de estágio ilícito
Seguindo a mesma linha protecionista conferida pela nova legislação estagiaria, a fim de afastar a ocorrência de tipos de estágios fraudulentos, tentando garantir a real efetividade a que se destina o sentido do estágio, o legislador criou em seu art. 15, § 1° da Lei do Estágio, uma forma de impedir que a instituição concedente do estágio, tenha ela caráter público ou privado, que recair em irregularidade de manutenção de estagiários em discordância com os ditames legais, fique impossibilitada de receber estagiários por um lapso temporal de 2 (dois) anos, conforme extrai-se da transcrição do parágrafo infra:
“Art. 15 […]
§ 1o A instituição privada ou pública que reincidir na irregularidade de que trata este artigo ficará impedida de receber estagiários por 2 (dois) anos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente.”
Percebemos da leitura do § 2° do mesmo artigo, que a sanção só e aplica tão somente à filial ou agência em que for cometida a irregularidade:
“Art. 15 […]
§ 2o A penalidade de que trata o § 1o deste artigo limita-se à filial ou agência em que for cometida irregularidade”.
Tal limitação de aplicabilidade sancionatória pode motivar que a classe patronal se utilize de manobras ilícitas para burlar tal sanção ao recebimento de estagiários, o que tornaria ineficaz a aplicabilidade da referida sanção legal. Para isso a classe patronal poderia repassar determinadas atividade a outra agência ou filial, e assim, desviar-se da sanção imposta pelo disciplinamento legal, não havendo nenhum óbice que uma filial, agência ou até a matriz da parte concedente que incorreu em contratação irregulares, contrate livremente estagiários.
Entendemos, que para uma melhor aplicabilidade da referida sanção, a lei deveria ter ampliado sua aplicabilidade, estendendo o caráter sancionatório às demais ramificações empresariais da empresa fraudadora. Mesmo com essa aresta legislativa, merece congratulações o cunho eminentemente pedagógico-punitivo da disposição legal em comento.
5 DA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL QUANTO AO RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO POR OCORRÊNCIA DE ESTÁGIO ILÍCITO
Antes de analisar como vêm se posicionando os Tribunais Laborais, importante se faz conceituar o termo jurisprudência bem com constatar a importância dessa fonte jurisprudencial em nosso ordenamento jurídico.
Jurisprudência, segundo o dicionário Jurídico De Plácido e Silva (2007, p. 803) é: “derivado da conjugação dos termos, em latim, jus (Direito, ciência do Direito) e prudentia (sabedoria), entende-se literalmente que é a ciência do Direito vista com sabedoria […]”, denotando, assim, ser a análise da ciência do Direito vista com sabedoria.
Contemporaneamente, explica-se uma decisão jurisprudencial como sendo a sábia interpretação e aplicação das leis aos casos litigiosos em concreto que se submetam ao crivo do Poder Judiciário.
Nesse sentido, a jurisprudência não se forma por decisões isoladas, mas sim, após uma série de decisões no mesmo sentido. Corrobora com esse entendimento o já citado De Plácido e Silva (2007, p. 804) ao afirmar que: “[…] a jurisprudência não se forma isoladamente, isto é, pelas decisões isoladas. É necessário que se firme por sucessivas e uniformes decisões, constituindo-se em fonte criadora do Direito e produzindo um verdadeiro jus novum […]”
Hodiernamente, podemos então concluir que: “precedente” é uma única decisão isolada em determinado caso litigioso; “jurisprudência”, por seu turno, são várias decisões igualitárias em vários casos em litígio; e por fim, “súmula” é o produto oriundo do processo de uniformidade jurisprudencial, pelo qual se torna mais densa uma linha de acórdãos, que adotem a mesma decisão.
Assim, sendo, percebemos que a função precípua do Poder Judiciário é a resolução dos conflitos, através da aplicação do Direito material ao caso concreto, objetivando a pacificação social. Desta feita, importante, se faz observar os precedentes já firmados pelos colegiados dos tribunais.
Esclarecidos os pontos acima, em síntese, antecipamos que os Tribunais do Trabalho vêm unificando-se no sentido de rebater a utilização do estágio como meio fraudulento de trabalho, preponderando, assim, o principio da proteção, que confere ao trabalhador a norma ou condição que melhor lhe for favorável, de forma a equipará-lo juridicamente ao ente patronal, reequilibrando, desta feita, a reelação mão de obra/ poder econômico, percebemos também, dá análise dos julgados, a preponderância do princípio da primazia da realidade, se sobrepondo, portanto, o que se verifica na análise fática em detrimento do ajustes formais, outrora firmados.
5.1 Reconhecimento de vínculo de emprego por desvio material na atividade desenvolvida pelo estagiário
“Ementa: ESTÁGIO. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. VÍNCULO EMPREGATÍCIO.
Comprovada a contratação de estagiário para o exercício de atividades desconexas com a sua formação profissional, impõe-se declarar a nulidade do referido ajuste, com o reconhecimento do vínculo empregatício perseguido na inicial.” (Grifos nossos) (TRT 20ª Região -3ª Turma – Processo 0028400-46.2009.5.05.0195 RO, Relatora: Sônia França, 3ª Turma, Data da publicação 11/11/2009).
“Ementa:ESTÁGIO. DESVIRTUAMENTO DA DESTINAÇÃO DO VÍNCULO. AUSÊNCIA DE EFETIVA COMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO E APRENDIZAGEM. RELAÇÃO DE EMPREGO CONFIGURADA. Embora o vínculo de estágio possa reunir os cinco elementos fático-jurídicos da relação de emprego, a relação jurídica que o estagiário mantém com o tomador não é legalmente considerada empregatícia, tendo em vista que esse vínculo sócio-jurídico foi estabelecido com o objetivo de possibilitar o aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmica e profissional do estudante. Verificando-se, todavia, que houve desvirtuamento do objetivo do vínculo de estágio, tendo em vista o exercício, pelo estagiário, de atividades que não guardam correspondência com a sua formação acadêmica, deve ser reconhecida a pretensa relação de emprego.” (Grifos nossos)(TRT 20ª Região – 3ª Turma- Processo 0054100-64.2009.5.05.0020 RO, Relatora: Débora Machado, Data da publicação 8/03/2010).
Extrai-se dos julgados colacionados acima que em havendo desconexão entre as atividades realizadas pelo estagiário e a sua formação profissional, nulo é o termo de compromisso outrora firmado entre as partes envolvidas na celebração do estágio, impondo-se a caracterização material de vínculo empregatício.
Percebemos, assim, que os desembargadores da Colenda 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 20° Região (Sergipe), acordão no sentido de reconhecer o vínculo de emprego quando há provas cabais de que não houve respeito ao(s) elementos(s) materiais essenciais ao lícito desenvolvimento do estágio regular, impondo-se ser válida a relação de emprego, sendo descaracterizada a relação de estágio, fazendo jus, portando, o estagiário a todos os direitos trabalhistas e previdenciários garantidos aos empregados regidos pelas normas celetistas.
5.2 Reconhecimento de vínculo de emprego por inobservância dos requisitos formais do estágio
“Ementa:RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO. CONTRATO DE ESTÁGIO. AUSÊNCIA DE TODOS OS REQUISITOS FORMAIS À SUA VALIDAÇÃO. CONFIGURAÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO. A Lei n.º 6.494/77, regulamentada pelo Decreto n.º 87.497/82, bem como a Lei 11.788/08, tratam da matéria referente à celebração de contratos de estágio dos estudantes de estabelecimentos de ensino superior e de ensino profissionalizante do 2.º grau e supletivo, sendo que os seus artigos 4º e 3º, respectivamente, dispõem que: "O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza (…)". Ocorre que estas mesmas leis, além de definirem o objetivo do estágio, estabelecem os seguintes requisitos para validar essa espécie de contratação: existência do termo de compromisso de estágio, com interveniência da instituição de ensino, e a demonstração do efetivo acompanhamento do estagiário por parte desta, sob pena de caracterização do “vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista” (§ 2º do art. 3º da Lei 11.788/08). No caso dos autos, o complexo probatório evidencia a ausência da supervisão da instituição de ensino, de modo que a não-comprovação desse requisito de ordem formal, por si só, inviabiliza a caracterização da figura do estágio, o qual não pode ser convalidado em decorrência da inobservância às disposições contidas no artigo 5º, do Decreto n.º 87.497/82; § 3º do art. 1º da Lei 6.494/77 e § 2º do art. 1º da Lei 11.788/08. Correta a sentença que assim entendeu. Recurso negado.” (TRT 6ª Região – 3ª Turma- Processo n° 0000736-21.2010.5.06.0181, RO, Relatora: Virgínia Malta Canavarro, Data da publicação 10/08/11).
Dá análise do acórdão acima, percebemos que a vontade do legislador é distanciar o contrato de estágio do contrato de emprego, por isso o mesmo estabelece alguns requisitos formais a serem observados na celebração do termo de compromisso, desta feita obedecidas tais diretrizes, não há de se falar em vínculo de emprego entre estagiário e concedente.
Todavia, a simples inobservância de tais preceitos de ordem formal, por si só, são capazes de evidenciar um vínculo de emprego existente entre tomador de serviços e estagiário, inviabilizando, assim, a caracterização da figura do estágio, por não serem respeitadas formas necessárias o seu real desenvolvimento.
Portanto, a jurisprudência se amolda no sentido de reconhecer como relação de emprego, quando na celebração e desenvolvimento do estágio, há inobservância de formas previamente estabelecidas e indispensáveis à formação jurídica do ato, havendo nessa hipótese, vício formal propensa a gerar a anulabilidade do ato praticado, caracterizando, assim, vínculo empregatício para com o tomador de serviços, em virtude da inobservância dos requisitos formalísticos estabelecidos na Lei do Estágio.
5.3 Reconhecimento de vínculo emprego por inobservâncias formais e materiais
“Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EMPRESARIAL. CONTRATO DE ESTÁGIO. NÃO CONFIGURADO. O contrato de estágio, anteriormente previsto na Lei 6.494/77 (Decreto nº 87.497/1992), atualmente se encontra disciplinado na Lei nº 11.788/2008. Essa relação jurídica se dirige ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular e visa ao desenvolvimento do estudante. Impõe a observância de certas e determinadas formalidades para a sua formação, quais sejam: I) matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior; de educação profissional, de ensino médio; da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos, atestados pela instituição de ensino; II) celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino; III – compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso e, IV- acompanhamento do professor orientador da instituição de ensino e supervisor da parte concedente. A não observância dessas formalidades impõe o reconhecimento da relação jurídica de emprego, a teor dos artigos 3º, §2º da Lei 11.788/2008 e art. 3º da CLT, como se dá na espécie. Recurso empresarial a que se nega provimento, no aspecto.” (TRT 6° Região – 2ª Turma- Processo n° 0000909-42.2011.5.06.0009 RO, Relatora: Eneida Melo Correia de Araújo, Data da publicação 02/05/12)
Analisando o acórdão supracolacionado, vemos o quão incisiva é a jurisprudência, em declarar existente o vínculo empregatício, quando observadas irregularidades de caráter materiais e formais necessários à válida ocorrência do estágio lícito, desta feita, sabendo-se que o estágio dirige-se ao exercício de atividades próprias da atividade profissional e a contextualização curricular e visa ao incremento do estudante, a sua utilização em desconexão com tais requisitos sociais, além de ferir a ordem social a que se destina o estágio, é capaz, de per si, transmutar-se para uma legítima relação de emprego. Da mesma forma, para um válido desenvolvimento de um estágio lícito, se faz necessário a observância de requisitos formais estabelecidos em lei, e em não havendo tais observâncias, ilícito o é o estágio em exame, caracterizando também um vínculo jurídico de emprego entre estagiário e concedente. Conclui-se, assim, que para a ocorrência de um estágio ilícito basta a não verificação, seja ela de caráter material ou formal, independente da sua potencialidade, para surgir no plano jurídico um vínculo empregatício, entre tomador e estagiário, sendo garantido ao ultimo todas as garantias trabalhistas e previdenciárias estabelecidas aos empregados regidos pelas normas celetista
5.4 Reconhecimento de vínculo empregatício por observância do princípio da primazia da realidade
“Ementa: CONTRATO DE ESTÁGIO. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. Restando provada a prestação de labor nos moldes do art. 3º da CLT, declara-se o liame empregatício no período reclamado pelo autor na inicial, embora travestido de "estágio". HORAS EXTRAS. Não havendo o reclamante se desincumbido de seu ônus probatório quanto ao sobrelabor aos domingos, não merece reforma a sentença primária. Recurso do reclamante conhecido e parcialmente provido. AVISO-PRÉVIO – AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. A concessão do auxílio-alimentação na forma do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, aprovado pelo Ministério do Trabalho, por si só, não é óbice para que seja pago no curso do aviso prévio, pois este, ainda que indenizado, integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais, inclusive para as vantagens pecuniárias. Recurso da reclamada conhecido e improvido.” (TRT 16ª Região – 2ª Turma- Processo n° 01142-2007-004-16-00-7-RO (76266), Relator: Luiz Cosmo da Silva Junior, Data da publicação 29/03/10). (Grifos nossos)
Já da transcrição da decisão jurisprudencial supra, vemos o quão importante é o princípio da primazia da realidade, pois é através da verificação fática que se pode observar se houve fuga aos ditames materiais, desempenhados pelo estagiário no desenvolver de suas tarefas. Sendo assim, restando provado que o estagiário amolda-se aos elementos caracterizadores da relação empregatícia, estampada no art. 3° da Consolidação Celetista, perfeito está o liame existente entre parte concedente/empregador e estagiário/empregado, muito embora formalmente este seja considerado estagiário (regido pela Lei 11.788/2008), se sobrepondo a situação fática em detrimento da situação formal estabelecida no termo de contrato. Fazendo jus o estagiário a todas as verbas legais a que tem direito um empregado regido pela CLT.
5.5 Reconhecimento de vínculo empregatício x incumbência do ônus da prova
“Ementa: VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIMENTO. ÔNUS DA PROVA. Demonstrada a presença dos elementos caracterizadores do liame empregatício, por parte do empregado, e não havendo a reclamada se desincumbido satisfatoriamente do ônus probandi que atraíra para sim, tem-se como verdadeiros os fatos alegados pelo autor e refutados pela empresa, sem comprovação eficaz, ex vi do que dispõem os artigo 333, I do CPC e 818 da CLT. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário oriundos da 3ª Vara do Trabalho de São Luís/MA, em que figuram como partes Casa de Idéias Comunicação Ltda, recorrente, e João José Viana Moreira, recorrido.” (TRT 16° Região – 1ª Turma- Processo n° 00644-2008-003-16-00-5-RO, Relator: Gérson de Oliveira Costa Filho, Data da publicação 31/03/10).
Analisando o julgado acima vemos como se dá a distribuição do ônus probanti na busca da verdade real na relação de estágio. Assim, o ônus da prova segue a regra geral estampada no art. 331, I do CPC bem com do art. 818 da CLT, cabendo ao autor provar as alegações constitutivas de seu direito:
“Código de Processo Civil.[…]
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 818 – A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.”
Em não havendo a parte reclamada satisfatoriamente refutado o que fora alagado pelo autor em inicial, comprovado está o vínculo empregatício existente entre ambos, perfazendo-se existente o liame laboral entre estagiário e concedente.
5.6 Reconhecimento de vínculo de emprego x impossibilidade de análise de provas fáticas pelo Tribunal ad quem
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. 1. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONTRATO DE ESTÁGIO. INVALIDADE. FUNÇÃO EXERCIDA.
O Tribunal de origem entendeu pela invalidade do contrato de estágio, bem como consignou que a função exercida era de vendedora, com amparo nas provas colacionadas aos autos. Incidência da Súmula 126/TST.”TST- 8ª Turma-Processo nº 45140-87.2006.5.15.0007- AIRR- Relatora Ministra: Dora Maria da Costa. Data da publicação 30/04/2010.
Entendeu o colegiado do Colendo Tribunal Superior do Trabalho que das provas trazidas pelo reclamante/estagiário no Juízo a quo, inválido era o contrato de estágio, pois havia dissonância entre o que havia sido estipulado contratualmente e o que era realizado de forma prática pelo estagiário, pois na prática o estagiário desempenhava funções de vendedora, sendo aplicada no presente caso a súmula 126 do Tribunal Superior do Trabalho, que veda à análise de provas pelo órgão Julgador ad quem, podendo ser discutida apenas questões de Direito na análise do caso concreto pelo Tribunal, sendo mantida, por conseguinte, a decisão originária.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o fito de analisar quando e como o desvio, material ou formal, no desenvolvimento do tipo de trabalho, estágio, pode vir a transmutar-se para uma relação empregatícia, foram analisadas as principais inovações trazidas pela Lei 11.788/2008, e o que de positivo e/ou negativo tais mudanças trouxeram no trato com os estagiários, foi feita o exame dos elementos essenciais à configuração da relação de emprego, bem como dos requisitos configuradores da relação de estágio, sendo mostradas as similaridades e distinções de ambas as modalidade de trabalho, foi ponderado também quanto ao desenvolvimento ilícito do estágio e como e quando este evolui para uma relação de emprego, por inobservâncias formais ou materiais na sua evolução, e, por fim, foram analisadas algumas decisões jurisprudenciais que denotaram como os tribunais se posicionam a respeito do tema proposto.
Percebe-se então, que, não raramente, as relações empregatícias sejam disfarçadas sob a denominação de estágio, no desígnio de preservar o empregador dos encargos financeiros decorrentes de uma lícita contratação de emprego, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de uma importante ferramenta legal que coíbe tal prática meticulosa, evitando, assim, que o destino a que se impõe o estágio, seja desvirtuado em favor de interesses escusos da classe patronal.
Assim sendo, percebemos que o espírito da legislação estagiária é iminentemente protetivo ao estagiário, apresentando-se como uma importante ferramenta legislativa de amparo aos direitos dos estagiários, trazendo para as relações laborais estagiárias uma maior clareza no que tange ao tratamento do tema analisado, o que de certa forma, induz ao alcance da precípua finalidade a que se destina o estágio, qual seja, oportunizar ao estudante um complemento acadêmico, possibilitando ao mesmo vivenciar de forma prática o que vem aprendendo de forma teórica no ceio institucional, ajudando-o, assim a desenvolver-se profissionalmente no mercado de trabalho.
Desta feita, vimos que haverá reconhecimento empregatício do estagiário com a parte concedente, e, consequentemente a imputação de suas consequências legais, quer seja pela incompatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso, bem como pelo não acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente (desvio material do estágio), quer seja, pela inobservância de requisitos formalísticos previamente estabelecidos em lei, que para o regular desenvolvimento do estágio, necessário se faz, estarem presentes: Qualificação das partes; formação de termo de compromisso com o estagiário e o tomador de serviços e a observância das regras impostas pela nova Lei do Estágio (desvio formal do estágio). Inclusive a jurisprudência pátria mostra-se incisiva em reconhecer o vínculo de emprego quando verificada a ocorrência de estágio ilícito, sendo reconhecidas ao obreiro/estagiário todas as verbas trabalhistas e previdenciárias a que faz jus um empregado normal, regido pelas normas Celetistas, preponderando, assim, o principio da primazia da realidade, pois na esfera trabalhista deve prevalecer a substância real, independente de qualquer formalismo que leve à existência de outra espécie de vínculo. Assim sendo, em havendo desconexão entre o que ocorre na prática e o que surge de meros documentos formais, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no campo fático.
Por fim, percebemos a importância do estágio na formação e aperfeiçoamento profissional do estudante, capacitando o mesmo para o ingresso no mercado de trabalho, e, devido a sua grande importância, haja vista, que o futuro econômico e até mesmo empresarial de um país, depende da formação de profissionais capacitados. Desta feita, é necessário que o Estado, através de suas ferramentas legislativas e jurisprudenciais deve combater que o estagio seja utilizado de forma ilícita pela classe patronal, resguardando, assim, a finalidade a que se destina o estágio.
Informações Sobre os Autores
Daniel Ferreira de Lira
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante
Thiago Emanuel da Costa
Demetrius Almeida Leão
Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba; Professor de Direito Constitucional, Processo constitucional e Administrativo das Faculdades UNESC – União de Ensino Superior de Campina Grande e FIP – Faculdades Integradas de Patos; Advogado