Reforma Trabalhista: Uma Análise Acerca da Indenização por Danos Extrapatrimoniais nos Casos de Assédio Sexual

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Nathalia Liliamtis Silva – Graduada em Direito pela Universidade Braz Cubas/SP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito. MBA em Direito do Trabalho pela Faculdade Legale. (e-mail: [email protected])

“Hoje em dia conhecemos o preço de tudo e o valor de nada”.

Oscar Wilde

SILVA, Nathalia Liliamtis. Reforma trabalhista: uma análise acerca da indenização por danos extrapatrimoniais nos casos de assédio sexual, 2020.

Resumo: O sexo feminino vem lutando para conquistar seu espaço na sociedade há muitos anos e, uma das consequências da Revolução Industrial, foi o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Entretanto, o patriarcalismo enraizado na cultura brasileira, gerou problemas como a diferença salarial entre homens e mulheres, como o desrespeito do empregador – predominantemente do sexo masculino – em relação à gestação e à maternidade, além da disseminação de casos de assédio sexual no ambiente corporativo.

Em nosso ordenamento jurídico, o assédio sexual é considerado crime, de acordo com o artigo 216-A do Código Penal, com pena de detenção de 01 a 02 anos.

Ademais, em âmbito trabalhista, tal conduta também ostenta certas punições, assim como o pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais à vítima assediada.

Ocorre que, com a vigência da Reforma Trabalhista no ano de 2018, os critérios de quantificação dos danos morais sofreram sérias alterações, ao ponto de nos levar a questionar se o legislador realmente está apto a precificar a dignidade de uma mulher que é sexualmente constrangida por seu superior hierárquico.

Palavras chave: Assédio sexual. Indenização. Danos extrapatrimoniais. Reforma trabalhista.

 

 Abstract: Women have been struggling to conquer their place in society for many years and one of the consequences of the Industrial Revolution was the woman’s admission into the labor market. However, patriarcalism rooted in brazilian culture has generated problems such as the wage difference between men and women, such as the disrespect of the employer – predominantly male – in relation to pregnancy and motherhood, such as the dissemination of sexual harassment cases in the corporate environment.

In our legal framework, sexual harassment is considered a crime, according to article 216-A of the Penal Code, with imprisonment of 01 up 02 years.

In addition, in Labour Law, such conduct also bears certain punishments, as well as the payment of indemnity for moral damages to the harassed victim.

It occurs that, with the validity of the Labor Reform in the year 2018, the criteria for quantifying the moral damage have undergone serious changes, to the point of making us question whether the legislator really is apt to precify the dignity of a woman who is sexually constrained by her superior hierarchical.

Keywords: Sexual harassment. Compensation. Moral damages. Labor reform.

 

Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais do assédio sexual no ambiente de trabalho. 1.1. Breve análise histórica. 1.2. Conceito. 1.3. Elementos caracterizadores essenciais. 1.3.1. Sujeito ativo e passivo. 1.3.2. Conduta sexual reprovável. 1.3.3. Reiteração da conduta. 1.3.4. Rejeição à conduta do assediador. 1.4. Meios de prova. 2. Aspectos específicos do assédio sexual no ambiente de trabalho. 2.1. Espécies. 2.1.1. Assédio sexual por chantagem. 2.1.2. Assédio sexual por intimidação. 2.2. Consequências. 2.2.1. Para o assediador. 2.2.2. Para o assediado. 2.2.3. Culpa recíproca. 2.2.4. Para o empregador (pessoa jurídica). 3. A indenização por danos extrapatrimoniais nos casos de assédio sexual. 3.1. Conceito de dano moral. 3.2. A valoração dos danos morais antes da Lei 13.467/2017. 3.3. O método de tabelamento introduzido pela Lei 13.467/2017. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi desenvolvido em razão da grande quantidade de ações trabalhistas envolvendo o assédio sexual no ambiente de labor, especialmente com a incidência de danos morais.

Em verdade, o assédio sexual é abordado em diversas pesquisas acadêmicas, podendo até ser considerado um tema “repetitivo”. Contudo, isso acontece justamente pelo fato de ser um problema tão presente na vida das pessoas.

Todos nós conhecemos alguma história de assédio sexual cometido no seio do ambiente de trabalho. Isso porque, infelizmente, a cultura brasileira ainda ostenta uma essência patriarcal.

Muito embora essa modalidade de assédio não seja praticada exclusivamente contra o sexo feminino – podendo atingir homossexuais e até mesmo homens CIS – a maioria das jurisprudências relacionadas ao tema ainda trata de mulheres assediadas.

Diante desse cenário, buscamos identificar quais são os mecanismos utilizados pela Justiça Trabalhista para a valoração dos danos extrapatrimoniais suportados pela vítima. Em outras palavras, quanto “vale” a honra de uma mulher assediada?

A Lei nº 13.467/2017 trouxe mudanças significativas para a fixação dos danos morais de maneira geral, ao passo que introduziu o método de tarifação/tabelamento previsto no artigo 223-G.

Todavia, o referido método é encarado como inconstitucional por diversos autores do ramo, demonstrando a relevância de se colocar em pauta o assunto.

Compensar quem foi ofendido é sinônimo de amenizar o seu sofrimento, minimizar os resultados danosos e satisfazê-lo com uma quantia pecuniária que nitidamente servirá de consolo.

Assim, em tempos de insegurança jurídica, é importante que os aplicadores do Direito reflitam se realmente almejam um Judiciário que fomenta indenizações ínfimas e injustas, visto que nem todo processo alimenta a banalizada “indústria do dano moral”. Existem casos sérios, que clamam por profissionais “mais humanos”.

 

  1. ASPECTOS GERAIS DO ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

1.1 Breve análise histórica

Vivemos numa realidade que, no mundo inteiro, a figura da mulher sempre sofreu discriminação. Isso aconteceu (e ainda acontece), porque nossa cultura é substancialmente patriarcal desde os tempos mais primórdios, ou seja, porque existe uma falsa concepção de superioridade do homem em relação à mulher.

Antigamente, o marido era o provedor do lar, era a autoridade máxima na família e podia desempenhar toda e qualquer função na sociedade. Já a mulher, era exclusivamente responsável pela criação dos filhos, pelos afazeres domésticos e por satisfazer todas as vontades do esposo.

Inclusive, no tempo do Brasil-colônia, os direitos civis brasileiros eram uma extensão daqueles reconhecidos em Portugal, tendo sido de início regidos pelas Ordenações Afonsinas, depois pelas Ordenações Manuelinas e, por último, pelas Ordenações Filipinas.

Os referidos Códigos fundamentavam-se basicamente no Direito Romano (Código Justiniano) e no Direito Canônico, considerando a forte influência da Igreja Católica na época, de modo a impor que a mulher devia total submissão ao marido.

As Ordenações Filipinas autorizavam o homem casado até a matar a esposa que praticasse adultério, assim como também lhe era permitido matar o próprio amante dela. Em outras palavras, no nosso país, o homem era licitamente proprietário da mulher.

Somente após muita luta para garantirem direitos civis básicos, com a Revolução Industrial as mulheres adquiriram maior independência e, finalmente, conseguiram ingressar no mercado de trabalho, passando a dominar os ambientes corporativos, acadêmicos e até mesmo políticos.

Nesse sentido, o artigo 7º, inciso XX, da Constituição Federal de 1988, conferiu proteção específica ao trabalho da mulher, dispondo que:

 

“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)

 

XX – Proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”.

 

Ademais, a própria Carta Magna de 1988, assegurou a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres perante a Lei (artigo 5º, inciso I, CF), também proibindo a diferença salarial, de exercício de funções e de critérios de admissão (artigo 7º, inciso XXX, CF).

E nessa esteira, passou então a legislação ordinária a disciplinar uma série de medidas para evitar que a mulher fosse discriminada, principalmente por conta da gestação e da maternidade (artigos 372 a 401-B da Consolidação das Leis do Trabalho).

Entretanto, o movimento denominado “feminismo” foi – e é até hoje – capaz de romper paradigmas, só que infelizmente não se livrou do machismo que vem sendo reiteradamente transmitido de geração em geração.

Assim, o assédio sexual do homem contra a mulher dentro do ambiente de trabalho atingiu grande proporção e, mesmo sem restringir o assédio sexual à essa modalidade, o ato em si ostenta íntima ligação com o suposto poder que a figura masculina exerce sobre o sexo considerado “frágil”.

Diante desse problema, o legislador tipificou o assédio sexual como crime em 2001, no artigo 216-A do Código Penal (Lei nº 10.224), com pena de detenção de 01 a 02 anos, aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 anos de idade, além de ter estipulado punições como o pagamento de indenização à assediada.

Contudo, seguimos nos deparando com casos de assédio sexual sendo frequentemente noticiados pela mídia, fato que comprova a presença alarmante daquele patriarcalismo que nos foi deixado de herança.

 

1.2 Conceito

O termo “assédio sexual” propriamente dito é originário do termo inglês “sexual harassment” e, consiste numa perseguição de cunho sexual tão insistente por parte do assediador, que chega ao ponto de ser constrangedora, afetando diretamente o psicológico da vítima.

E da análise do artigo 216-A do Código Penal, a única forma de assédio sexual criminalizada no Brasil é aquela em virtude do trabalho subordinado. Vejamos o que prevê exatamente tal dispositivo:

 

“Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

 

Contudo, segundo o jurista Rodolfo Pamplona Filho, o problema do assédio sexual é muito mais amplo do que a forma conceituada pela legislação penal vigente:

 

“Conceituamos, por isto, o assédio sexual como toda conduta de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, é continuadamente reiterada, cerceando-lhe a liberdade sexual.

Por se constituir em uma violação do princípio de livre disposição do próprio corpo, esta conduta estabelece uma situação de profundo constrangimento e, quando praticada no âmbito das relações de trabalho, pode gerar consequências ainda mais danosas” (grifos originais).[1]

 

Em verdade, verifica-se que esse problema social não se restringe apenas ao ambiente de trabalho, sendo – infelizmente – muito comum em ambientes acadêmicos, hospitalares e até mesmo religiosos.

Neste diapasão, para a doutrinadora Maria Helena Diniz, assédio sexual é o “ato de constranger alguém com gestos, palavras ou com emprego de violência, prevalecendo-se as de relações de confiança, de autoridade ou empregatícia, com um escopo de obter vantagem sexual”[2] (grifos próprios).

Vale ressaltar, ainda, que assédio sexual configura “ato preparatório” da real pretensão do assediador, qual seja, a de praticar relações sexuais com a vítima. A partir do momento em que essa pretensão é consumada, sem o consentimento do assediado, o fato passa a ser penalmente tipificado como abuso sexual, o qual, além da responsabilização criminal, também admite responsabilização civil (indenização por danos morais).

 

1.3 Elementos caracterizadores essenciais

Embora esta seja uma afirmação relativa, a depender da averiguação das circunstâncias de cada caso em concreto, culturalmente falando, o assédio sexual não é um mero elogio ou galanteio.

O assédio sexual é muito mais profundo, tendo suas lacunas preenchidas através da doutrina especializada, da jurisprudência (O.J.) e da aplicação de princípios basilares como o Princípio da Boa Fé, o Princípio da Razoabilidade, o Princípio da Primazia da Realidade, o Princípio da Proteção, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, entre outros.

Vejamos os requisitos impostos pelo TRT2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – SP), os quais são corroborados pela maioria dos doutrinadores:

 

“O assédio sexual, como crime, é caracterizado pela conduta sexual não desejada e reiterada, praticada pelo empregador ou pessoa que tenha o poder de decidir ou influir no futuro profissional do empregado. Não se confunde com o simples flerte ou paquera, tão natural entre pessoas que convivem diariamente, inclusive no ambiente de trabalho. É natural e da vida que pessoas se sintam atraídas umas pelas outras, e não é nenhuma ofensa desejar um relacionamento com aquele ou aquela que tenha chamado a sua atenção. E nisso o bom senso nem sempre está lá para cuidar dos limites. Mas nem mesmo os excessos, nesses casos, servem para traduzir assédio sexual. O assédio sexual pressupõe hierarquia entre agente e vítima e consiste no uso dessa vantagem, por um, para obter favores sexuais do outro, inclusive mediante ameaça, expressa ou velada. No caso, não há prova de assédio sexual. Certo que a testemunha Cristiane, indicada pela autora, afirmou “que o gerente Wellington vivia com gracinhas com as empregadas, chegando por trás e dando beijinhos; que já viu tal pessoa com essas atitudes com a reclamante, inclusive convidando-a para sair; que se lembra que, em certa oportunidade, esse gerente puxou o cós da calça da reclamante, fazendo observação de que ela não estaria usando calcinha; que esse gerente também ficava fazendo convites para suas colegas, objetivando relações sexuais;” (fl. 117). Isso tudo não identifica assédio sexual, mas investida sobre colegas de trabalho, sem interferência da posição hierárquica superior do assediador (ou pretendente). Evidente que o comportamento do gerente era bem inadequado, inconveniente e grosseiro. Pra dizer o mínimo. No entanto, não há prova de que recusa ao comportamento do gerente seria considerada – explícita ou implicitamente – para a tomada de decisões que afetasse a autora no trabalho. Além do mais, o gerente trabalha no turno da manhã, enquanto que a autora prestava serviços no turno da noite, ou seja, eles mal se encontravam. Nesse contexto, muito embora o gerente tenha extrapolado a dose com a autora, com investidas grosseiras e de baixo nível, ainda assim é diferente do tipo legal de que trata a Lei n. 10.224, que define o tipo legal: “constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Então a figura não é de assédio. Mas nem por isso deixa de ser reprovável a conduta do sujeito que exagera nas suas investidas, o sujeito de mau gosto, que não se enxerga, metido a machão, de nenhum nível, grosso e por aí vai, ladeira abaixo nos adjetivos. Ou seja, embora não se tenha a figura do delito, a empregada, ainda assim, foi submetida a sérios constrangimentos. Sim, a princípio não houve crime, mas sem nenhuma dúvida houve ofensa à dignidade da empregada, tanto sua condição de empregada como na condição de mulher. A inconveniência do sujeito era manifesta e dirigida a várias mulheres, dentre as quais a autora. Era uma situação de humilhação, e que chegava ao ponto de ser tocada fisicamente, inclusive para ser examinada em suas partes íntimas. É coisa que não se faz nem por brincadeira, muito menos num ambiente de trabalho. A agressão moral, no caso, justifica sim a reparação. E por mim, essa indenização é até pequena. Mas como não se admite a reforma para pior, fica a recorrente no lucro, o de pagar apenas R$ 10.000,00, pelas bravatas inconvenientes do seu gerente dom Juan”.

Processo TRT/SP nº 000044550.2012.5.02.0023, 11ª Turma, Relator Eduardo de Azevedo Silva (decisão extraída do TRT/SP – RO nº 000106811.2012.5.02.0316, 11ª Turma, Relatora Maria José Bighetti Ordoño Rebello, julgado em 15.10.2013 e publicado em 22.10.2013) – grifos próprios.[3]

 

Podemos concluir que, para a configuração do assédio sexual no ambiente de trabalho, exige-se a figura do assediador (sujeito ativo), do assediado (sujeito passivo), que a conduta reprovável tenha conotação sexual, que essa conduta seja praticada de maneira reiterada e, por fim, que haja rejeição pela vítima.

 

1.3.1 Sujeito ativo e passivo

Tratando-se de Direito do Trabalho, é importante esclarecer que o sujeito ativo, ou seja, o agente assediador, precisa ocupar posição hierárquica superior dentro do ambiente de labor ou, ao menos, precisa ter autoridade suficiente para conseguir prejudicar o sujeito passivo nas suas funções, também chamado de assediado, vítima ou destinatário.

Isso porque, o assediador abusa dessa sua “superioridade” para obter vantagem ou favorecimento sexual em detrimento do assediado, provocando-lhe medo de perder o emprego e vergonha de denunciar os fatos.

E nesse contexto, embora existam casos de assédio sexual no trabalho praticados por mulheres e homossexuais, a grande maioria dos casos ainda é perpetrada por homens héteros, justamente pela influência dos fatores históricos anteriormente expostos na presente pesquisa.

 

1.3.2 Conduta sexual reprovável

É praticamente impossível encontrar um padrão universal de conduta, já que a concepção de “comportamento escandaloso” varia de acordo com a sociedade local, com a faixa etária, com o grau de instrução etc.

Entretanto, uma conduta é digna de repúdio quando o sujeito ativo – que ostenta uma posição hierárquica superior ou elo de confiança –, visando satisfazer sua própria libido, coage e ameaça o sujeito passivo com relação ao cargo ou função por ele (a) desempenhado, lhe ceifando a liberdade sexual.

O Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Cleber Masson, conceitua “liberdade sexual” como: “o direito inerente a todo ser humano de dispor do próprio corpo. Cada pessoa tem o direito de escolher seu parceiro sexual, e com ele praticar o ato desejado no momento que reputar adequado, sem qualquer tipo de violência ou grave ameaça” (grifos próprios).[4]

Não importa se tal conduta é de natureza física ou verbal, o que importa é a coação empregada pelo agente para alcançar os seus objetivos sexuais. Por essa razão, esse requisito não pode ser confundido com, por exemplo, um mero flerte ou paquera dentro do ambiente de trabalho.

Embora, muitas vezes, o teor de um flerte possa gerar certo incômodo/desconforto ao destinatário, para a configuração do assédio sexual, a conduta precisa ser mais “agressiva”, ameaçadora, perturbadora (conforme se verificou no julgado da 11ª Turma do TRT2/SP nº 000044550.2012.5.02.0023).

 

1.3.3 Reiteração da conduta

Doutrinariamente falando, como regra geral, o assédio sexual depende da reiteração da conduta sexual reprovável, ou seja, da insistência e perseguição por parte do agente assediador.

E embora existam precedentes jurisprudenciais que divergem de tal entendimento – em razão da gravidade insuperável de determinados atos praticados de maneira isolada –, nossos Tribunais predominantemente levam em conta a continuidade do assédio.

Consequentemente, o afastamento do presente requisito é tido como exceção. Por exemplo, um único aperto nas nádegas, no interior do ambiente corporativo, é assédio sexual ou é exclusivamente uma enorme falta de respeito? Tudo depende das peculiaridades que permeiam cada caso em concreto.

 

1.3.4 Rejeição à conduta do assediador

O assédio sexual nada mais é que uma conduta de cunho sexual, não desejada por quem está sendo assediado. Caso contrário, a vítima estaria consentindo, ou seja, se colocando voluntariamente naquela situação.

Essa rejeição pelo sujeito passivo é pressuposto fundamental para o conjunto probatório, devendo ser algo de fácil constatação, justamente para que o caso não perca a credibilidade.

 

1.4 Meios de prova

Geralmente as provas do assédio sexual são difíceis de serem obtidas, pois a conduta é praticada apenas entre o assediador e o assediado, numa relação clandestina de coação X submissão.

Ocorre que, um conjunto probatório fragilizado pode levar a sucumbência da ação, que adotou regras mais severas com a Reforma Trabalhista. Por essa razão, é recomendável que a vítima junte aos autos bilhetes, cartas, e-mails, mensagens de celular, fotos ou gravação – esta última sujeita à análise – capazes de demonstrar certa malícia por parte do sujeito ativo.

Além disso, possíveis testemunhas dos fatos narrados e o depoimento pessoal do assediado ganham potencial força nesses casos.

Em suma, as evidentes dificuldades probatórias devem estimular o magistrado a ponderar os indícios que foram produzidos durante a respectiva demanda trabalhista, sendo plausível a necessidade de inversão do ônus da prova (trata-se de responsabilidade civil objetiva).

 

  1. ASPECTOS ESPECÍFICOS DO ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

2.1 Espécies

A doutrina costuma dividir o assédio sexual em duas espécies: o assédio sexual por chantagem e o assédio sexual por intimidação, já que ambos ostentam características bem particulares.

 

2.1.1 Assédio sexual por chantagem

Também é denominado de assédio sexual quid pro bono, cujo significado é “isto por aquilo”.

Segundo a especialista Alice Monteiro Barros, essa modalidade ocorre quando o superior hierárquico exige que seu subordinado pratique determinada atividade de natureza sexual, sob pena deste perder o emprego ou benefícios advindos da relação de trabalho ou, ainda, sob a promessa de vantagem.

Verifica-se que, nessa hipótese, o assediador utiliza seu cargo para fazer com que a vítima acabe cedendo às pretensões sexuais dele, mediante uma troca de favores (daí a expressão quid pro bono).

Por exemplo, a funcionária pede um aumento salarial ao empregador que, por sua vez, lhe exige um beijo ardente para tanto.

 

2.1.2 Assédio sexual por intimidação

Também é denominado de “assédio sexual ambiental” e conhecido como “clima de trabalho envenenado”, tendo em vista a íntima ligação com o ambiente laboral de modo geral.

O doutrinador Rodolfo Pamplona Filho brilhantemente nos esclarece:

 

“O “assédio sexual ambiental” é aquele que se caracteriza por incitações sexuais inoportunas, solicitações sexuais ou outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no ambiente em que é intentado.

Trata-se, em verdade, de uma forma de intimidação, muitas vezes difusa, que viola o direito a um meio ambiente de trabalho sexualmente sadio (daí a expressão “assédio sexual ambiental”).

Nesta espécie, o elemento “poder” é irrelevante, sendo o caso típico de assédio sexual praticado por companheiro de trabalho da vítima, ambos na mesma posição hierárquica na empresa.

O aspecto fundamental, portanto, não é a existência de ameaças, mas sim a violação ao seu “direito de dizer não”, através da submissão – notadamente de mulheres – a avanços repetidos, múltiplas blagues ou gestos sexistas (mesmo que sua recusa não seja seguida de represálias)” – grifos não originais.[5]

 

Vale salientar que, o Código Penal Brasileiro tipificou exclusivamente o assédio sexual por chantagem. Contudo, a modalidade de assédio sexual por intimidação, infelizmente, faz parte da nossa realidade cultural, motivo pelo qual vem sendo reconhecida tanto na seara trabalhista quanto na seara cível.

 

“DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. ABUSO DE PODER. O assédio sexual no ambiente de trabalho constitui uma forma de abuso de poder, podendo ocorrer por chantagem, quando o assediador tem o intuito de levar vantagem ou fornecimento sexual prevalecendo-se de sua função ou condição superior hierárquica (tipo criminal), ou por intimidação, quando há a intenção de restringir a atuação ou criar situação ofensiva ao assediado”.

TRT2/SP – RO nº 2524420125020 SP 00002524420125020020 A28, 17ª Turma, Relator Riva Fainberg Rosenthal, julgado em 06.06.2013 e publicado em 14.06.2013.

 

Podemos afirmar, portanto, que o grande objetivo do Direito do Trabalho é zelar pela integridade física e psíquica do trabalhador, ao passo que qualquer conduta sexualmente reprovável dentro do ambiente laboral – ainda que não seja ilícita – requer devidas providências.

 

2.2 Consequências

2.2.1 Para o assediador

Da análise do ordenamento jurídico como um todo, basicamente encontramos cinco formas de punição para quem comete assédio sexual: 1) advertência, suspensão ou demissão do assediador, por justa causa, em âmbito trabalhista (a depender da gravidade); 2) a rescisão contratual indireta pelo assediado, com direito a indenização na Justiça do Trabalho; 3) a Responsabilidade Civil na Justiça Comum (dano emergente, lucros cessantes e danos morais – art. 932, III, CC); 4) a pena privativa de liberdade prevista no artigo 216-A do Código Penal – Lei nº 10.224/2001 e; 5) processo administrativo no caso de servidor público (regime estatutário).

Além disso, também temos amparo constitucional para repreender o assediador, de acordo com o artigo 3º, inciso IV e com o artigo 5º, inciso I, ambos da Constituição Federal de 1988.

Todavia, como o enfoque da presente pesquisa é o Direito do Trabalho (CLT), vale elucidar que a demissão por justa causa decorrente de assédio sexual se dá com fulcro na “incontinência de conduta” do artigo 482, alínea “b”, da CLT.

O jurista Renato Saraiva explica:

 

“Incontinência de conduta é o desregramento ligado à vida sexual do indivíduo, que leva à perturbação do ambiente do trabalho ou mesmo prejudica suas obrigações contratuais, como a prática de obscenidades e pornografia nas dependências da empresa.

Podemos citar também como exemplo de incontinência de conduta o assédio sexual, prática de atos de pedofilia na empresa etc.”[6]

 

Já a rescisão contratual indireta por parte do sexualmente assediado, que lhe concede o direito de indenização, ocorre por força do artigo 483, alínea “a”, da CLT: quando “forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato” (grifei). E na hipótese de “serviços defesos por lei” podemos fazer referência à Lei nº 10.224/2001.

 

2.2.2 Para o assediado

Aqui está a relevância do tema abordado na presente pesquisa: os danos extrapatrimoniais que o assédio sexual proporciona são expressivos.

Com efeito, apesar dos mecanismos elencados para sancionar o assediador, sem dúvidas, a pessoa que mais sofre com o assédio sexual é a própria vítima.

Isso porque, mesmo após serem tomadas as devidas providências administrativas e judiciais, dificilmente o assediado irá conseguir esquecer os episódios de coação e constrangimento, em que teve sua liberdade sexual ceifada pelo sujeito ativo.

Destarte, considerando que o assédio sexual atinge o campo dos projetos e sonhos pessoais, essas profundas marcas psicológicas podem desencadear quadros de ansiedade e depressão, além da perda do interesse pela carreira ou profissão escolhidas.

Por essas razões, o apoio da família e amigos é fundamental durante todo o processo judicial, sendo fortemente recomendado por especialistas que a vítima procure o auxílio de um psicólogo.

 

2.2.3 Culpa recíproca

Na Justiça do Trabalho discute-se a questão da culpa recíproca em ações de indenização por danos materiais e morais (fato irrelevante para o Direito Penal). O doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite explica:

 

“A culpa recíproca ocorre quando o empregado (CLT, art. 482) e o empregador (CLT, art. 483) cometem, ao mesmo tempo, faltas que constituem justa causa para a extinção do contrato. É imprescindível para configurar a culpa recíproca que as justas causas do empregado e do empregador sejam contemporâneas”.[7]

 

Inclusive, temos a Súmula 14 do TST: “Reconhecida a culpa recíproca na rescisão do contrato de trabalho (art. 484 da CLT), o empregado tem direito a 50% (cinquenta por cento) do valor do aviso prévio, do décimo terceiro salário e das férias proporcionais”.

Ocorre que, falar de culpa recíproca diante de um episódio de assédio sexual é muito delicado, pois embora a CLT reconheça tal instituto, a vítima nunca pode ser responsabilizada por um atentado contra a sua própria liberdade sexual.

Antigamente, em decorrência da cultura patriarcal, o comportamento do sujeito passivo era utilizado como justificativa para assédios e abusos de natureza sexual. Assim, se a vítima vestia roupas inapropriadas para o ambiente de trabalho ou se era muito expansiva, podia ser mal interpretada pelos colegas.

Não obstante, esses paradigmas estão sendo paulatinamente desconstruídos, ao passo que em pleno ano de 2020, a tese tornou-se significativamente arriscada.

 

2.2.4 Para o empregador (pessoa jurídica)

Além do sujeito ativo e do sujeito passivo, o assédio sexual também envolve o empregador propriamente dito, de modo a prejudicar sua imagem e credibilidade no mercado de atuação.

Primeiramente, o Código Civil dispõe acerca da responsabilidade indireta do empregador pelos atos de seus funcionários, no artigo 932, inciso III, do Código Civil, a qual é oriunda da simples relação de emprego. O Professor Flávio Tartuce esclarece:

 

“Como palavras iniciais sobre o tema da responsabilidade civil do empregador, é preciso diferenciar a sua responsabilidade direta e indireta. A primeira se dá pelo desrespeito às normas relativas ao Direito do Trabalho. Já a segunda diz respeito à responsabilidade do empregador por ato de seu empregado ou preposto, nos termos do citado art. 932, III, do Código Civil”.[8]

 

E conforme o enunciado nº 451 da V Jornada de Direito Civil em 2011: “A responsabilidade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade objetiva ou independe de culpa, estando superado o modelo de culpa presumida”. Enunciado que acaba contrariando a antiga Súmula 341 do STF (do ano de 1963) somente quanto ao acolhimento da “culpa presumida”, sendo pacífico o entendimento de que a responsabilidade é de natureza objetiva.

 

“Responsabilidade civil do empregador. Danos morais causados ao empregado. Caracterização. Assédio sexual. Na hipótese, ficou registrado não só o comportamento inoportuno do assediador e a exposição da autora perante os colegas, mas até mesmo o oferecimento de supostas vantagens em troca dos pretendidos favores sexuais. Ainda que o Tribunal Regional tenha se equivocado na qualificação da espécie de dano (afirmando tratar-se de assédio moral, mas não sexual), é certo que houve a lesão extrapatrimonial, da qual surge o dever de reparação. Friso, finalmente, que, na espécie, a responsabilidade do empregador é objetiva, já que se trata de ato praticado por outro empregado, nos exatos termos preconizados pelos artigos 932, III, e 933 do Código Civil. Agravo de instrumento a que se nega provimento” (grifos não originais).

TST, AIRR 0144700-88.2006.5.01.0072, 7ª Turma, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, publicado em 13.10.2017, p. 1.983.

 

Flávio Tartuce ainda explica:

 

“No entanto, ainda existe muita confusão conceitual no âmbito da doutrina e da jurisprudência trabalhistas, podendo ser encontradas posições segundo as quais as concepções de culpa presumida e responsabilidade objetiva são iguais ou sinônimas. Como antes se expôs, há um ledo engano nesse baralhamento. Em comum, tanto na culpa presumida quanto na responsabilidade objetiva inverte-se o ônus da prova, ou seja, o autor da ação não tem o ônus de provar a culpa do réu. Contudo, na culpa presumida a responsabilidade é subjetiva e, se o réu provar que não teve culpa, não estará presente o seu dever de indenizar. Por seu turno, na responsabilidade objetiva, ou sem culpa, se o réu apenas comprovar que não teve culpa, será responsabilizado civilmente. Para que este não responda, no último caso, deverá demonstrar a presença de uma das excludentes de nexo de causalidade, quais sejam a culpa ou o fato exclusivo da vítima, a culpa ou o fato exclusivo de terceiro, o caso fortuito ou a força maior”.[9]

 

Com efeito, levando-se em consideração que o empregador é responsável – de maneira indireta, mas pacificamente objetiva – por garantir a idoneidade dos atos cometidos pelos subordinados, nossa Justiça do Trabalho é competente para lhe condenar ao pagamento de indenização por fatos ilícitos e dolosos como o assédio sexual perpetrado sob sua gestão no estabelecimento.

Nesse sentido, a reparação será valorada de acordo com as circunstâncias do caso e com o tamanho da empresa. Por exemplo, uma M.E. não vai ser condenada na mesma proporção que uma multinacional.

Vale salientar, ainda, que o empregador tem direito de regresso (art. 934, CC) e, posteriormente, pode cobrar judicialmente do efetivo assediador o valor despendido com ele a título de indenização, acrescido de juros e correção monetária.

Em segundo lugar, não se pode esquecer de que há também responsabilidade solidária, extracontratual ou aquiliana (decorrente de ato ilícito), entre o empregador e o empregado, consoante o artigo 942, parágrafo único, do Código Civil de 2002.

Assim, o reclamante tem “opção de demanda”, lhe sendo permitido escolher contra quem irá propor a ação indenizatória e, geralmente, quem ostenta melhores condições financeiras é o empregador. Entretanto, veremos a seguir que, com o advento da Reforma Trabalhista esse panorama mudou em relação aos danos extrapatrimoniais.

 

  1. A INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS NOS CASOS DE ASSÉDIO SEXUAL

3.1 Conceito de dano moral

A reparação de prejuízos imateriais foi positivada com a Constituição Federal de 1988, ostentando previsão expressa em seu artigo 5º, incisos V e X.

Porém, somente com a Reforma Trabalhista houve uma conceituação legislativa acerca do tema. O artigo 223-B da CLT preceitua: “Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação” (grifei).

E o artigo 223-C da CLT especifica: “A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física” – os chamados Direitos da Personalidade.

Segundo Marcus Cláudio Acquaviva: “A expressão dano moral ou não patrimonial evoca, de imediato, a ideia de que o ser humano é, também, espírito, ipso facto sentimento, emoção. Daí os mais conceituados autores definirem esta espécie de dano sem considerar valores puramente materiais”.[10]

O especialista Yussef Said Cahali complementa:

 

“Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral” (grifei).[11]

 

Por sua vez, o “dano existencial” reportado pelo próprio artigo 223-B da CLT, enfatiza os prejuízos causados aos planos e sonhos do empregado, fortalecendo a proteção dos Direitos da Personalidade.

 

“O dano existencial consiste em espécie de dano extrapatrimonial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida pessoal do trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à sociedade, limitando a vida do trabalhador fora do ambiente de trabalho e o seu pleno desenvolvimento como ser humano, em decorrência da conduta ilícita do empregador”.

TST – Recurso de Revista (RR) nº 10347420145150002 – publicado em 13/11/2015.

 

Posto isso, denota-se que o dano moral ou existencial não tem a finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, daí a denominação “dano extrapatrimonial”. Essa espécie de dano tem como única finalidade a compensação de todos os males suportados pelo ofendido.

Inclusive, o STJ tem entendido que nas hipóteses de lesão a valores fundamentais assegurados pela Constituição Federal, o dano moral dispensa a produção de provas, sendo presumido in re ipsa justamente em virtude da ofensa injusta à dignidade da pessoa humana.

Logo, a indenização por danos extrapatrimoniais é muito mais que a tentativa de reparação daquela perturbação psíquica gerada pelo ato ilícito, ela é também uma maneira de garantir a efetividade dos direitos fundamentais, como por exemplo a honra (artigo 223-C da CLT).

 

3.2 A valoração dos danos morais antes da Lei 13.467/2017

A Justiça do Trabalho é competente para julgar os danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho, quais sejam, o dano moral e o dano estético. Atualmente cumuláveis a rigor da Súmula 387 do STJ.

Ocorre que, a CLT editada em 1943 não dispunha nada a respeito da indenização por danos extrapatrimoniais. Assim, tratando-se de um direito constitucional, a Justiça do Trabalho permitia que os advogados pleiteassem tais reparações com base no artigo 5º, incisos V e X, da Carta Magna de 1988.

Com efeito, também passou a ser possível a aplicação dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil, adotando-se o preceito de que “aquele que causa dano a outrem está obrigado a repará-lo”.

 

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (grifei).

 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (grifei).

 

 

E diante desse cenário, com uma legislação trabalhista incompleta, o magistrado valorava o dano moral com fundamento no artigo 944 do Código Civil, o qual determina a análise dos seguintes critérios: 1) extensão do dano; 2) capacidade financeira do réu; 3) não enriquecimento sem causa por parte do autor; 4) o caráter pedagógico da condenação.

De fato, o magistrado ficava vinculado ao atendimento de cada um dos parâmetros legais, mas podemos denotar que os referidos critérios não são tabelados ou tarifados. Eles eram utilizados como pilares, sempre com proporcionalidade e razoabilidade, ante a grande dificuldade de se mensurar – quantum satis – os prejuízos psicológicos enfrentados pelo reclamante.

 

3.3 O método de tabelamento introduzido pela Lei 13.467/2017

A Reforma Trabalhista entrou em vigor com o escopo de adequar a legislação trabalhista às necessidades dos novos vínculos empregatícios que estão surgindo no país.

Insta explanar que as inovações da Lei nº 13.467/2017 só passaram a vigorar a partir do dia 11 de novembro de 2017, não atingindo contratos anteriores, conforme preceitua o artigo 1º da Instrução Normativa nº 41 do TST, editada pela Resolução nº 221 de 21.06.2018.

E no que tange ao direito de indenização por danos extrapatrimoniais, a Lei nº 13.467/17 nos trouxe um título específico para a sua aplicação, o Título II-A da CLT. Sem interferir na cumulação com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.

Por certo, os artigos 223-A e seguintes da CLT eliminaram aquela insuficiência legislativa que anteriormente permeava o tema, trazendo uma conceituação específica.

Ocorre que, o artigo 223-G, caput, da CLT ampliou os critérios a serem apreciados pelo aplicador do Direito, quais sejam: (I) a natureza do bem jurídico tutelado; (II) a intensidade do sofrimento ou da humilhação; (III) a possibilidade de superação física ou psicológica; (IV) os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; (V) a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; (VI) as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; (VII) o grau de dolo ou culpa; (VIII) a ocorrência de retratação espontânea; (IX) o esforço efetivo para minimizar a ofensa; (X) o perdão, tácito ou expresso; (XI) a situação social e econômica das partes envolvidas e, por fim; (XII) o grau de publicidade da ofensa.

Em contrapartida, o parágrafo primeiro do artigo 223-G da CLT introduziu um método – avaliado como inconstitucional por muitos juristas – de tabelamento/tarifação para a valoração dos danos suportados pela vítima, classificando-os como “leves”, “médios”, “graves” e “gravíssimos”, além de ter limitado a reparação ao valor do último salário contratual do ofendido. Vejamos:

 

“§ 1º. Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

 

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV- ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

 

  • 2º. Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.

 

  • 3º. Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização” (grifos não originais).

 

Podemos verificar que o legislador não exemplifica quais tipos de ofensas se encaixam em cada uma dessas categorias, deixando tal análise para o magistrado, que deve atender os critérios do artigo 223-G, caput, da CLT.

O mesmo acontece no artigo 223-E da CLT: “São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou omissão” (grifei). Ou seja, essa análise também cabe ao magistrado.

O que a Reforma Trabalhista fez, todavia, é dar abertura para que agora as indenizações sejam estipuladas de acordo com a classe social das vítimas e, nunca, de acordo com o efetivo dano praticado pelo agente.

E tendo em mente que o foco da presente pesquisa é o assédio sexual, onde o sexo feminino é o grande alvo, como o aplicador do Direito pode “precificar” a violação da intimidade de uma mulher, exclusivamente, com base na posição ocupada por ela?

Há uma preocupante incoerência no fato de que, por exemplo, a dignidade de uma faxineira está “valendo menos” do que a dignidade de uma gerente ou diretora. Em outras palavras, é como se a dor do pobre valesse menos do que a dor do rico, destoando dos Princípios da Isonomia e da Proporcionalidade e Razoabilidade.

Observemos então os reflexos do retrocesso da medida:

 

“Dano moral. Assédio sexual. As relações laborais devem pautar-se pela respeitabilidade recíproca, em direitos e obrigações, cabendo ao empregador, entre outras obrigações, possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, respeitando sua honra, reputação, liberdade, dignidade, integridade, física e pessoal, pois são valores que compõem o patrimônio da pessoa, que integram os chamados direitos da personalidade, verdadeiro bem jurídico da pessoa. Recurso ordinário patronal não provido, no aspecto”.

TRT-2 10016838420165020205 SP, Relator Davi Furtado Meirelles, 14ª Turma – Cadeira 2, publicado em 22.10.2018.

 

No julgado em tela, o empregador recorreu buscando a redução da reparação extrapatrimonial para ofensa de natureza leve – prevista no artigo 223-G, §1º, da CLT. Entretanto, a 14ª Turma do TRT2 reconheceu a conduta do assediador como uma ofensa de natureza grave e arrebatou esclarecendo que o assédio sexual aconteceu antes da vigência da Reforma Trabalhista, assim mantendo o quantum compensatório fixado em 1º grau.

Ou seja, claramente as novas regras do artigo 223-G da CLT beneficiam os empregadores – que tentam tirar proveito da situação – em detrimento de vítimas forçadas a seguir em frente sem uma resposta efetiva do Poder Judiciário.

Neste diapasão, ressalta-se que a antiga Lei de Imprensa também permitia limitar as indenizações e acabou sendo revogada por inconstitucionalidade. Assim, a Lei nº 13.467/2017 nos proporciona uma verdadeira insegurança jurídica na atual conjuntura brasileira.

Por mais que a iniciativa da Reforma não ataque rigorosamente os mesmos fatores que levaram o STF a declarar a incompatibilidade da Lei de Imprensa com os preceitos da Carta Magna de 1988, nesse cenário, a não ser que o STF venha a afrontar os seus próprios precedentes, a tendência natural é que se declare a inconstitucionalidade do artigo 223-G da CLT.

A Medida Provisória nº 808/2017, promulgada logo após a vigência da Lei 13.467/2017, até foi uma “tentativa de conserto” pelo Poder Legislativo. A MP controlaria os impactos da Reforma, com conceitos mais amplos e uma tarifação baseada no teto dos benefícios da Previdência Social. Contudo, a medida não logrou êxito e se encontra inválida.

Enquanto isso, a valoração dos danos extrapatrimoniais está longe de se tornar uma questão superada. Os doutrinadores Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado reforçam no livro “A Reforma Trabalhista no Brasil”:

 

“Sem tais adequações interpretativas, propiciadas pelas técnicas científicas da Hermenêutica Jurídica, o resultado atingido pela interpretação literalista será inevitavelmente absurdo, tal como: a) admitir que a ordem jurídica diferencie as afrontas morais em função da renda das pessoas envolvidas (art. 223-G, §1º, I, II, III e IV); b) admitir que a indenização devida por uma pessoa humana a uma empresa (e vice-versa) se mede pelos mesmos parâmetros monetários do cálculo de uma indenização devida por uma empresa (independentemente de ser líder mundial ou continental de mercado, ou não) a uma pessoa humana (art. 223-G, §2º); c) admitir que a reincidência cometida por certa empresa (que é um ser coletivo, relembre-se) somente se computa se for perpetrada contra a mesma pessoa física (§3º do art. 223-G)” – grifei.[12]

 

Assim, clama-se que se construa, através de orientações jurisprudenciais, alternativas que “amenizem” os efeitos dessa tarifação judicial. Em especial nos casos de assédio sexual, cujas vítimas são tão vulneráveis, sendo um problema que assola o país durante anos.

 

 

CONCLUSÃO

Este artigo científico ocupou-se em apresentar um panorama acerca do assédio sexual em ambientes de trabalho, indicando o posicionamento da Justiça Brasileira diante de situações de assédio, especificamente no que tange aos atuais critérios de valoração da indenização por danos extrapatrimoniais.

Da análise do ordenamento jurídico como um todo, verificamos que existem algumas formas de punir quem comete assédio sexual, quais sejam: 1) advertência, suspensão ou demissão do assediador, por justa causa, em âmbito trabalhista (a depender da gravidade); 2) rescisão contratual indireta pelo assediado, com direito a indenização na Justiça do Trabalho; 3) pela Responsabilidade Civil na Justiça Comum (dano emergente, lucros cessantes e danos morais – art. 932, III, CC); 4) pena privativa de liberdade prevista no artigo 216-A do Código Penal – Lei nº 10.224/2001 e; 5) através da instauração de processo administrativo no caso de servidor público (regime estatutário).

E para reparar os danos morais suportados pela vítima, como o aplicador do Direito consegue “precificar” o atentado contra a intimidade e contra a liberdade sexual do(a) trabalhador(a) honesto(a)?

Vimos que, antes da vigência da Lei nº 13.467/2017, a Justiça do Trabalho se valia das regras contidas na Carta Magna de 1988 (art. 5º, V e X) e no Código Civil (art. 944), pois mesmo sendo uma garantia constitucional, a antiga CLT não abordava a indenização por danos extrapatrimoniais.

Com efeito, a Reforma Trabalhista eliminou tal insuficiência legislativa – através do Título II-A, artigos 223-A e seguintes da CLT – trazendo um método de tarifação/tabelamento para a quantificação dos danos morais.

Entretanto, o referido método é considerado inconstitucional por diversos doutrinadores do ramo. Isto porque, o legislador já autorizou essa técnica de tabelamento, por intermédio da antiga Lei de Imprensa, e não obteve sucesso algum na prática. A norma acabou sendo revogada justamente por inconstitucionalidade, ou seja, já se comprovou que o método não é eficaz.

Ademais, o artigo 223-G classifica os danos suportados pela vítima como “leves”, “médios”, “graves” e “gravíssimos”, limitando a reparação ao valor do último salário contratual desta.

Consequentemente, a Reforma Trabalhista deu abertura para que agora as indenizações por danos morais sejam estipuladas de acordo com a classe social dos ofendidos e, nunca, de acordo com o efetivo dano praticado pelo agente.

Em outras palavras, a vítima pobre “custa” mais barato para o empregador, fato que a torna mais vulnerável aos riscos dentro do ambiente de labor e agrava a discriminação social de maneira geral.

A dignidade/honra da vítima de baixa renda “custa” menos que a dignidade/honra da vítima bem sucedida.

Assim, já chegando ao final da pesquisa, podemos concluir que ainda há a necessidade de obtermos medidas mais eficientes para o combate do assédio sexual no Brasil.

Vivemos tempos de profunda insegurança jurídica, onde empresários estão sendo beneficiados em detrimento da dignidade do(a) empregado(a).

E muito embora essa modalidade de assédio não seja praticada exclusivamente contra o sexo feminino – podendo atingir homossexuais e até mesmo homens CIS – o patriarcalismo continua enraizado em nossa sociedade, de modo a permitir que a grande maioria das jurisprudências relacionadas ao tema ainda trate de mulheres assediadas.

Portanto, é possível dizer que toda uma classe foi prejudicada com a Lei nº 13.467/2017, ao passo que as assediadas foram divididas em “castas” enquanto o assediador se aproveita da vantagem legislativa, da impunidade de um ordenamento jurídico que fixa baixas indenizações (sem proporcionalidade e razoabilidade) e prevê pena de detenção para o ato (não em regime fechado).

A única saída é um posicionamento mais firme de nossos Tribunais, que durante a persistente vigência do método de tabelamento dos danos extrapatrimoniais, devem construir orientações jurisprudenciais que “amenizem” os efeitos da medida.

 

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[1] FILHO, Rodolfo Pamplona. Assédio sexual – questões conceituais. Disponível em       <https://jus.com.br/artigos/6826/assedio-sexual/1>.

[2] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, p. 285.

[3] http://search.trtsp.jus.br

[4] MASSON, Cleber. Código Penal comentado, p. 880.

[5] FILHO, Rodolfo Pamplona. Assédio Sexual: questões conceituais. Disponível em

<https://rodolfopamplonafilho.jusbrasil.com.br/artigos/675144166/assedio-sexual-questoes-conceituais>.

[6] SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho – Versão Universitária, p. 330.

[7] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho, p. 542.

[8] TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil, p. 959.

[9] TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil, p. 973.

[10] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dano e ação indenizatória, p. 20.

[11] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, p. 20.

[12] DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil, p. 147.