Resumo: Ao final do século XX o Estado brasileiro vivenciava um período de insatisfação generalizada. Em decorrência da adoção dos ideais sociais, tornou-se o Estado muito grande, pouco eficiente e extremamente corrupto. A busca por uma solução pautou-se no afastamento do Estado da intervenção direta, passando este a atuar, tanto no âmbito econômico, como no âmbito social, indiretamente. Por esta razão, na década de 90, invade o país uma onda de privatizações. A transferência de bens públicos e do exercício de serviços públicos para a iniciativa privada, dada a sua relevância, passa a ser regulada pelo Estado através das agências reguladoras. O que se busca demonstrar com o presente estudo é que o papel de tais agências suplanta a regulação. Se bem utilizadas podem estas servir para a ampliação da democracia e a concretização da cidadania.
Palavras-chave: Regulação. Agências reguladoras. Democracia. Cidadania.
Abstract: At the end of the twentieth century the Brazilian State was experiencing a period of widespread dissatisfaction. Due to the adoption of social ideals, the State became very large, hardly efficient and extremely corrupt. The search for a solution was based on the removal from direct intervention, whereby the State begun acting indirectly in both economic and social spheres. For this reason, a wave of privatizations invaded the country in the 1990's. The transfer of public assets and of the exercise of public services to the private sector, given its relevance, started being regulated by the State through the regulatory agencies. What is sought to demonstrate with this study is that the role of these agencies supersedes regulation. If used properly they can serve for the expansion of democracy and the fulfillment of citizenship.
Keywords: Regulation. Regulatory agencies. Democracy. Citizenship.
Sumário: Introdução. I. O contexto histórico. I.1. Sobre a concepção de Estado. I.2. Sobre a experiência brasileira. II. O Estado regulador e as agências reguladoras. II.1. Sobre o Estado regulador. II.2. Sobre as agências reguladoras. III. As agências reguladoras, a ampliação da democracia e a concretização da cidadania. III.1. O papel das agências reguladoras na ampliação da democracia. III.2. O papel das agências reguladoras na concretização da cidadania. Conclusão. Referências bibliográficas
Introdução:
A concepção de Estado sofreu, em âmbito mundial, grandes alterações, as quais determinaram também significativas mudanças na forma de atuação deste. O Estado brasileiro segue, por óbvio, esta lógica.
Citando os mais recentes movimentos, após adotar um viés liberal, foi o nosso Estado, em oposição às desigualdades materiais individualistas, tomado pelos anseios sociais. Na busca pela implantação de um modelo social de Estado, seguindo a tendência mundial, tornou-se ele muito grande e ineficiente, instaurando-se um período de crise.
Soma-se à chamada crise fiscal, um contexto de grande insatisfação, este decorrente da impossibilidade do Estado brasileiro fazer frente aos compromissos por ele assumidos. Diante deste panorama, a solução encontrada é a redução da intervenção direta deste, seja na economia, como em âmbito social. A atuação estatal passa a se dar de maneira indireta, determinando, e justificando, um movimento de desestatização.
Afastar-se o Estado da implementação direta de serviços públicos, bem como de atividades econômicas, certamente não retira destes a importância para aquele. Outrossim, estes permanecem aos fins estatais, razão pela qual se instaura o Estado-regulador.
Dentro deste contexto de regulação, são instituídas no Brasil, com base na experiência norte-americana, as agências reguladoras. O que se pretende demonstrar é que a função destas agências perpassa, em muito, a questão da simples regulação. Elas devem ser vistas como valioso instrumento na busca pela ampliação e pelo fortalecimento da democracia, bem como na efetivação da cidadania.
I. O contexto histórico
I.1. Sobre a concepção de Estado
Antes de se adentrar propriamente à análise das agências reguladoras, mostra-se necessário delinear as mudanças ocorridas nos últimos séculos acerca da concepção de Estado e de seu papel na sociedade.
A primeira fase histórica que merece ser destacada, para fins de análise da conformação estatal, é a Idade Moderna, a qual tem início, afirma-se, com as revoluções burguesas ocorridas no século XVIII, cujo ápice certamente foi a Revolução Francesa iniciada em 1789.
Em oposição aos arbítrios típicos da Idade Média, o movimento revolucionário burguês, alicerçado nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, foi capaz de colocar abaixo as instituições absolutistas feudais.
A ideologia burguesa, sob a rubrica da igualdade dos indivíduos, pregava a sucessão do “homem-súdito” pelo “homem-cidadão”[1]. Este, ao contrário daquele, teria a sua igualdade legalmente reconhecida, o que lhe garantiria cidadania e imunidade frente aos arbítrios estatais, estes típicos do feudalismo.
Além disso, o pensamento individualista liberal considerava ser o Estado a maior afronta à liberdade individual, de forma que somente seria esta alcançada se observada a necessária separação entre Estado e sociedade. Consolidou-se, em uma evidente oposição ao posicionamento estatal na Idade Média, a figura de um Estado mínimo, inadmitidas ingerências na esfera privada, aceitando-se apenas o exercício de uma atividade estatal organizadora, nascendo o “Estado jurídico”[2]. Sobre o Estado liberal, destacam-se as palavras de Luís Roberto Barroso[3]:
“O Estado atravessou, ao longo do século que vem de se encerrar, três fases diversas e razoavelmente bem definidas. A primeira delas, identificada como pré-modernidade[4] ou Estado liberal, exibe um Estado de funções reduzidas, confinadas à segurança, justiça e serviços essenciais. É o Estado da virada do século XIX para o XX. Nele vivia-se a afirmação, ao lado dos direitos de participação política, dos direitos individuais, cujo objeto precípuo era o de traçar uma esfera de proteção das pessoas em face do Poder Público. Estes direitos, em sua expressão econômica mais nítida, traduziam-se na liberdade de contrato, na propriedade privada e na livre iniciativa.”
O Estado liberal ergue-se, portanto, com base nos princípios burgueses, os quais foram propositadamente por esta generalizados de forma a abranger, inicial e teoricamente, toda a sociedade. Contudo, após a burguesia assumir o controle político e econômico deste Estado, o alcance principiológico que a colocou no poder deixa de a ela interessar.
O quadro socioeconômico que decorre da apropriação ilimitada de bens do capitalismo liberal e da atuação estatal mínima, especialmente no período que sucede a Revolução Industrial, acaba por destacar o aspecto meramente formal da tão propalada igualdade burguesa. No mundo real, a liberdade, assim como a igualdade, mostrou-se apenas formal, uma vez que foram desconsideradas as desigualdades fáticas existentes, as quais levaram, inevitavelmente, a um novo contexto de opressão, agora capitaneado pela burguesia dominante. Em um contexto de igualdade meramente formal, no qual evidenciadas estavam cada vez mais as desigualdades materiais, a liberdade também existe apenas formalmente, sendo que a materialidade é informada por um contexto de tirania exercida pelos burgueses, proprietários dos bens de produção, em face daqueles nada ou pouco possuem.
Esta realidade de desigualdades materiais limitadoras da liberdade individual acaba por conclamar uma nova forma de atuação estatal, agora ativa, fundada no reconhecimento das reais desigualdades e na busca pela justiça social e econômica. Daí o advento do Estado social. Sobre esta transformação, segue passagem da obra de Noberto Bobbio[5]:
“Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX.”
Sobre os motivos que a determinaram a derrocada do Estado liberal, destaque também merecem as palavras de Erolths Cortiano Junior[6]:
“Os mecanismos de desenvolvimento da economia capitalista geram condições estruturais e conjunturais de desagregação de um quadro no qual se confinava o Estado a ser mero garantidor da segurança política, social e jurídica das relações de troca regidas pelo direito privado. Esses mecanismos – por exemplo, a acumulação de capital, o controle monopolístico dos mercados, a dificuldade de acesso à riqueza – geram um déficit que opera sobre os planos econômico e social, de tal forma que o Estado se vê compelido a atuar em dois sentidos: em direção ao econômico, por meio de mecanismos de correção de mercado, e em direção ao social, pela recuperação dos excluídos ao sentido social do instituído.”
Abandonam-se, desta feita, os principais paradigmas burgueses. Como mencionado, reaproximam-se Estado e sociedade, passando esta a exigir daquele uma posição mais ativa na busca da redução das reais desigualdades, proporcionando assim real liberdade aos indivíduos. O intervencionismo estatal emerge, conforme afirma Priscilia Sparapani, como uma “resposta ao clamor público para que o Estado suprisse as carências referentes aos direitos sociais”[7].
Assim, em oposição ao Estado liberal, caracterizado pelas tais constituições de caráter programático e pela economia de mercado, alvo de pouquíssima ingerência estatal, constrói-se o Estado social, delineado pelos direitos fundamentais e voltado para a concretização destes[8]. Sobre o Estado social, analisado em contraposição ao Estado liberal, importantes são as palavras de Priscila Sparapani[9]:
“No Estado social, ao contrário do laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même – máxima francesa que prevaleceu no liberalismo –, inaugurou-se um progressiva atuação estatal na prestação de bens essenciais aos menos favorecidos. O foco principal deixou de ser a liberdade (a individualidade) e passou a ser a igualdade (sociabilidade, preocupação com o bem comum, com o interesse público). Deveras , o Estado social (também conhecido como Estado do Bem-Estar, ou Estado-Providência, ou Estado assistentencial) representou uma transformação efetiva nas dimensões estruturais do Estado liberal. Não buscou apenas intervir na esfera econômica, mas realizar a justiça social de forma abrangente por intermédio da criação de condições vitais básicas de existência, por meio da prestação de bens, servilços e insfraestrutura materiais. Objetivou, sobretudo, superar, superar a contradição entre igualdade política formal e desigualdade social material. Nesse contexto, o Estado-Providência assumiu o controle de várias atividades, disciplinou e limitou a iniciativa privada e estabeleceu diretrizes de cunho eminentemente social, abandonando o enforque liberal que via no ente estatal um algoz, que deixava seu povo desamparado, à mercê do domínio do poder político burguês.”
O Estado social, também chamado de Estado de bem-estar, se reaproxima da esfera privada, tomando para si diversas funções sócio-econômicas visando uma remodelação da sociedade. Nas palavras Luís Roberto Barroso, ele “assume diretamente alguns papéis econômicos, tanto como condutor do desenvolvimento como outros de cunho distributivista, destinados a atenuar certas distorções do mercado e a amparar novos contingentes que ficavam à margem do progresso econômico”[10].
Em um primeiro momento, afirma-se, o resultado da atuação do Estado-providência é um sucesso. Segundo Marçal Justen Filho[11], a implantação deste novo modelo estatal determina um significativo aumento da expectativa de vida, determinada pelo aumento do número e da qualidade dos benefícios assegurados aos cidadãos pelo Estado, tais como saneamento básico, saúde, educação, assistência e previdência.
Entretanto, em um segundo momento, tal modelo de atuação estatal começa a se mostrar, por diversos motivos, inviável. Sobre tal questão, reproduz-se a lição de Marçal Justen Filho[12]:
“A multiplicação da população e a redução da eficiência das atividades desempenhadas diretamente pelo Estado contribuíram decisivamente para o fenômeno denominado “crise fiscal”. A expressão passou a ser utilizada para indicar a situação de insolvência governamental, inviabilizadora do cumprimento das obrigações assumidas e do desenvolvimento de projetos mais ambiciosos. A elevação dos passivos governamentais, proveniente de sucessivos prejuízos orçamentários, reduziu a capacidade estatal de executar satisfatoriamente os encargos que assumira. A manutenção dos projetos de satisfação do interesse coletivo demandava a existência de recursos de que o Estado não mais dispunha. Além disso, as dívidas foram se acumulando de modo a impedir até o mesmo o custeio de despesas essenciais.”
Verifica-se que a crise que atinge o Estado social não só obsta o incremento dos benefícios conferidos aos cidadãos, mas também inviabiliza a prestação daqueles já oferecidos. A falta de capital para fazer frente a estes compromissos acaba por determinar a deterioração das estruturas estatais e a redução da qualidade e do alcance dos serviços públicos.
Sobre este novo momento vivenciado pelo Estado, também trata, porém de forma mais crítica e provavelmente mais condizente com a realidade brasileira, Luís Roberto Barroso[13]:
“A quadra final do século XX corresponde à terceira e última fase, a pós-modernidade, que encontra o Estado sob crítica cerrada, densamente identificado com a ideia de ineficiência, desperdício de recursos, morosidade, burocracia e corrupção. Mesmo junto a setores que o vislumbravam outrora como protagonista do processo econômico, político e social, o Estado perdeu o charme redentor, passando-se a encarar com ceticismo o seu potencial como instrumento de progresso e da transformação. O discurso deste novo tempo é o da desregulamentação, da privatização e das organizações não-governamentais.”
Evidentemente que tal contexto determina um quadro de insatisfação, o qual acaba por abrir caminho para a ideia de Estado neoliberal. O discurso agora, fundado na ideia de incompetência do Estado se envereda, novamente, pela busca redução da intervenção deste na esfera socioeconômica.
Entretanto, destaque-se que desta vez prega-se um novo modelo de intervenção, fundado na “utilização de competência normativa para disciplinar a atuação dos particulares”[14].
Diversamente do que se verificava no Estado liberal moderno, aqui não se afastam Estado e sociedade privada. Estes atuam de forma complementar, sendo que a esta cabe a realização das atividades até então promovidas pelo Estado, a quem cabe a regulamentação desta prestação[15]. É deste contexto que desponta a ideia de Estado regulador.
I.2. Sobre a experiência brasileira
É tema do presente estudo as agências reguladoras como instrumento de ampliação da democracia e de efetivação da cidadania, tendo em vista a sua capacidade de promover a participação cidadã, bem como a melhora e a universalização do serviço público. Entretanto, não se pretende tratar da questão de forma abstrata, mas considerada a experiência brasileira. Desta feita, importante se mostra situar a criação de tais agências no Brasil, razão pela qual se promove a análise do panorama histórico e socioeconômico que a determinou.
Pode-se dizer que as mudanças da concepção de Estado já expostas refletem, em grande medida, em nosso país. Ainda que, conforme afirma Luís Roberto Barroso[16], o Estado brasileiro não tenha experimentado o Estado liberal e o Estado social nos seus exatos moldes[17], pode-se dizer, em termos gerais que a realidade brasileira acompanhou o movimento exposto no tópico anterior.
Seguindo o caminho anteriormente exposto, no final do século XX o Estado brasileiro vivencia uma grande crise, a qual decorre da adoção dos ideais sociais. A estrutura estatal se apresenta, desta feita, muito grande, ineficiente e corrupto, além de socialmente atrasado e extremamente desigual[18]. Acerca de tal crise, a qual se abate não somente sobre o Brasil, bem esclarece Emerson Gabardo[19]:
“A crise dos anos 80 e 90 ocorrida nos países latino-americanos, não obstante seja causada por vários fatores que inclusive ultrapassavam as barreiras dos Estados nacionais, foi entendida aprioristicamente como uma “crise do Estado”; mais especificamente, uma crise fiscal do Estado, decorrente da implantação do modo de intervenção do Estado social. Além do que, a burocracia passa a ser considerada um elemento maléfico por definição, sendo responsabilizada por todo o sistema de ineficiência funcional e precariedade estrutural.”
Diante da insatisfação deste panorama decorrente, também no Brasil tem início um movimento de redução das dimensões do Estado em seu aspecto social, bem como da sua interferência no domínio econômico. Sobre este novo modelo, importante retornar a obra de Marçal Justen Filho[20]:
“No modelo desenvolvido ao longo dos últimos trinta anos, a atuação e a intervenção estatal diretas foram reduzidas sensivelmente. A contrapartida da redução da intervenção estatal consiste no predomínio de funções regulatórias. Postula-se que o Estado deveria não mais atuar como agente econômico, mas sim como árbitro das atividades privadas. Não significa negar a responsabilidade estatal pela promoção do bem-estar, mas alterar os instrumentos para realização destas tarefas. Ou seja, o ideário do Estado de bem-estar permanece vigente, integrado irreversivelmente na civilização ocidental. As novas concepções acentuam a impossibilidade de realização desses valores fundamentais através da atuação preponderante (senão isolada) dos organismos públicos.”
Verifica-se, desta feita, que ser ao Estado possível, sem se utilizar de seu próprio aparato, conduzir a atividade dos particulares para fins de satisfação dos interesses públicos, mediante o exercício de uma função reguladora. Diante deste quadro, inaugura-se no Brasil uma fase de desestatização.
A formalização desta nova etapa, dá-se com a Lei 8031/ 1990, que institui o Programa Nacional de Privatização. A partir de então passam a ser transferidos ao setor privado, bens e serviços do Poder Público. Em decorrência desta transferência, passa o Estado a exercer uma nova função, qual seja, a de regular a atividade dos entes privados. É neste contexto que são criadas as agências reguladoras.
II. O Estado regulador e as agências reguladoras
II.1. Sobre o Estado regulador
Antes de iniciar a análise do Estado regulador, é importante fazer uma breve análise dos serviços públicos. Explica-se: ainda que, pelas razões anteriormente expostas, não seja mais o Estado o prestador direito de diversos serviços públicos, permanecem estes sendo, ainda que prestados pela iniciativa privada, serviços públicos.
No que se refere ao estabelecimento de uma conceituação de serviço público, deve-se anotar, desde logo, que se trata de tema complexo e dinâmico, razão pela qual tentativas simplistas de delimitá-lo se mostram, e sempre se mostraram, vãs. A dificuldade de estabelecer o que é serviço público reside no fato de que este conceito encontra-se em constante mutação.
Dinorá Adelaide Musetti Grotti, por exemplo, correlaciona este dinamismo do conceito de serviço público com as formas de Estado adotadas, as quais determinam os rumos da atividade estatais. De acordo com a autora existe uma interdependência entre o papel pelo Estado assumido e os interesses econômicos e sociais do período. Estes interesses refletem na adoção de uma postura mais ou menos interventiva do Estado e, consequentemente, delimitam as atividades como serviço público classificáveis[21].
Diante da atual forma de atuação estatal, a qual transfere à iniciativa privada a administração de bens e a prestação de serviços públicos, a ideia de que serviço público se define pelo seu prestador se mostra ultrapassada. Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, verifica-se “a diminuição da importância da titularidade do serviço, ou seja o esmaecimento daquela tradicional característica subjetiva que era sempre apontada para os serviços públicos – a presença do Estado como seu titular”[22].
De forma bastante ampla, mais suficiente à análise que busca empreender, prepondera hoje o entendimento de que o serviço público refere-se ao atendimento, pelo poder público, de uma necessidade geral de disponibilização de bens e serviços considerados à coletividade essenciais, assim definidos em lei. A tais serviços, dada a sua peculiaridade, é atribuído um regime jurídico próprio[23]. Seguindo este viés, transcreve-se o conceito de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[24]:
“Serviços públicos seriam, nesse conceito proposto como transicional e provisório, as atividades pelas quais o Estado, direta ou indiretamente, promove ou assegura a satisfação de interesses públicos, assim por lei considerados, sob regime jurídico próprio a elas aplicável, ainda que não necessariamente de direito público.”
Na esteira desta definição, insta destacar que os serviços públicos subdividem-se em privativos do Estado e não privativos do Estado. Naqueles a total responsabilidade é do poder público, ainda que executados por particulares; nestes, possibilita-se à iniciativa privada que exerça determinadas atividades, sob a sua própria responsabilidade.[25]
É desta classificação que emerge a necessidade de regulação pelo Estado. Para tratar de tal questão, vale-se novamente das palavras de Emerson Gabardo, que afirma “que o repasse dos serviços públicos não privativos do Estado para o mercado ou para o terceiro setor exige como contrapartida uma ampliação da atuação do Estado na área da regulação e da fiscalização”[26]. Nasce, assim, a figura do Estado regulador.
Para se compreender o Estado regulador, importante tratar da intervenção estatal, uma vez que, com este o modelo de intervenção indireta assume o lugar até então ocupado pela intervenção direta. Sobre esta questão, reproduz-se o ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[27]:
“[A intervenção direta] ocorre quando o próprio Estado, por meio de suas empresas, exerce a atividade econômica, seja em regime de monopólio, seja em competição com a iniciativa privada; (…). Na intervenção indireta, o Estado limita-se a exercer o poder de polícia sobre a atividade econômica desempenhada pelo particular, estabelecendo regras, fiscalizando, reprimindo, ou, em suma, regulando.”
Insta destacar que a regulação, por óbvio, não se limita à economia. Prossegue, assim, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[28]:
“Mas falar em Estado regulador não significa referência apenas ao aspecto de sua intervenção indireta no domínio econômico (regulação econômica), mas também na ordem social, permitindo-se falar também em regulação social. O realce que tem sido dado à regulação econômica no direito brasileiro explica-se pelo papel que a economia ocupa hoje na configuração do Estado, e principalmente pelo fato de que o tema vem sendo analisado mais detidamente no âmbito da ciência política e econômica e, no mundo jurídico, no âmbito do direito econômico. Apenas mais recentemente é que os administrativistas e constitucionalistas passaram a preocupar-se com o tema, precisamente pelos avanços da atividade reguladora sobre o princípio da legalidade. Não há dúvida, portanto, que a função reguladora abrange a regulação econômica e a regulação social. Note-se que, dentre as agências reguladoras que vêm sendo instituídas no direito brasileiro, nem todas têm por objetivo regular o mercado ou manter o equilíbrio da concorrência. Outras vem sendo instituídas, com o objetivo de regular diferentes tipos de atividades, especialmente da ordem social, como é o caso da ANVISA (Agência de vigilância sanitária) e ANA (Agência nacional de águas).”
Observe-se que o Estado, para que possa fazer as vezes de regulador passa a prescindir de instrumentos diversos daqueles já existentes. É neste contexto que são instituídas as agências reguladoras, principal objeto de estudo do presente trabalho.
II.2. Sobre as agências reguladoras
Retomando o tópico anterior, exige a nova concepção de Estado, a qual atribui a este um papel eminentemente regulador, novos meio de intervenção, agora indireta, no domínio econômico e social. Diante desta necessidade, a partir de 1995 são instituídas no Brasil, em uma tentativa de incorporação do modelo norte-americano, as agências reguladoras.
Neste exato sentido, afirma Fernando Herren Aguillar[29], que “o advento das agências reguladoras tem estreita conexão com as transformações do Estado contemporâneo”. Surgem elas, elucida, “como parte do processo de transformações contemporâneas do papel estatal, que passou de uma postura regulatória operacional para uma concentração regulatória normativa.
Entretanto, há de ser ressaltado que antes da instituição das agências reguladoras já existia regulação estatal. Ensina Luís Roberto Barroso[30], que entre as décadas de 30 e 70 vários órgãos com função reguladora foram criados, citem-se, como exemplo, o CADE (Conselho administrativo de defesa econômica) e o CONTEL (Conselho nacional de telecomunicações). Entretanto, encontravam-se estes plenamente vinculados ao Poder Executivo, não se observando neles a necessária autonomia. Sobre o modelo de regulação que precedeu as agências reguladoras, importante é a explanação trazida por Fernando Herren Aguillar[31]
“O Estado já regulava normalmente as atividades econômicas que julgasse relevantes, inicialmente pela via legislativa. A partir da década de 1930 surgiram no país diversos Conselhos, Institutos, Departamentos e órgãos (todos referidos aqui sinteticamente como “agências estatais”) ligados ao Poder Executivo para regular serviços públicos e atividades econômicas tidas por relevantes, como o petróleo, gás, álcool, café, sal, erva-mate, entre outros. As antigas agências estatais surgiram como mecanismo regulatório normativo dotado de maior agilidade na implementação de políticas públicas, em função de sua estrutura especializada. Inspirado no modelo norte americano das comissions, o direito brasileiro fez farto uso dessa técnica regulatória, notadamente em matéria de serviços públicos. (…). O sistema de comissões surgia então como modelo regulatório alternativo à regulação pelo mercado ou à regulação meramente contratual. Por que são, então, instituídas Agências Reguladoras em particular? De forma sintética, porque as agências preexistentes foram julgadas inadequadas para o novo modelo regulatório concebido. As antigas agências estatais surgiram para combater as deficiências do liberalismo. As agências reguladoras, ao contrário, surgem com a expansão da mentalidade liberal, representando uma consequência da redução do papel do Estado como operador executivo de serviços públicos.”
A inadequação acima mencionada refere-se à falta de autonomia do órgão regulamentador. Uma vez que se transfere à iniciativa privada a execução de serviços públicos e de atividades econômicas de interesse coletivo, deve-se a ela proporcionar certa estabilidade frente às constantes ingerências do Poder Público. Daí a principal diferença entre as agências reguladoras e as antigas agências estatais, qual seja, a sua natureza jurídica[32].
Tendo em vista a autonomia exigida pela nova conformação da atuação estatal, são as agências reguladoras instituídas sob a forma de autarquias em regime especial, lhe sendo conferidas prerrogativas próprias, bem como a necessária autonomia em relação ao Poder Público. Sobre a natureza jurídica destas agências, esclarece Luís Roberto Barroso[33]:
“A instituição de um regime jurídico especial visa a preservar as agências reguladoras de ingerências indevidas, inclusive e sobretudo, como assinalado, por parte do Estado e de seus agentes. Procurou-se demarcar, por esta razão, um espaço de legítima discricionariedade, como predomínio de juízos técnicos sobre as valorações políticas. Constatada a necessidade de se resguardarem essas autarquias especiais de injunções externas inadequadas, foram-lhe outorgadas autonomia político-administrativa e autonomia econômico-financeira.”
No mesmo sentido, expõe Fernando Herrera Aguillar[34]:
“A principal diferença entre as antigas agências estatais e as atuais agências reguladoras reside na forma jurídica destas, que são autarquias de regime especial, com orçamentos próprios e uma relativa autonomia financeira e institucional do Poder Executivo, não havendo subordinação hierárquica ao Ministério a que estão vinculadas. Integrantes das agências reguladoras são nomeados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, porém não são demissíveis ad nutum. Os antigos órgãos reguladores tinham sua estrutura dependente e subordinada aos Ministério ou à Presidência da República, dependência essa não apenas de ordem orçamentária, mas de todo gênero.”
Como acima anotado, ainda no que se refere a tão propalada autonomia das agências reguladoras, relevante é demonstrar como, do ponto de vista prático, reflete ela na almejada independência frente ao Poder Público.
Em linhas gerais, os recursos destinados a tais agências são por ela utilizados sem qualquer ingerência estatal. Para além da livre utilização das dotações orçamentárias a elas destinadas, também a arrecadação decorrente de suas atividades também lhe pertence.
No que se refere à direção das agências reguladoras, é realizada, em regra, por um colegiado composto por membros estáveis, estes escolhidos de acordo com a sua capacidade profissional, afastadas quaisquer ingerências políticas desta composição. Outrossim, o mesmo ocorre com os seus principais dirigentes, os quais são indicados pelo Poder Executivo e, em caso de aprovação pelo Poder Legislativo, passam a exercer mandato fixo, sendo que a perda deste depende de situações em lei previstas[35].
Para além da independência frente ao Poder Público, deve ser garantida a independências das agências reguladoras em relação aos interesses privados. Acerca deste aspecto, bem escreve Fernando Herren Aguillar[36]:
“A autonomia da agência reguladora em relação aos regulados é também de fundamental importância. Os agentes reguladores não podem ser capturados pelos interesses privados, exigindo-se uma regulamentação da sua atividade que desestimule e reprima e interferência indevida na formulação da regulação e demais funções que desempenham as agências. A autonomia da agência em relação a interesses privados exige desvinculação do administrador das atividades objeto de sua regulação, o que constitui tarefa particularmente difícil. É recorrente o problema da promiscuidade na ocupação de cargos públicos, mesclando-se interesses privados e públicos. Não se pode restringir em termos absolutos a atividade profissional de qualquer cidadão. Porém, é indispensável ter regras claras e eficazes para evitar a captura dos reguladores pelos regulados.”
Nesta toada, há que ser destacada a existência de instrumentos normativos que visam resguardar estre outro viés da independência das agências reguladoras. Para além da Lei 9.986/ 2000, que dispõe sobre a gestão dos recursos humanos destas agências, as próprias normas que as instituem e as regulamentam tratam de tal questão[37].
Diante daquilo até agora enunciado, pode-se concluir que as principais características das agências reguladoras são a sua autonomia e a sua independência. Porém, cumpre destacar, antes que se passe para a última e decisiva parte do estudo que empreende, quais são as principais funções destas agências.
Continuando a análise da obra de Fernando Herren Aguillar[38], afirma estes serem sete as principais funções das agências reguladoras:
“Sete funções principais caracterizam as agências reguladoras, do ponto de vista jurídico:
a) são entes reguladores de natureza autárquica especial: recebem competência para formatar determinadas atividades econômicas, criando regras e executando-as, dentro de um contexto de relativa autonomia em relação ao governo;
b) realizam contratações administrativas relacionadas à sua atividade: concedem, autorizam, realizam licitações públicas;
c) fiscalizam o cumprimento das regras e contratos sob sua competência;
d) sancionam os infratores;
e) ouvem os usuários dos serviços regulados, realizam audiências públicas;
f) arbitram conflitos;
g) emitem pareceres técnicos em questões relacionadas à concorrência nos processos sujeitos ao CADE (caso da ANATEL).”
Sobre as funções destas agências, Luís Roberto Barroso[39]:
“Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o desempenho de competências normativas, seu conteúdo é mais amplo e variado. Ainda quando se aproxime, eventualmente, da ideia de poder de polícia administrativa – poder de direcionar as atividades privadas de acordo com interesses públicos juridicamente definidos –, a regulação contempla uma gama mais ampla de atribuições, relacionadas ao desempenho de atividades econômicas e à prestação de serviços públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização, composição de conflitos e aplicação eventual de sanções.”
Não se adentrará ao estudo esmiuçado de todas as funções das agências reguladoras. O que se analisará é em que medida tais funções contribuem para a ampliação da democracia e para a efetivação da cidadania, fazendo destas agências um importante mecanismo de efetivação de direitos fundamentais.
III. As agências reguladoras, a ampliação da democracia e a concretização da cidadania
III.1. O papel das agências reguladoras na ampliação da democracia
No que se refere à questão democrática, muito se fala sobre a existência de um déficit com relação às agências reguladoras e a sua direção. Em linhas gerais, tal discussão circunda a questão do caráter não eletivo do provimento dos seus dirigentes, a independência destes em relação ao chefe do Poder Executivo e a consequente impossibilidade de exoneração desmotivada (ou por motivações exclusivamente políticas) de tal dirigente pelo chefe deste Poder[40].
Em que se pese não ser esta a questão de principal relevo para o presente trabalho, importante se mostra dela tratar, ainda que de forma bastante ampla, antes que se prossiga este estudo.
No que se refere à questão do sufrágio, evidente é que a democracia não exige que todos os cargos públicos executivos sejam ocupados por candidatos eleitos. Outrossim, o fato de não serem os dirigentes eleitos não significa que não sejam eles submetidos aos escolhidos pela população por meio dos votos.
Outrossim, certamente se justifica a impossibilidade de eleição dos dirigentes das agências reguladoras pela necessidade de conhecimento técnico acerca da matéria regulada, cuja aferição certamente restaria prejudicada em um processo eletivo. Além disso, no que se refere à impossibilidade de exoneração destes dirigentes pelos chefes do Poder Executivos, certo é que tal medida justifica-se pela necessidade de atuação técnica, e não política daqueles. Sobre este ponto, transcreve-se novamente trecho da obra de Fernando Herren Aguillar[41]:
“A principal argumentação reside na necessidade de desvincular da política a tarefa de decidir e regulamentar: atividades econômicas são objeto da técnica econômica e é com base na técnica que devem ser tomadas as decisões relevantes em cada setor de atividades. A sombra da política teria o demérito de desvirtuar o sentido e a função da tarefa regulatória, ou seja, o Poder Executivo, quando tem o poder de influenciar a escolha e a decisão dos membros do ente regulador, faz prevalecer seus interesses políticos, (…).”
Ainda que considerados os argumentos acima, aceita a doutrina a ideia de que a legitimação democrática da direção das agência reguladoras decorre de lei. É a legislação que confere uma série de prerrogativas aos chefes do Poder Executivo e do Poder Legislativo no sentido de influir na criação, na disciplina e na subsistência destas agências[42].
Ou seja, na medida que se encontram as agências reguladoras e, consequentemente, seus dirigentes legalmente submetidos aos representantes pelo povo eleitos, são a eles conferidos legitimidade, afastando-se, pelo menos no que se refere à esta questão, o alegado déficit democrático.
Superada esta questão, mister se faz destacar o papel exercido pelas agências reguladoras na ampliação e no fortalecimento da democracia.
Quando da análise das funções destas agências, verificou-se que, dentre tantas outras, presente estava a de oitiva dos cidadãos[43]. Ora, diante disto, não há que se duvidar da capacidade de tais agências no reforço do princípio democrático por meio da participação popular na sua atuação.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, dispõe sobre a participação do cidadão na Administração Pública. De forma geral, ela determina que a lei que disciplina as formas de participação do usuário na Administração Pública, que esta se dará por meio de reclamações, do acesso a registros e a informações sobre atos de governo e de representação contra exercício negligente abusivo de cargo, emprego ou função na Administração Pública.
Em atenção a tal disposição, a legislação que institui e que regulamenta as agências em análise, prevê os instrumentos de participação social. Para além do dispositivo constitucional, vão além as agências reguladoras, estabelecendo a participação dos cidadãos no processo decisório por meio da realização de audiências e de consultas públicas. Sobre este ponto, socorre-se da lição de Alexandre Santos de Aragão[44]:
“No que toca especificamente às agências reguladoras, os mecanismos de participação popular são notáveis, uma vez que a maior parte das leis que as instituíram fixam a necessidade de realização de consultas e/ ou audiências públicas prévias à tomada de decisões, inclusive normativas, pelas agências reguladoras.”
Para além das consultas e das audiências públicas, cuja importância é indiscutível, as agências reguladoras ainda possuem ouvidorias e centrais de atendimento, além de preverem, em alguns casos, reuniões públicas de dirigentes.
O estabelecimento destes mecanismos de participação cidadã é ponto de destaque da disciplina das agências reguladoras. Estes elevam esta ao patamar de instrumento de efetivação da cidadania. Além disso, tendo em vista o já citado déficit democrático, certo é que o envolvimento da população em suas atividades também são hábeis a legitimar a atuação destas agências.
Observe-se que aqui não se está discutindo acerca da real eficácia de tais meios. O que se está analisando são as possibilidades de controle e de participação social através das agências reguladoras. Neste sentido, observa-se os meios para tanto estão previstos, de forma que, ainda que teoricamente, são as agências reguladoras aptas a proporcionar a ampla participação popular e, consequentemente, a ampliação e o fortalecimento da democracia.
III.2. O papel das agências reguladoras na concretização da cidadania
Voltando às funções das agências reguladoras, retorna-se à obra de Luís Roberto Barroso[45], o qual enumera, além das já anunciadas em tópico anterior, as seguintes atividades de competência de tais agências:
“Às agências reguladoras, no Brasil, tem sido cometido um conjunto diversificado de tarefas, dentre as quais se incluem, a despeito das peculiaridades de cada uma delas, em função da diversidade de textos legais, as seguintes:
a) controle de tarifas, de modo a assegurar o equilíbrio econômico e financeiro do contrato;
b) universalização do serviço, estendendo-os a parcelas da população que deles não se beneficiavam por força da escassez de recursos;
c) fomento da competitividade, nas áreas nas quais não haja monopólio natural;
d) fiscalização do cumprimento do contrato de concessão;
e) arbitramento dos conflitos entre as diversas partes envolvidas: consumidores do serviço, poder concedente, concessionários, a comunidade como um todo, os investidores potenciais etc."
Da leitura do excerto acima observa-se, mais uma vez, o importante papel social das agências reguladoras. Por meio de suas atividades encontram-se estas agências aptas à promoverem à cidadania, através da efetivação dos princípios inerentes à Administração pública, mais especificamente ao serviço público. Acerca destes princípios, a título de esclarecimento e fundamentação das observações que serão feitas, cita-se Diogo Rosenthal Coutinho[46]:
“Será necessário argumentar também que continua a haver, possivelmente com maior intensidade que antes, princípios jurídicos especiais para o serviço público, princípios estes distintos daqueles aplicáveis às relações entre particulares. Seja porque o serviço público é indispensável à realização e ao desenvolvimento da interdependência social, seja porque corresponda a um serviço essencial relativamente à sociedade, ou ainda, simplesmente porque segue um determinado regime legal, parece certo que se determina atividade econômica é serviço público, está sujeita a uma série de princípios de direito público: o inescusável dever do Estado de prestá-lo ou promover-lhe a prestação, a adaptabilidade (possibilidade de atualização e modernização do serviço público), a impessoalidade, a continuidade, a modicidade de tarifas e a universalidade.”
Observe-se aqui novamente que, muito embora, pelas razões anteriormente expostas, não seja mais o Estado o prestador direito de diversos serviços públicos, permanecem estes sendo, ainda que prestados pela iniciativa privada, serviços públicos. E, em assim sendo, sobre eles incidem toda a carga principiológica anteriormente mencionada. Neste sentido, cabe às agências reguladoras observarem se esta está sendo respeitada e promovida pelo particulares e, em não estando, cabem a elas atuarem em tal sentido.
No que se refere à atuação das agências reguladoras, o primeiro ponto a ser destacado refere-se ao princípio da prestação do serviço público. A sua efetivação tem profunda relação com a atividade de fiscalização das agências reguladoras. Por meio desta, torna-se possível não apenas a manutenção da prestação, mas também a melhora da qualidade dos serviços públicos, direitos estes dos cidadãos. Em uma constante busca por eficiência da Administração Pública, especialmente no que toca aos serviços públicos, infere-se de pronto a relevância de tais agências na busca deste escopo.
Ainda no que se refere à fiscalização, ela é o meio através do qual as agências reguladoras tutelam os interesses dos cidadãos hipossuficientes frente aos agentes econômicos que assumiram os bens e as prestações anteriormente ao Estado diretamente vinculados. à função de controle tarifário das agências reguladoras. Sabidamente é princípio inerente à disciplina dos serviços públicos o da modicidade das tarifas, capaz de proporcionar o acesso de mais cidadãos a tais serviços, especialmente a aqueles tidos como essenciais.
Outro destaque que merece ser feito refere-se à função de controle tarifário das agências reguladoras. Sabidamente é princípio inerente à disciplina dos serviços públicos o da modicidade das tarifas, capaz de proporcionar o acesso de mais cidadãos a tais serviços, especialmente a aqueles tidos como essenciais.
Por fim, e talvez, o mais importante princípio a ser efetivado pelas agências reguladoras é o da universalização do serviço público. Por meio da normatização e da fiscalização, encontram-se as agências em posição de promover a tão almejada universalização, dever da Administração e direito dos cidadãos.Para dele tratar, retomam-se os ensinamentos de Diego Rosenthal Coutinho:
“Tendo isso sido feito, poder-se-á enfim concluir que, se do ponto de vista econômico a universalização é desejável, do ponto de vista jurídico é imperativa. Sendo um princípio do regime de direito público, a universalidade pode ser perfeitamente arguida como norma jurídica incidente sobre determinado caso. Dada as circunstâncias, nada impede que tal norma, num exercício interpretativo em que se sopesam princípios jurídicos conflitantes, afaste a incidência de outro princípio jurídico como, por exemplo, o da eficiência, contido no artigo 37 da Constituição e constantemente interpretado de modo a privilegiar a acepção alocativa do temo no âmbito da administração pública.”
A inferência acima realizada se aplica, certamente, não só a universalização. Uma vez que se tratam de princípios, os quais, por excelência, devem reger não só o sistema normativo, mas também a atividade estatal, certo que às agências reguladoras, assim como a todos outros órgãos da Administração Pública, devem eles perseguir no exercício de suas atividades.
A grande diferença que se apresenta é que possuem as agências reguladoras, dentro da sua competência, instrumentos que outros órgãos não possuem para a efetivação de tais princípios, o quais atribuem a esta um papel de sua importância na efetivação da cidadania.
Conclusão
O que o presente trabalho procurou trazer foi uma análise da função social das agências reguladoras. Para tanto, optou-se por, após uma importante análise histórica, tratar dos instrumentos que tais agências possuem para a ampliação da democracia e para a efetivação da cidadania.
Observe-se que em momento algum entrou-se no mérito da correta utilização de tais instrumentos. Procurou-se apenas demonstrar que eles existem e, diante de uma real vontade política neste sentido, podem determinar importantes alterações no quadro social até então existente.
Entretanto, importante sejam feitas algumas considerações pessoais sobre a realidade das agências reguladoras no Brasil.
O primeiro ponto a ser destacado refere-se à sua autonomia. Como anteriormente mencionado, a partir de 1995 são instituídas, pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, as agências reguladoras. A estas, como também analisado, é conferida natureza jurídica de autarquias especiais, as quais é conferida independência e autonomia.
Com a transição para o governo Lula, passa o Poder Executivo a questionar o poder destas agências, em uma clara crítica a autonomia a elas conferidas. Outrossim, opera-se um grande corte orçamentário em desfavor delas, o que acaba por limitar a sua atuação.
Já no que se refere à participação dos cidadãos no âmbito das agências reguladoras, em que pese a existência de importantes e inovadores instrumentos para tanto, a prática não tem apresentado os efeitos esperados.
Em linhas gerais, existe um grave problema na divulgação de tais instrumentos, bem como da operacionalização deles. Ainda, no que se refere às audiências e às consultas públicas, a complexidade das questões em discussão impedem a efetiva participação popular.
No que se refere à efetivação da cidadania por meio da observância dos princípios que regem o serviço público, é importante destacar que a forma como foram levadas a efeito as privatizações no Brasil oferecem obstáculos a tal intento. Ora, um modelo que visava apenas a comercialização das empresas estatais não se preocupou, de início, com a busca da efetivação de tais princípios. Esta função foi posteriormente atribuída às agências, cuja atuação passou a ser pautada em um movimento de tentativa de correção de erros já cometidos.
Diz-se ainda que as agências reguladoras, por pressões econômicas e políticas, têm atuado na contramão dos interesses dos cidadãos, em favor dos agentes econômicos, em uma suposta busca pela manutenção do status quo.
Certo é que a análise da efetivação dos ideais constitucionais pelas agências reguladoras merece ser objeto de estudo. De qualquer sorte, deixa clara o artigo que os instrumentos estão colocados, existindo sim a real possibilidade de serem as agências reguladoras relevante meio para a ampliação da democracia e a efetivação da cidadania. Entretanto, para tanto se faz necessária vontade política, da qual evidentemente se carece.
Advogada Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná UFPR Especialista em Direito Público Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania no Centro Universitário Curitiba UNICURITIBA
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