Resumo: Seguramente a mais importante inovação trazida pela tão comentada Emenda Constitucional 45/2004 foi à ampliação da Justiça do Trabalhista para dirimir os conflitos oriundos da relação de trabalho (artigo 114, I, da CF/1988). Conforme iremos explicitar, relação de trabalho relação de trabalho é gênero da qual relação de consumo é espécie, assim entende-se que relação de trabalho corresponde a qualquer vínculo pelo qual uma pessoa física realiza obra ou serviço para outrem (pessoa física ou jurídica), mediante o pagamento de uma contraprestação (onerosidade). Neste raciocínio podemos afirmar que um pedreiro, um pintor ou qualquer autônomo que não receber pelos serviços prestados, embora não seja empregado do tomador de serviço, ajuizará eventual demanda na Justiça do Trabalho.
Palavras-chave: Processo do trabalho, Competência, Relação de Trabalho.
Abstract: Surely the most important innovation brought by the much-talked about Constitutional Amendment 45/2004 was the expansion of the labor court to resolve any conflicts arising from the employment relationship (Article 114, I of CF/1988). As we will explain, the employment relationship employment relationship is kind of relationship which is kind of consumption, so it is understood that the employment relationship is any bond by which an individual performs work or service to others (individual or company) payment of a fee (financial burden). In this reasoning we can say that a mason, a painter or any stand-alone shall not receive for his services, although not employed by the policyholder service, assesses potential demand in the labor courts.
Keywords: Procedure of work, competence, the employment relationship.
Sumário: 1. Introdução. 2. Início das discussões. 3. Jurisdição e competência da justiça do trabalho. 3.1. Classificação da competência. 3.2. Histórico da Justiça Trabalhista. 4. Relação de trabalho e seu alcance. 5. Competência da justiça do trabalho x relações de consumo. 5.1. Contextualização. 5.2. CDC e Prestação de serviço. 5.3. Emenda Constitucional nº 45/2004 X Relação de consumo. 6. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A Emenda Constitucional no 45, de 2004 (publicado do Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 20041), chamada de“Reforma do Poder Judiciário”, que tramitou por longos doze anos no Congresso Nacional, protagonizou grandes inovações na Constituição da República de 1988, especialmente,quando falamos da competência da Justiça do Trabalho.
A matéria até hoje desperta numerosos debates na seara doutrinária, e encontra-se em fase de sedimentação jurisprudencial.
Ganhou grande destaque o questionamento, referente a ser ou não ser da Justiça do Trabalho a competência para julgar os conflitos relativos à prestação de serviço por pessoa física.
A discussão do assunto supracitado é instigante, prova disto são os inúmeros textos que discutem o tema.
Para iniciar o debate, desenvolveremos o contexto sobre o qual se fundou o tema mencionado.
2. Início das discussões
A Justiça do Trabalho, no início das discussões sobre a Reforma do Poder Judiciário, cogitou extinguir a Justiça Laboral. Diante de tal possibilidade a magistratura trabalhista, capitaneada pela Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (ANAMATRA), por meio de um bem sucedido lobby no Congresso Nacional, obteve a ampliação da competência da Justiça Especializada.
Após a grande conquista da classe, para “salvar” a Justiça do Trabalho, com esta alteração constitucional incluindo na competência da Justiça do Trabalho as causas que versem sobre os interesses dos trabalhadores autônomos, como profissionais liberais e outros, ainda há discussões sob quais casos tratam de relação de consumo, e quando se enquadram em relação de trabalho, pois sabemos que compete à Justiça Comum estadual processar e julgar as ações que versem sobre relação de consumo.
Cabe ressaltar que após a EC 45/2004, em função da nova redação conferida ao art.114 da CF, a competência da justiça do trabalho passou a ter competência para processar e julgar qualquer relação de trabalho.
Sendo assim deixou de ter como exclusivo fim julgar as causas entre empregadores e empregados oriundas da relação de emprego das Leis do para, agora, julgar as ações oriundas da relação do trabalho, termo aberto, que pode abarcar todas as formas de trabalho humano.
O grande desafio dos operadores do Direito, em especial da doutrina juslaboralista, é fixar os limites do termo relação de trabalho, no que se refere à competência da Justiça Obreira.
Entre as divergências encontradas na doutrina está aquela que questiona se as causas oriundas das prestações de serviço regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) são ou não da competência da Justiça Especial.
Neste trabalho, pretendemos abordar as dúvidas anteriormente suscitadas, se as causas oriundas de relações de consumo podem ser julgadas pela Justiça do Trabalho.
Faremos uma breve introdução sobre competência da justiça trabalhista e a limitação do termo “relação de trabalho”. Posteriormente, trataremos da relação de consumo, para finalizar com o confronto surgido com a entrada em vigor da Emenda Constitucional no 45/2004.
3. Jurisdição e competência da justiça do trabalho
Antes de iniciarmos o estudo sobre competência, confrontaremos os conceitos de jurisdição e competência.
Jurisdição, palavra formada pela justaposição dos radicais de origem latina jus ou juris, que querem dizer direito, e dictio, que significa dicção, do verbo dizer (dicere, no latim); ou seja, é dizer o direito. Jurisdição, portanto, “consiste no poder de que todo juiz está investido, pelo Estado, de dizer o direito nos casos concretos submetidos a sua decisão”.2
Já competência, vem a ser uma parcela da jurisdição concedida a cada juiz, eis que é evidente que um único juiz não poderia dizer todo o direito, para todos os litigantes, em todo o território nacional, daí se dizer que “todo juiz competente possui jurisdição, mas nem todo juiz que possui jurisdição possui competência”.3
A repartição da jurisdição é feita adotando-se vários critérios, tais como a extensão geográfica dentro da qual o juiz dirá o direito, o tipo de assunto a ser decidido etc.
A divisão da jurisdição levou naturalmente à especialização de juízes e juízos. Criaram-se ramos do Poder Judiciário especializado em Justiça Eleitoral, Militar, do Trabalho etc.
3.1. Classificação da competência
Para fins de melhor expor o assunto fixaremos os conceitos e os critérios da competência da Justiça do Trabalho A competência é dividida geralmente pelos critérios:
a)material (ex ratione materiae)
A competência em razão da matéria está ligada ao rol de questões que podem ser julgados por determinado juízo. No caso da Justiça da Obreira, a competência em razão da matéria resumia-se, até o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, praticamente para apreciar os dissídios oriundos das relações de emprego.
As mudanças ocorridas em relação a competência material da Justiça do Trabalho, como veremos adiante (item 1.3), foi ampliada ao longo dos anos, e com mais intensidade a partir da Constituição de 1988.
b) pessoal (ex ratione personae)
Quanto ao critério pessoal, a competência é fixada “em virtude da qualidade da parte que figura na relação jurídica processual”4.
Antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho era fixada, a um só tempo, tanto pelo critério material (litígios referentes à relação de emprego ou decorrentes da relação de trabalho) quanto a pelo critério pessoal (trabalhadores tutelados pelo direito material do trabalho)5.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 adotou o critério material para fixar a competência da Justiça do Trabalho, eis que dispõe apenas “ações oriundas da relação de trabalho”, fixando a matéria na relação de trabalho, gênero do qual a relação de emprego é espécie. É o entendimento majoritário6.
Há quem diz que o constituinte derivado utilizou critério pessoal para determinar a competência da Justiça do Trabalho, é defende José Augusto Rodrigues Pinto:
Não temos nenhuma dúvida em afirmar: o novo critério resultou no deslocamento do eixo da determinação da competência, que passou da matéria (da relação de emprego) para a pessoa (do trabalhador).7
c) territorial (ex ratione loci)
A competência em razão do lugar (territorial) é delimitada com base na circunscrição geográfica em relação a qual o órgão jurisdicional exerce suas funções. Todo órgão jurisdicional naturalmente supõe um território sobre o qual é efetivada a função jurisdicional.
Na Justiça do Trabalho cada vara tem competência para apreciar as questões que lhe são submetidas dentro de determinado espaço geográfico, que pode ser de um Município ou de alguns Municípios. A competência é estabelecida pela lei federal que cria a Vara.
As regras de competência em razão do lugar visa tornar mais viável a propositura da ação trabalhista pelo trabalhador, afim de que este não tenha gastos com a locomoção e possa melhor fazer sua prova.
As regras de competência territorial estão no art. 651, da CLT, que utilizou como critérios (a) o local da prestação do serviço, (b) a condição de empregado agente ou viajante comercial, (c) de empregado brasileiro que trabalhe no estrangeiro ou (d) de empresa que promova atividade fora do lugar da celebração do contrato.
Além do mais, os Tribunais Regionais do Trabalho possuem competência para processar e julgar as causas trabalhistas, originariamente (ex.: dissídio coletivo) ou em grau de recurso (ex.: recurso ordinário), dentro de um limite territorial (região), fixado em lei federal, que geralmente abrange a área de um Estado.
O Tribunal Superior do Trabalho possui competência territorial para processar e julgar originariamente os dissídios coletivos que ultrapassem a área geográfica de uma região e em grau de recurso as decisões dos Tribunais Regionais nos dissídios individuais e coletivos. Nos termos do art. 92, § 3º, da Constituição Federal, o Tribunal Superior do Trabalho tem jurisdição (competência em razão do lugar) em todo o território nacional.
d) funcional (atribuições).
Por fim, o critério funcional de determinação da competência parte de outra perspectiva e coexiste com as demais formas de determinação da competência. Refere-se à divisão das atividades jurisdicionais entre os diversos órgãos que devam atuar dentro de um mesmo processo.
Estabelecido o juízo competente para processamento e julgamento de uma causa, surge o problema de fixar quais serão os órgãos jurisdicionais que devem funcionar nas diversas fases do procedimento, isto por que, nem sempre um só órgão terá condições de esgotar a prestação jurisdicional.
Após a Emenda Constitucional nº 24/1998, a competência funcional das Varas Trabalhistas será exercida pelo juiz singular (art. 116 da Constituição Federal de 1988) o que está previsto nos art. 652 e 653, da CLT.
A competência em razão da função nos Tribunais Regionais do Trabalho encontra-se fixada no art. 678 ao 680, da CLT. O art. 682 estabelece a competência funcional dos Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho.
Já a competência em razão da função do Tribunal Superior do Trabalho é disciplinada pela Lei nº 7.701/1988 e pela Resolução Administrativa nº 908/2002 (Regimento Interno).
3.2. Histórico da Justiça Trabalhista
Desde a sua instituição até o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho se resume basicamente a apreciar os dissídios decorrentes da relação de emprego, com os elementos dos art. 2º e 3º da CLT. A competência dessa Justiça Obreira foi sendo ampliada aos poucos pela legislação infraconstitucional, ante a permissão de alguns textos constitucionais, até a Reforma do Poder Judiciário de 2004 que trouxeram as mudanças expressamente.
A primeira Constituição brasileira a tratar da competência da Justiça do Trabalho foi a de 1934, que apesar de não utilizar o termo competência, instituía a Justiça do Trabalho para resolver questões entre empregados e empregadores (art. 122).
A Constituição seguinte (1937) tratou de forma semelhante à da anterior, eis que dispunha no art. 139 que a Justiça do Trabalho seria instituída para dirimir litígios das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social.
Com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452/1942, veio para o ramo laboral “os dissídios resultantes de contratos de empreitadas em que o empreiteiro seja operário ou artífice” (art. 652, “a”, III). In casu, o critério de delimitação da competência adotado pelo legislador foi, a um só tempo, em razão da matéria (nos contratos de empreitada) e em razão da pessoa (empreiteiro operário ou empreiteiro artífice).
O art. 123 da Constituição de 1946 incumbiu a Justiça do Trabalho de conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias trabalhistas regidas por legislação especial. Atribuiu à justiça comum a competência de julgar os dissídios ligados a acidentes do trabalho (§ 1º).
A Constituição de 1967 deu à Justiça do Trabalho competência para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias relativas às relações de trabalho regidas por lei especial (art. 134). As causas relativas a acidentes do trabalho eram da competência da justiça ordinária (art. 134, § 2º).
O art. 142 da Emenda Constitucional nº 1/1969 afirmava que competia à Justiça do Trabalho “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho” (art. 142). O referido diploma mantinha a competência para julgar os litígios relativos a acidentes do trabalho na justiça ordinária, sendo que a Emenda Constitucional nº 7/1977 acrescentou a expressão “salvo exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional”. O art. 110 determinava que “os litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a União, inclusive as autarquias e as empresas públicas federais, qualquer que seja seu regime jurídico, processar-se-ão perante os juízes federais, devendo ser interposto recurso, se couber, para o Tribunal Federal de Recursos”. Assim, os funcionários celetistas da União, incluindo suas autarquias e empresas públicas federais, teriam de propor ação na Justiça Federal. Essa posição foi bastante criticada e causou algumas inconveniências, como lembra Wagner Giglio:
A criação de foro privilegiado para a União, em matéria trabalhista, foi acerbamente criticada pela doutrina, e de fato provou mal, na prática: assoberbou a Justiça Federal e deu margem à divergência de julgados que veia a afetar a credibilidade dos jurisdicionados no Poder Judiciário. Ficou célebre a diversidade de interpretação dos efeitos da opção, por quem já era estável, pelo regime do Fundo de Garantia: a Justiça Federal entendeu que a opção não prejudicava os direitos derivados da estabilidade, enquanto a Justiça do Trabalho concluía pela solução diametralmente oposta8.
A Lei nº 7.494/1986 alterou o art. 643 da CLT para incluir na competência da Justiça Obreira os dissídios oriundos das relações entre trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços.
O texto original do art. 114 da Constituição de 1988 atribuía à Justiça do Trabalho “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”. A competência para julgar os empregados públicos da União retornou à Justiça do Trabalho.
Surgiu, a tentativa de incluir na competência da Justiça Obreira as causas oriundas do regime estatutário por meio do art. 240, alíneas “d” e “e”, da Lei nº 8.112/1991. Tal dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e posteriormente revogadas pela Lei nº 9.527/19979.
Importante ressaltar o art. 12 da Lei nº 7.787/1989, que foi a primeira tentativa de levar para a Justiça do Trabalho a cobrança das contribuições previdenciárias, nos seguintes termos: “em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de vencimentos, remuneração, salário e outros ganhos habituais do trabalhador, o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social será efetuado incontinenti”. Estabelecia o parágrafo único do citado artigo que “a autoridade judiciária velará pelo fiel cumprimento do disposto neste artigo”.
O art. 43 da Lei nº 8.212/1991 revogou o art. 12 da Lei nº 7.787/1989, ao assim tratar o tema: “em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive o decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de remuneração ao segurado, o recolhimento das contribuições devidas à Seguridade Social será efetuado incontinenti”. O antigo parágrafo único do art. 12 da Lei nº 7.787/1989 passou a ser o art. 44 da Lei nº 8.212/1991, estando assim disposto: “a autoridade judiciária exigirá a comprovação do fiel cumprimento ao disposto no artigo anterior”.
A Lei n Lei nº 8.620/1993 ofereceu nova redação aos arts. 43 e 44 da Lei nº 8.212/1991. O art. 43 passou a estar assim redigido: “nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social”. O parágrafo único do art. 43 determina que “nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado”.
Continua o art. 44 da Lei nº 8.212/1991 estabelecendo que “a autoridade judiciária velará pelo fiel cumprimento do disposto no artigo anterior, inclusive fazendo expedir notificação ao Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, dando-lhe ciência dos termos da sentença ou do acordo celebrado”.
Ocorre que, apesar de todos esses esforços para cobrar as contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho, o legislador não proveu os meios de execução dessa verba, limitando-se os juízes à época apenas a comunicar ao INSS a imposição da obrigação. Não nos aprofundaremos neste assunto para não fugir do objetivo deste trabalho. O certo é que o legislador só conseguiu superar essas dificuldades por meio da Emenda Constitucional nº 20/1998, que conferiu à Justiça Obreira a competência para executar de ofício as contribuições sociais e seus acréscimos decorrentes de suas decisões e acordos homologados (antiga redação do § 3º do art. 114), e a edição da Lei nº 10.035/2000, que alterou a CLT para incluir o procedimento de cálculo e execução das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho.
A Lei nº 8.036/1990 transferiu à cognição da Justiça do Trabalho as questões envolvendo o fundo de garantia de tempo de serviço – FGTS.
O art. 83, IV, da Lei Complementar nº 75/1993 atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar ação anulatória proposta pelo Ministério Público do Trabalho, versando declaração de ilegalidade de cláusula de convenção ou acordo coletivo que contenha contribuição confederativa ou taxa de assistência sindical.
A Lei nº 8.984/1995 dispôs que “compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho, mesmo quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicatos de trabalhadores e empregador” (art. 1º).
A Lei nº 9.958/2000 deu competência à Justiça do Trabalho para executar os termos de ajuste de conduta, firmados perante o Ministério Público do Trabalho, e os termos de conciliação celebrados em comissões de conciliação prévia.
Com a edição de diversas medidas provisórias, cristalizando-se a redação com a Medida Provisória nº 2.164-41/2001, foi acrescentado ao art. 643 da CLT o § 3º, assim redigido:
A Justiça do Trabalho é competente, ainda, para processar e julgar as ações entre trabalhadores portuários e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO decorrentes da relação de trabalho.
Na vigência do texto original do art. 114 da Constituição de 1988, a doutrina e a jurisprudência entendiam que, apesar do art. 7º, XXXIV, da Constituição Federal, ter conferido tratamento isonômico entre o trabalhador avulso e o empregado contratado por tempo indeterminado, isso não significava que os conflitos entre o trabalhador avulso e seu sindicato também fossem da competência da Justiça do Trabalho, pois não havia lei autorizativa em tal sentido.10
O art. 28 da Lei nº 10.833/2003 atualmente trata do recolhimento do imposto de renda retido na fonte em razão das decisões proferidas na Justiça do Trabalho.
Resta-nos tratar da Emenda Constitucional nº 45/2004, que poderá vir a ser a medida legislativa que trará o maior impacto à Justiça do Trabalho brasileira desde sua instituição. Digo no tempo futuro, pois estamos na dependência de como os órgãos do Poder Judiciário vão direcionar a interpretação do art. 114 com sua nova redação.
A Emenda Constitucional nº 45 deu a seguinte redação ao art. 114:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
§ 1º – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.”
Os trabalhadores autônomos, de um modo geral, bem como os respectivos tomadores de serviço, terão as suas controvérsias conciliadas e julgadas pela Justiça do Trabalho. Corretores, representantes comerciais, representantes de laboratórios, mestres-de-obras, médicos, publicitários, estagiários, contratados do poder público por tempo certo ou por tarefa, consultores, contadores, economistas, arquitetos, engenheiros, dentre tantos outros profissionais liberais, ainda que não empregados, assim como também as pessoas que locaram a respectiva mão-de-obra (contratantes), quando do descumprimento do contrato firmado para a prestação de serviços, podem procurar a Justiça do Trabalho para solucionar os conflitos que tenham origem em tal ajuste, escrito ou verbal.
Discussões em torno dos valores combinados e pagos, bem como a execução ou não dos serviços e a sua perfeição, além dos direitos de tais trabalhadores, estarão presentes nas atividades do magistrado do trabalho.11 .
Há quem diga que a mudança do alcance da expressão “relação de trabalho”, foi ampliada por meio de uma exponencial interpretação.
Mas, em primeiro lugar, em matéria de competência funcional constitucional, não se admitem interpretações ampliativas dessa magnitude, sob pena de ferir o princípio do Juiz Natural.
Quanto à redação, acompanhamos a crítica proferida por Arnaldo Süssekind que adverte:12
O novo art. 114 contém uma contradição, (…), porque no inciso I inclui na competência da Justiça do Trabalho “as ações oriundas da relação de trabalho” – todas, portanto – entretanto, no inciso IX, refere “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”.
Afigura-se nos que o inciso IX foi repetitivo, porquanto, havendo ou não lei especial afirmando a competência da Justiça do Trabalho para conhecer de litígio sobre qualquer modalidade de relação de trabalho, essa competência está afirmada no inciso I
A maior dificuldade trazida pela denominada Reforma do Poder Judiciário aos operadores do Direito é estabelecer o alcance da expressão “relação de trabalho” para se fixar a competência da Justiça do Trabalho. A análise do conceito de relação de trabalho e seu alcance para determinação da competência será objeto de estudo do próximo capítulo. Para o momento, antecipamos que as discussões sobre assunto fizeram surgir vários posicionamentos, que foram muito bem sintetizados por Souto Maior:
A ampliação da competência da Justiça do Trabalho, ditada pela EC n. 45 de 2004, no que diz respeito à expressão “relação de trabalho”, tem suscitado muitas dúvidas e, por consequência, muitos debates. Das manifestações até aqui expostas, podem ser divididas as posições adotadas em quatro correntes.
Para a primeira corrente, tudo que envolva trabalho, independe da natureza das pessoas envolvidas (natural ou jurídica) ou da forma da prestação do serviço, está, agora, sob a competência da Justiça do Trabalho.
A segunda corrente vai à mesma linha, apenas excluindo a tutela para os prestadores de serviços pessoas jurídicos. Admite, portanto, o processamento na Justiça de Trabalho de conflitos envolvendo relação de consumo, mesmo sem o critério da hipossuficiência do prestador ou da continuidade na relação.
A terceira, mais restritiva, além de exigir a pessoalidade na prestação de serviço, ainda estabelece como pressuposto da competência da Justiça do Trabalho, que o prestador de serviço esteja sob dependência econômica do tomador dos seus serviços ou que haja, pelo menos, uma continuidade nesta prestação.
A quarta corrente recusa à expressão “relação de trabalho”, trazida no inciso I qualquer caráter inovador com relação ao que já constava do mesmo artigo 114 antes da edição da EC 45, ou seja, que continuariam na competência da Justiça do Trabalho apenas os conflitos decorrentes da relação de emprego.
Se não bastasse a “crise” da Justiça do Trabalho para dimensionar o alcance de sua competência ampliada, os juslaboralistas sempre se viram diante de uma situação inusitada: os órgãos do Poder Judiciário que dão a última palavra na interpretação de normas que tratam de competência material da Justiça do Trabalho não têm a mínima intimidade com o Direito do Trabalho ou o Direito Processual do Trabalho.
Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal (art. 102, I, “o”, da Constituição Federal). Na formação atual da Suprema Corte brasileira apenas um de seus integrantes atuou no passado especificamente na área trabalhista, o Ministro Marco Aurélio Mello, que foi Ministro do Tribunal Superior do Trabalho.
Já o Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, originariamente, os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos (art. 105, I, “d”, da Constituição de 1988). O Superior Tribunal de Justiça é composto de 33 (trinta e três) Ministros, sendo um terço dentre os Tribunais Regionais Federais, um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça e um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios. Nenhum dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça teve grande vivência com a área trabalhista.
Assim, um entendimento que seja prevalecente entre os doutrinadores e os Magistrados trabalhistas, que têm experiência e conhecimento profundo no Direito do Trabalho e no Direito Processual do Trabalho, pode ser considerado absurdo para os Ministros que vão definir a competência da Justiça do Trabalho.
A demonstração disso que estamos sustentando ocorreu, por exemplo, quando o então Ministro Nelson Jobim, concedeu liminar, com efeito, ex tunc, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.395-6, em 27/01/2005, para dar interpretação conforme a Constituição ao inciso I do art. 114, nos seguintes termos:
Suspendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45, que inclua, na competência da justiça do trabalho, a “(…) apreciação… de causas que (…) sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”.
Parte da doutrina entende que a relação estatutária dos servidores públicos está entre as formas de relação de trabalho, como se extrai do Curso de Direito Processual do Trabalho do Carlos Henrique Bezerra Leite:
A relação de trabalho (gênero) no âmbito da administração pública pode ter duas características básicas: a relação estatutária e a relação empregatícia.
Comunga do mesmo entendimento o Mestre em Direito Administrativo, Gustavo Alexandre Magalhães:13
A partir do momento em que a Constituição foi alterada para estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas decorrentes da “relação de trabalho”, não há dúvidas de que, sob o ponto de vista material, também os litígios acerca dos servidores estatutários passaram para a competência da Justiça Trabalhista.
Outro caso que podemos citar é o julgamento do Recurso Extraordinário 438.63914, interposto em uma ação de indenização por acidente do trabalho, no qual se atribuía culpa ou dolo do empregador. O Supremo Tribunal Federal, não obstante a nova redação do art. 114 VI, da Constituição Federal (“as ações de indenização por dano moral ou material, decorrentes da relação de trabalho”), no primeiro julgamento sobre o assunto, entendeu, por maioria de votos, permanecer a competência da justiça comum.
A decisão do Supremo Tribunal Federal baseou-se na tese da “unidade de convicção”, que se traduz no cuidado de evitar julgamentos conflitantes entre dois ramos do Poder Judiciário. Ocorre que o entendimento da Corte Suprema divergia de renomados doutrinadores,i que entendiam ter chegado ao fim qualquer questionamento em relação à competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações acidentárias contra os empregadores.
Felizmente, o Supremo Tribunal Federal não permaneceu no caminho tortuoso por muito tempo e corrigiu a primeira posição adotada. No julgamento do Conflito de Competência 7204, suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho contra o Tribunal de Alçada de Minas Gerais, o Supremo Tribunal Federal, à unanimidade, reformulou o entendimento anterior e declarou que a competência para julgar ações por dano moral e materiais decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça do Trabalho.15
Essas “turbulências” jurídicas, sempre fizeram parte da determinação da competência da Justiça do Trabalho, intensificando-se na vigência da Constituição Federal de 1988. Trata-se de mais um desafio para os operadores do Direito, que deverão perder os ciúmes que tem da Justiça Especializada, e quebrar o paradigma de que cabe a este ramo do Poder Judiciário julgar apenas as causas entre empregados e empregadores provenientes da relação de emprego.
4. Relação de trabalho e seu alcance
Após da Emenda Constitucional nº 45/2004, ocorreu a necessidade da definição de relação de trabalho, para com a espécie, relação de emprego. Antes de tal advento doutrina não se preocupava em estabelecer o significado da expressão “relação de trabalho”, eis que era desnecessário. Como a competência da Justiça do Trabalho era quase que restrita para conciliar e julgar as causas entre empregados e empregadores decorrentes da relação de emprego, a preocupação maior era com o conceito de “relação de emprego”.
A maioria dos doutrinadores limitava-se a definir que relação de trabalho é gênero, do qual a relação de emprego é espécie, e conceituavam a relação de emprego dentro dos elementos estabelecidos pelos artigos. 2º, 3º e 442, da Consolidação das Leis do Trabalho16. Ou, desenvolviam conceitos vagos, como este de Amauri Mascaro do Nascimento: “Todo tipo de trabalho prestado pela pessoa física a alguém”17.
A atual redação do art. 114 da Constituição Federal pela Emenda n° 45/2004, veio para sanar várias controvérsias com gênese na relação de trabalho.
Assim tornou-se imprescindível conceituar e delimitar o alcance da expressão “relação de trabalho” para se fixar a competência da Justiça Obreira.
Relação de trabalho, segundo José Cairo JR, constitui o gênero da prestação de serviços do qual se originam várias espécies. Sempre que o trabalho for prestado por uma pessoa em proveito de outra, sendo esse trabalho de meio ou de resultado, haverá uma relação de trabalho latu sensu.18
Historicamente, o direito do trabalho tinha como norte a proteção do trabalhador que mantinha com o empregador, relação de emprego, essa postura da Justiça Obreira deixava de fora a proteção às demais relações de trabalho.
Ocorre que desde o inicio do século XX , por causa das alterações da realidade social, o conceito de relação de trabalho vem constantemente sendo modificado e ampliado, a fim de atender as necessidades das classes trabalhadoras e aos anseios dos operadores do direito.19
Para melhor apresentarmos o tema daremos uma breve definição do que é direito do trabalho.
As definições de direito do trabalho podem ser divididas em subjetivas, objetivas ou mistas.
As subjetivas são as definições que tem como foco os tipos de trabalhadores que são protegidos pelo direito do trabalho. Uns doutrinadores entendem que todos os trabalhadores sem distinção devem ser abrangidos pelo direito trabalhista, outros defendem que só os trabalhadores, denominados empregados, devem ser protegidos pela Justiça Laboral.20
A definição objetiva, não se abstrai das pessoas, mas da matéria envolvida. Neste ponto a quem defenda que o direito trabalhista deve disciplinar todo e qualquer trabalho, e do outro lado estão os que acreditam que o item subordinação é imprescindível, para que haja relação de trabalho, e assim seja regulamentada pela Justiça do Trabalho.21
A definição mista aglomera tanto características da teoria objetiva como da teoria subjetiva, sendo assim, refere-se tanto às pessoas como à matéria propriamente dita.22
Assim como ocorre nas definições de direito do Trabalho, nas relações de Trabalho também devemos observar os itens sujeito e objeto, como bem explica o doutrinador, Caio Mário Pereira da Silva, ao dizer que: insere a relação jurídica entre os três elementos fundamentais do direito subjetivo, juntamente com sujeito e objeto23. “Sujeito é o titular do direito. É aquele a quem a ordem jurídica assegura a faculdade de agir. (…) Toda vontade pressupõe um agente. Todo querer se prende essencialmente a alguém que possa exercê-lo. Daí dizermos (…) não há direito sem sujeito”24. “Objeto do direito subjetivo é o bem jurídico sobre o qual o sujeito exerce o poder assegurado pela ordem legal. Sendo o direito uma faculdade de querer, para que componha anatomicamente é necessário materializar-se em algo fora da pessoa do seu titular”25. “Relação jurídica traduz o poder de realização do direito subjetivo, e contém a sua essência. É o vínculo que impõe a submissão do objeto ao sujeito. Impõe a sujeição de um ao outro. Mas não existe relação jurídica entre o sujeito e o objeto. Somente entre pessoas é possível haver relações, somente entre sujeitos, nunca entre o ser e a coisa. Esta se subordina ao homem que a domina”26.
Contrariando o que diz Caio Mário Pereira da Silva, o dicionarista De Plácido e Silva defende que relação jurídica “é a expressão usada para indicar o vínculo jurídico, que une uma pessoa, como titular de um direito, ao objeto deste mesmo direito”27.
Como é de se esperar, existe diversas vertentes sobre o conceito de relação jurídica, mas optamos por adotar o posicionamento de Caio Mário que a inclui entre os elementos do direito subjetivo, e a delimita como o poder de realização deste direito.
Feita a conceituação de relação de trabalho, torna-se necessário definir o que é “trabalho”, objeto da relação jurídica trabalhista. No dicionário Michalis, trabalho por ser uma palavra polissêmica tem diversos conceitos, mas a significado que estamos procurando se molda perfeitamente no seguinte verbete: “1. Exercício material ou intelectual para fazer ou conseguir alguma coisa”28.
De Plácido e Silva, não só propõe um conceito parecido, como também define trabalho no sentido econômico e jurídico:
Trabalho, então, entender-se-á todo esforço físico, ou mesmo intelectual, na intenção de realizar ou fazer qualquer coisa.
No sentido econômico e jurídico, porém, trabalho não é simplesmente tomado nesta acepção física: é toda ação, ou todo esforço, ou todo desenvolvimento ordenado de energias do homem, sejam psíquicas, ou sejam corporais, dirigidas com um fim econômico, isto é, para produzir uma riqueza, ou uma utilidade, suscetível de uma avaliação, ou apreciação monetária29.
A fim de formar o conceito de relação de trabalho, a definição de “trabalho” deve ocorrer somente se estiver relação com o trabalho humano.
Depois da analise dos conceitos de “relação jurídica” e “trabalho”, é possível modelar o conceito de “relação de trabalho”. A doutrina propõe várias definições de relação de trabalho:
“Thereza Nahas:
A relação de trabalho, que dá origem ao contrato de trabalho, deve ser entendida, em sentido amplo, como toda relação cujo objeto é a prestação de um trabalho, seja realizada por pessoa física ou jurídica, em qualquer dos pólos daquela relação30.
Arnaldo Süssekind:
A relação de trabalho corresponde ao vínculo jurídico estipulado, expressa ou tacitamente, entre um trabalhador e uma pessoa física ou jurídica, que o remunera pelo serviço prestado. Ela vincula duas pessoas, sendo que o sujeito passivo da obrigação há de ser uma pessoa física, em relação à qual o contratante tem o direito de exigir o trabalho ajustado31.
Carlos Roberto Husek:
Prestação de serviços de pessoas físicas, ainda que não informada pelos requisitos da habitualidade, subordinação, pessoalidade e salário32.
Estevão Mallet:
Relação de trabalho é conceito mais amplo do que relação de emprego. Cuida-se, ademais, de conceito que já estava sedimentado em doutrina. Abrange todas as relações jurídicas em que há prestação de trabalho por pessoa natural a outra pessoa, natural ou jurídica, tanto no âmbito de contrato de trabalho (art. 442, da CLT) como, ainda, no de contrato de prestação de serviços (arts. 593 e seguintes do Código Civil) e, mesmo no de outros contratos, como os de transporte, mandato, empreitada etc. Relevante é que haja trabalho (…), ou seja, “lo spiegamento che l’uomo f adi energie destinate all’utilità di un’altra persona” ou, ainda, “energie fisiche o intellettuali che uma persona pone a servizio di un’altra persona”, o que supõe atividade prestada necessariamente por pessoa natural33.
Ilse Marcelina Bernardi Lora:
Compreende os (…) contratos de atividade, que são todos aqueles que apresentam em comum, ou seja, o objeto de todos eles consiste na utilização da energia humana e pessoal de um dos contratantes em proveito de outro34.
Lélio Bentes:
Termo genérico, abrangente de quaisquer relações em que se verifique a prestação de serviços por uma pessoa física a terceiro, seja pessoa física ou jurídica35.
Otavio Brito Lopes:
Relações jurídicas cujo objeto principal seja a atividade de pessoa física que presta serviços para outra pessoa física ou jurídica (contratos de atividade), sob vínculo celetista ou regulado pelo direito comum.
Rodnei Doreto Rodrigues e Gustavo Doreto Rodrigues:
Em síntese, pode-se dizer que são relações de trabalho as que vinculam pessoalmente o prestador (pessoa natural) ao tomador (pessoa física ou jurídica) mediante:
(1) relação de emprego (portanto, de trabalho subordinado, oneroso e não-eventual);
(2) trabalho autônomo, seja ele oneroso ou gratuito e não-eventual ou eventual;
(3) trabalho subordinado, porém gratuito e/ou eventual (grifos do original”)36.
Assim, a relação de trabalho não pode ser interpretada como sinônimo de relação de emprego, como fez o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 492-1. Trata-se de questões distintas, tanto que o art. 422, caput, da CLT, relaciona o contrato de trabalho ao conceito de relação de emprego, não ao de relação de trabalho37.
Só pode ser objeto da relação de trabalho o labor humano. Assim não podem ser sujeitos passivos as pessoas jurídicas, visto que estas não executam o trabalho por si, mas as pessoas físicas que a ela estão ligadas. Jamais haverá relação jurídica trabalhista de maneira direta entre pessoas jurídicas, apenas indiretamente. A pessoa jurídica poderá contratar a execução de uma atividade por outra pessoa jurídica, mas relação de trabalho só existirá diretamente entre a pessoa jurídica contratada e as pessoas físicas que executarão a atividade.
O consentimento é fator determinante, pois só haverá relação de trabalho quando houver prestação realizada e cumulativamente consentida pelo trabalhador (sujeito passivo). Levando-se em conta ser crime o trabalho escravo no ordenamento jurídico (art. 149 do Código Penal), pois não há relação de trabalho na escravidão.
Outro ponto a se considerar é que tanto o trabalho que exige esforço físico como o que se fundamenta no esforço mental poderá ser objeto da relação de trabalho.
Salienta-se, que tanto o trabalho subordinado (ex.: relação de emprego), como o não subordinado (ex. trabalho autônomo), são formas de relação de trabalho, pois em ambos o objeto é o trabalho humano.
O conceito de relação de trabalho deve colaborar com a interpretação do dispositivo constitucional. Pois, o conceito de relação de trabalho é anterior à Emenda Constitucional nº 45/2004.
Levando-se em conta a ampliação da competência (processar e julgar as ações relacionadas ao trabalho da pessoa física em geral) devemos avaliar se agora compete a Justiça do Trabalho apreciar também as ações envolvendo a atividade de prestadores autônomos de serviço, tais como corretores, médicos, engenheiros, arquitetos ou outros profissionais liberais, além dos transportadores, empreiteiros, diretores de sociedade anônima sem vínculo de emprego, representantes comerciais, consultores entre outros.
Não nos fixaremos na análise de todas as relações de trabalho que passaram para a competência da Justiça do Trabalho, pois nosso trabalho se dedica a verificar especificamente se as prestações de serviço que se inserem no conceito de relação de consumo passaram para a competência da Justiça Laboral
5. Competência da justiça do trabalho x relações de consumo
5.1. Contextualização
Como nos propomos inicialmente, pretendemos abordar se as causas oriundas das prestações de serviço regidas pelo Código de Defesa do Consumidor são ou não da competência da Justiça Especial.
Como já mencionado anteriormente, a substituição, na redação do art. 114 da Constituição Federal, da expressão “dissídios entre trabalhadores e empregadores” por “ações oriundas da relação de trabalho”, pela Emenda nº 45/2004, teve a intenção de ampliar a competência da Justiça do Trabalho: esta que se resumia aos litígios decorrentes da relação de emprego, isto é, da relação de trabalho subordinado, passou a abranger os mais diversos tipos de relação de trabalho, já que a expressão, de caráter genérico, aplica-se também a outras espécies de trabalho, como o autônomo, o eventual, etc.
Após delimitarmos o conceito de relação de trabalho no capítulo anterior, resta-nos definir, especificamente, a expressão “relação de consumo” para em seguida confrontá-la com a ampliação da competência da Justiça Especializada.
5.2. CDC e Prestação de serviço
O Código de Defesa do Consumidor( Lei n. 8078/90) conceitua quem é consumidor de um serviço, quando define como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza aquele serviço como destinatário final( artigo 2°) . Neste caso o que vem a ser o serviço objeto de consumo? De acordo com o § 2°, do artigo 3°, qualquer atividade fornecido no mercado de consumo, mediante remuneração, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
E importante salientar que sobre o tema só nos interessa a analise da prestação de serviço realizada por pessoa natural ou física, eis que só pode ser objeto de relação de trabalho o labor humano.
Portanto não há que se falar em sujeitos passivos as pessoas jurídicas, visto que jamais realizam o trabalho por si, mas tão somente as pessoas físicas que com elas colaboram. Assim, não poderá existir relação jurídica trabalhista diretamente entre pessoas jurídicas, apenas indiretamente. A pessoa jurídica poderá contratar a execução de uma atividade por outra pessoa jurídica, mas relação de trabalho só existirá diretamente entre a pessoa jurídica contratada e as pessoas físicas que realizarão a atividade. É o que esclarece Otávio Amaral Calvet, em artigo publicado na Revista LTr:
Assim, entre as duas pessoas jurídicas haveria uma relação meramente civil ou comercial, enquanto que, entre o trabalhador e o tomador dos seus serviços, efetiva relação de trabalho. Exemplificando, se uma empresa contrata outra para fazer dedetização no ambiente de trabalho, o funcionário que realiza a tarefa de ir ao local ministrar o produto químico mantém relação de trabalho com a empresa dedetizadora, enquanto entre esta e o cliente (pessoa jurídica que a contratou), existe relação estranha à trabalhista, não sendo de competência da Justiça do Trabalho38
Ponto do conceito de relação de consumo que devemos observar é o significado de “destinatário final”. Duas teorias se sobressaem na incumbência de esquadrinhar o que seja destinatário final: a teoria finalista e maximalista.
Para a teoria finalista39:
A interpretação do que seja destinatário final deve ser restrita, abrangendo como consumidores apenas aqueles que adquirem um produto ou serviço para uso próprio ou da família. Seria o não profissional, e não aquele que utiliza o produto ou serviço (…) como insumo para outra atividade econômica. Entendem os adeptos dessa teoria que ao restringir a proteção àqueles que verdadeiramente dela necessitam, esta será mais efetiva, bem como pelo fato de que não há hipossuficiência entre fornecedores, haja vista que aquele que utiliza o produto ou serviço como insumo tem o dever de conhecê-lo e está em igualdade de condições técnicas, econômicas e jurídicas para contratar.
Ao nos depararmos com a teoria maximalista veremos que, segundo ela, destinatário final é a pessoa a qual de fato se destinou o fim, “aquele para quem é prestado serviço ou que adquire o bem, independentemente da utilização deste para consumo ou insumo, salvo se estes se tratarem de bens ou serviços absolutamente indispensáveis para o exercício de determinada atividade econômica”40, como a açúcar para a fabricação de doces em uma confeitaria. “Com isso o direito do consumidor regularia todo o mercado, adaptando-se os fornecedores às exigências, de modo a fazer com que a economia torne-se mais equilibrada, organizada e com menos riscos a todos, inclusive empreendedores”41.
5.3. Emenda Constitucional nº 45/2004 X Relação de consumo
Um dos tópicos mais controversos em relação à EC/45 se refere sem dúvidas à inserção, na competência da Justiça Laboral, das prestações de serviço enquadradas como relação de consumo.
Entre os requisitos caracterizadores da relação de trabalho, a alteridade tem sido alvo de muitos debates no que se refere à distinção entre relação de consumo e relação de trabalho, senão vejamos:
Alteridade é o fato de uma pessoa física trabalhar por conta e risco de outrem. Na relação de trabalho o obreiro dispõe de sua energia produtiva para o empregador ( tomador de serviço) que, percebendo os frutos de seu trabalho, vende-os no mercado, obtendo assim, um benefício econômico decorrente daquele labor. É justamente neste ponto que alguns doutrinadores distinguem relação de trabalho e relação de consumo, pois defendem que se o serviço é prestado diretamente para o destinatário final, o qual em nada acrescenta a cadeia produtiva, não se terá configurado relação de trabalho , mas, uma típica relação de consumo.
Porém ainda existem muitas discussões sobre o assunto. Controvérsias as quais mostraremos os pontos de maior importância na relação de consumo e, analisaremos as implicações originadas da ampliação da competência da Justiça do Trabalho.
Com a nova redação dada pela EC/45 ao artigo 114, I, da Constituição Federal, surgiram na doutrina três posições sobre as prestações de serviço com traços de relações de consumo, que foram muito bem apresentadas por Arion Sayão Romita:
A primeira corrente nega a competência da Justiça do Trabalho e, em conseqüência, remete as ações de interesse daqueles trabalhadores para a Justiça Comum, sob o argumento de que a relação jurídica gerada pela prestação de serviços por autônomos configura relação de consumo, por entender que nunca pode aparecer como tomador de serviço o destinatário final.
A segunda corrente, em posição diametralmente oposta, afirma a competência da Justiça do Trabalho, sustentando que as ações decorrentes de prestação de serviços, mesmo no âmbito da relação de consumo, definem-se como relação de trabalho e, por força do disposto no art. 114 da Constituição, entram na competência da Justiça Especializada.
Os críticos dessa teoria defendem que tamanha ampliação da Justiça do Trabalho acabaria por desnortear a instituição, além do mais, significaria uma insustentável migração dos processos da Justiça Comum, para a Justiça Obreira.
A terceira corrente distingue entre relação de consumo e relação de trabalho. A prestação de serviço pode ocorrer na relação de consumo e, neste caso, as ações são da competência da Justiça Comum, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor. Já os serviços prestados por trabalhadores autônomos, entre os quais os profissionais liberais, configuram relação de trabalho e, em conseqüência, são da competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114 da Constituição, sendo aplicáveis as normas de Direito Civil (nem o Código de Defesa do Consumidor, nem a legislação trabalhista)42.
São adeptos a segunda corrente Antônio Álvares da Silva e Márcio Túlio Viana. O primeiro autor entende que relação de consumo de prestação de serviço demonstram clara relação de trabalho e que, a exemplo das outras formas de relação de trabalho, é da competência da Justiça Obreira as causas que dela vierem. Explica que já estavam na relação de consumo o trabalho autônomo, as empreitadas e a prestação de serviço sem vínculo empregatício e que, com a nova redação do art. 114, I, da Constituição Federal, “passaram para a competência da Justiça Especializada em seu significado duplo: como trabalho (relação de trabalho) e como relação de consumo em que o trabalho igualmente é o fundamento”43.
Interessante é construção do pensamento de Márcio Túlio Viana, que optamos por transcrevê-la, apesar de longa, pois se fôssemos resumi-la quebraria a linha de pensamento:
Assim, pode a relação de consumo envolver um serviço, um trabalho; mas desde que o consumidor seja o seu “destinatário final”. Um exemplo muito citado é o motorista de táxi. O “freguês”ou cliente seria o último destinatário de seus serviços.
A rigor, porém, até mesmo o empregador é o “destinatário final” ou único da força-trabalho. É só ele quem a consome, pelo menos diretamente, utilizando-a para acrescer valor ao produto e ao mesmo tempo extrair o seu lucro. Ele a usa para si, tal como fazemos em relação ao mecânico que conserta o nosso carro ou ao armazém que nos vende o espaguete.
Quando compramos uma lata de óleo ou mesmo um ingresso para o cinema, o que nós, pessoas comuns, consumimos, são apenas as mercadorias produzidas pelas mãos do trabalhador. Apenas indiretamente a sua força-trabalho, embutida no interior dessas mercadorias.
Na verdade, a diferença entre a relação de trabalho e a relação de consumo que envolve trabalho está mais na forma como este é utilizado: como valor de uso (o que acontece em todas aquelas situações), ou também como valor de troca (o que ocorre apenas na relação de emprego ou em hipóteses análogas).
Quando usada (também) como valor de troca, ou seja, como mercadoria destinada a produzir mercadorias, a força-trabalho se integra à cadeia produtiva. O que importa, assim, não é propriamente a destinação do trabalho, mas a dos produtos que o trabalho constrói. Vista a questão sob o ângulo subjetivo, o que faz a diferença é a qualidade (de capitalista ou não) do destinatário, ao usar a força-trabalho.
Pergunta-se: essa diferença justificaria uma quebra nas regras de competência?
Como sabemos, as relações de consumo se sujeitam a regras próprias, que à primeira vista nada têm a ver com o Direito do Trabalho. Até o princípio que as informam parece invertido. O CDC protege o consumidor; a CLT, o trabalhador.
De fato, a raiz de tudo foi a perda, por parte da classe trabalhadora, dos meios de produção. A partir de então, os que antes trabalhavam para si tiveram de vender a sua energia para os outros; e, ao mesmo tempo, comprar dos outros o que antes fabricavam também para si.
No início, os trabalhadores tentaram fazer frente a essa dupla dependência, que os transformava ao mesmo tempo em vendedores e compradores – e os submetia ao capitalista em suas duas versões, enquanto industrial e enquanto comerciante.
Contra a dependência da fábrica, surgiu, por exemplo, o anarco-sindicalismo, que lhes prometia não só a retomada dos meios de produção, mas a própria gerência da sociedade. Contra a dependência do comércio, o melhor exemplo aconteceu em Rochdale, na Inglaterra, onde 28 tecelões lançaram as bases do cooperativismo.
Como sabemos essas duas frentes de luta não chegaram a abalar as estruturas do capitalismo – mas fizeram brotar, em momentos diferentes, aquelas duas novas versões do Direito.
Primeiro veio o Direito do Trabalho. Muito tempo depois, o do Consumidor. Nem um, nem outro, querem acabar com a dependência de compra contratar, pois ela é da essência do sistema ao qual pertencem. Mas pelo menos tentam equilibrar o conteúdo dos contratos, compensando a falta de liberdade com um pouco de igualdade.
Desse modo, em última análise, ambos socorrem as mesmas pessoas, em face das mesmas pessoas. Em outras palavras, protegem o trabalhador em suas duas versões – a do homem que (se) vende e a do homem que compra, sempre por não ter alternativa. Atuam nos dois momentos de sua existência diária, ou mais precisamente dentro e fora da fábrica. Sob esse aspecto, pelo menos, a tão falada antinomia entre o princípio da proteção ao empregado (no Direito do Trabalho) e o princípio da proteção ao consumidor (no Código do Consumidor) é mais aparente do que real.
É claro que há consumidores que não são trabalhadores, ou seja, não são trabalhadores, ou seja, não são dependentes economicamente – como também existem, no plano da relação de emprego, os altos executivos e os craques de futebol. Mas em geral as posições coincidem. Ao sair da fábrica, o operário reencontra o capitalista, já agora vestido de comerciante.
Assim, a grande massa dos que consomem as mercadorias comuns é formada de trabalhadores mais (ou menos) fragilizados. E nem poderia ser diferente, pois eles compõem a imensa maioria da população. Já os que não são consumidos também não consomem: são os que dormem debaixo das pontes e se alimentam de lixo, excluídos do sistema capitalista e não incluídos em qualquer outro.
Mas se a regra geral é a coincidência entre o trabalhador e o consumidor, assim não acontece quando o que se consome é a força-trabalho – seja ou não na condição de mercadoria, vale dizer, esteja dentro ou fora do circuito econômico.
No primeiro caso, o consumidor é um empresário, é um empregador. No segundo, é o público, mas não o público em geral, e sim certa espécie de público, formada geralmente por quem usa do trabalho alheio para aumentar o seu tempo livre.
As contratações do chofer de praça, do engraxate, do servente, do professor particular, do personal training e talvez até os do barbeiro e do pedreiro são pouco ou nada freqüentes entre as pessoas mais pobres. Quem mora em favela constrói o seu barraco, conserta o encanamento e pede à mulher que corte o seu cabelo. Quando se trata de usar apenas o seu corpo ou sua mente, ou pouco mais do que isso, ele ainda pode fazer por si o produto final. Desse modo, provavelmente, quem precisa de proteção, na maioria dessas situações, não é consumidor, mas o fornecedor.
E se é assim, parece interessante dar a esses trabalhadores o acesso à Justiça do Trabalho. Em grande parte das vezes, eles serão tão dependentes, em termos econômicos, quanto os empregados comuns. Ou até mais, talvez. O fato de seu trabalho não ser usado como mercadoria não os tornam menos digno de proteção.
Aliás, é importante observar que há relações de emprego que são substancialmente de consumo, embora o CDC as exclua desse role e o que acontece com o trabalho doméstico. Pois, não faz sentido levar ao juiz do trabalho as causas entre a cozinheira e a patroa, e ao mesmo excluir os conflitos que envolvem o eletricista e a família que o contrata eventualmente. E o que não dizer, então, da diarista, que a corrente dominante insiste em não considerar empregada? Em nome de quê negar-lhe o acesso à mesma Justiça que aceita as causas do doméstico comum?
É verdade que o foco da Justiça do Trabalho, como dizíamos, deve ser o trabalho explorado pelo sistema capitalista. Mas também o trabalhador no circuito do consumo, especialmente hoje, é vítima do novo modo de produzir, que vai lhe subtraindo até a opção de ganhar a vida como operário.
Desse modo (…), parece-nos (…) que as relações de consumo devem entrar na órbita da Justiça do Trabalho44.
Na terceira posição, Ilse Marcelina Bernardi Lora expõe:
Sempre que o fornecedor do serviço for pessoa física, que prestar atividade laboral a outra pessoa, física ou a jurídica (de direito privado ou público), estar-se-á diante de um contrato de atividade. A prestação de serviço pode se dar a título subordinado […], de forma autônoma […] ou ainda pode se tratar de trabalhador parassubordinado […]. Qualquer que seja a modalidade da relação de trabalho (entendida a expressão em seu sentido amplo), havendo litígio e sendo necessária a invocação da prestação jurisdicional, o juízo competente será o trabalhista, independentemente de quem seja o titular da pretensão resistida, pois que a tutela estatal pode ser provocada tanto pelo trabalhador como pelo beneficiário do serviço45.
A doutrinadora abrange no rol da competência da Justiça do Trabalho até os pedidos de indenização relativa a dano do qual acredita ser credor o tomador do serviço exemplifica o caso do profissional médico, como pessoa física, revestida a prestação de caráter de infungibilidade (pessoalidade)46.Indo de encontro a esse posicionamento a Súmula 363 do STJ, diz ser da competência da Justiça Estadual processar e julgar as ações de cobrança dos profissionais liberais contra seus clientes. De acordo com a doutrinadora, ora citada, tal preceito encontra-se completamente divorciado com o que tange a artigo 114, I, da CF, pois segundo ela, havendo prestação de serviço por pessoa física seja a que título for a competência será da Justiça do Trabalho por força direta do artigo constitucional mencionado.
Sob esse ponto de vista pouco se importa que seja regida a dita relação pela CLT, pelo Código Civil ou mesmo pelo Código de Defesa do Consumidor, pois a supremacia da norma constitucional revela a insubsistência da resistência de muitos em reconhecer que a nova competência da Justiça Laboral abarca a apreciação litígios relacionados a trabalho cuja matéria esteja no bojo do CDC, por existir relação de consumo subjacente
Salienta-se, que tanto o trabalho subordinado (ex.: relação de emprego), como o não subordinado (ex. trabalho autônomo), são formas de relação de trabalho, pois em ambos o objeto é o trabalho humano, logo havendo controvérsias, estas serão dirimidas junto a justiça Laboral.
Portanto, entende-se que o comando da constituição, abrange TODAS as relações de trabalho (CF, art. 114, I),sem exclusões, pois o direito material, como se sabe não interfere na seara processual.
6. Conclusão
A ampliação da competência da Justiça do Laboral é uma tendência que se mostra desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que se exteriorizou com a Emenda Constitucional nº 45/2004. Cabe aos operadores do Direito encararem, primeiramente, que as regras de competência são fixadas por opção legislativa. Em segundo, independe do direito material a ser aplicado, pode-se atribuir à Justiça do Trabalho a competência para julgar qualquer sobre qualquer assunto, desde que de alguma forma se tenha de um lado uma causa controvertida girando no entorno de uma relação de trabalho.
Informações Sobre o Autor
Polianny Marques Freitas Branquinho
Professora de Direito Processual Civil, especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Tributário e mestranda em Direito das Relações Internacionais e Desenvolvimento na Pontifícia Universidade Católica de Goiás.