Relativizar a coisa julgada

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Resumo: O presente artigo não tem obviamente a pretensão de esgotar tão vasto e complexo tema, mas ao revés, dar-lhe linhas didáticas brilhantemente explicitadas na obra de Cândido Rangel Dinamarco, intitulada “A Nova Era do Processo Civil” publicada pela editora Malheiros. Desejo deixar patente que a sagacidade e a inteligência deste doutrinador deve ser reverenciada por toda doutrina brasileira não só por sua lucidez mas principalmente por primar por critérios científicos e balizados, compreendendo o Direito como uma ciência uma, harmônica e sistêmica.


Palavras-Chaves: Coisa julgada. Efeitos da coisa julgada. Sentença. Injustiça e inconstitucionalidade da sentença. Relativização da coisa julgada. Garantia Constitucional.


Abstract: This article is obviously not the intention of depleting as vast and complex subject, but the setback, giving him didactic lines brilliantly explained in the work of Cândido Rangel Dinamarco, entitled “A Nova Era do Processo Civil” published by the publisher Malheiros. I want to make it clear that wit and intelligence of this doutrinador should be reverenciada throughout Brazilian doctrine not only by its lucidity but mainly by precedence and balizados by scientific criteria, including the Law as a science one, harmonic and systemic.


KeyWords: Considered and judged thing. Effect of the considered thing. Sentence. Injustice and unconstitutionality of the sentence. Relativização of the considered thing. Constitutional guarantee.


Chega um dia em que o majestoso pilar da segurança jurídica não é tão mais importante que outros pilares consagrados no nosso ordenamento jurídico, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, a preocupação de se construir uma sociedade mais justa e solidária.


Chega um dia em que a necessidade de certeza cede a vez à necessidade de eticidade e solidariedade. Aonde reconhecer as próprias falhas, já representa um começo para se conseguir pelo menos acertar.


É sabido que nem toda sentença tem efeito material, isso devido o fato de nem sempre constituir a sentença em norma especial para o caso concreto submetido à apreciação judicial, nem sempre a sentença resolve o mérito da demanda.


Nas hipóteses previstas no art. 269 do CPC quando a sentença resolve o mérito, com o trânsito em julgado, a um só tempo, esta produz efeitos formal e material.
O efeito formal extingue a relação processual já o efeito material pode ser declaratório, condenatório ou constitutivo e passa regular a norma concreta aplicável à relação de direito material controvertida.


Assim quando a sentença apenas põe fim ao processo nas hipóteses do art. 267 do CPC, sem resolução do mérito, sendo o que se denomina sentença terminativa o seu efeito é apenas formal e atinge apenas a relação estabelecida entre auto, juízo e réu, em decorrência do processo não produzindo reflexo algum sobre o direito material, que via de regra preexiste ao processo.


O art. 467 do CPC é conceito falho, ensina Elpídio Donizetti pois só conceitua coisa julgada material, o legislador leva em conta a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, (não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário) e não das relações jurídicas, de cunho processual ou material.


Na coisa formal, também é indiscutível e imutável a sentença. É o que ocorre quando transita em julgado a sentença terminativa. Nesse caso, em razão da extinção da relação processual, nada pode ser discutido nesse processo. Entretanto, como não houve qualquer alteração qualitativa nem repercussão alguma na relação intrínseca de direito material, nada impede que o autor ajuíze outra ação, instaurando-se outro novo processo.


Já na coisa julgada material ocorre a impossibilidade de recurso seja ordinário, extraordinário ou reexame necessário (art. 475 do CPC) e nesse caso a sentença transita em julgado não só encerra a relação processual, mas compõe o litígio, havendo,  portanto a modificação qualitativa na relação de direito material subjacente ao processo.


Então a coisa julgada material é conceito além do efeito formal, a sentença definitiva não mais sujeita a recurso produz também alteração na relação intrínseca, na relação de direito material.


Superada a fase da interposição de recursos, a sentença  irradia qualidade que a torna imutável e indiscutível a relação de direito material seja naquele ou qualquer outro processo.


Daí a coisa julgada ser considerada um pressuposto processual negativo.


A coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, mas a recíproca não é verdadeira. A ocorrência da coisa julgada material veda não só a reabertura da relação processual como qualquer discussão em torno do direito material. Desta forma, a coisa julgada formal apenas impede nova discussão do direito material no processo extinto pela sentença.


Liebman aponta a coisa julgada formal como o primeiro degrau da coisa julgada material. E, pode ocorrer que os efeitos da sentença se detenham somente nesse primeiro degrau, posto que a sentença extinguiu o feito apenas, deixando inatingível a relação de direito material.


Mas, podem os efeitos ultrapassar o primeiro degrau e vir galgarem o segundo quando torna imutável e indiscutível a relação jurídica acertada pela sentença (de direito material). Evidentemente não poderá atingir o segundo degrau sem passar pelo primeiro, ou seja, não chegará a ser coisa julgada material, se antes não tenha sido coisa julgada formal.


Frederico Marques aponta duas escalas para a coisa julgada: a coisa julgada e a coisa soberanamente julgada. Sendo que a primeira ocorre com a superação da fase recursal, e a segunda, com transcurso de prazo de dois anos para ajuizamento de ação rescisória (art. 485 do CPC).


Traça o art. 468 do CPC os limites da coisa julgada material. A coisa julgada formal possui sua eficácia restrita aos limites do processo extinto, tem efeito semelhante ao da preclusão. Enquanto que a lei regula e disciplina situações genéricas dirigindo-se seus efeitos erga omnes, a sentença, a seu turno, regula e disciplina situações concretas e objetivas. Tanto a lei como a sentença são primados obrigatórios e ninguém pode ignorar o que foi estabelecido nestes atos


É exatamente nesse sentido é que se cogita da sentença ter força de lei no caso concreto.


Conclui-se que a coisa julgada tem eficácia limitada ao que foi decidido acerca da demanda posta em juízo, a qual tem elementos subjetivos e objetivos e que determinam em última análise os limites da coisa julgada.


A questão que faz parte do pedido mas não é apreciado em sentença, não é acobertada pela coisa julgada.  Faz coisa julgada entre os partícipes da relação jurídica processual o que aparece no dispositivo ou conclusão da sentença, pois é nessa parte em que o juiz realmente julga.


E em obediência ao princípio da obediência deve a sentença constituir resposta precisa e objetiva ao pedido do autor, e também a eventual pretensão do réu, seja formulada em ação dúplice, ou em reconvenção ou pedido contraposto.


Assim os limites objetivos da coisa julgada correspondem ao pedido e sua respectiva fundamentação. Nada que estiver externo ao pedido e do dispositivo da sentença faz coisa julgada é o que nos informa o art. 469n do CPC.


Por “dispositivo” devemos entender não só o pedido que é o objeto do processo, mas também a causa de pedir – fatos e fundamentos jurídicos do pedido. Quanto a questão prejudicial por ser uma premissa lógica, um antecedente indispensável condicionante do julgamento.  Se a questão prejudicial não faz parte do pedido, será obrigatoriamente decidida incidentalmente, e então não fará coisa julgada.


Ao revés, tornada controvertida a questão prejudicial, pode o autor requerer que o juiz se pronuncie, o que significa, incluí-la no pedido, e a isso chamamos de ação declaratória incidental. E, nesse caso produzirá obviamente coisa julgada.


A coisa julgada tem seu campo de incidência delimitado pela lide (pedido e sua fundamentação) e pelas questões decididas.


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Os limites subjetivos da coisa julgada importam em perimetrar quem será atingido pelos seus efeitos. Vige a regra a qual não cabe exceção de que a “sentença faz coisa julgada entre as partes onde é dada, não prejudicando e nem beneficiando a terceiros” (art. 472 do CPC).


Mas, por outro lado, a sentença que julga procedente pedido contido em ação reivindicatória proposta por um condômino a todos beneficiará. E, in casu, trata-se de eficácia natural. O mesmo ocorre na ação de usucapião e produz prova de propriedade perante qualquer pessoa.


Segundo o dispositivo legal do art. 472 do CPC nas ações relativas ao estado da pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, para todos os interessados, a sentença produz coisa julgada inclusive em relação a terceiros.


O que realmente ocorre nas ações de estado( de divórcio, de separação judicial, anulação de casamento, investigatória de paternidade, entre outras) é que os terceiros devido a falta de interesse processual não participam da relação processual e pela mesma razão não podem discutir o que foi firmado em sentença.


Boa parte da doutrina afirma que a coisa julgada emergente de sentenças proferidas em tais ações possui eficácia erga omnes. Porém, não é bem, assim não se ignorar o efeito natural da sentença, e o status nela estabelecido.


Na sucessão de partes e na substituição processual onde o sucessor e o substituído são partes materiais da demanda, não sendo terceiros, onde a coisa julgada opera normalmente entre eles. Também o MP na qualidade de substituto processual, é atingido quando propõe ação ex delicto bem como o substituído.


A sentença que decide relação jurídica continuativa faz coisa julgada formal, ou seja, proíbe a discussão de questões já decididas na mesma relação processual. Desta forma, a sentença emitida numa ação revisional integra-se à decisão anterior, constituindo ambas uma nova situação jurídica, agora com base em fatos atuais.


Na execução como não se dá a sentença de mérito, não se pode cogitar em coisa julgada. Nos embargos do devedor, a situação é diferente, porque se trata de ação de conhecimento, onde naturalmente há sentença de mérito, logo ocorre a coisa julgada.


A incidência da coisa julgada somente se verifica quando houver sentença que componha o litígio. A medida cautelar, por exemplo, peculiarizada por sua provisoriedade também não produz coisa julgada material.  Quase todas as decisões interlocutórias são preclusíveis tanto para as partes, como para o juiz, e só podem ser reapreciadas mediante o agravo. Porém existem questões sobre as quais não se opera a preclusão, tais como: condições da ação, pressupostos processuais, coisa julgada, litispendência e perempção (art. 267, § 3 do CPC).


Também nas sentenças julgadas sujeitas ao duplo grau de jurisdição, a coisa julgada ocorre após o trânsito em julgado, e esse se dá com reexame necessário pelo tribunal competente.


A coisa julgada é fenômeno típico do processo de conhecimento, porquanto somente nesse tipo de processo haja a composição do litígio. Inexiste coisa julgada no processo de execução, ou no cautelar, exceto, se nesse último, o juiz reconhecer a prescrição ou a decadência do direito do autor (art. 810 do CPC).


A coisa julgada defendida por alguns doutrinadores como efeito da sentença, mas por outros, no entanto, uma especial qualidade imunizadora dos efeitos substanciais da sentença, trazendo em seu bojo a necessidade de estabilidade da tutela jurisdicional.


Cândido Rangel Dinamarco aponta em suas premissas que a coisa julgada não possui dimensões próprias, mas somente as dimensões que tiverem os efeitos da sentença.


Assim a coisa julgada como elemento imunizador dos efeitos da sentença projeta para fora do processo e sobre a realidade social que cerca os litigantes, valendo-se erga omnes, dando assim estabilidade ao julgado e impedido que voltem a ser questionados judicialmente os pontos definitivamente estabelecidos e aclarados pela sentença não mais sujeita a recurso.


A garantia constitucional e a disciplina da coisa julgada endossadas pela legitimidade da política legislativa social, tem por fito conferir segurança às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença.


A busca do equilíbrio do sistema processual é quixotesca pois de um lado, temos as exigências conflitantes de celeridade, onde a certeza e a ponderação são ferramentas utilíssimas e visam realmente a justa composição das lides.


O cumprimento da missão pacificadora social do processo deve ser rápido e pontual, mas em seu desenvolvimento deve também oportunizar as partes os meios adequados e eficientes para defesa de suas teses, segundo o direito e a justiça, além de exigir do julgador o integral empenho e conhecimento jurídico sobre os elementos da causa.


E, surge o dilema como de maneira célere o processo é hábil a produzir soluções estáveis e legítimas? Como pode o processo na lida com a realidade social, ser engessado, pragmático sem que não pereça fatalmente por desatualização ou desenvolvimento incompleto?


É certo que para celeridade e efetividade processual os prazos preclusivos contribuem para a formação da autoridade da coisa julgada material que incide seus efeitos sobre a sentença a partir do momento que não seja mais possível nenhum recurso. Aliás, fatores como o justo e o contraditório sempre oferecidos às partes e, imposto ao juiz nos revelam nas garantias constitucionais de igualdade, ampla defesa e do devido processo legal, bem como os instrumentos como a ação rescisória que oportunizam sempre o aperfeiçoamento da sentença e da coisa julgada como produto oferecido pelo Judiciário aos litigantes.


É curial que se faça uma interpretação sistemática e histórica dos princípios e garantias constitucionais do processo civil, mais preocupado em garantir o acesso à justiça, com celeridade e efetividade processual, a fim de que possa finalmente cumprir seu papel social, que é de pacificação social.


Aliás, dentro da idéia de que não existem mais absolutos e intangíveis direitos subjetivos, e que a relativização visa mais atender ao equilíbrio das diferentes órbitas jurídicas e a permitir que o acesso à justiça realmente signifique o acesso à soluções justas, equânimes e de garantida legitimidade social.


E, novamente, o baluarte da Escola Processual Paulista, Cândido Rangel Dinamarco, ressalva sabiamente que “os princípios existem para servir à justiça e aos homens, e não para serem servidos como fetiches da ordem processual”.Aliás, nesse particular, é bom sublinhar que o Direito existe para os homens, para estruturas sociais. Daí o consagrado brocardo ubi societas, ubi jus


A coisa julgada material é o corte epistelomógico necessário e, segue como premissa metodológica mas, não como óbice para aperfeiçoamento do sistema processual em busca da ordem jurídica justa. O próprio valor democrático do princípio do contraditório e da ampla defesa não é um fim em si mesmo, pois para um processo justo e équo há de se atender as exigências substanciais para o acesso à justiça.


A relativização da coisa julgada deve levar em conta que a garantia de inexpugnabilidade da coisa julgada material cinge-se aos efeitos a serem imunizados da sentença e que deve estar em sintonia com as demais garantias constitucionais aplicáveis ao processo e inerentes a atividade jurisdicional.


A tese de instrumentalidade do processo  que o fundamenta como meio racional de justiça, preocupa-se em apontar meios hábeis a enriquecer o sistema processual para seu aprimoramento e na busca de reais condições de aplicação e pacificação social.


A coisa julgada material como velho dogma tradicional não condiz com a dinâmica e a evolução social e cultural da justiça e, nem atende ao processo civil de resultados no qual os conceitos, sem que percam sua valoração, encaram-se como meios capazes de atingir bons resultados e não o epicentro das atenções.


O sol do sistema processual não pode ser a coisa julgada material. Até porque a conciliação, a pacificação e a colmatação das lacunas normativas são realizadas através de métodos e fontes de direito de maior espectro. E, numa ótica mais paradigmática, na necessidade de se admitir uma atuação mais profícua e eficiente da arbitragem.


É notória a busca da segurança jurídica presente nas relações jurídicas correspondendo ao fim das incertezas e infortúnios que envolviam os litigantes. As decisões judiciais formatadas, isolam-se dos motivos do grau de participação dos interessados e imunizam-se contra novas razões ou resistências que se possa pensar em opor-lhes, chegando a um ponto de firmeza que se qualifica como estabilidade, e é variável conforme o caso concreto.


A coisa julgada traduzida como a imutabilidade da sentença e de seus efeitos, com a vigorosa negação liebmaniana de ser apenas mais um dos efeitos da sentença.


E, em análise da coisa julgada material e formal, não há dois institutos diferente e antagônicos. E, sim, faces da mesma moeda, dois aspectos do mesmo fenômeno, a saber: Pois ambas são responsáveis pela segurança jurídica: a distinção se revela somente que a imutabilidade é uma figura de duas faces, na verdade, na coisa julgada formal a imutabilidade da sentença.


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Assim, na coisa julgada material temos a imutabilidade dos efeitos da sentença de mérito seja esta meramente declaratória, constitutiva ou condenatória, ou mesmo quando o pedido é julgado improcedente. A partir do momento de não caber mais recurso algum, o estado de firmeza quanto aos direitos e obrigações transcende ao processo e atinge as pessoas. Consiste na intangibilidade de situações jurídicas criadas ou declaradas, de maneira, que nem outro juiz, nem pelo próprio legislador, venha-se contrariar o que houver ido decidido.


Não se trata de imunizar a sentença enquanto ato processual, mas seus efeitos que se projetam para fora, e atingem pessoas e relações. Frise-se que a coisa julgada não resta confinada ao direito processual, possui significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, e está erigida como garantia constitucional.


Consolida-se no presente e dirige-se retilínea para o futuro, e relativamente ao objeto do julgamento e as razões vencedoras no debate processual.


As normas de direito processual limitam-se a reger os modos como a coisa julgada produz e os instrumentos pelos quais é protegida e a estabilidade das relações. Heelwig, prestigiado doutrinador, consagra que a coisa julgada material é o direito do vencedor a obter dos órgãos jurisdicionais a observância do que tiver sido julgado.


Traduz-se como coisa julgada formal a imunização da sentença enquanto ato processual, trazendo verdade e certeza jurídica inter partes. Mas, quando não mais cabível nenhum recurso, a coisa julgada opera eficácia consistente de pôr fim a relação jurídica processual e, a partir daí, nenhum juíza ou tribunal poderá modificá-la.


É inerente a teoria geral dos recursos e está solenemente positivado na sistemática brasileira que o julgamento proferido em um recurso cassa sempre a decisão ou sentença recorrida, e quando não a anula, substitui-a desde logo ainda que lhe confirme o teor.


A coisa julgada formal incide sobre sentenças de qualquer natureza, porque não diz respeito aos efeitos substanciais, mas à própria sentença como ato do processo. É fenômeno intestino do processo e refere-se à imunização da sentença, contra qualquer substituição por outra.


É manifestação de maior amplitude e variada intensidade a preclusão, daí chamar-se a coisa julgada material de preclusão máxima, que significa a extinção de faculdade ou poder no processo. A coisa julgada formal como preclusão qualificada que é, tipifica-se como extinção do poder de exigir novo julgamento quando a sentença já tiver passado em julgado.


Nesse particular, é pertinente a observação apontada por Cândido Rangel Dinamarco enxergando no sistema brasileiro um caráter mais preclusivo do que os sistemas europeus, que é uma decorrência das fases em que a lei distribui os atos do procedimento, sem possibilidade de repetições ou retrocessos e daí ser a rigidez procedimental um dos mais destacados elementos caracterizadores do modelo processual infraconstitucional brasileiro.


Reforce-se que a coisa julgada material, a formal e a s preclusões incluem-se como mecanismos com os quais o sistema processual busca a estabilidade das decisões, e portanto, a segurança jurídica.


Os exageros responsáveis pela exacerbação do valor da coisa julgada e das preclusões têm produzido dano, e se pode mesmo observar que o valor da segurança jurídica não é absoluto, nem o é, a garantia da coisa julgada porque ambos devem conviver com outro valor de pujança que é o da justiça das decisões judiciárias, que é constitucionalmente prometida mediante a garantia constitucional de acesso à justiça.


Convém relembrar que é acesso ao processo justo e équo, capaz de promover não só a pacificação social mas a consolidação da autonomia e monopólio do Estado na composição das lides.


Portanto, não é legítimo eternizar a pretexto da segurança jurídica injustiças, o Ministro José Delgado defende uma conceituação de coisa julgada em consonância com princípios da moralidade pública e da segurança jurídica que se traduz em visão equilibrada do instituto.


Também Humberto Theodoro Junior postula o mesmo equilíbrio, bem como Hugo Nigro Mazzilli ao defender a necessidade de mitigar a coisa julgada. A própria jurisprudência norte-americana e inglesa abre caminho para tese relativizadora, apontando que se levou para muito longe a consagração da res judicata, chegando-se ao absurdo de ser esta capaz de criar uma outra realidade, e fazer mudar o falso em verdadeiro assim como o branco em negro.


A síntese dos objetivos do Estado contemporâneo destaca o valor da justiça como um objetivo central da jurisdição no plano social, onde se devem eliminar os conflitos de interesses mediante critérios justos.


Não reconhecer o caráter absoluto à coisa julgada significa, não valorar a segurança jurídica acima de outros valores como o princípio da moralidade pública, o bem-comum e a razoabilidade nas obrigações assumidas pelo Estado.


Afirmou o Ministro José Delgado que a autoridade da coisa julgada está sempre condicionada aos princípios de razoabilidade e da proporcionalidade, sem cuja presença e segurança jurídica imposta não é tipo de segurança proposta na Constituição Federal.


Fica clara esta questão diante das ações de investigação de paternidade quando o teste verificador baseava-se no tipo sanguíneo, e com o advento de técnicas biológicas e laboratoriais mais avançadas (DNA, HLA) podemos ter a declaração pericial de paternidade mais fidedigna. Pondera Humberto Theodoro Junior que sentenças abusivas não podem prevalecer a qualquer tempo e a qualquer moderno, até porque a sentença abusiva não é, em verdade, sentença.


Discordando dessa tese do doutrinador mineiro, Cândido R. Dinamarco esclarece que a sentença juridicamente inexistente é sentença,e havendo decidido sobre o que se constitua o objeto do processo(mérito), esta será uma sentença de mérito.Sendo seus efeitos barrados, não galgando força para impô-los.


O STF já na década de oitenta proclamava em que dadas as circunstâncias”não ofende a coisa julgada a decisão que, na execução, determina nova avaliação para atualizar o valor do imóvel, constante de laudo antigo, tendo em vista atender à garantia constitucional da justa indenização.” É o que acontece quando há procrastinação do pagamento por culpa do ente expropriante, e as vezes se dá pela retenção indevida dos atos por anos.


O Ministro Rafael Mayer aludiu que foi o lapso de tempo que desgastou o sentido da coisa julgada, e fundamentou nova perícia avaliatória. Em outro caso, o Ministro Néri da Silveira votou e foi vencedor no sentido de fazer nova avaliação, apesar do trânsito em julgado da sentença que fixara o valor indenizatório apesar de não ter havido procrastinações abusivas mas sempre com o superior objetivo de assegurar justa indenização, que é valor constitucionalmente garantido e assegurado.


Também com relação à correção monetária não imposta em sentença em virtude de lei superveniente e da inflação que viera corroer o poder aquisitivo da moeda, tem se pacificado o entendimento que a correção dos valores fixados em sentença não significa ultraje a garantia constitucional de coisa julgada, posto que não implica em alteração substancial da indenização, mas mero ajuste nominal.


Pontes de Miranda já discorria sobre as hipóteses em que a sentença é nula de pleno direito, arrolando três impossibilidades: a cognoscitiva, a lógica ou jurídica. Cogita também da sentença ininteligível como aquela que instituísse direito não mais compatível com ordem jurídica nacional. Para esses casos bizarros haveria diferentes remédios processuais, como uma nova demanda em juízo sobre o mesmo objeto, com pedido de solução conforme a ordem jurídica vigente; resistência à execução, não exclusivamente pelos embargos; alegação de incidenter tantum em algum outro processo.


No mesmo sentido, Humberto Theodoro Junior invocando o processo justo, os fundamentos morais da ordem jurídica, e principalmente a moralidade que a Constituição consagra. O caso que examinava em parecer era de dupla condenação da Fazenda a pagar indenizações pelo mesmo imóvel. Segundo se alegava, que esta já havia satisfeito a uma das condenações e com esse fundamento opunha-se à execução que se fazia com base na outra condenação, mas pelo mesmo débito. Em suas conclusões, o mestre mineiro propôs o enquadramento do caso na categoria de erro material, para sustentar conseqüentemente que não havia res judicata.


Eduardo Couture mais de uma vez escreveu sobre a admissibilidade de revisão judicial de sentenças cobertas pela coisa julgada, particularmente em relação aos ordenamentos jurídicos como o do Uruguai, cuja lei não consagrava de modo expresso tal possibilidade.


Aponta a fraude que pudesse projetar-se sobre a situação jurídica de pessoas, sendo um desprestígio máximo e negação do Direito. Chega a dar o sugestivo nome de “coisa julgada delinqüente” e, ainda diz que é como se outorgasse uma carta de cidadania e legitimidade à fraude processual e às formas delituosas de processo.


E num tom profético e enfático, chegou a afirmar: “chegará um dia em que as forças vitais que rodeiam o jurista exigirão dele um ato de coragem capaz de pôr à prova suas meditações”.


Couture examinou o caso de um fazendeiro rico que, tendo gerado filho com uma empregada, pessoa muito simples, e para fugir às responsabilidades de pai introduziu esta a constituir um procurador, pessoa de absoluta confiança dele, com poderes para promover a ação de investigação de paternidade.


Citado o fazendeiro, este negou veementemente o dos os fatos constitutivos narrados na demanda e o procurador do menor e da mãe, que agia  em dissimulado conluio com o fazendeiro, negligenciou por completo o ônus de provar o alegado, e a conseqüência foi a improcedência do pedido, passando em julgado a sentença, pois obviamente em conluio, o advogado não recorreu.


Mais, tarde, atingindo esse filho a maioridade, moveu novamente ação investigatória de paternidade quando então fora freado pelo problema da coisa julgada. O caso terminou em acordo, lamentando-se não ter sido possível aprofundar-se a discussão e obter um pronunciamento do Poder Judiciário sobre relevante tema.


Juan Carlos Hitters em monografia intitulada “revisão da coisa julgada” realizou longa resenha constituída dos casos dos tribunais argentinos, aonde se questionou as preclusões de diversas naturezas na busca de sua meta principal que amparar sua tese sobre a admissibilidade da “revisão da coisa julgada” mesmo quando o direito positivo ainda não tenha previsto ou disciplinado. E harmoniza a temática com sua dimensão sociológica com base na justiça e na eqüidade, particularmente a justiça singularizada para o caso específico.


Dá uma entusiasta abertura a revisão de julgamentos substancialmente injustos, infringindo-se a coisa julgada se isso for essencial para se obter justiça.


Na época de Hitters a Suprema Corte havia se pronunciado a favor da prevalência da autoridade da coisa julgada em relação às sentenças portadoras de vícios formais. Porém, segundo o renomado doutrinado este jamais se manifestara em referência ao questionamento da coisa julgada devido aos vícios substanciais da sentença.


Ao ditar os casos favoráveis a mitigação dos efeitos das preclusões processuais, oferece elementos para construção de uma teoria da revisão da coisa julgada sem previsão legal ou para além das previsões legais eventualmente existentes (ocorrentes no Brasil).


O conhecido e respeitado Hugo Nigro Mazzilli figura a hipótese de ação civil pública haver sido julgada por serem inócuas ou mesmo benfazejas as emanações liberadas na atmosfera terrestre por um fábrica e depois do trânsito em julgado, verificar-se justamente ao contrário, havendo sido fraudulenta a perícia realizada que instruiu os autos.


Para casos assim, é imperioso que se mitigue a coisa julgada em seu caráter erga omnes conforme o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, porque não se pode admitir, verdadeiramente a coisa julgada ou direito adquirido capaz de violar o meio ambiente e de destruir as condições do próprio habitat do ser humano. E, tal fato ainda se ampara no direito constitucional de se ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado ex vi o art. 225 da CF e, invoca prestigiadas lições do processualista Mauro Cappelletti e do constitucionalista Jorge Miranda, sob a rubrica de “necessidade de mitigar a coisa julgada”.


Vai até a raiz do problema ao confrontar o tradicional processo civil individualista com os modernos pilares da tutela jurisdicional coletiva, aonde certamente se situa a temática relativa as ações civis públicas. Adverte Mazzilli que tal qual um castelo de cartas, as velhas estruturas referentes aos institutos básicos do processo civil entre as quais a legitimidade ad causam, a substituição processual, a representação e, sobretudo os limites subjetivos da coisa julgada. Resta a velha estrutura comprometida com a incongruência diante de fenômenos jurídicos coletivos com aqueles que se verificam na realidade social e econômica contemporânea.


Jorge Miranda abordando também o tema  alega que não é valor absoluto a coisa julgada, e deve ser conjugada com outros. Assim o princípio da constitucionalidade fica limitado pelo respeito ao caso julgado que deve forçosamente se apercebido dentro do contexto constitucional.


Antes do surto relativizador brasileiro de 1993, Paulo Otero em Portugal desenvolvia o tema mediante a análise de situações onde as decisões podem ser consideradas inconstitucionais que pode ocorrer direta e imediatamente ou mediante a aplicação de norma inconstitucional ou pela recusa de aplicação de norma constitucionalmente legítima.


Analisa a jurisprudência lusitana e recorre a Kelsen para quem o poder de criar normas individuais inclui o poder de criar normas individuais contrárias à Constituição, para logo em seguida questionar, se existe a norma com valor constitucional que permita a validade e a eficácia dos casos julgados das decisões judiciais em dissonância com a Constituição, excluindo simultaneamente qualquer poder oficioso dos tribunais de prover controle de constitucionalidade difuso.


A obra de Otero gravita em torno da inconstitucionalidade das decisões judiciais e no minucioso exame analítico dos possíveis reflexos das declarações de inconstitucionalidade das leis e sobre a autoridade da coisa julgada já formada ou que venha a formar-se.


Proclama que a lei e a coisa julgada não possuem caráter absoluto, sendo apenas absoluto e radical, o direito (ou pelo menos) o direito justo.


A cultura jurídica anglo-americana não possui grande apego e pejo aos rigores da autoridade da coisa julgada, conforme a nossa que é de origem germânico-romana. A influência francesa e depois espanhola nas colônias da América do Norte apesar de trazerem á cultura influência do sistema romano antigo, não trouxe porém, a influência germânica.


É exatamente no direito germânico aonde se situa as mais rígidas regras de estabilização das decisões judiciais em razão da coisa julgada, preconizando a absoluta eficácia preclusiva desta em ração ao deduzido e ao dedutível e como regra geral e sanatória de eventuais nulidades de sentença.


Portanto a cultura anglo-america aceita com maior naturalidade a mitigação da coisa julgada impondo a esta, restrições racionais e a observância de outros princípios e necessidades.


E, aduz a prestigiada Mary Kay Kane que existem circunstâncias que embora presentes os requisitos para aplicação da coisa julgada, tal preclusão não ocorre. Posto que são superadas pelas razões de ordem pública subjacentes à relação jurídica colocada em discussão (ou deduzida em juízo).


A mitigação da coisa julgada é defendida naturalmente pela ilustre doutrinadora ao apontar razões sociais relevantes e específicas.


As fundadas exceções do interesse público ou no fato de se evitar a injustiça são invocadas em situações específicas aonde seja necessária à superação dos interesses puramente de ordem processual.


Aponta primeiramente aos casos em que a coisa julgada vai a confronto às disposições e valores constitucionais já consagrados pela ordem jurídica. A coisa julgada norte-americana só possui poder imunizante de seus efeitos e de sua preclusão quando compatível com certos valores tão elevados quanto a definitividade das decisões judiciais.


E, em uma passagem de extrema lucidez bem representativa do pensamento jurídico norte-americano aduz que: “os tribunais somente podem fazer o melhor a seu alcance para encontrar a verdade com base na prova, e a primeira grande lição que se deve aprender em tema de coisa julgada é que as conclusões judiciais não podem ser confundidas com a verdade absoluta” (Currie, grifo nosso).


Ada Pellegrini Grinover cuidou de uma demanda de anulação de escritura de reconhecimento de filiação cujo fundamento era que tal declaração estaria eivada de falsidade ideológica porque o declarante seria impotente ao tempo e o filho teria sido concebido antes de qualquer relacionamento físico com a mãe daquele.


A referida demanda foi julgada improcedente, sobrevindo a coisa julgada. Cogitou-se depois da propositura de uma demanda declaratória de inexistência de relação de paternidade entre o mesmo autor e o mesmo réu; a professora Ada consultada, respondeu em parecer inexistir o óbice da coisa julgada como impedimento a essa propositura.


O caso é proposto à luz da teoria dos limites objetivos da coisa julgada, da correlação entre o objeto da demanda e objeto da sentença.  A coisa julgada afirmou-se como absoluta sobre o preceito decisório da sentença e, não sobre seus motivos, como é sabido em doutrina e expressamente disposto no art. 469 do CPC. E, no parecer invocou-se a doutrina antiga e a moderníssima, convergentes sobre a temática.


Empenhou-se a ilustre doutrinadora em delimitar o âmbito de incidência da coisa julgada, isolando-se seus limites objetivos, e neste diapasão esclarece in verbis: “aquela demanda não teve propriamente a declaração de inexistência da paternidade”.


A coisa julgada inconstitucional ganhou fôlego em nossa literatura jurídica, com a coletânea coordenada por Carlos Valder do Nascimento e oferecida ao público no ano de 2002, onde constam ensaios de autoria do Humberto Theodoro Junior e de Juliana Cordeiro de Faria e, de José Augusto Delgado.


O ponto nevrálgico é a afirmação de que não existe nenhum choque entre o princípio da segurança jurídica e a aplicação dos outros princípios que estão acima daquela, visto que o caráter absoluto que lhe tenta impingir não resiste mais aos primados de moralidade e legalidade.


Conclui-se também apoiado pelo parágrafo acrescido no art. 741 do CPC através de medida provisória de duvidosa constitucionalidade (que mais tarde veio a ser imposto pela Lei 11.232/2005) que nas sentenças nulas, os vícios ao conteúdo de inconstitucionalidade por estas veiculados, podem ser atacados, sem necessidade de observância de tempo ou de procedimento específico.


Expõe, portanto a coisa julgada inconstitucional com absoluta vulnerabilidade com a possibilidade de ser infringida sempre, inerentemente a ocorrência de fraude ou de grave injustiça e sem levar em conta uma comparação entre o valor da segurança jurídica e o valor transgredido e violado em cada caso concreto.


Humberto Theodoro Junior e Juliana C. de Faria afastam-se da idéia da inexistência das sentenças inconstitucionais e sustentam a nulidade da coisa julgada inconstitucional, e adiantam que nada deve a coisa julgada não deve servir de empecilho ao reconhecimento da invalidade da sentença prolatada em contrariedade à Constituição Federal, em seguida, amenizando a afirmação, esclarecer os nobres autores que o princípio da segurança jurídica não ficará comprometido porque nos casos em que se manifestar relevante o interesse na preservação da segurança, bastará recorrer-se ao salutar princípio constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade.


O labor de José Augusto Delgado com ênfase aos resultados superlativamente injustos e absurdos eventualmente cobertos pela coisa julgada. A relatividade da coisa julgada erige-se como valor inerente á ordem constitucional-processual, face o convívio com outros valores de igual ou maior grandeza e necessidade de harmonizá-los.


É imperioso equilibrar as exigências da segurança jurídica com as exigências de justiça e que constitui mote principal da desconstrução da coisa julgada enquanto dogma.


A advertência de Pontes de Miranda que alega que se levou longe demais a noção de coisa julgada é de extrema atualidade.


Em síntese Cândido R. Dinamarco aponta os pontos particulares, a saber:


o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade como condicionante da imunização dos julgados pela autoridade da coisa julgada material;


a moralidade administrativa como valor constitucionalmente proclamado e cuja efetivação é óbice a essa autoridade em relação a julgados absurdamente lesivos ao Estado;


o imperativo constitucional do justo valor das indenizações em desapropriações imobiliárias, o qual tanto é transgredido quando o ente público é chamado a pagar mais, como quando este é autorizado a pagar menos que o correto;


o zelo pela cidadania e direitos do homem que encontram abrigo na Constituição Federal, como impedimento à perenização das decisões inaceitáveis em detrimento dos particulares;


a fraude e o erro grosseiro são fatores que comprometem o resultado do processo e autorizam a revisão da coisa julgada; a garantia constitucional do meio-ambiente ecologicamente equilibrado e que não deve restar desconsiderada mesmo na presença da coisa julgada material;


a garantia constitucional de acesso à ordem jurídica justa pauta pelos ditames não só de justiça social mas também da eqüidade e, por fim, o caráter excepcional da disposição a flexibilizar a autoridade da coisa julgada, sem o qual o sistema processual perderia utilidade e confiabilidade, mercê da insegurança que geraria.


Os critérios de relativização racional e equilíbrio da coisa julgada sopesam valores e opinam sobre quais devam prevalecer, a sugestão de modos ou remédios que dispõem os litigantes para tentar a liberação do vínculo que a coisa julgada impõe.


Na dicção do art. 5º. , inciso XXXVI da CF o constituinte minus dixit quam voluit, tendo essa garantia um espectro mais amplo do que as palavras poderiam levar a expressar. Por força da coisa julgada, não só legislador carece de poderes para nova disciplinação de uma situação jurídica concreta que já fora definitivamente regrada por sentença irretratável.


A essência da coisa julgada de que trata Liebman ao cogitar que esta consiste na imutabilidade da sentença, do seu conteúdo e de seus efeitos, o que faz dela um ato do poder público portador da manifestação duradoura da disciplina que a ordem pública jurídica reconhece como aplicável à relação sobre a qual se tiver decidido.


Consagra Liebman que a coisa julgada pertence ao direito processual material embora pertença ao direito constitucional e, em seu caráter bifronte do ordenamento jurídico, instituído para fornecer a segurança e paz de espírito às pessoas e às relações jurídicas debatidas em juízo.


Identificar a coisa julgada como instituto bifronte significa que diz respeito à própria vida dos direitos dos sujeitos e suas relações entre si e com bens da vida. Constitui uma ponte de passagem entre o direito e o processo, entre o plano substancial e o plano processual do ordenamento jurídico.


Dois remédios se avultam para sanar a infringência de sentenças de mérito coberta de autoridade de coisa julgada: a ação rescisória e os embargos de execução. Sendo a primeira restrita conforme os fundamentos tipificados em lei conforme a enumeração dos incisos do art. 485 do CPC. Por outro lado, os embargos do executado representam meio hábeis a desfazer os efeitos da sentença quando fundados na falta ou na nulidade de citação do demandado no processo de conhecimento, restando ele revel.


Existe outra possibilidade de revisão do julgado pelo art. 463, I do CPC autorizador de nova decisão depois de publicada a sentença diante de inexatidões materiais ou erros de cálculo. E, tais fatos são apenas oponíveis quando são meros equívocos no modo do julgador se expressar, não se admitindo a revisão do julgado se o juiz houver adotado critério conscientemente ou chegado a um resultado aritmético, especialmente se o tema fora discutido entre as partes.


Há casos de ineficácia da sentença para os quais o STF reputa hábil qualquer meio a ser usado pelo sujeito atingido ou ameaçado pelos efeitos de um julgamento em certo processo onde não houve sua participação (ocorre, por exemplo, ante a omissão de um litisconsorte necessário unitário), entre as vias admitidas, há o processo autônomo com o pedido de declaração de nulidade ou ineficácia da sentença.


Os todos os métodos que permitem a revisão dos julgados, e da coisa julgada há a premissa da prevalência do substancial sobre o processual, ou seja, o relevante culto ao valor do justo em detrimento ao procedimento sobre a coisa julgada.


A alusão da coisa julgada inconstitucional e a invocação de outras garantias constitucionais com quais a coisa julgada tem que conviver, como a moralidade administrativa, a do justo preço das indenizações em face de desapropriações e o meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Invocou-se também a fraude e o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade como fundamentos para a relativização da coisa julgada. A coisa julgada não é um efeito em si mesma, não possui dimensão própria, mas a dimensão dos efeitos substanciais da sentença sobre a qual incida.


Não pode a coisa julgada carrear efeitos juridicamente impossíveis. E uma sentença que venha produzir efeitos juridicamente impossíveis, em verdade, é uma sentença desprovida de efeitos substanciais. E, não havendo efeitos a serem imunizados, não há como enxergar a materialidade da autoridade da coisa julgada.


A reconsideração sobre a auctoritas rei judicate não só se legitima apenas pela oposição entre a sentença e a Constituição, mas pelos maus resultados dos julgamentos, e que sejam colidentes com a garantia constitucional do acesso à justiça que é o verdadeiro e real fundamento da relativização da coisa julgada material.


Deve o julgador perceber que a ordem jurídica é composta de um harmonioso equilíbrio entre certezas, probabilidades e riscos, sendo humanamente impossível pensar na atividade jurisdicional isenta de erros. Devendo-se dar equilibrada flexibilização da coisa julgada principalmente para se impedir a perpetuação de injustiças, absurdos, fraudes ou inconstitucionalidades.


O presente artigo não tem obviamente a pretensão de esgotar tão vasto e complexo tema, mas ao revés, dar-lhe linhas didáticas brilhantemente explicitadas na obra de Cândido Rangel Dinamarco, intitulada “A Nova Era do Processo Civil” publicada pela editora  Malheiros. Desejo deixar patente que a sagacidade e a inteligência deste doutrinador deve ser reverenciada por toda doutrina brasileira não só por sua lucidez mas principalmente por primar por critérios científicos e balizados, compreendendo o Direito como uma ciência uma, harmônica e sistêmica.


Alguns doutrinadores preferem a terminologia “desconsiderar a coisa julgada” alegando que esta tem regulamento em lei ordinária e que a sentença deve ser justa e fundamenta-se em dois fortes argumentos: a) coisa julgada injusta; b) na coisa julgada inconstitucional.


Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery em seu Código de Processo Civil Comentado apontam que em verdade, a pretendida relativização é mero eufemismo pois ao se desconsiderar a coisa julgada , é como se esta jamais tivesse existido.
A corrente doutrinária que defende a relativização da coisa julgada o faz mediante casos excepcionais, como o caso de investigação de paternidade quando ainda não existia a perícia do DNA e a desapropriação de imóvel com avaliação supervalorizada.


Logo surgem questionamentos intrigantes a respeito da possibilidade de relativização da coisa julgada, como por exemplo, se existiria prazo para a quebra atípica da coisa julgada, será que pode ser reconhecida incidentalmente a outra ação, a inconstitucionalidade da coisa julgada.


O que fez com que Eduardo Talamini propusesse majoração de prazo para ação rescisória e alteração de prazo para seu exercício. Nery admite a ponderabilidade sobre a coisa julgada, mitigando-a pelos mecanismos constitucionais e legais, em homenagem à aplicação do princípio da proporcionalidade, existente no sistema constitucional brasileiro, estabelecidos em numerus clausus, como são os casos de ação rescisória, de revisão criminal e a coisa julgada secundum eventum litis.


Há um exemplo histórico bastante comprometedor para adoção da desconsideração da coisa julgada e remonta ao nazismo, mais precisamente quando em 15.07.1941, Adolf Hitler sancionou a Lei para Intervenção do Ministério Público no Processo Civil, outorgando poderes amplos ao parquet para apontar se a sentença seria justa ou não, e se atendia aos fundamentos do terceiro reich alemão bem como os anseios do povo alemão (art. 2º., Gesetz über die Mitwirkung des Staatsanwalts in büergerkichen rechtssachen ).


Se o MP alemão apontasse a sentença como injusta ou infiel aos ideais nazistas vigentes poderia propor ação rescisória para que isso fosse formalmente reconhecido. E, com base nesse triste registro, alguns doutrinadores defender que desconsiderar a coisa julgada seria desconsiderar o próprio Estado Democrático de Direito, é ofender a Carta Magna. E, grande temor dessa corrente é que aceita a tese para mitigar a cosia julgada, certamente a cultura jurídica brasileira a ampliaria seu espectro, podendo até bizarramente erigir regra a não existência da coisa julgada.


Há institutos de direito processual tais como a prescrição, a decadência, a preclusão e a perempção que foram criados exatamente para propiciar a segurança jurídica, sendo também a coisa julgada, um desses institutos, só que de natureza constitucional. E sua proteção não está somente no âmbito constitucional mas também como fundamentos da República. Sendo a coisa julgada cláusula pétrea de nosso sistema.


A tese de abrandamento da coisa julgada não é recente, e os temas da injustiça da sentença, da sentença legal ou inconstitucional são antigos conhecidos da dogmática do direito público. Mas, todavia, não acredito que a mitigação justificada e razoável da coisa julgada não possa equilibrar o distanciamento existente entre o fenômeno jurídico e no fenômeno social, atendendo-se assim, de forma mais adequada o acesso à justiça.


 


Referências

DINAMARCO, Cândido R. A Nova era do Processo Civil, São Paulo, Editora Malheiros.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 9ª. Edição, 2008, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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