Releitura do processo civil

Resumo: Analisar os diferentes perfis criados pelo Estado na estrutura do processo civil, a fim de alcançar bases sólidas do direito processual contemporâneo.

No Estado Liberal Clássico[1] o processo era entendido numa perspectiva privatista, sendo particularmente considerado como “coisa das partes” frente ao juiz passo e indiferente às mutações ocorridas no Estado que vão resultar numa concepção pública do processo, o qual vem a ser visualizado como instrumento a serviço da ordem jurídica estatal, modificando-se o papel do juiz de forma a romper com as deficiências do processo de índole liberal.

Já no Estado Democrático de Direito ocorre uma nova leitura do processo civil que passa a ser encarado como uma parceria de singularidades, de maneira a equalizar a passividade e o protagonismo judicial.

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Evidente que o processo é fruto da cultura que reflete diversos elementos como costumes religiosos, os princípios éticos e os hábitos sociais e políticos que marcam a sociedade.

É interessante enxergar o processo civil a partir da função desempenhada pelo Estado em certo contexto histórico-social, uma vez que as ideias dominantes sobre o papel do Estado mostram-se aptas a influenciar as próprias concepções da justiça, implicando também na escolha das variadas soluções processuais.

Compreender o fenômeno processual permite tanto verificar as razões históricas e culturais que apassivaram o juiz no Estado Liberal Clássico, e conduziu o processo subordinado ao legislador na tomada de decisões.

Por outro lado, questionar o papel do juiz e das partes, bem como a conformação do processo civil, no Estado Democrático implicar em rever o processo e as escolhas sobre as soluções processuais.

É fato que cada vez mais nos distanciamos do julgamento e, cada vez mais nos inclinamos para a mediação e conciliação de interesses no processo civil contemporâneo.

Observando a matriz do pensamento e dos valores do Estado Liberal Clássico que informaram a estruturação do processo civil que evoluiu e chegou até o Estado Democrático de Direito.

Mas antes de nos regozijarmos pelo Estado Democrático de Direito é curial incursionar no Estado moderno que em sua origem já significou a ruptura com a multiplicidade de instâncias tão peculiares a Idade Média.

Nesta época, desconhecia-se a ideia de um poder público fincado na figura do Estado. O nascimento do Estado Moderno vai deste o Estado Absolutista até a estruturação da unidade de uma instância de poder e de direito.

Alguns autores se referem à existência de outras formas pré-estatais como o nome de Estado, como o Estado oriental de cunho teocrático com limites religiosos, mas não jurídicos, o Estado Grego ou Estado-cidade (no qual a liberdade dos cidadãos – não estando incluídos nem os escravos e nem as mulheres – consistia mais que um sistema de garantias); o Estado romano e, por fim, o Estado medieval especialmente o feudal (no qual se manifestou uma pluralidade de poderes, sem unidade solidamente constituída); o Estado moderno então é dotado de ordenamento unitário e próprio, isento de sujeição à Igreja, por sua própria constituição, com um sistema de garantias dos direitos individuais. (In: DEL VECCHIO, Giorgio. Teoria do Estado. Tradução de Antonio Pinto de Carvalho, São Paulo: Saraiva, 1957).

Conclui-se que o Estado moderno é resultante, por um lado, das lutas políticas entre os diversos poderes medievais, como a Igreja e o império e, ainda dos senhores feudais e os reis. E, de outro lado, da formação das comunidades assentadas firmemente sobre porções específicas do território europeu.

A superação da atomização medieval foi conduzida primordialmente pelos reis, o que justifica a monarquia como forma fundamental do Estado Moderno.

O absolutismo remonta à ruptura do equilíbrio político no interior de alguns Estados territoriais a favor de um poder central e supremo em desfavor de todas as outras instituições do universo medieval, como as classes, as cidades, a Igreja e as corporações.

O aspecto notável desta ruptura de equilíbrio a favor de um poder central consiste na solução radial, dentro do Estado, dos conflitos religiosos, ocorrido primeiramente na França e na Espanha.

O Estado moderno ao romper com as estruturas medievais de poder engendra os traços característicos que vão informar a ideia de Estado presente nos dias atuais. Há, nesse momento, a unidade de poder concentrada no Estado que vai sobrepor às todas demais instâncias.

No contexto medieval, o senhor feudal era proprietário dos meios administrativos, cobrando tributos e aplicando sua própria justiça, tendo seu próprio exército, ao passo que no Estado moderno esses meios administrativos, não são mais patrimônio de ninguém (ou melhor, passa ser de todos).

O que supõe o desenvolvimento da burocracia, a valoração do poder político no legislativo e no judiciário, a tendência unificadora da lei, a formação de exércitos nacionais permanentes, a submissão das confissões religiosas, a transformação da nobreza substituindo a aristocracia feudal pela classe titulada, e, em fim, a aceitação da maior importância atribuída à riqueza móvel.

Assim, o Estado moderno é espelhado no soberano que se apresenta como titular de um poder direto, imediato e ilimitado, capaz de concentrar todas as funções que atualmente são chamadas de legislações, administração e a judicial.

O início do despotismo conheceu seu clímax quando Luís XIV pronunciou “L’Etat c’est moi” onde anunciou que nada se fará sem uma ordem sua, e que toda a autoridade se concentra em suas mãos.

A ausência de limites de poder do Estado absolutista deu margem à reação da burguesia nascente o que produziu o reflexo direito da área econômica sobre a política. A burguesia desejava erguer barreiras às arbitrariedades do poder do rei ou, pelo menos, domesticar uma administração cujas providências concretas, individuais e potencialmente discriminatórias não se coadunaram com a liberdade e a igualdade de oportunidades dos agentes econômicos dos agentes econômicos, essenciais para o desenvolvimento das bases econômicas burguesas.

Então, o Estado era visto como um inimigo que chancelava desigualdades de direitos em favor do clero e da nobreza, os quais não pagavam qualquer tipo de impostos[2], ao mesmo tempo em que tinha total ingerência sobre a economia e a autonomia dos cidadãos.

Era necessário contrapor à onipotência do rei em face de um infalível sistema de garantias. Montou-se o Estado Liberal Clássico sobre a justificação patrimonial ou religiosa do poder fora traduzida no governo da vontade discricionária do Príncipe, opõe-se ao governo da razão ou da vontade geral expressa no Parlamento por meio de normas gerais e abstratas e de direitos fundamentais.

Dentre as ideias políticas que vão nortear a noção do Estado, sobreleva a afirmação de que o governo deve ser limitado no sentido de que a única forma em que as instituições políticas de uma sociedade podem ser justificadas, se é que são suficientemente permissivas para que todos possam viver suas vidas por si mesmos.

A outra fase dessa concepção política é a ideia de que os direitos fundamentais são uma legítima barreira à interferência estatal, limitando assim, o Estado.

De certa forma, que as concepções liberais no Estado acabam por se confundir, com o contexto histórico do Estado de Direito, o qual era visto pela burguesia como cenário de luta política dirigida simultaneamente contra a imprevisibilidade dos Estados absolutistas e as barreiras sociais legadas pela sociedade estamental.

Portanto, o Estado Liberal acabou por moldar os contornos do Estado de Direito sendo entendido a partir da proteção da liberdade e dos direitos fundamentais e também a proteção dos valores burgueses particularmente a iniciativa privada, a segurança da propriedade e as exigências próprias do sistema capitalista.

A adjetivação de liberal colocada ao Estado de Direito traz em seu bojo três separações que o caracteriza: a separação entre a política e a economia; a separação entre o Estado e a moral e, por fim, a separação entre Estado e sociedade civil.

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A primeira separação significa que o Estado deve se limitar a garantir a segurança e a propriedade dos cidadãos, deixando a vida econômica entregue a uma dinâmica de autorregulação pelo mercado; a separação entre o Estado e a moral significa que a moralidade não é assunto que deva ser resolvido pela coação externa ou assumido pelo Estado, mas somente pela consciência autônoma do indivíduo; pela derradeira separação, identifica-se que a sociedade civil é o locus onde coexistem as esferas morais e econômicas dos indivíduos com relação ao Estado que é mera referência comum tendo como única tarefa a garantia de paz social que permita o desenvolvimento da sociedade civil conforme as suas próprias regras.

Não mais subsiste o juiz como a boca da lei principalmente porque o contexto em que vivemos é bem diferente daquele em fora concebida.

Em face da impossibilidade de substituir a magistratura já que é classe altamente técnica, a maneira encontrada fora domesticá-la de forma a impedir que julgasse em sentido contrário aos ideais da revolução francesa foi aplicar o sistema de separação de poderes, baseando-se em Platão, mas tornando o judiciário um poder nulo, a quem caberia somente declarar a vontade da lei, criada pela burguesia que então passava a deter o poder. (In: Merryman, John H. La tradición romano-canônica. México: Fondo de Cultura Economica, 1994).

A partir daí, estruturou-se o Estado Liberal pelos direitos fundamentais, concebidos como esferas de autonomia a preservar e impedir a ampla intervenção do Estado, pela divisão de poderes, assegurando o predomínio do legislativo, o império da lei e pelo princípio da legalidade, e da força social que o hegemoniza, ou seja, a burguesia.

Nesse sentido, o direito era identificado pela lei e sua titularidade era exclusiva do legislador, o qual apareceria como únicos protagonistas da juridicidade com preterição e quase um sacerdotal sacrifício do juiz, que nada mais era do que a boca da lei.

Se o Estado Liberal de Direito era baseado na limitação do Estado como forma de garantir o desenvolvimento da burguesia no então iniciante sistema capitalista.

O modelo liberal do Estado admite os direitos fundamentais vistos como garantias da autonomia individual contra as invasões do soberano e da divisão de poderes com a ênfase no Poder Legislativo e uma total subordinação do Poder Judiciário à lei, que refletia os valores burgueses, o processo civil acabou a imprimir tais características sobre forma de Estado.

Michele Taruffo apontou as diversas implicações recíprocas entre o processo civil e a cultura, na media em que se verificam as influências das concepções políticas, econômicas e morais típicas do Estado Liberal Clássico.

A ideologia predominante na época era que o processo fosse onde se manifesta a autonomia e a liberdade das partes privadas. Os litigantes devem ter à disposição de todos os instrumentos processuais necessários para desenvolver, por iniciativa própria, uma competição individual que se dava frente ao juiz, o qual fazia o papel de um verdadeiro árbitro, cuja função era somente assegurar o respeito das regras do embate.

Então a caracterização do duelo é como verdadeiro duelo privado muito comum as legislações processuais liberais que se enfeixem por uma série de princípios e que foram encampados pelas duas principais legislações: o Código Napoleônico de 1806 e o Código Italiano de 1865 (onde não havia muitos procedimentos especiais, com poucos casos de jurisdição voluntária, disciplinados como procedimentos de caráter administrativo).

A admissão da demanda não estava subordinada a nenhuma aprovação do juiz, uma vez que se tratava de serviço necessário do Estado e estava sob o domínio absoluto dos particulares as partes não obtinham nenhuma colaboração do juiz na fixação da prova, era confiada aos demandantes a disposição do processo e o controle do tempo.

Salvo a audiência de discussão oral, o processo se desenvolvia na forma escrita, com ampla instrução escrita remetida completamente à disponibilidade das partes, as quais podiam prolongá-las indefinidamente.

Constata-se que a configuração de um processo fulcrado na autônoma iniciativa dos litigantes onde a intervenção do juiz era mínima e atendia às ideologias burgo-liberais, forjava-se ao lado do dogma da liberdade e da mais completa tutela dos direitos processuais das partes.

O processo civil foi, desta feita, fora conduzido a um ideal individualista apresentando uma controvérsia autônoma em frente de uma corte passiva, o processo era tido como mera continuação de outros meios de relações privadas instituídas pela cultura da época.

O Estado Liberal Clássico construiu um modelo de juiz passivo de acordo com a concepção liberal pela qual o Estado deve evitar qualquer intervenção na gestão dos afazeres privados.

Assim, moldou os contornos do processo civil a partir de um forte controle estatal sobre o juiz no momento de decidir, uniformizando o comportamento dos juízes às orientações políticas do governo, usando todos os instrumentos lícitos ou ainda ilícitos, como pressões de arrecadações e sanções burocráticas ou disciplinares sobre aqueles que ousassem se comportar de modo independente.

Obtinha-se dessa forma, um amplo controle sobre as decisões tomadas pelos juízes, de modo a garantir a supremacia da legislação[3]. Nesse contexto não era dado nem ao juiz, nem às partes contribuir para a compreensão do sentido do direito.

O perfil do processo do Estado Liberal Clássico, portanto resumiu-se em total liberdade das partes privadas, frente ao juiz e havendo um forte controle político sobre o juiz por parte do governo.

As mutações no papel do Estado que começam a ser teorizadas no final do século XIX vão cobrar uma nova forma de pensar o processo civil. E acabaram por configurar as linhas mestras daquilo que Enrico Allorio chamou de história ideal do direito processual civil; a história da sua publicização. (In: Allorio, Enrico. Significato dela storia nello studio del diritto processuale. Rivista di diritto processuale civile, volume XV, Parte I, Anno 1938, XVI e XVII p.180).

Não tendo o individualismo e a neutralidade do Estado Liberal conseguido satisfazer as reais exigências de liberdade e igualdade dos setores mais oprimidos social e economicamente, eclodiu na segunda metade do século XIX, uma série de conflitos de classe que veio a desvelar a insuficiência do marco de liberdades burguesas quando se inibe o reconhecimento da justiça social.

Sobreleva, nesse marco, o progressivo estabelecimento por parte do Estado de medidas para frear os excessos do capitalismo, especialmente nos domínios dos horários de trabalho, do trabalho infantil e feminino.

Isso acarreta alteração radical na forma de conceber as relações do Estado com a sociedade, a partir dos novos ethos político baseado na concepção do Estado para a realização da justiça social. O novo ethos político resultava da superação da concepção liberal da separação da sociedade e Estado, traduzia-se, a partir da constatação da mútua perda da capacidade autorregulação, num projeto global da estruturação da sociedade.

O que alicerça o Estado Social é o sistema político que dê a todos os cidadãos um digno padrão de vida[4] como a possibilidade efetiva para se realizarem como homens.

Infelizmente, o Estado Social acabando servindo como forma de assegurar a continuidade do projeto liberal. Nesse sentido, a propriedade privada dos meios de produção passou a viger a função social da propriedade, e da liberdade contratual passou-se ao dirigismo contratual. Contudo o primado básico do Estado Liberal permaneceu apesar de ter o Estado se transformado em intervencionista.

Ao se cobrar papel mais ativo do Estado, rompendo-se com aqueles padrões peculiares da atuação estatal mínima que cobrava o modelo puramente liberal, forjou-se o Estado Social. E, assim, o direito e o processo civil começaram a sofrer os influxos dessa mudança, como reformas legislativas justificadas como rejeição ao individualismo associado aos princípios do liberalismo clássico.

Desta forma, o processo deixa de ser um afazer privado, na medida em que passa a representar o exercício de uma função pública e soberana. Deixa de ser coisa das partes, para ser um locus onde se exprime a autoridade do Estado com o fito não somente de tutelar os interesses privados, mas também, a realizar o interesse público da administração da justiça.

Em síntese, o processo deixa de ser visto como uma forma na qual se explica a autonomia privada no exercício dos direitos, assumindo a forma de instrumento que o Estado coloca à disposição dos privados para a atuação da lei.

Cumpre sublinhar que a passividade desempenhada pelo juiz no Estado Liberal Clássico dava margem à lentidão e ao abuso, vez que as partes e seus defensores tornavam-se árbitros praticamente absolutos.

Afora isso, o processo civil restava infenso aos valores, refletindo possíveis ideologias e, em virtude da tolerância que a tal concepção pressupunha, abrigar em seu seio as mais variadas e contraditórias correntes de opinião.

Dessa forma, a doutrina processual atual naquele momento histórico de transição cuidou de repensar o processo, apostando em maiores poderes do juiz o que refletia o novo papel que o Estado vinha assumir.

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Vale repensar o Estado como instrumento de justiça social visando a um processo mais rápido e eficaz. Assim as reformas processuais possibilitaram a nova dimensão do papel do juiz e das partes e começasse a abandonar a noção de um processo dominado pelos litigantes diante de um julgador passivo e inoperante.

Diante dessa evolução surge o gradativo aumento da importância do Poder Judiciário, aproximando cada vez o processo da Constituição, especialmente a partir do segundo pós-guerra, com a criação dos Tribunais Constitucionais.

Sofreu o processo civil uma profunda transição paradigmática a partir do século XIX, impondo obviamente uma releitura de seus institutos. Mas observamos que tanto o Estado Liberal Clássico como o Estado Social o fim visado é o de adaptação à ordem estabelecida, mantendo-se a já mencionadas separações em especial a do Estado e sociedade.

Há duas vertentes presentes no processo civil no Estado Social. De um lado, autores como Giovani Tarello e Franco Cipriano defendem que as concepções de processo presentes no pensamento de Chiovenda e Klein materializariam uma ideia de processo autoritário.

Tal visualização já foi combatida por Liebman, em 1974, num interessante ensaio no qual ele se contrapõe à leitura feita por Giovani Tarello a respeito da obra de Chiovenda.

Recentemente a partir da linha chamada por Barbosa Moreira de “neoprivatismo processual”, encabeçada por Montero Aroca, Franco Cipriani e Girolamo Montelone.

Em sentido contrário temos no Brasil, os ensaios de Barbosa Moreira, e na Itália, os de Michelle Taruffo, Giovanni Verde e Vittorio Denti.

Quanto maior a separação do Estado da sociedade, mais a relação de cidadania se converte numa relação paternalista de clientela, ou seja, reservando ao cidadão um papel apático e periférico.

Afirma Daniel Sarmento:

“Na medida em que se aprofunda a distância entre governados e governantes, e declina a importância das instituições representativas na estrutura estatal, a relação de cidadania se converte numa relação paternalista de clientela. Cada vez menos os atos do Estado podem ser imputados à vontade majoritária do seu povo, em razão da autonomização da tecnocracia, e da apatia política que contamina uma sociedade que se interessa apenas pelo consumo. É eloquente o fato, de que na linguagem política, a figura do cidadão venha sendo substituída pela do consumidor”. (In: SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.ed. Rio d Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p.23).

A exigência de socialização do Estado passa a exigir não somente o reconhecimento da intervenção dos grupos de interesses e organizações sociais na tomada de decisões políticas centrais, efetivamente, a recondução institucional dessas decisões à vontade democraticamente expressa pelo conjunto da sociedade.

Assim, o cidadão deve ser participante e não como mero receptador da intervenção do Estado. Naturalmente essa autodeterminação democrática é pautada nos limites traçados pela vinculação material dos direitos fundamentais.

Esse caráter democrático implica na constante mutação e ampliação do Estado e do direito objetivando a transformação do status quo.

Dessa forma, percebe-se a efetiva incorporação da questão da igualdade como um conteúdo próprio a ser buscado, garantindo as condições mínimas de vida ao cidadão e à sociedade.

Carrega consigo o Estado Democrático esse caráter transformador, deixando os cidadãos de ser o alvo de atuação do Estado. Essa relação entre a sociedade e o Estado vai refletir a concepção do processo civil, de modo a equalizar a divisão do trabalho do juiz e as partes.

 

Referências:
ALLORIO, Enrico. Significato dela storia nello studio del diritto processuale. Rivista di diritto processuale civile,volume XV, parte I. Anno 1938.
CALAMANDREI, Piero. Processo e democrazia. In: Opere giuridiche. Napoli: Morano, 1956.
CIPRIANI, Franco. Il processo civile nello stato democrático. Napoli: Rivista trimestrale di diritto e procedura civile. Giugno, Ano LVIII 2003.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. O princípio da cooperação: uma apresentação. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.127, 2005.
DEL VECCHIO, Giorgio. Teoria do Estado. Tradução de Antonio Pinto de Carvalho, São Paulo: Saraiva, 1957.
MERRYMAN, John H. La tradición romano-canônica. México: Fondo de Cultura Economica, 1994.
MONTERO AROCA, Juan. Il processo civile “sociale” come strumento di giustizia autoritaria. Rivista di diritto processuale, n.4 Padova, Cedam, v.59, n.2, 2004.
NEUMANN, Franz. El estado democrático y el estado autoritário. Buenos Aires: Paidos, 1968.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.ed. Rio d Janeiro: Lúmen Juris, 2006.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010.
__________________; MORAIS, José Luiz Bolzan. Ciência Política e teoria geral do estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
TARUFFO, Michele. Cultura e processo. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile. Milano. V.63, n.I, 2009.
________________. La giustizia civile in Italia dal”700 a oggi. Bologna: Soc. Editrice il Mulino, 1980.
VERDE, Giovanni. Il processo civile sociale (postila). Rivista di diritto processuale. Ano LIX. N.2 Aprile-Giugno 2004.
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
 
Notas:
[1] Na ideologia clássica liberal o Estado deve funcionar de forma imperceptível, tendo que ser realmente negativo, embora isso tenha resultado numa falácia histórica. Pois o Estado Liberal sempre foi a fortaleza quando lhe exigiram as situações políticas e sociais e os interesses da sociedade, foi um Estado particularmente forte e que havia de governar as leis e os homens com base na força e no direito, na soberania e na liberdade. (In: Neumann, Franz. El estado democrático y el estado autoritário. Buenos Aires: Paidos, 1968, p.30).

[2] De fato, os impostos representaram uma determinante razão para se rogar pela igualdade como um dos pilares da Revolução Francesa, mas pensou-se ab initio, numa igualdade formal, uma igualdade de direitos, sem se preocupar com as desigualdades reais entre as pessoas. Antes da dita revolução, naturalmente, os franceses eram muito mais desiguais em direitos que na realidade, daí vir a revolução suprimir essa desigualdade, porém não a desigualdade no plano real.

[3] A lei é expressa pelo legislador e o juiz é seu porta-voz. Em todas as sentenças o juiz era obrigado a ser referir ao artigo do Código ou da lei ou do decreto real que seria o fundamento da sentença. Esta fora a atitude dos revolucionários franceses posto que temessem que os tribunais conservadores pudessem fazer que os velhos Parlamentos faziam que era coarctar o poder dos políticos que controlavam as assembleias representativas e, em particular a Convenção que era a combinação de Parlamento e governo.

[4] Conforme o preceito de necessidades humanas básicas, nas perspectivas das presentes e futuras gerações, é relevante para reflexão sobre o patamar mínimo de qualidade e segurança ambiental, sem o qual o preceito de dignidade humana restaria violentado em seu núcleo essencial. Dentro do âmbito da proteção do direito à vida, se insere a preocupação com os riscos ambientais contemporâneos, o que resulta na ampliação da normatividade posto que a dignidade humana não se resuma as questões existenciais no plano biológico ou físico, exigindo a proteção da existência humana de forma mais ampla, conjugando direitos sociais e direitos ambientais para encontrar os patamares necessários da tutela da dignidade humana e enfim promover o reconhecimento de um direito-garantia do mínimo.
existencial.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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